Classificado como Imóvel
de Interesse Público desde 1997, processo que define a zona de afectação
como “non aedificandi”, este arqueossítio localiza-se num outeiro
sobreelevado, perto da ribeira de Lucefecit, tendo sido alvo, desde
finais do século XIX, de algumas intervenções arqueológicas que
permitiram a recolha de mais de oito centenas de epígrafes latinas e
estatuária votiva, entre as ruínas da ermida de São Miguel, cuja planta
foi levantada por Gabriel Pereira, em 1889, e os vestígios das
estruturas do santuário, cuja fundação está atribuída à primeira
centúria da nossa era.
Do santuário aparentemente
resta uma plataforma quadrangular, permanecendo no local vestígios de
fragmentos e artefactos marmóreos, sendo que um estudo recente (2002)
aponta para uma sobreposição construtiva entre os dois monumentos, com
reutilização na ermida dos elementos arquitectónicos pertencentes ao
santuário. A área circundante aparenta estruturar-se em plataformas,
onde foram recuperados materiais cerâmicos consentâneos com uma ocupação
romana exclusiva do espaço, estando ausente espólio da Idade do Ferro e
autóctone, constatação que refuta a tese de um culto pré- existente.
As últimas
investigações topográficas e arqueológicas efectuadas por Amílcar
Guerra, Thomas Schattner, Carlos Fabião e Rui Almeida, iniciadas em
2002, no âmbito de um projecto de investigação, permitiram confirmar
as observações publicadas por Manuel Calado, em 1993, e confrontar
alguns dos pressupostos avançados por Leite de Vasconcelos, a quem
se devem os primeiros trabalhos arqueológicos no local,
destacando-se o abundante acervo epigráfico e escultórico recolhido
em 1890 e nas intervenções posteriores.
A escavação agora
efectuada permitiu reconhecer que o objectivo a que se propunha
Leite de Vasconcelos implicara a demolição da ermida cristã, de
forma a recolher todos os elementos nela reaproveitados provenientes
do santuário, embora não tenham sido atingidos alguns alicerces,
onde os trabalhos recentes vieram a detectar sepulturas, estatuária
e aras votivas epigrafadas dedicadas a Endovélico. |
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Ainda assim, a quantidade
de informação fornecida sobretudo pelo acervo epigráfico permite-nos
percepcionar a abrangência da divindade e contextualizar o culto. Quanto
ao primeiro ponto, os estudos efectuados apontam para uma divindade
latina, tradicionalmente relacionada com a presença de uma fonte ou
fontes que brotariam no santuário, onde existiria um corpo sacerdotal e
funcionários dedicados a receber os ofertantes e a proceder aos
sacrifícios e rituais; por outro lado, trata-se de um deus tutelar,
vocacionado para atender os pedidos dos seus fiéis, conforme atestam as
fórmulas e relevos simbólicos expressos nos registos ali deixados.
José Cardim Ribeiro, no
seu texto publicado no extenso catálogo da exposição Religiões da
Lusitânia (Ribeiro, 2002, p. 79-90) resume o carácter poderoso desta
divindade, praesentissimi et praestantissimi numinis, expressão
que Sextus Cocceius Craterus Honorinus, eques romanus utilizou
para qualificar o deus.
É portanto uniformemente
reconhecida a necessidade de dar continuidade às investigações sobre o
santuário de Endovélico, património de excepção que ultrapassa
consideravelmente as evidências de qualquer outra divindade “indígena”
nas províncias europeias (Encarnação, 1984, p. 801).
BIBLIOGRAFIA
CALADO, M. (1993),
Carta Arqueológica do Alandroal, Alandroal.
ENCARNAÇÃO, J. d’
(1984), Inscrições Romanas do Conventus Pacensis, Coimbra.
GUERRA, A. et alli
(2003), Novas investigações no santuário de Endovélico (S. Miguel da
Mota, Alandroal): a campanha de 2002, Revista Portuguesa de Arqueologia,
6, nº 2, Lisboa, p. 415-479.
PEREIRA, G. (1889),
O Santuário de Endovélico, Revista Archeologica, III (9-10),
Lisboa, p. 145-149.
RIBEIRO, J. C.
(2002), Endovellicvs, Religiões da Lusitânia, Loquuntur Saxa,
M.N.A., Lisboa, p. 79-90.
VASCONCELOS, J. L.
(1890), O Deus Lusitano Endovélico, I notícia sucinta, Dia,
reproduzida em
Opúsculos, V,
Imprensa Nacional, Lisboa, p. 197-206. |