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Boletim n.º 18 - Ano IX - 1991

Alfândega de Aveiro

Documentação do Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Por Inês Amorim

 

1 – Sabemos que a feição marítima e atlântica de Portugal propiciou um sistema alfandegário normalizado pelo Direito, que o colocou a par da Inglaterra e Repúblicas marítimas italianas. (1)

As sisas e as dízimas caracterizavam o sistema tributário vigente nos sécs. XIV e XV (2), embora pelo menos desde o séc. XIII, se cobra o imposto da dízima sobre o comércio internacional, o de importação, diferenciando-se das portagens próprias do tráfego nacional. (3) Estes impostos, não únicos, seriam de valor igual (10% cada). (4)

A Coroa mostrou-se sempre interessada em reservar para si as dízimas devido ao seu crescente rendimento ao longo do séc. XIV. (5) As sisas, porém, desde 1564 foram dadas por encabeçamento aos povos, deixando uma boa parte das sisas das entradas do mar de ser pagas na Alfândega em favor das Câmaras, assim continuando, com algumas interrupções, até finais de XVIII. (6)

Por volta de 1593 surge o novo imposto do Consulado, em consequência das necessidades de apetrechamento das armadas. Tratava-se duma taxa de 3% sobre entradas e saídas de mercadorias, com excepção de trigo, armas e Iivros. (7)

Terminada a Guerra de Restauração, as Alfândegas deixaram de desempenhar unicamente o papel tributivo que a Guerra impôs, para estarem ao serviço da economia, com a promulgação em 10 de Setembro de 1668 do "Regimento das Alfândegas dos Portos Secos, Molhados e Vedados". Com este pretende-se:

. uma uniformização do regime aduaneiro do Reino com base no modelo da capital;

. restabelecer os contactos comerciais entre os dois países após a guerra, dentro de determinadas regras; (8)

. a demarcação de fronteiras com o estabelecimento aí de alfândegas, evitando-se encargos tributários sobre as mercadorias no seu trânsito pelo interior do país. (9)

Depois do Terramoto de 1755 e do decreto de 2 de Janeiro de 1756, o Donativo dos 4% oferecido pela cidade de Lisboa para restauro da Alfândega e construção de uma Praça do Comércio, / 20 / transformou-se numa fonte de receita importante para a defesa do Reino. (10)

Este conjunto de imposições leva a que Matias de Carvalho Coutinho de Vasconcelos, Superintendente Geral das Alfândegas da Província da Beira (Aveiro, Buarcos, Vila Maior, Sabugal, Penamacor, Bemposta e Idanha a Nova, e outras Mesas de despacho a que chama Aduanas), afirme em 30 de Janeiro de 1765 que todas as Alfândegas do Reino cobravam 27% de Direitos  para Sua Majestade, ou seja, 20% dízima e sisa, 3% consulado, 4% de donativo. (11)

A acção do Marquês de Pombal foi no sentido de controlar devidamente as Receitas provenientes das Alfândegas, através dum conjunto de medidas das quais extraímos as seguintes:

. a criação do Erário Régio em 22 de Dezembro de 1761, passando a escrituração das Alfândegas a pertencer a esta única tesouraria geral; (12)

. a criação de dois superintendentes gerais das Alfândegas, Alentejo e Reino do Algarve, e o da Beira, Partido do Porto, Minho e Trás os Montes, para evitar os descaminhos do contrabando, pelo alvará de 26 de Maio de 1766; (13)

Reconhecendo-se a desactualização da pauta da Alfândega Grande de Lisboa, baseada na tradição, foi decretada uma Pauta Geral para a Alfândega Grande de Lisboa, aplicável a todas as outras alfândegas do Reino, assinada pelo Visconde de Vila Nova de Cerveira, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, e que por Decreto de 14 de Fevereiro de 1782 da Rainha D. Maria I, foi mandada executar. (14) Vigorou até 1837 (até à promulgação da primeira Pauta Geral), apresentando o texto por ordem alfabética para mais facilmente se achar qualquer produto segundo a sua natureza, espécie, qualidade, classes e artigos pautais, e respectivas taxas do direito aplicável. (15)


