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Calvão

   
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Ficha técnica

O navio “Calvão” foi construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Foi o último de três Navios de Pesca Polivalentes, iguais, que estes estaleiros construíram para a Empresa de Pesca de Aveiro, (construções n.º 96, 97 e 98, respectivamente “Murtosa”, em 1976, e “Pardelhas” e “Calvão”, em 1977). São navios a motor, de casco em aço, para a pesca de cerco do atum, da sardinha e do arrasto pela popa, com redes de fundo pelágicas e semi-pelágicas. Trata-se de navios de alta tecnologia para a época.
 

Características principais

 

Dimensões principais do navio

Comprimento de fora a fora . . . . . . . . . . . . . 61,40 m

Comprimento entre perpendiculares . . . . . .

54,40 m

Boca máxima na ossada fora  . . . . . . . . . . .

11,70 m
Pontal ao convés inferior . . . . . . . . . . . . . . . 5,10 m
Pontal ao convés superior . . . . . . . . . . . . . . 7,35 m
Imersão média (navio carregado) . . . . . . . . 4,40 m
 
     
 

Capacidades principais

Porões de peixe congelado ………………….. 780 m3
Tanques de congelação ……………………… 81 m3
Tanques de combustível ……………………….. 310 m3
Tanques de água doce …………………………. 24 m3
Tanques de água destilada  …………………… 15 m3
 

 Tripulação ……………….....………………… 36 homens

Motor propulsor A potência máxima de propulsão, em regime contínuo, é de 2000 HP, fornecida por um motor diesel da marca “Fairbanks Morse” tipo 38 D 1/8, de 10 cilindros a 900 rpm, que permite navegar a 14 nós.

Impulsor transversal de proa Para aumento da manobrabilidade, o navio tem um impulsor transversal de accionamento hidráulico. Este impulsor pode trabalhar em qualquer dos sentidos e tem uma potência de cerca de 150 CV.

O comando deste impulsor pode ser feito do posto de manobra de cerco, e do posto de manobra da ponte de navegação.

Grupos geradores Os geradores principais são em número de 4, sendo dois de 304 KW, 380 KVA, e dois de 200 KW, 250 KVA, com factor de potência de 0,80, 380 V, 3 fases, 50 HZ, trabalhando a 1000 rpm, accionados por motor diesel.

Os grupos geradores estão providos de equipamento de arranque automático, comutável.

Guincho de pesca O guincho de pesca é do tipo «combinado» para as pescas de arrasto (de fundo e pelágica) e de cerco (da sardinha e do atum). Dispõe, portanto, de dois tambores para o cabo real de arrasto (2x3000 m de cabo de aço de 26mm de diâmetro) de dois para a retenida do cabo de cerco (2x2000 m de cabo de aço de 20 mm de diâmetro), de dois tambores laterais auxiliares para as malhetas de fundo (2x250 m de cabo de 26 mm de diâmetro), de dois cabeços laterais auxiliares para as manobras, de dois tambores para o cabo de alar a rede de arrasto através do pórtico de vante e outro para o cabo de içar o saco através do pórtico de ré.

A força de tracção máxima combinada, na espira média do cabo real é da ordem das 12 T a uma velocidade de 85 m/min.

O guincho é de accionamento hidráulico e dispõe de freio e de embraiagem independente para cada tambor, accionados hidraulicamente ou pneumaticamente.

Os espalhadores de cabo são automáticos e de accionamento hidráulico, com dispositivo de accionamento manual de emergência.

Instalação hidráulica A potência hidráulica para o guincho de pesca, impulsor transversal, alador de redes, guinchos de carga, guincho de manobra, enrolador pelágico, etc., é obtida a partir de uma central hidráulica com quatro grupos electro-hidráulicos, sendo dois deles de uma potência da ordem dos 162 KW, e os outros dois, da ordem dos 59 KW. As bombas são de débito variável.

Sistema de congelação do peixe e de refrigeração dos porões O sistema de congelação é do tipo polivalente de forma a congelar peixe inteiro, filetes ou atum, em túneis de congelação, e sardinha ou atum pequeno em quatro tanques de salmoura.

Quando funcione em águas tropicais e congele nos tanques de salmoura, a instalação tem capacidade para:

1 – Congelar 45 T de sardinha em 24 horas.

