Novas Publicações
1. ARQUIVO DO DISTRITO DE
AVEIRO – ÍNDICES
Para comemorar o centenário do nascimento do emérito aveirense Dr.
Francisco Ferreira Neves, ocorrido em 24 de Dezembro de 1992, a Câmara
Municipal editou uma brochura com os índices dos autores e dos assuntos,
referente a todos os números da revista "Arquivo do Distrito de Aveiro"
(1935-1972). O trabalho foi elaborado por Alberto de Sousa Machado
Ferreira Neves, José de Sousa Machado Ferreira Neves e João Gonçalves
Gaspar.
Homenageando especialmente
um dos fundadores e directores da citada revista, a Edilidade Aveirense
não quis esquecer os outros dois responsáveis do "Arquivo" – Dr. António
Gomes da Rocha Madahil e Dr. José Pereira Tavares – assim como os demais
colaboradores.
É que Aveiro e a sua Região
devem-lhes um sincero preito de gratidão pelo muito que fizeram na
pesquisa e na divulgação da nossa história e da nossa cultura.
Os autores dos "índices", ao
finalizarem a Nota Prévia, puderam escrever com verdade:
"Com este trabalho, trazemos à superfície uma enorme riqueza cultural
relativa à Região de Aveiro e que, até agora, estava submersa nos
volumes do "Arquivo do Distrito de Aveiro"; desta forma, sentimo-nos
satisfeitos e recompensados por prestarmos uma homenagem a todos os que,
durante tantos anos, se dedicaram ao estudo das mais variadas facetas do
Distrito de Aveiro e, ao mesmo tempo, por facilitarmos o trabalho
daqueles que, na actualidade, continuam empenhados nos mesmos meritórios
objectivos".
2. AGENDA CULTURAL
Os Serviços de Cultura da
Câmara Municipal publicaram a "Agenda Cultural", referente ao primeiro
semestre de 1993.
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Além de informações de ordem
geral, no pequeno desdobrável encontramos o registo das mais diversas
manifestações de interesse público, culturais, religiosas, recreativas,
musicais, etnográficas e folclóricas, além das datas de várias feiras.
A "Agenda Cultural" não se
circunscreve apenas á cidade de Aveiro, mas contempla também as
freguesias do concelho.
3. BÔ TENDÊ?
Com ilustrações de José
Alfredo Ramirão Costa e capa de Jeremias Bandarra, a Câmara Municipal de
Aveiro editou o livro de poemas "Bô Tendê?" ("Compreendes?"), em
português, da autoria da santomense Dr.ª. Maria Olinda Beja.
O presidente da Edilidade
Aveirense, Dr. José Girão Pereira, escreveu a introdução, onde expõe a
razão por que a Câmara tomou a iniciativa da publicação:
– «Arrancada aos dois
anos de idade da sua terra natal, Olinda Beja veio para Portugal, onde
se processou todo um caldo de cultura que se reflecte em toda a sua
poesia como um hino ao encantamento da redescoberta com olhar adulto das
suas raízes duma africanidade transplantada para uma certa insularidade
atlântica. (...)
Ao proceder à sua primeira
publicação de poesia, quer a Câmara de Aveiro
prestar homenagem à sua
autora e ao povo de São Tomé e Príncipe.
Príncipe e Aveiro são
cidades irmãs. (...) Para que a geminação se vivifique, há que acalentar
gestos desta natureza que favoreçam um novo impulso de atitudes entre os
povos (...) "Bô Tendê ?" é um pequenino passo nesse sentido.»
A apresentação do livro
realizou-se no dia 5 de Fevereiro de 1993, no anfiteatro do CIFOP, da
Universidade de Aveiro; encarregou-se do acto o Prof. Doutor Machado de
Abreu, que proferiu as seguintes palavras, sob o título "Bô Tendê? – A
circunstância da voz":
O lançamento de um livro é
uma festa de cumplicidades e entendimentos. Estamos aqui porque
aceitamos ser cúmplices da voz e do mistério da poesia. . A voz chama
por nós, o mistério seduz-nos, e os poemas de Bô Tendê? desafiam a nossa
memória colectiva.
