Na Paróquia de Aradas existe há séculos uma notável cruz de
prata, de elevado valor artístico e também grande valia monetária. Por
tudo isso, foi fonte de sérias preocupações aquando das Invasões
Francesas – 1807 a 1810 –, época que passou escondida, enterrada num
curral de vacas, ao que sempre ouvi contar. Além de bonita é também uma
peça muito grande: pesa cerca de sete quilos e meio.
Exactamente um século após as Invasões Francesas, a Cruz da
Fábrica voltou a ser motivo de algumas discussões. Tudo começou quando a
Junta decidiu, na sessão ordinária de 18 de Março de 1906, as condições
da sua utilização em cerimónias públicas. Diz-nos a respectiva acta que
a Junta deliberou “que d’hoje para o futuro, attendendo aos estragos
feitos à cruz grande, de prata, pertencente a esta Junta, não seja
permittido que a levem aos acompanhamentos, nos enterros, menos que não
entrem com a quantia de trez mil reis, no cofre da Junta, por meio da
respectiva guia; e que só poderá sahir, alugada, para fora da freguesia,
mediante a quantia de quatro mil e quinhentos reis, sendo conduzida,
neste ultimo caso, por pessoa da confiança da Junta, e a quem esta
pagará o trabalho da condução e guarda, ficando por este modo destinada
a abrilhantar as procissões desta freguesia somente, visto ser um
objecto de grande valor, não só pela materia prima, mas pelo trabalho
artistico e antigo que a mesma encerra”.
Parece que as pessoas não apreciaram a decisão da Junta.
Vejamos, a propósito, o que diz a acta da sessão ordinária de 1 de Abril
de 1906, que se transcreve parcialmente: “… mas tendo chegado ao seu
conhecimento (do Presidente) o desagrado que aos parochianos causara a
prohibição da comparencia da cruz de prata nos enterros, sem que
pagassem a quantia de trez mil reis; e reconhecendo que o intuito dos
mesmos é o de conservar os usos e costumes da freguesia, o que é justo,
e que a deliberação que a Junta a este respeito tomara não era movida
pela ganancia, mas sim para evitar a sua deterioração; reconsiderando,
resolveu que ficasse sem effeito a parte daquella sua deliberação no que
diz respeito ao serviço da cruz dentro da freguesia, mas que para evitar
qualquer descuido da parte dos Juizes da Egreja, a cargo dos quaes se
acha o serviço e guarda da dita cruz, que estes sejam chamados à
presença da Junta para tomarem a responsabilidade d’ella e de qualquer
prejuizo que possa soffrer até à entrega a outro que lhe suceda,
verificação e entrega que se realizará perante a mesma Junta, assignando,
sempre, cada um, a acta da sessão em que lhe seja feita a entrega”.
Mas as preocupações da Junta não se esgotavam no problema da
preservação do bom estado da cruz. Havia outros abusos, que era
necessário reprimir. Por isso, a acta da sessão ordinária de 5 de Agosto
de 1906 diz que a Junta, “tomando conhecimento de que pessoas estranhas
à freguesia têm ido ilegalmente extrair areia para construções ao baldio
do Carregueiro, deliberou que para o futuro o preço de cada carro de
areia daquele baldio seja de cem réis; e que todo o indivíduo, de fora
da freguesia, que seja encontrado sem a respectiva guia assinada pelo
tesoureiro da Junta, fique sujeito à multa de mil réis por cada carro de
areia, independentemente de procedimento criminal”; e, ainda, “que
qualquer paroquiano desta freguesia possa exigir a guia aos condutores,
podendo, no caso de infracção, apreender o carro e bois para o pagamento
da multa, de que terá metade o denunciante e outra metade para a Junta
de Paróquia”.
Na sessão ordinária de 30 de Setembro de 1906 prestou
juramento, e tomou posse como vogal efectivo, em substituição de Manuel
da Rocha Ribeiro, que falecera, o vogal substituto mais votado, que era
José Maria João da Rosa.
Na sessão ordinária de 28 de Abril de 1907, a Junta decidiu
adquirir as madeiras para a casa paroquial. “Approvada a acta da sessão
anterior, a Junta resolveu adquirir as madeiras orçadas para a casa da
residência, autorizando o presidente a pagal-as logo que sejam
fornecidas, assim como os concertos nos paramentos de mais necessidade”.
Na sessão ordinária de 10 de Novembro de 1907, o vogal Manuel
Simões Maia da Fonte historiou a ideia da construção da casa paroquial,
a sua necessidade, e o que já havia sido feito para sua construção, e
propôs que o terreno baldio em que ela se localiza lhe fique afecto,
como quintal, jardim e caminho de acesso, passando a pertencer à Junta.
Este assunto veio a ser fonte de diversos problemas futuros, com a Lei
de Separação da Igreja e do Estado, após a implantação da República –
como a seu tempo veremos.
Na sessão ordinária de 22 de Dezembro de 1907, a Junta
decidiu segurar contra incêndios, no valor de seiscentos mil réis, a
casa que está a ser construída para residência paroquial.
Fica uma referência ao facto de, todos os anos, haver uma
reunião extraordinária da Junta de Paróquia, no dia 26 de Dezembro, para
nomear os mordomos das diversas confrarias, “como é costume immemorial
desta freguesia” e “em conformidade com o antigo costume” – como se lê
na acta da sessão de 26 de Dezembro de 1907.
Há alguns pormenores curiosos: para juízes da Igreja e para
juízes de cada uma das confrarias havia sempre dois mordomos, sendo um
de Verdemilho e outro de Arada. As pessoas do Bonsucesso e da Quinta do
Picado só surgiam nomeadas para juízes do “Ramo de Cima” – que não se
conseguiu apurar o que era. O juiz do “Ramo de Cima”, aliás, aparecia
sempre, tanto na Igreja como em cada uma das confrarias.
Aqui está, entre outros, um trabalho interessante para um
historiador investigar. A observação destas actas sugere um sem número
de perguntas, para que seria interessante encontrar respostas. Porque –
como a própria acta refere – se tratou dum costume “antigo” e
“imemorial” que, não obstante, desapareceu sem deixar rasto nos nossos
dias. |