2. A Alfândega de Aveiro seria das primeiras a existir, pelo menos no séc. XV, juntamente com as de Lisboa, Porto, Foz do Mondego, Buarcos, Viana de Caminha, Foz do Lima, Setúbal, Faro, Bragança e Mértola. (16) Desde 1450 se refere um juiz das sisas de dízima do pescado, com indicações de o ser há bastante tempo, e em 1482 surgem escrivães adstritos a estas funções: escrivães da imposição do sal e das dízimas. (17)

Não vamos aqui fazer um historial que reservamos para outra ocasião, embora se possa referir que a história da Alfândega de Aveiro seguiu de perto as vicissitudes das Alfândegas do Reino, com o particular aspecto de englobar a importante administração dos fluxos do sal.

3. Uma curiosidade apenas no que se refere à localização do edifício, em que não parece haver total acordo, ou então tratar-se de imóveis diferentes em momentos diferentes, o que é bem possível. Rangel de Quadros indica a "rua a que vem o nome e que mais tarde foi denominada Rua das Bestas, Rua do Vigário Velho, Rua do Alfena, e ultimamente Rua do Tenente Resende" (18), ou seja na Freguesia da Vera Cruz. (19)

Entretanto a Dr.ª Maria João S., em Aveiro Medieval, localiza junto à porta da Ribeira, "o que tornava as operações de fiscalização e cobrança muito mais fáceis". (20) Já o Padre Domingos Maurício, no seu trabalho sobre o Mosteiro de Jesus, localiza-a abaixo do bloco do Alboi, perto do canal, (21) baseado no mapa que se encontra no Museu, dum autor / 21 / anónimo do séc. XVIII, um pouco mais para oeste portanto. Curiosamente não se encontra uma descrição deste espaço. É Rangel de Quadros que acrescenta: "o actual edifício é de acanhadas dimensões, e na rua do seu nome que tem tido diversos nomes. É terminado por umas ameias e no meio dellas tem as armas de Portugal e sobre estas a data de 1718". (22) Isto sugere-nos a existência de dois edifícios, sendo o mais recente dos inícios de XVIII. Inclino-me para esta hipótese, tanto mais que num artigo de Fausto de Matos Melo Ferreira, sobre a "Antiga Toponímia de Aveiro" (23), se distingue a Rua da Alfândega Velha, actual Rua do Tenente Resende, freguesia da Vera Cruz, e a Rua da Alfândega, actual Rua do Clube dos Galitos.


4. Hoje, porém, interessa-nos cumprir um compromisso que assumimos com a Câmara Municipal de Aveiro, e seus Serviços Culturais, no sentido de fornecer uma listagem de documentação que interessasse à História Moderna (apenas séc. XVIII) de Aveiro. Neste sentido se insere este pequeno trabalho.

A documentação hoje apresentada refere-se ao núcleo das Alfândegas existente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Neste momento encontra-se catalogada a Alfândega do Porto, seguindo-se a de Lisboa, que, pela sua complexidade se irá prolongar por algum tempo. Há alguns anos havia um ficheiro sumário que indicava o conteúdo de algumas espécies, e com determinada catalogação. Com a mudança para as recentes instalações do Arquivo Nacional, houve nova arrumação; daí que se indique N. M., ou seja, numeração moderna, e N. A., numeração antiga, a fim de estabelecer a correspondência exacta.

Os livros indicados e agrupados por caixas (da 119 à 145) foram vistos um a um por não haver agora qualquer ficheiro que discrimine o seu conteúdo e respectiva data. Ou seja, vimos mais de 200 livros. Pela sua análise foi-nos possível avaliar os que se encontravam em mau estado, os que nada possuíam registado, e finalmente aqueles cujos títulos não correspondiam ao conteúdo, estabelecendo com rigor os limites cronológicos de cada um.