Há rumores de África na
cadência de versos que, embalando a memória de remotas manhãs, pintam
aguarelas de rios e areais, transportam mensagens de amor e desencanto,
visitam acácias a florir e palmeiras gigantes, rezam orações a "Santo
Avião", acariciam mulatos corpos de mel e malícia, e perguntam: Bô Tendê
meu grito rouco bô tendê?
minha mensagem é levar até
você
o amor que me une a S. Tomé.
São de amor e raiva, de
raiva e ternura, de ternura e queixume, de queixume e sortilégio as
páginas deste livro. E porque nelas corre a seiva de ancestrais memórias
e a fidelidade ao antiquíssimo húmus de Mãe-África, estas páginas são
raízes. Arrancada com pouco mais de dois anos ao chão de São Tomé e
Príncipe, a autora foi transplantada para Mangualde, aí fazendo a sua
aculturação no Portugal colonizador de finais da década de quarenta. O
cerco em torno da sua diferença tornou-se mais apertado ao ser criada e
passar a viver numa terra pequena do interior beirão. E o mar imenso em
que naufragaram os seus olhitos inquietos de menina tornou-se mar
interior sem praias, sem cais, sem barcos, mar revolto em vagas de
ansiedade e medo. Na terra sem mar onde cresceu e estudou, aprendeu
nomes de rios, serras e de outro mar. Foi súbdita de muitos e bravos
reis, homens hábeis nas artes da conquista, povoamento e descoberta.
Tornou-se então portuguesa,
europeia? Talvez sim, quando lhe alisaram os cabelos e a alma. Não,
certamente, quando fala mais alto a voz do sangue e estremece o instinto
da ancestral carne. Desta dualidade tensa dá razão a estrofe final do
poema Visão:
Conseguiram fazer de mim
uma Europeia
só que se esqueceram de
cortar
o cordão umbilical que ficou
preso
às raízes da velha
eritrineira
que meu bisavô plantou em
Molembú.
A voz reprimida solta-se nos
poemas de Bô Tendê? para interpelar a Europa do pai e desabafar com a
África materna. Os dois continentes são aqui mapas de uma geografia dos
afectos a cuja circum-navegação e reconhecimento se entrega esta
expedição poética. São também lugares de exílio e, por isso,
destinatários de queixumes e desconforto de um ser apaixonado, de uma
subjectividade possuída por desejos incontidos entre a Europa que se tem
e a África donde se é. Se a esta luz lermos os poemas de Bô Tendê?
veremos que neles se diz ou intenta significar o mistério de todas as
origens e da sua desocultação. A origem dos continentes, das etnias, do
homem, da vida, do ser. As origens da fragmentação do uno e a razão da
múltipla variedade de quanto existe. Essa vontade de compreender encarna
sobretudo nos poemas de maior tensão e de mais expressiva experiência de
recusa dos limites.
Vejam-se o Não, não me conformo, / nunca me
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conformarei... repetido como um refrão no poema Queixume, ou a
curiosidade impetuosa e sôfrega de saber originário e libertador do
poema Quem?:
Vem cá meu negro
vem junto a mim eu quero
ouvir-te
contar histórias que só tu
sabes
conta-me tudo sobre esta
terra
sobre este mar
conta-me tudo... eu quero ouvir-te
tu tens no sangue o testemunho
duma epopeia
e tens nas veias essas
algemas
que renegaste
partiste
voltaste
conta-me tudo... eu quero
ouvir-te
quem nos criou a lua ou o sol?
quem nos deu esta cor
original?
quem assaltou os nossos
barcos
e levou os nossos sonhos?
quem plantou esta floresta
tropical?
Não faltam tão pouco assomos de revolta provocados por uma
serra-fronteira (a portuguesa serra da Estrela) donde se não vê nem ouve
o mar, serra assassina alçada como um punhal:
ai esta serra aqui defronte
do meu peito
que sufoca os meus ais e os
impede
de passarem para além do céu
azul
e assim a dança das gaivotas
perdeu-se na rota dos meus
sonhos
entre o grito e o uivo da
revolta
[...]
só que a serra
se ergue entre nós como um
punhal.
