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O TOCADOR DE RABECA

 

Luís Jordão

 

Esta é, consta-se, a verdadeira história de uma das quadras mais ditas, embora de forma intencionalmente picaresca / chocarreira, sobre a feira de Castro Verde. Assim, usando a tradicional formula...

...Era uma vez um sujeito de altura meã, seco de carnes, que se apresentava de atavios modestos mas, via-se, com alguns toques de cuidado, por exemplo aquele chapéu velho, muito bem escovado, posto provocantemente à banda. Ele era o tocador de rabeca, o tal instrumento musical de cordas, que se ferem com uma espécie de arco, e toca, toca e volta a tocar aos ritmos da época abrilhantando os bailes que se faziam nas noites das festas e feiras por todo o Alentejo, e até pela serra Algarvia. Quando a festa era mais"rica" até lhe proporcionavam a companhia de um tocador de concertina, e então aí é que a coisa estalava.

Dava sempre gosto, fosse em que terra fosse, ouvir a musica e ver a rapaziada afogueada, e, de atalaia, não fosse o diabo tecê-las porque a carne é fraca, as mães. Em fundo, quando se estava no sul do Alentejo interior, havia sempre como som de fundo uma cantiga de grupo.

Na grande feira de Castro, num ano como todos os outros, durante os escassos, e sempre indesejados, por parte da rapaziada nova, intervalos do balho, junto ao balcão e em todas as poucas e ensebadas mesas, bebiam-se ainda mais uns copos. Merecia a pena, o petisco e o vinho eram bons e, além disso, tão ou mais importante, havia a companhia.

Encontravam-se bons amigos e outros nem tanto, festejavam-se negócios que tinham corrido bem, lamentando-se os que assim não tinham sido. E cantava-se, bem, as cantigas que contavam a vida, as lutas e o mundo que os rodeava, numa terra dura e, quase sempre, madrasta para a esmagadora maioria deles. E o tocador de rabeca, na sua cadeira colocada em cima de uma mesa reforçada e maior do que o habitual, estrategicamente situada, continuava manifestando a sua arte.

E a noite ia avançando. Ele já não sentia nada: nem o braço que habilmente movimentava o arco e muito menos as nalgas. O cérebro, automaticamente, dava as ordens e a rabeca lá ia cumprindo a sua missão.

E lentamente, mas só para ele, o céu foi clareando e o numero de pares diminuindo.

Finalmente, com o alvorecer o baile acabou, e o massacrado rabequista, trôpega e atabalhoadamente lá desceu do seu destacado poiso. E então, depois de limpar e arrumar carinhosamente as / 40 / duas peças do seu instrumento, em pé, na frente de um copo de bom vinho e de um prato de comida, a sua veia repentista veio à tona, e a "criação" surgiu, espontânea, como que num desabafo:

Adeus ó feira de Castro

Já te fico conhecendo

Tenho a ponta do pau gasto

E as bordas do cu ardendo

... E foi assim, não sei se se pode considerar feliz, o fim desta história, faltam dados de vária ordem, que nem de perto nem de longe nos compete averiguar, nem sequer sabemos se o rabequista foi bem ou mal pago, especialmente se tivermos em conta as suas queixas sobre o, segundo ele, mau estado do seu traseiro, bem como o desgaste da ponta do arco.

Resta-nos, isso sim, ficar satisfeitos com a "obra" criada como consequência, e deixar aqui o seu registo.

Acesso aos textos de Luís Jordão

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