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Éramos como dois irmãos...

Eu conheci o António como correntemente alguns de nós lhe chamávamos há quase meio século, mais propriamente em Março de 1971, quando fui convidado para aderir ao Movimento Lions, através do então existente Lions Clube de Aveiro, fundado no ano anterior e de que o Gaspar Albino tinha sido o seu primeiro Presidente.

Desde essa época, desenvolveu-se entre nós uma empatia especial que foi crescendo ao longo dos anos até nos tornarmos como verdadeiros irmãos e confidentes. Todos os dias falávamos, pessoalmente ou, pelo menos, pelo telefone.

Tive o privilégio de o acompanhar nas deslocações que as altas funções de que foi investido no Movimento Lions exigiam, nomeadamente Governador do Distrito 115, (uma vez por direito próprio e outra, igualmente por eleição em substituição de sua mulher Maria Claudette que, infelizmente, falecera na altura em que ia iniciar o mandato para que fora eleita) e de Presidente do Conselho Nacional de Governadores, órgão máximo a nível do país.

Como pessoa era um homem bom, afável, amigo do seu amigo e com uma característica rara, uma capacidade de conciliador, de estabelecer pontes, como agora se diz, tendo conseguido sanar numerosos conflitos, alguns deles bem complicados, no decurso das funções acima referidas.

Era um homem de uma imensa cultura quer literária, quer artística.

Quer os seus escritos quer as suas intervenções de improviso foram sempre imensamente apreciados. Era frequentemente solicitado para elaborar memorandos históricos de diversas instituições ou fazer apresentações introdutórias de alguns eventos. Os textos que frequentemente eram inseridos no "Diário de Aveiro" ou no "Correio do Vouga", relatando factos antigos da sua vivência, tinham imenso interesse, porque falavam, não apenas da sua própria experiência, mas contava aos mais novos como viviam as gentes nessa época, as dificuldades por que passavam mercê da grande pobreza.

No plano artístico era pintor de enorme relevo, com uma obra extensa e representada em diversos locais, tendo participado em inúmeras exposições individuais e colectivas. Na sua obra predominavam sobretudo aspectos representativos. Neste âmbito, para além de uma variedade imensa de temas, produziu inúmeros retratos de pessoas amigas, entre os quais eu fui um dos beneficiados e que cada vez que o olho me aviva a saudade imensa que me deixou.

Nós éramos como dois irmãos, como acima referi. Procurávamos apoiar-nos um ao outro nos problemas do dia a dia até que, mercê da infelicidade de ambos, chegámos, ainda que com alguns anos de diferença, ao estado de viuvez, facto este que veio unir-nos ainda mais, conduzindo como que a um trato que, salvo qualquer motivo de força maior, era “sagrado”. Todos os Domingos almoçávamos juntos. Seguia-se uma volta pelos arredores do local escolhido para o almoço, fazíamos questão de passarmos pela Senhora de Vagos, de que ambos éramos devotos, e regressávamos a nossas casas ao final da tarde.

Nada apagará o vazio que deixa a todos que privaram com ele, mormente àqueles que mantinham contactos tão frequentes como se de família se tratasse.

A única compensação, se tal puder ser considerado como tal, foi a satisfação para ele próprio de poder ir juntar-se à sua querida Claudette, anseio esse que ele exprimia com frequência, face aos inúmeros sofrimentos de carácter físico que, infelizmente, o afectaram nos últimos anos.

Que descanse, finalmente, em paz!

José Balacó 

 

 

16-11-2017