Alfândega de Aveiro
Documentação do Arquivo
Nacional da Torre do Tombo
Por Inês Amorim
1 – Sabemos que a feição
marítima e atlântica de Portugal propiciou um sistema alfandegário
normalizado pelo Direito, que o colocou a par da
Inglaterra e Repúblicas marítimas italianas.
(1)
As sisas e as dízimas
caracterizavam o sistema tributário vigente nos sécs.
XIV e XV (2),
embora pelo menos desde o séc. XIII, se cobra o imposto da dízima sobre
o comércio internacional, o de importação,
diferenciando-se das portagens próprias do tráfego nacional.
(3) Estes impostos,
não únicos, seriam de valor igual (10% cada).
(4)
A Coroa mostrou-se sempre
interessada em reservar para si as dízimas devido ao
seu crescente rendimento ao longo do séc. XIV.
(5) As sisas, porém, desde 1564 foram dadas por encabeçamento
aos povos, deixando uma boa parte das sisas das entradas do mar de ser
pagas na Alfândega em favor das Câmaras, assim
continuando, com algumas interrupções, até finais de XVIII.
(6)
Por volta de 1593 surge o
novo imposto do Consulado, em consequência das necessidades de
apetrechamento das armadas. Tratava-se duma taxa de 3%
sobre entradas e saídas de mercadorias, com excepção de trigo, armas e
Iivros. (7)
Terminada a Guerra de
Restauração, as Alfândegas deixaram de desempenhar unicamente o papel
tributivo que a Guerra impôs, para estarem ao serviço da economia, com a
promulgação em 10 de Setembro de 1668 do "Regimento das Alfândegas dos
Portos Secos, Molhados e Vedados". Com este pretende-se:
. uma uniformização do
regime aduaneiro do Reino com base no modelo da capital;
. restabelecer os contactos
comerciais entre os dois países após a guerra, dentro
de determinadas regras;
(8)
. a demarcação de fronteiras
com o estabelecimento aí de alfândegas, evitando-se
encargos tributários sobre as mercadorias no seu trânsito pelo interior
do país. (9)
Depois do Terramoto de 1755
e do decreto de 2 de Janeiro de 1756, o Donativo dos 4% oferecido pela
cidade de Lisboa para restauro da Alfândega e construção de uma Praça do
Comércio,
/ 20 /
transformou-se numa fonte de receita importante para a
defesa do Reino. (10)
Este conjunto de imposições
leva a que Matias de Carvalho Coutinho de Vasconcelos, Superintendente
Geral das Alfândegas da Província da Beira (Aveiro, Buarcos, Vila Maior,
Sabugal, Penamacor, Bemposta e Idanha a Nova, e outras Mesas de despacho
a que chama Aduanas), afirme em 30 de Janeiro de 1765 que todas as
Alfândegas do Reino cobravam 27% de Direitos
para Sua Majestade, ou seja, 20% dízima e sisa, 3% consulado, 4% de
donativo. (11)
A acção do Marquês de Pombal
foi no sentido de controlar devidamente as Receitas provenientes das
Alfândegas, através dum conjunto de medidas das quais extraímos as
seguintes:
. a criação do Erário Régio
em 22 de Dezembro de 1761, passando a escrituração das
Alfândegas a pertencer a esta única tesouraria geral;
(12)
. a criação de dois
superintendentes gerais das Alfândegas, Alentejo e Reino do Algarve, e o
da Beira, Partido do Porto, Minho e Trás os Montes,
para evitar os descaminhos do contrabando, pelo alvará de 26 de Maio de
1766; (13)
Reconhecendo-se a
desactualização da pauta da Alfândega Grande de Lisboa, baseada na
tradição, foi decretada uma Pauta Geral para a Alfândega Grande de
Lisboa, aplicável a todas as outras alfândegas do Reino, assinada pelo
Visconde de Vila Nova de Cerveira, Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios do Reino, e que por Decreto de 14 de Fevereiro de
1782 da Rainha D. Maria I, foi mandada executar.
(14) Vigorou até
1837 (até à promulgação da primeira Pauta Geral), apresentando o texto
por ordem alfabética para mais facilmente se achar qualquer produto
segundo a sua natureza, espécie, qualidade, classes e
artigos pautais, e respectivas taxas do direito aplicável.