A vivacidade da entoação
poética não degenera, contudo, em palavra monocórdica, vingativa ou
panfletária. A África-paixão e a vontade de regresso vividas como
regeneração de liberdade primordial e de um perdido estado de natureza:
Hei-de voltar um dia para
saber
o valor da liberdade que não tive
nunca se assumiu como renegação da europeia e paterna herança:
Hoje
percorro a nossa ilha pai
e vais ao meu lado tão feliz
por me veres entre os meus
que tu amaste
pois branco eras por fora
e não por dentro.
O que cativa neste livro é a funda e fremente ressonância de uma
humanidade que se encontra consigo mesma, para lá da Europa e da África.
Se essa humanidade nos contagia e faz vibrar é porque, na voz com que
nos fala, se ouve o sussurrar de uma memória originária, única, capaz,
por isso, de nos surpreender.
No plano puramente formal,
talvez não se descortine nestes poemas muito de provocadoramente novo.
Sublinhem-se ainda assim algumas felicíssimas utilizações da anáfora, a
toada salmódica de Dêçu paga bô!, o ritmo e musicalidade de Molembú. No
poema Apelo, com o seu imperativo
Vem ver a nossa ilha
tropical
de aromas remotos
de cores garridas
de roças sem fim
como não evocar o António Nobre de Lusitânia no Bairro Latino?!
Nas literaturas africanas de
expressão portuguesa, por entre apelos de independência de uns e
imperativos de construção de novas nações de outros, a voz de Maria
Olinda Beja pode ouvir-se agora como liturgia de afectos e renascimento
ou primavera de fundas e africanas raízes. Deste punhado de poemas
apetece dizer, parafraseando Orfeu rebelde de Miguel Torga, que são
poemas cantados como quem usa / os versos em legítima defesa.
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4. MANUAL DO MUNÍCIPE
Com a capa desenhada por Daniel Tércio Ramos Guimarães, a Câmara
Municipal – Serviço de Relações Públicas / Gabinete de Imprensa editou,
em Janeiro de 1993, o "Manual do Munícipe"; ao longo de 65 alíneas, os
aveirenses aí poderão encontrar as mais diversas indicações,
apresentadas de forma simples e ordenada.
As palavras subscritas sob a
epígrafe "Simplificar para melhor servir", que servem de pórtico à
publicação, esclarecem a finalidade desta iniciativa:
– A ideia que esteve na base
da feitura deste Manual é, antes de mais, facilitar a vida do munícipe
nos seus contactos regulares com a administração municipal, na dupla
expectativa de uma maior eficiência dos Serviços e de uma mais pronta
resposta aos desígnios dos seus utiliza dores – que somos todos nós.
Procedimentos simples e
respostas rápidas são já hoje – e cada vez mais – condição necessária a
qualquer gestão que se pretenda moderna e, simultaneamente, respeitadora
dos direitos dos cidadãos – aqueles a quem, no fim de contas, ela se
dirige.
Pensamos que o trabalho
produzido, se não atinge plenamente esse objectivo, traduz, pelo menos,
um grande esforço nesse sentido. Quer pelo universo de situações que
abrange, resumindo numa única publicação a vasta gama de produtos e
serviços que é encargo da Autarquia pôr à disposição das pessoas. Quer
pela forma simples e esquemática como as diversas matérias são
apresentadas.
Estamos sinceramente
convencidos – e esse foi outro dos objectivos que esteve sempre na sua
elaboração – que, para lá da utilidade de um guia de procedimentos, o
presente Manual do Munícipe encerra, também, o mérito de se apresentar
como instrumento de vulgarização dos direitos dos cidadãos relativamente
à sua Câmara.
Não sendo, como nunca se
pretendeu que fosse, panaceia de todos os males, muito está ainda por
fazer – e será feito a seu tempo para além deste Manual, com vista a
melhorar a resposta dos Serviços.
Para já, introduz-se outro
elemento simplificador: um modelo de requerimento único – múltiplos fins
e de preenchimento fácil elaborado por forma a dar resposta, se não a
todas, pelo menos à maior parte das solicitações dos munícipes.