2 – Manter -29ºC nos porões isotérmicos com uma capacidade total de 780 m3.

Nas mesmas condições ambientes e quando congele nos túneis, a instalação pode:

1 – Congelar 22 T de peixe ou filetes em 24 horas.

2 – Manter -29ºC nos porões isotérmicos.

Há ainda a possibilidade de utilização simultânea do sistema de salmoura e dos túneis, mas com capacidades mais baixas.


Climatização e ventilação
O navio está dotado de uma instalação de climatização de ar para alimentação de todos os alojamentos, da ponte, cozinha, despensa, e do paiol de mantimentos.

O sistema foi projectado para assegurar, quando as condições exteriores forem de +35º C e 70% de humidade relativa, condições interiores de +26º C e 50% de humidade relativa.

Para as zonas árcticas,  considerando  temperaturas  exteriores  de -25º C, é possível manter uma temperatura interior de +20ºC.
 

Equipamento electrónico O navio foi equipado com os mais modernos equipamentos electrónicos de apoio à navegação e pesca.
 

Consolas de comando e controle na ponte A disposição de vários comandos, órgãos de controlo e outros, na ponte, é um arranjo funcional com integração na maior parte deles, em consolas de forma, dimensões e disposição adequadas, sendo uma das consolas para a navegação, com comando do aparelho propulsor, no lado de vante da ponte de navegação, e outra consola para os comandos e controle de pesca de arrasto e cerco.
 

Actividade operacional O navio “Calvão”, após muitos anos de serviço na pesca da pescada na África do Sul, Namíbia, e no Chile, passou para a pesca do bacalhau no Atlântico Norte, zona onde aos 36 anos de idade continua a trabalhar superando as duras condições que esta modalidade exige. É um navio robusto, de muito boa estrutura, e bem equipado.

Francisco Cravo foi o chefe dos serviços técnicos da E.P.A. de 1980 a 1882 e, mais tarde, de 1990 a 2003, já com a empresa na posse de outro armador.

Francisco Cravo – 06/2013


Notas adicionais

Depois da especificação técnica do Eng.º Francisco Cravo, Primeiro-Maquinista do Murtosa e, mais tarde, Director dos Serviços Técnicos da EPA, tendo-me a mim por companhia, cumpre-me informar o seguinte:

a) – A 8 de Fevereiro de 1974, o Sr. Comendador Egas Salgueiro, falecido em Junho de 1977, o que talvez o tenha impedido de o ver concretizado, disse-me que tinha um sonho: a construção destes navios. Nessa data, de Encarregado passou-me a Chefe de Serviços.

b) – Para dar cumprimento a esse sonho, foi criada uma comissão técnica, constituída pelo Director dos Serviços Técnicos, Eng.º Camoesas, o Rádio Telegrafista e Chefe dos Serviços Electrónicos de Telecomunicações, Álvaro Morgado, e a minha pessoa, João Pires Simões, que assumiu o cargo de Chefe dos Serviços Eléctricos e de Electrónica Industrial. Afastou-se deste projecto o Sr. Capitão João Laruncho São Marcos, Director de Armamento da EPA, por não concordar, entre outras coisas, com este tipo de polivalência. Na realidade, eram e ainda são de uma tecnologia muito avançada. Fiquei espantado como nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, com um pantógrafo se conseguia cortar chapa para 3 navios, numa sala de risco com uns simples 30 m2. A sala de desenho era espantosa. Tudo liderado pelo Sr. Narciso, chefe dos serviços eléctricos dos E.N.V.C. Tendo apenas uma Máquina Principal e um barramento, os Grupos Electrotécnicos, da marca Caterpillar, eram representados em Portugal pela STET. Os alternadores de regulação electrónica eram ingleses da Macfarlene, representados em Portugal por Morais Couto, da Gelpor, em Sintra. Como tudo o que é novidade é interessante, os problemas também são muitos. Não os devo mencionar, por demasiada complexidade, o que sairia do âmbito desta descrição.

c) – Pela primeira vez, foi instalado a bordo um sistema de alarmes centralizados da Visicon, de Monsanto, no estado de Maryland, nos Estados Unidos, Empresa que depois faliu. Valeu-me a Universidade de Aveiro, na pessoa do então Eng.º Estima de Oliveira, que me fabricava as placas electrónicas.