Analisando o seu conteúdo, verifica-se que a Alfândega de Aveiro segue de perto a legislação alfandegária ao registar livros de Mesa Grande (dizimas), Portos Secos (sisas), Consulado, e Donativo dos 4%. Porém inclui um lote significativo de documentação respeitante ao sal; livros de Extracção do Sal (saídas por via marítima), e do Donativo do Sal (circulação interna). Com a conjuntura das Invasões Francesas, surgem impostos específicos como o Novo Direito da Guerra para a Junta Provisional do Porto, Livro N. N. 929, de 1809 a 1814, e que impunha 9600 réis sobre 1 pipa de azeite, e 4800 réis sobre 1 pipa de vinho.

O valor de fontes como estas foi já demonstrado pelos trabalhos de Virgínia Rau, (24) há bastantes anos, e pena é que o seu exemplo não encontre suficientes seguidores capazes de concretizar uma História das Alfândegas em Portugal. Pela nossa parte tentamos contribuir pelo menos para a História da Alfândega de Aveiro no séc. XVIII.

Inês Amorim
(Assistente da Faculdade de Letras do Porto)

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NOTAS:

(1) – Pereira, João Cordeiro – Para a História das Alfândegas em Portugal, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1983, pág.9.

(2) – Monteiro, Manuel G. – As Alfândegas no Espaço Português, sua evolução, in "Ultramar", n. 35, vol. IX, 1969, pág. 4.

(3) – Pereira, João Cordeiro, o.c., pág. 2.

(4) – Silva, Francisco Ribeiro da – A Alfândega do Porto: os diplomas legais que marcaram a sua evolução secular, in "A Alfândega do Porto e o Despacho Aduaneiro", Porto, Casa do Infante, 1990, pág. 28.

(5) – Pereira, João Cordeiro, o.c., pág. 25.

(6) – Silva, Francisco Ribeiro da, o.c., pág. 25 e 28. Rendiam para a Coroa apenas as sisas sobre mercadorias de selo (peças de tecido seladas), chapéus, meias, fitas, alcatifas, etc.

(7) – Id., Ibid., pág. 26.

(8) – Id., Ibid., pág. 27.

(9) – Monteiro, Manuel G., o.c., pág. 5.

(10) – Fonseca, F. Belard da – Alfândegas e Guarda Fiscal, in "Exposição Histórica do Ministério das Finanças", Lisboa, 1952, pág. 149.

(11) – A.N.T.T., Ministério do Reino, Livro 98B, foI. 3v.

(12) – Fonseca, F. Belard da, o.c., pág. 150.

(13) – Id., Ibid., pág. 151.

(14) – Id., Ibid., pág. 152.

(15) – Silva, Francisco Ribeiro da, o.c., pág. 79.

(16) – Monteiro, Manuel G., o.c., pág. 46.

(17) – Silva, Maria João Violante Branco M. da – Aveiro Medieval, Aveiro, Edição da Câmara Municipal de Aveiro, 1991, pág. 73.

(18) – Quadros, Rangel de – Apontamentos Avulsos, manuscritos de 1911 a 1916, pág. 336.

(19) – Ferreira, Fausto de Matos Melo – Antiga Toponímia de Aveiro, in "Boletim Municipal de Aveiro", Ano VII, n.º 12, 1989, pág. 52.

(20) – Silva, Maria João Violante Branco M. da, o.c., pág. 116.

(21) – Santos, Padre Domingos Maurício Gomes dos – O Mosteiro de Jesus de Aveiro, Lisboa, 1963-67.

(22) – Quadros, Rangel de, o.c.., pág. 336.

(23) – Ferreira, Fausto de Matos Melo, o.c., pág. 49 e 52.

(24) – Rau, Virgínia – Subsídios para o estudo do movimento dos portos de Faro e Lisboa durante o séc. XVII, in "Anais da Academia Portuguesa de História", II Série, vol. V, lisboa, 1954. O movimento da Barra do Douro durante o séc. XVII/: uma interpretação, in Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, vol. XXI, fascs. 1-2, Porto, 1958.

 

 

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