E, para desfazer dúvidas ou
obter qualquer informação complementar, aconselha-se o cidadão a
recorrer, sem qualquer tipo de constrangimentos ou hesitações, ao
Serviço de Atendimento, instalado no rés-do-chão dos Paços do Concelho,
que estará habilitado a dar-lhe a resposta adequada, ou a encaminhá-lo
para a pessoa ou o Serviço que estiver em condições de o fazer."
5. ASSOCIAÇÕES CULTURAIS DO
CONCELHO DE AVEIRO
A Câmara Municipal, através dos Serviços de Cultura, organizou um índice
das quarenta e oito associações e grupos culturais existentes na Cidade
e no Concelho de Aveiro; era uma velha aspiração da Autarquia, que assim
desejava patentear a sua gratidão e o seu incentivo a todos os que
graciosa e dedicadamente trabalham por manter com vida tantas
agremiações, para bem das suas comunidades locais.
Com capa desenhada por
Jeremias Bandarra, o pequeno mas valioso livro foi apresentado e começou
a ser distribuído no dia 18 de Junho de 1993, no dia em que foi
inaugurado o novo edifício da Biblioteca Municipal.
Na "Apresentação", assinada
pelo Vereador Prof. Celso dos Santos, podemos ler o seguinte:
– A presente publicação, já
há muito sonhada, é um elenco das associações e grupos culturais,
existentes e sediados na Cidade de A veiro e nas freguesias do seu
Concelho, que
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se mantêm em actividade. Como é evidente, está fora do nosso programa, a
catalogação de outras associações, como as de índole desportiva,
política, sócio-caritativa e religiosa, bem como as agremiações
dependentes de organismos nacionais, internacionais ou supranacionais;
todavia, não desconhecemos tais grupos e até nos congratulamos com o
fervilhar do seu dinamismo, nos campos que lhes são específicos, em
favor de crianças, de adolescentes, de jovens e de adultos. Todos se
orientam positivamente para a humanização da sociedade aveirense.
Seria imperdoável que,
nestas linhas singelas, não lembrássemos a acção relevante em prol da
cultura local tanto do Museu Nacional de Santa Joana como da Biblioteca
Municipal e de outros pequenos museus e bibliotecas. Também não
desejamos esquecer as muitas publicações saídas da pena dos nossos
escritores e as frequentes e diversifica das exposições e mostras de
artistas aveirenses e nacionais; o seu contributo tem de ser enaltecido
e encorajado, que não apenas apontado.
Folheando este pequeno
livro, veremos um breve apontamento de cada associação... quase uma
simples ficha; porém, vai aí a expressão do agradecimento da Autarquia,
como legítima representante de toda a comunidade, a todos os que se
dedicam às suas associações, sem outro interesse senão "servir".
Bem hajam todos!"
6. ROTEIRO TURÍSTICO
Como complemento das publicações da Região de Turismo da Rota da Luz,
desde Junho de 1993 que os interessados têm à sua disposição um Roteiro
Turístico sobre Aveiro, profusamente ilustrado a cores e com textos do
Dr. Diamantino Dias. O arranjo gráfico pertenceu à Marcontur, as
fotografias são de Carlos Alberto Ramos, Emanuel Garcia, Luís Filipe,
Cândido de Oliveira e Mário Marnoto e colaboraram Carlos Martins e
Fernando Nogueira.
A publicação, editada pelo
Pelouro do Turismo da Câmara Municipal, inclui também grande número de
informações de carácter económico e ainda sobre edifícios públicos,
escolas, igrejas, hotéis, restaurantes, locais para congressos, etc.
Esquemas de percursos na cidade e na região que se estendem até Vale de
Cambra, Arouca, Santa Maria da Feira, Mealhada, Buçaco e Vagueira,
encontram-se convenientemente assinalados com o fim de melhor orientar
os visitantes. Ao mesmo tempo, saiu também do prelo um pequeno folheto
desdobrável.
Esta iniciativa vem
demonstrar que, sem se sobrepor às Regiões de Turismo, os respectivos
Pelouros de Turismo das Autarquias não se devem esvaziar das suas
competências – como referiu o Presidente da Edilidade no acto de
apresentação das duas publicações.
