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Francisco José Rito, Entre o olhar e a alma, 1ª ed., 2013, pág. 21.

Cais da saudade

Clicar para ampliar.Sei de um cais que já foi vivo. Onde os namorados se escondiam entrelaçados, rebolando nas margens, sobre o feno humedecido pela maresia.

Onde as palavras dóceis se confundiam com os piropos matreiros, os beijos roubados, o estalar das bofetadas das cachopas e os sorrisos corados dos rapazes.

Onde os corpos se roçavam timidamente e os corações bailavam a valsa dos amores envergonhados, nas tardes alaranjadas de Agosto, quando o sol mergulhava a refrescar-se nas águas da lagoa e as gaivotas grasnavam, rasteiras, a anunciar a hora do recolher.

Sei de um cais de onde os barcos zarpavam pela madrugada, carregados de sonhos e aonde voltavam à tardinha, repletos de felicidade.

Onde as marés de junco e de moliço formavam oásis de bonança, em cima da muralha.
Um cais que foi esquecido, abandonado. De onde se extinguiram barcos e homens, a beleza e a esperança.
Um cais que parou no tempo. Que jazeu, morto. Um pedaço de nós, desprezado.

Sei de um cais que quis devolver-se à terra e aos homens, mas aonde a maioria não voltou; nem os homens, nem os barcos, nem a alegria dos tempos idos.

Um cais a que lavaram a cara, vestiram de novo, pintaram de fresco, engalanaram, mas que hoje – ainda assim – mais não é que um cais de suspiros e de saudade.

 

 

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16-10-2013