(15)
2. A Alfândega de Aveiro seria das primeiras a existir, pelo menos no
séc. XV, juntamente com as de Lisboa, Porto, Foz do Mondego,
Buarcos, Viana de Caminha, Foz do Lima, Setúbal, Faro,
Bragança e Mértola. (16)
Desde 1450 se refere um juiz das sisas de dízima do pescado, com
indicações de o ser há bastante tempo, e em 1482 surgem escrivães
adstritos a estas funções: escrivães da imposição do
sal e das dízimas. (17)
Não vamos aqui fazer um
historial que reservamos para outra ocasião, embora se possa referir que
a história da Alfândega de Aveiro seguiu de perto as vicissitudes das
Alfândegas do Reino, com o particular aspecto de englobar a importante
administração dos fluxos do sal.
3. Uma curiosidade apenas no
que se refere à localização do edifício, em que não parece haver total
acordo, ou então tratar-se de imóveis diferentes em momentos diferentes,
o que é bem possível. Rangel de Quadros indica a "rua a que vem o nome e
que mais tarde foi denominada Rua das Bestas, Rua do
Vigário Velho, Rua do Alfena, e ultimamente Rua do
Tenente Resende" (18),
ou seja na Freguesia da Vera Cruz.
(19)
Entretanto a Dr.ª Maria João
S., em Aveiro Medieval, localiza junto à porta da
Ribeira, "o que tornava as operações de fiscalização e cobrança muito
mais fáceis". (20)
Já o Padre Domingos Maurício, no seu trabalho sobre o Mosteiro de
Jesus, localiza-a abaixo do bloco do Alboi, perto do canal,
(21) baseado no
mapa que se encontra no Museu, dum autor
/ 21 /
anónimo do séc. XVIII, um pouco mais para oeste portanto. Curiosamente
não se encontra uma descrição deste espaço. É Rangel de Quadros que
acrescenta: "o actual edifício é de acanhadas dimensões, e na rua do seu
nome que tem tido diversos nomes. É terminado por umas
ameias e no meio dellas tem as armas de Portugal e sobre estas a
data de 1718". (22)
Isto sugere-nos a existência de dois edifícios, sendo o mais recente dos
inícios de XVIII. Inclino-me para esta hipótese, tanto mais que num
artigo de Fausto de Matos Melo Ferreira, sobre a
"Antiga Toponímia de Aveiro"
(23), se distingue
a Rua da Alfândega Velha, actual Rua do Tenente Resende, freguesia da
Vera Cruz, e a Rua da Alfândega, actual Rua do Clube dos Galitos.
4. Hoje, porém, interessa-nos cumprir um compromisso que assumimos com a
Câmara Municipal de Aveiro, e seus Serviços Culturais, no sentido de
fornecer uma listagem de documentação que interessasse à História
Moderna (apenas séc. XVIII) de Aveiro. Neste sentido se insere este
pequeno trabalho.
A documentação hoje
apresentada refere-se ao núcleo das Alfândegas existente no Arquivo
Nacional da Torre do Tombo. Neste momento encontra-se catalogada a
Alfândega do Porto, seguindo-se a de Lisboa, que, pela sua complexidade
se irá prolongar por algum tempo. Há alguns anos havia um ficheiro
sumário que indicava o conteúdo de algumas espécies, e com determinada
catalogação. Com a mudança para as recentes instalações do Arquivo
Nacional, houve nova arrumação; daí que se indique N. M., ou seja,
numeração moderna, e N. A., numeração antiga, a fim de estabelecer a
correspondência exacta.
Os
livros indicados e agrupados por caixas (da 119 à 145) foram vistos um a
um por não haver agora qualquer ficheiro que discrimine o seu conteúdo e
respectiva data. Ou seja, vimos mais de 200 livros. Pela sua análise
foi-nos possível avaliar os que se encontravam em mau estado, os que
nada possuíam registado, e finalmente aqueles cujos títulos não
correspondiam ao conteúdo, estabelecendo com rigor os limites
cronológicos de cada um.