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7. A CIDADE SALGADA
No dia 25 de Junho de 1993, no auditório do novo edifício da Biblioteca
Municipal, decorreu a cerimónia da apresentação e do lançamento do novo
romance do Dr. Vasco Branco, que tem por título "A Cidade Salgada"; a
edição é da Câmara Municipal.
No desejo de colaborar com o
conhecido autor e artista aveirense, Jeremias Bandarra enriqueceu o
livro com o desenho da capa.
A obra, que aguardou algum
tempo para sair do prelo, retrata aspectos de Aveiro e traduz o drama de
tantos que nela vivem. Mas... nada melhor do que as palavras do próprio
autor, ditas na referida sessão pública:
– "Já se perguntaram por que
necessitarão todos os livros paridos por quem escreve, neste nosso
paraíso à beira-mar prantado, de uma cuidada apresentação? Não será isto
só, ou apenas, e um elemento, hoje considerado indispensável, de uma
política de marketing? Não será isto uma das chamadas necessidades
desnecessárias tão próprias do mundo consumista em que vivemos e que já
nos tocou profundamente? Partamos do princípio de que qualquer
apresentador, sempre escolhido pelo autor da obra não vai, com certeza,
pôr em causa a sua factura, mas antes procurar fazer justiça ou
exorbitar, até, as qualidades que lhe devem ser inerentes, mas que
talvez o autor não tenha conseguido encontrar na sua totalidade ou
correcta exactidão.
Boa ou má, a obra está
escrita e pronta a enfrentar a crítica. Esqueçamos as palavras de veludo
condimentado de simpatia e boa vontade. Será que a reconhecida
competência do apresentador se destina a uma aprovação tácita? Ou a
preparar a predisposição para uma anuência sem dúvidas da parte de quem
a vai ler, mastigar e, em última análise, inferir o seu denominador
comum? Uma obra, se obra de arte, ainda no dizer de Ernst Fischer, «não
tem necessidade de ser compreendida e aprovada por toda a gente desde o
princípio. A função da arte não é a de passar por portas abertas, é
antes a de abrir portas fechadas». Por tudo isto, suponho que será mais
curial habituarmo-nos a julgar os trabalhos segundo a nossa
sensibilidade e cultura e não pelo habitual e sugestionável alarde de
quaisquer panóplias curriculares. Deixemos, dormentes, em seu mundo de
nada, os títulos académicos ou honoríficos, as bolsas ou estágios, a
frequência de academias nacionais ou em cidades de países mais ou menos
excêntricos e que costumam, com a sua alquimia privilegiada, ser
garantia de qualidade de quem por lá se perde, ou se encontra. Sim,
vamos habituar-nos a julgar a obra apenas pelo que representa para quem
possui olhos de ver e o condão de sentir. Só. É fácil, palavra que é
fácil, se portadores de sensibilidade suficiente, ou da cultura
necessária que nos permitam reconhecer o talento (quando ele exista)
muito independentemente de coordenadas circunstanciais que em nada
podem, ou devem, empanar ou realçar o valor da obra.
É fácil, se deixarmos de
cultivar em solo úbere a pequenês e de incensar o tacanho. É que, neste
nosso país, as auréolas, como o resplendor dos santos mártires,
continuam a ser privilégio avaramente a leste do autêntico valor. Julgar
a obra de arte pelo conta-quilómetros da verborreia curricular só pode
aumentar os glutões da ignorância, ou certa crítica, refocilando
alarvemente adentro do seu círculo canhestro e que costuma pontificar
por compêndios de importação onde o modismo hábil habitualmente se
grita. Mas credenciar os trabalhos do escritor ou do artista plástico
pelo «status quo» académico, outro erro tristemente endémico entre nós.
Por isso, permitam-me opinar que o importante é o que se lê ou o
que se expõe, isto é, única e exclusivamente a obra em si própria.
