Sei de um cais que já
foi vivo. Onde os namorados se escondiam entrelaçados,
rebolando nas margens, sobre o feno humedecido pela maresia.
Onde as palavras
dóceis se confundiam com os piropos matreiros, os beijos
roubados, o estalar das bofetadas das cachopas e os sorrisos
corados dos rapazes.
Onde os corpos se
roçavam timidamente e os corações bailavam a valsa dos
amores envergonhados, nas tardes alaranjadas de Agosto,
quando o sol mergulhava a refrescar-se nas águas da lagoa e
as gaivotas grasnavam, rasteiras, a anunciar a hora do
recolher.
Sei de um cais de onde
os barcos zarpavam pela madrugada, carregados de sonhos e
aonde voltavam à tardinha, repletos de felicidade.
Onde as marés de junco
e de moliço formavam oásis de bonança, em cima da muralha.
Um cais que foi esquecido, abandonado. De onde se
extinguiram barcos e homens, a beleza e a esperança.
Um cais que parou no tempo. Que jazeu, morto. Um pedaço de
nós, desprezado.
Sei de um cais que
quis devolver-se à terra e aos homens, mas aonde a maioria
não voltou; nem os homens, nem os barcos, nem a alegria dos
tempos idos.
Um cais a que lavaram
a cara, vestiram de novo, pintaram de fresco, engalanaram,
mas que hoje – ainda assim – mais não é que um cais de
suspiros e de saudade.
|