Analisando o seu conteúdo,
verifica-se que a Alfândega de Aveiro segue de perto a legislação
alfandegária ao registar livros de Mesa Grande (dizimas), Portos Secos
(sisas), Consulado, e Donativo dos 4%. Porém inclui um lote
significativo de documentação respeitante ao sal; livros de Extracção do
Sal (saídas por via marítima), e do Donativo do Sal (circulação
interna). Com a conjuntura das Invasões Francesas, surgem impostos
específicos como o Novo Direito da Guerra para a Junta Provisional do
Porto, Livro N. N. 929, de 1809 a 1814, e que impunha
9600 réis sobre 1 pipa de azeite, e 4800 réis sobre 1 pipa de vinho.
O valor de fontes como estas
foi já demonstrado pelos trabalhos de Virgínia Rau,
(24) há bastantes
anos, e pena é que o seu exemplo não encontre suficientes seguidores
capazes de concretizar uma História das Alfândegas em Portugal. Pela
nossa parte tentamos contribuir pelo menos para a História da Alfândega
de Aveiro no séc. XVIII.
Inês Amorim
(Assistente da Faculdade de
Letras do Porto)
_______________________________________
NOTAS:
(1) – Pereira,
João Cordeiro – Para a História das Alfândegas em Portugal,
Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1983, pág.9.
(2) – Monteiro,
Manuel G. – As Alfândegas no Espaço Português, sua evolução, in
"Ultramar", n. 35, vol. IX, 1969, pág. 4.
(3) – Pereira, João
Cordeiro, o.c., pág. 2.
(4) – Silva,
Francisco Ribeiro da – A Alfândega do Porto: os diplomas legais que
marcaram a sua evolução secular, in "A Alfândega do Porto e o
Despacho Aduaneiro", Porto, Casa do Infante, 1990, pág. 28.
(5) – Pereira, João
Cordeiro, o.c., pág. 25.
(6) – Silva,
Francisco Ribeiro da, o.c., pág. 25 e 28. Rendiam para a Coroa apenas as
sisas sobre mercadorias de selo (peças de tecido seladas), chapéus,
meias, fitas, alcatifas, etc.
(7) – Id., Ibid.,
pág. 26.
(8) – Id., Ibid.,
pág. 27.
(9) – Monteiro,
Manuel G., o.c., pág. 5.
(10) – Fonseca, F.
Belard da – Alfândegas e Guarda Fiscal, in "Exposição Histórica
do Ministério das Finanças", Lisboa, 1952, pág. 149.
(11) – A.N.T.T.,
Ministério do Reino, Livro 98B, foI. 3v.
(12) – Fonseca, F.
Belard da, o.c., pág. 150.
(13) – Id.,
Ibid., pág. 151.
(14) – Id., Ibid.,
pág. 152.
(15) – Silva,
Francisco Ribeiro da, o.c., pág. 79.
(16) – Monteiro,
Manuel G., o.c., pág. 46.
(17) – Silva, Maria
João Violante Branco M. da – Aveiro Medieval, Aveiro, Edição da
Câmara Municipal de Aveiro, 1991, pág. 73.
(18) – Quadros,
Rangel de – Apontamentos Avulsos, manuscritos de 1911 a 1916,
pág. 336.
(19) – Ferreira,
Fausto de Matos Melo – Antiga Toponímia de Aveiro, in "Boletim
Municipal de Aveiro", Ano VII, n.º 12, 1989, pág. 52.
(20) – Silva, Maria
João Violante Branco M. da, o.c., pág. 116.
(21) – Santos,
Padre Domingos Maurício Gomes dos – O Mosteiro de Jesus de Aveiro,
Lisboa, 1963-67.
(22) – Quadros,
Rangel de, o.c.., pág. 336.
(23) – Ferreira,
Fausto de Matos Melo, o.c., pág. 49 e 52.
(24) – Rau,
Virgínia – Subsídios para o estudo do movimento dos portos de Faro e
Lisboa durante o séc. XVII, in "Anais da Academia Portuguesa de
História", II Série, vol. V, lisboa, 1954. O movimento da Barra do Douro
durante o séc. XVII/: uma interpretação, in Boletim Cultural da Câmara
Municipal do Porto, vol. XXI, fascs. 1-2, Porto, 1958.
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