O resto é simples literatura. Claro que há quem compre livros a metro,
como há quem receba os espermatozóides pelos ouvidos (e até quem
emprenhe por aí, como o nosso povo afirma). Aberrações admitidas pela
nossa muita carência de conhecimentos, Há dias, afirmava
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me o artista Júlio Resende que, quanto a Cultura, continuamos na estaca
zero. Talvez por isso a autorga da glória continua e continuará
orientada pelos magos das artes com os seus genes poluídos, também, pelo
detergente de carácter político. É pois necessário e urgente que o
leitor, quanto o observador desprevenido, se cultiva suficientemente
para dispensar, diante de qualquer obra de criação, a ajuda de
verborreicos palma rés, ou das opiniões oficiais quase sempre teóricas e
caseiras, quando não definitivamente anquilosadas. Mas notem bem. Que
uma apresentação honesta tem grandes virtudes ninguém o pode duvidar ou
pôr em causa, mormente se funciona como ensejo para a apreciação de
outras manifestações culturais de que todos andamos tão carecidos. Têm
sido sempre uma pedrada no charco.
Eu quis que este livro
fosse Aveiro e a sua laguna, o drama e o sonho dos menos privilegiados
que aí mourejam e por aí arrastam as suas quimeras. Eu quis que este
livro traduzisse um sentir despido de quaisquer teias de tantos quantos
viveram uma meninice mais ou menos anfíbia. Este mapa de palavras não
passará, pois, de um roteiro traçado no tempo, no qual a acção
purificadora das águas salgadas da ria foi durante muito tempo, para
nós, uma muito carinhosa segunda mãe. Cidade salgada, sim,
tereis ocasião de o testemunhar depois de uma leitura, tanto quanto
possível, atenta. O livro, como toda a obra, começa por ser uma
necessidade interior que volve, muito lentamente, esboço daquilo que se
concretizará através do esforço, feito suor, de quem à criação se
atreva. Procurei nunca fugir à clave da sinceridade. Mas, como sempre, a
ideia fixa de não ter sido grosa-me, de imediato, algumas arestas de
entusiasmo perante a obra que, aliás, nunca tenho por inteiramente
acabada. Bebi durante anos e anos a luz branca da minha cidade, os seus
odores que sugerem mar, cantei, sempre que disponível, a planura
azulínea, o fluxo-refluxo das suas águas em constante inquietude. Ao fim
e ao cabo, o meu livro é o que é. Um simples pedaço de sonho da minha
terra. E nada mais. Nada mais.»
8. LEVE, LEVE
No intuito de estreitar, cada vez mais, os laços de amizade entre a
cidade do Príncipe e Aveiro, a Câmara Municipal editou um novo livro da
Ora. Maria Olinda Beja que, tendo nascido em São Tomé e Príncipe, reside
hoje em Mangualde, onde exerce as funções de professora do Ensino
Básico.
A publicação, com quarenta e
sete composições poéticas, distribuídas ao longo de oitenta páginas, foi
enriquecida com ilustrações e capa do artista aveirense Jeremias
Bandarra.
São do Dr. José Girão
Pereira as palavras de abertura, sob a epígrafe "Geminação":
"Papagaio de papel
na ria
fica só pensando
na ilha
que um dia deixou...
/.../"
O Atlântico as abraça: as
ilhas de São Tomé e do Príncipe.
O mesmo Atlântico que nós,
aqui em Aveiro, abraçamos, prendendo-o na sua Ria com os nossos canais,
cales e esteiras, filigrana de areias esbarrondadas da serra moída pelo
Vouga e amassadas de junco e lamas no cadinho do litoral.
Ilhas presas pelo Atlântico;
o mesmo Atlântico que aqui se deixa prender nesta nesga da Península
Ibérica.
Uma prisão libertária e que
une o que está afastado pela distância que as pessoas tornam próxima.
Como acontece com a poetisa
Maria Olinda Beja Martins Assunção que, no afastamento geográfico, sabe
encontrar os laços de geminação
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que fecunda a relação Príncipe-Aveiro.
Sim; como acontece quando,
com o seu /.../
"Papagaio de papel
na ria
já não pensa na ilha remota
que um dia deixou
deu suas asas à gaivota
e ficou
na proa
esperando a canoa que a ria abraçou" /.../
Sim e mais uma vez:
/.../ "Geminação
palmeira coqueiro
salina de Aveiro
café sempre em flor"
duma árvore de amizade que tudo faremos
para sempre se tornar mais forte, mais robusta.
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