Ainda que não muito fértil
em informações, consideramos que o documento que aqui se divulga não
deixa de apresentar certa importância para a história de
Montemor-o-Novo.
Trata-se do traslado de
uma carta de doação, a favor dos frades de Évora, de uma herdade e de
uns moinhos situados no alfoz de Montemor, firmada em Setembro de 1181.
A referida transcrição faz
parte de uma colecção de registos de documentos antigos efectuados, a
partir do ano de 1689, pelos frades do Convento da Ordem de São Bento de
Avis que forma, no seu conjunto, um tombo, já sem capas, existente
actualmente no Arquivo Distrital de Portalegre, sob a designação de
“Livro de Registo dos Foros e Prazos das Fazendas Foreiras às Comendas
de Avis, Benavila, Vila Viçosa e suas anexas e de alguns papeis antigos
que estão no Cartório deste Convento de Aviz.
Através daquele documento
Pedro Peres e sua mulher Dona Maior declaram, para descanso da sua alma,
que dão aos frades de Évora, cujo nome da Ordem não identificam, mas que
presumimos tratar-se dos precursores da Ordem de Avis, uma herdade – de
que faz parte uma vinha e uns moinhos.
Como forma de garantir o
cumprimento daquela sua vontade os doadores estabelecem que quem vier,
no futuro, contrariar o outorgado naquela sua carta, terá de pagar aos
referidos frades de Évora “mille moravitinos”.
De entre os elementos
contidos no citado traslado alguns há que, pelo seu significado, devem
merecer a devida atenção.
Assim, ao descrever as
extremas do que julgamos serem os terrenos em que assentavam os
mencionados moinhos, indica-se que a nascente e a sul confrontam com D.
Pelágio, a poente com Pedro Peres, e a norte com o rio Canha.
Para lá da possibilidade
do doador possuir mais terras na região que as doadas – como sugere o
facto de os bens descritos limitarem com os de um proprietário que dá
também pelo nome de Pedro Peres – surge um D. Pelágio com terras que
confrontam com aqueles por dois lados, o que poderá apontar para a
existência de uma importante personagem com propriedades no termo de
Montemor, não só pelo “dom” que precede o nome próprio e o distingue da
mais de dezena e meia de nomes indicados no traslado, como por poder
tratar-se do então bispo de Évora – D. Pelágio ou D. Paio.
Saliente-se que a
referencia ao limite com o rio Canha – símbolo secular da heráldica
municipal montemorense – que a norte contornava o território entregue
aos religiosos eborenses, afasta qualquer hipótese de o documento em
apreço se reportar a outra qualquer povoação com o nome de Montemor que
não a conhecida Montemor-o-Novo, permitindo desse modo comprovar a
existência deste aglomerado alentejano, pelo menos, desde o já remoto
ano de 1181.
Ao identificar a vinha
outorgada o documento informa-nos que aquela confinava a sul com os
“freires de Palmela”, o que coloca a questão de já então a Ordem de S.
Tiago poder estar sediada naquela alcandorada vila. Verifica-se, por
último, que a carta de doação foi feita e firmada “no mês de Setembro na
Igreja de S. Miguel na era de 1219”, ano de 1181 da era de Cristo, e o
acto presenciado por quinze testemunhas nomeadas na parte final do
documento.
Aquela Igreja cuja
localização não se indica, situava-se, provavelmente, em Coruche onde,
em 1248, existia uma igreja, sede de freguesia, ambas com o nome de S.
Miguel. Coruche, que é referida em vários traslados contidos no citado
tombo da Ordem de Avis, em resultado dos avultados interesses materiais
que esta Ordem possuía naquela vila ribatejana, foi, aliás, entregue em
1176, aos “freires de Évora”, religiosos a quem a historiografia
atribui a origem da Ordem de Avis.
Transcrição do documento
Em nome de Deus
(declaramos) por esta carta que eu, Pedro Peres, com minha esposa Dona
Maior em perfeita saúde, temos uma herdade e uns moinhos em Monte Maior
que doamos aos Freires de Évora para descanso de nossas almas. Os seus
limites são: a oriente Dom Pelágio, ocidente Pedro Peres, a norte o rio
Canha, a sul Dom Pelágio. Damos os moinhos e herdade acima referidos. E
se alguém vier contra isto pagará mil morabitinos e para os frades mil
morabitinos.
Feita e firmada esta carta
no mês de Setembro, na Igreja de S. Miguel era de mil duzentos e
dezanove (ano de 1181 da era de Cristo). Nós acima, que esta carta
mandamos fazer perante os homens bons, confirmamos e o nosso sinal
fazemos perante as testemunhas presentes que viram e ouviram. Os limites
da vinha são a oriente Estevão Passado, a ocidente Dom Cipriano, a norte
Vicente Gonçalves Colenna, a sul Freires de Palmela. Testemunhas:
Estevão Passado, Ermigres, João Mendes, Estevão Miguel Tapis, Zalabas,
Pedro, Estevão Mendes, Pedro Geraldes, Martinho João Sutor, Domingos
Amossa, Domingos João, João Martins, Martinho Gonçalves, Domingos
Vicente Vide. |
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In: Revista de Cultura
“Almansor”, n.º 11 (1993) |