Acesso à hierarquia superior.

TEXTOS DIVERSOS

Rua Tenente Resende

A Rua Tenente Resende (1870-1904), no bairro da Beira-Mar de nascente para poente, começa na Praça 14 de Julho e termina frente ao chafariz da Praça do Peixe. No n.º 17 da Rua Antónia Rodrigues, junto à capela do São Gonçalinho, nasceu Francisco Resende, a 21 de Janeiro de 1870, Tenente de Cavalaria Nº 7. Foi morto em combate contra os Cuamatas, em Angola, a 29 de Setembro de 1904. Entretanto, em 1903-1904, devido aos seus actos de heroísmo, foi laureado com uma Medalha de prata de valor militar e o Grau de Cavaleiro da Torre e Espada.

Na campanha de pacificação liderada pelo General Alves Roçadas, no Sul de Angola, forças portuguesas atravessaram o rio Cunene e construíram o forte Alves Roçadas, na vila Alves Roçadas, instalada numa colina, de atalaia sobre o rio, vigiando os nativos do município do Cuanhama, pretendendo nós consolidar a colonização.

Não consta do livro «Ruas Que São Gente», uma edição da C.M.A. Também concordo ser difícil que todos estejam num só livro; mas como se cruza com África, nomeadamente com Angola, resolvi escrever este artigo.

No local já referido da Rua Antónia Rodrigues, o tenente Francisco Resende tem uma lápide em pedra de Ançã, documentada na foto tirada pelo autor, a historiar os seus feitos, bem juntinho à Capela do São Gonçalinho, freguesia que me viu nascer e onde casei nos anos 60, numa altura em que eu andava na Guerra do Ultramar, em Angola. No entanto, ficando esta informação no Hall de entrada do prédio, agora reconstruído, passa despercebida à maioria das pessoas.

Historiemos um pouco, recorrendo em parte ao meu imaginário e também às minhas pesquisas.

Cuanhama é um município da Província do Cunene, sendo os Cuamatas os nativos desta região. Nas Campanhas do Cuanhama, sob a égide de Alves Roçadas, ele chegou foi em 1975 até Vila Roçadas. No entanto os nativos continuaram a usar o nome de Xangongo, na Província do Cunene, esquecendo as ordens da distante Lisboa.

Sempre houve a necessidade, por motivos tribais e não só, de pacificar estas e outras zonas de África, como aconteceu ao General João de Almeida, que viveu em Aveiro, na casa do Seixal.

Na Província da Huíla, cuja capital é Lubango, ex-Sá da Bandeira, a Vila João de Almeida é hoje designada por Chibia. Nos tempos em que estive na Guerra em Angola, era fácil morrer, porque a guerra de guerrilha não respeita as leis da Guerra. Na época em que morreu o Tenente Resende, numa destas acções de pacificação, não faço ideia como seria. Assim, interessa mais uma vez e para conhecimento das gerações vindouras, homenagear os militares que serviram sob a bandeira de Portugal, neste caso em Angola. Não é impunemente que se vive algum tempo no continente negro. Este tempo aqui passado acaba quase sempre por nos amarrar a esta terra vermelha, uma “amarração” para toda a vida, como se fosse uma dádiva do Céu!

Em Vila Roçadas, bem pertinho das quedas do Ruacaná, onde era um encanto tomar banho, mas sempre atento aos jacarés no rio Cunene, pois os “Alfaiates” são astutos e silenciosos. O Forte que Portugal ergueu foi, aos poucos, perdendo o seu espírito militar, acabando transformado num degredo para criminosos de delito comum e presos políticos.

O rio Cunene, onde abundava muito peixe, o que seguramente deverá ainda manter-se, apresenta quase sempre um grande caudal. As chuvas são abundantes. O céu cor de chumbo é frequentemente iluminado por fortes descargas das trovoadas, ribombando com enorme estrondo, como que anunciando as descargas de água que em breve fazem transbordar o leito do rio, alagando as margens, que deixam de ser uma savana para se transformar numa “chana”. Nos momentos mais calmos, sem os estrondos da trovoada e o barulho das fortes descargas de água, ouve-se o cantar da passarada, entre as quais as águias pesqueiras são uma constante. Pelicanos endémicos, nesta província do Cunene, no sul de Angola, embelezavam também a paisagem.

Conhecedor profundo do mato, dou por mim às vezes a imaginar impalas fêmeas, com os respectivos machos de majestosas armações, de pele acobreada, a trincar rebentos nas espinheiras enverdecidas pelas chuvas. As doenças, em tempos mais recuados, sem o avanço da medicina tal como a conheci durante o meu período em Angola, não deviam facilitar as expedições. Eram comuns a biliosa, o tétano, o carbúnculo, a meningite, a malária. Por vezes havia ainda a dificuldade de comunicação com os nativos, por causa do seu dialecto Cuanhama (Kwanyama). Aliás, mesmo no morrer em combate, resta saber como, pois o militar em causa poderia estar muito debilitado fisicamente pela doença.

Recordo aqui a saga épica do explorador Dr. David Livingstone, escocês, também missionário, que por duas vezes saiu da portuguesa Luanda para as suas expedições ao sul. Falecido em 1873, já antes tinha demonstrado a eficácia do quinino no tratamento da malária. Embora não sendo uma doença africana, era a mais comum neste Continente, transmitida pela mosca tsé-tsé, que o devia incomodar, tal como sucedia também connosco, quando andávamos por terras africanas. Nem repelentes de insectos, nem as protecções dos mosquiteiros nos conseguiam proteger eficazmente. E o mais grave é que os nossos soldados ignoravam as recomendações e recusavam a tomada dos comprimidos que eram distribuídos regularmente a todos os elementos. Mas no tempo de Livingstone estes recursos ainda não existiam e, ironicamente, acabou por falecer devido à malária. Reza a história que o seu coração está carinhosamente sepultado em África e o seu corpo embalsamado na Abadia de Westminster, em Londres, em homenagem ao homem, que fez luz sobre a África negra e contribuiu para o fim da escravatura.

Termino convicto que, não sendo escritor, e que é para mim um enorme esforço narrar estes factos, terei prestado um bom serviço à região de Aveiro, especialmente aos Cagaréus da minha cidade, não negando que um dia gostaria de sobrevoar mais em pormenor estes locais mais a sul, com os olhos de “Deus”, o coração e a alma, num Céu onde as estrelas são mais brilhantes.

Aveiro, 24 de Abril de 2021

João Pires Simões

  página anterior início página seguinte

30-06-2021