d) – Possuía um sistema de Detecção e Controle de incêndios, do fabricante sueco de Engenharia Naval, Autrónica, aprovado pela Lloyd’s Register.

e) – Como guinchos hidráulicos, a velocidade era muito baixa, o ruído muito elevado e a manutenção, por vezes, tornava-se cara, porque quem manobrava não o fazia com perfeição.

f) – Tinham autonomia para chegar a Punta Arenas, no Estreito de Magalhães, já no Chile; mas, para retornar a Portugal carregados, tinham que se abastecer em Dakar.

g) – Por lá ficou encalhado o Pardelhas, na Ilha Madalena, junto aos Pinguins-de-Magalhães.

h) – O Calvão teve em 1979 um incêndio que me obrigou a ir à África do Sul. É o único ainda hoje a pescar, tendo há relativamente pouco tempo, em 2019, chegado de Angola, onde andou à pesca do Besugo (Goraz).


Algumas memórias dignas de registo relativas a 1974 relacionadas com o Murtosa, o Pardelhas e o Calvão

Os três navios referidos foram construídos quase ao mesmo tempo, pela ordem acima indicada.

a) – Viajávamos para Viana, num Fiat 127 branco da EPA.

b) – Tinha chegado da Guerra em Angola em 1970. Recordava-me do 14 de Março, nas Caldas da Rainha, onde comecei o S.M.O.. Tinha saído o livro do General Spínola Portugal e o Futuro.  No caminho das penosas viagens  para Viana, às Segundas, Quartas e Sextas, adivinhávamos que algo iria acontecer. Quando chegava a Aveiro, pelas 18 horas, entrava directamente no Liceu, pois como trabalhador-estudante andava neste estabelecimento de ensino a tirar os Complementares, que não havia na E.I.C.A.

c) – Onde estava no momento 25 de Abril de 1974?

Aveiro, às 7 da manhã, estava deserta. Fui para a Gafanha, para a TSF, sintonizar a BBC, no Santa Isabel, curiosamente construído em Viana em 1972. O 25 de Abril ocorreu a uma Quinta-Feira. Na Sexta não me deixaram entrar nos Estaleiros, porque estavam em greve!

d) – A inauguração do primeiro navio, o Murtosa foi festejada, na companhia  do Eng.º Pimpão, o Administrador, que entretanto tinha saído dos Estaleiros de São Jacinto, com um almoço no Restaurante típico de Viana, ainda hoje existente, os “Três Potes”.

e) – Na primeira prova de mar do Murtosa da Barra de Viana, ficámos sem máquina a 30 milhas da costa, por defeito de uma manobra do americano representante da Máquina Principal.

f) – Dançar ao som das ondas acústicas, na ria de Aveiro, é fácil; difícil é fazê-lo nas ondas do mar! Por isso, nas saídas da Barra de Aveiro para provas de mar, todos os que tomavam parte nos ensaios iam satisfeitos no convés; porém, passada a barra e em alto mar, acabavam-se as facilidades e era vê-los irem deitar-se nos beliches!

f) – Haveria de voltar a Viana, para transformar o novo Santa Isabel, que de salgador passou a congelador, e lhe aplicar um guincho de rede pelágica, da francesa Brissonot, projecto que era “Confidencial” da Yamaha. Inverters de motores em corrente alterna, que não se dão bem, com as ondas do mar. o guincho também «enjoou» e ardeu totalmente apenas ao fim de 17 horas de trabalho. Uma fortuna que custou, esfumada num curto espaço de tempo! Não sei como será hoje. Gastava uma fortuna em gasóleo. Por isso foi vendido para Espanha e depois voltou para a EPA, agora com outros proprietários.

g) – Costumo dizer que, se não fosse de Aveiro, gostaria de ter nascido em Viana. Para matar saudades, costumo visitar o navio hospital Gil Eannes, construído nos ENVC em 1955 e também, para não esquecer as festas de Nossa Senhor da Agonia, onde já foi madrinha a saudosa fadista Amália Rodrigues.

Aveiro, Maio de 2019.

João Pires Simões

 

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28-06-2019