A Claudette, minha
companheira de quase meio século, regressou verdadeiramente desiludida
da consulta de revisão na Clínica Universitária de Navarra com o Dr.
Rodriguez, o oncologista que ultimamente a estava a acompanhar com a
colaboração da enfermeira Edurne. Com efeito, nesse dia 18 de Junho,
aquilo que ouviu do médico não foi nada entusiasmante.
Aparentemente a
situação oncológica, sem remissão, apontava, contudo, para uma certa
estabilidade. Não seria submetida a novas sessões de quimioterapia, até
porque tinha tido muito má tolerância ao ciclo prévio, chegando a um
estado tão grave que forçou ao seu ingresso na urgência do Hospital de
Aveiro.
Aqui esteve internada
de 8 a 15 a Junho e, mercê dos excelentes cuidados prestados por
médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar do Hospital de Aveiro, teve
alta, apresentando uma paulatina recuperação do estado geral, o que lhe
permitiu a viagem à consulta de Navarra, naquele dia 18 de Junho.
Prescreveu-lhe o médico
espanhol uns comprimidos (muito caros, disse ele, mas que eram
suportados pelo seguro) que constituiriam um “tratamento de manutenção”,
apesar de efeitos laterais danosos, como foi adiantando.
Manutenção de quê? –
Perguntava-se a Claudette, insatisfeita com a porta da “esperança” para
ela assim fechada. Os tais comprimidos de manutenção nunca os chegou a
tomar.
E não descansou, nem
ela nem eu, enquanto não fomos bater a porta alternativa. Toda a gente
em Aveiro nos dizia bem do Dr. Juan Carlos, toledano de nascimento,
médico responsável pelo departamento de oncologia do Hospital Infante D.
Pedro de Aveiro. Marcada a consulta para 29 de Junho, apreciados os
relatórios da Clínica de Navarra, o Dr. Juan Carlos de pronto procurou
falar com o seu colega espanhol para melhor se inteirar da situação. Tal
contacto mostrou-se impossível.
Mas acima de tudo o que
agradou à Claudette foi o calor humano que nos foi transmitido logo
nesse primeiro momento. Foi com redobrado alento que ouviu do Dr. Juan
autorização para ir à Convenção LIONS de Minneapolis, para onde
deveríamos seguir logo no dia 1 de Julho. A porta da “esperança” voltava
a entreabrir-se.
A força interior que
brotava da Claudette era verdadeiramente contagiante. Eu também
acreditei que ela iria ser capaz de levar de vencida mais este desafio.
E foi, apesar dos contratempos e das dificuldades que resultavam da sua
debilidade.
Logo ao entrarmos para
o autocarro que nos levaria para o avião no aeroporto de Sá Carneiro a
Claudette não foi capaz de subir um degrau e caiu desamparada torcendo
uma perna. Pensei o pior: perna partida; mas não. Foi só o susto. As
pessoas ajudaram a levantá-la e ouviram a Claudette dizer muito
calmamente que a culpa tinha sido do degrau que era muito alto. Com os
meus botões decidi que daí em diante iria pedir sempre o apoio de
cadeira de rodas em todos os aeroportos. Por causa de uma avaria no
avião da TAP que nos levaria até Amesterdão, tivemos que regressar a Sá
Carneiro, perdendo as ligações que estavam programadas, chegando a
Minneapolis às 3 horas da madrugada do dia 3. A Claudette só lamentava
não ter chegado a tempo à sessão de fotografias do dia 2 com o
presidente internacional Eberhard Wirfs. De resto, não faltou a nenhuma
sessão do seu seminário, manifestando-se sempre, como era seu timbre,
muito interveniente. Ainda no dia 3 de Julho, após a Cerimónia de
Abertura do Seminário, participou no almoço dos GDEs e cônjuges no salão
do Centro de Convenções de Minneapolis. No final do mesmo dia esteve no
jantar da Oktoberfest oferecido pelo actual presidente Wirfs. Com enorme
alegria esteve na sessão de fotografias em Grupo dos GDEs, no domingo, 5
de Julho. Não faltámos também à Sessão de Encerramento e ao Banquete de
Formatura que se realizou no dia 6 de Julho. No cortejo, levou
orgulhosamente comigo o estandarte do Distrito 115 CN, mas só na
passagem em frente à tribuna. O resto do percurso foi feito,
generosamente, pelo PDG Caldevilla e sua esposa, CL Anabela.
O pior ninguém via.
Quando chegava ao quarto do nosso hotel, a Claudette começava a sessão
de recuperação de energias para o dia seguinte. Deitava-se, comia alguma
coisa através do serviço de quartos, e procurava dormir o mais possível.
Quando chegámos a
Portugal respirei fundo. A Claudette tinha conseguido realizar o seu
sonho: ser Governadora de pleno direito do seu querido Distrito 115 CN.
A sua alegria era a minha alegria.
Começou um novo ciclo
de quimioterapia no Hospital de Aveiro sob a orientação do Dr. Juan
Carlos. E foi aí que doses reforçadas de esperança lhe foram
transmitidas. Vimos como todo o pessoal, administrativo, de enfermagem,
auxiliar, médicos, naquele 5º Esquerdo do Infante D. Pedro, rodeava os
seus doentes com um carinho inexcedível. A Claudette ganhou novos
alentos! Foi ao Porto, à sede do Distrito C/N várias vezes. Teve
reuniões com o Secretário Carlos Ferreira. Marcou a 1ª reunião do
Gabinete e fez seguir a convocatória. Mas, pouco tempo depois,
começou-se a ver claramente que a sua debilidade voltava a um crescendo.
Não sei como arranjou forças para ir ao funeral do saudoso PDG Carlos
Quinta e Costa. Durante dois anos ampararam-se sempre nas suas doenças.
Era raro o dia em que não falavam pelo telefone.
Entretanto, a sua
depauperadíssima situação obrigou a um novo internamento no Hospital de
Aveiro. Ela não queria ser internada por causa da reunião do Gabinete.
Foi precisa a persuasão do médico Dr. Nobre dos Santos, grande amigo da
família, para a ambulância ir levá-la para o hospital. Às 3 horas da
manhã do dia 25, na urgência, a médica Dra. Iliana comunica-me que a
Claudette não tem quaisquer defesas. A medula aparentemente deixara de
funcionar. Teria de ficar internada em regime de isolamento. Os seus
últimos dias foram de uma constante, enorme, lucidez. Logo que sentia
algumas forças, contactava telefonicamente companheiros. No seu último
dia de vida, 28 de Agosto, manteve larguíssima conversa com o
companheiro Vice-governador Carlos Lopes sobre os projectos que tinha em
mente para o Distrito e que só seriam possíveis com a sua ajuda. Por
volta das 5 horas da tarde, com sua voz quase inaudível, perguntou-me:
“António, achas que os médicos me darão alta para eu presidir no dia 5
de Setembro à 1ª. Reunião do meu Gabinete?”. Ela continuava a querer
forçar a porta da sua “esperança”. Respondi-lhe que, se ela recuperasse
como tinha acontecido doutras vezes, tudo seria possível. Esta minha
resposta foi duma sinceridade total. Eu também queria acreditar que ela
seria, mais uma vez, capaz de vencer a crise. Mas, quase às 9 horas da
noite, disse-nos adeus. No dia seguinte, já só beijei uma lindíssima
estátua de mármore em que a Claudette se tinha convertido…
Gaspar Albino
Aveiro, 25 de Setembro
de 2009 |