Museu Municipal de Aveiro
João Evangelista de
Campos
Na minha carta datada de 2
de Abril de 1990 dirigida ao Ex.mo Sr. Presidente da Câmara
Municipal da nossa cidade, carta que acompanhou uma oferta destinada ao
Museu Municipal, dizia eu ser do meu conhecimento que o referido Museu
havia sido criado em 1930, por sugestão do ilustre e inolvidável
aveirense, o Dr. Alberto Souto, como se vê da acta da sessão da Câmara
Municipal, datada de 26 de Junho daquele ano.
Porém, numa das minhas
pesquisas, encontrei, por acaso, a fotocópia que, aqui se reproduz, a
qual foi publicada no «Litoral» de 19 de Março de 1960, e por ela se vê
que a Câmara Municipal presidida por Gustavo Ferreira Pinto Basto, em
1910, já havia criado o Museu Municipal por proposta do seu
Vice-Presidente, o Dr. José Maria Soares que propôs, também, a de uma
Biblioteca Pública Municipal.
Para averiguar o que, na
realidade, se tinha passado e qual teria sido o interesse da Câmara pela
proposta do seu Vice-Presidente, recorri às actas das sessões daquela
Câmara, e, assim:
Verifiquei que da acta da
sessão de 15 de Fevereiro de 1910, consta o seguinte:
Por proposta do Senhor
Vice-Presidente ficou resolvido que se iniciem, desde já, os trabalhos
necessários para a fundação de um museu municipal.
Mostrando a necessidade de
estabelecimentos desta ordem e a sua acção educativa do povo, o mesmo
Senhor Vereador disse que era o único meio de coleccionar um grande
número de objectos preciosos e raros que, embora pertencendo à cidade,
estão entregues a diversas entidades oficiais, e desconhecidos do
público.
A Câmara resolveu pedir,
desde já, que lhe sejam confiados esses objectos e pedir o concurso e o
auxílio dos aveirenses que pelas suas aptidões artísticas podem
contribuir para o bom êxito desta resolução camarária.
– Que, na da sessão de 22 do
mesmo mês, se diz:
O Senhor Vice-Presidente
propôs que, com a criação do museu a que vai proceder-se, se faça,
também, a de uma biblioteca pública municipal, incluindo-se para seu
início, no próximo orçamento, a verba que se julgue necessária.
A Câmara manifestou-se,
plenamente, a favor desta proposta.
– Que, na da sessão de 12 de
Abril daquele mesmo ano, se lê o seguinte:
O Senhor Vice-Presidente,
com o assentimento de toda a Câmara, também pediu licença para dar
imediato começo aos trabalhos da instalação do museu municipal,
convidando para esse efeito o erudito investigador local, Senhor João
Augusto Marques Gomes, que elaborará o projecto da organização do dito
museu, apresentando para isso, oportunamente, o respectivo relatório.
Não encontrei mais nada
acerca da fundação do Museu Municipal, nem, mesmo, da entrega do
Relatório que Marques Gomes ficou encarregado de elaborar.
O que levaria ao
esquecimento total da resolução desta Câmara, de tal sorte que, em 1930,
se voltou a pensar na criação do Museu Municipal?
Vejamos:
Pouco depois das duas
propostas, o Dr. José Maria Soares é nomeado médico militar e tem, por
esse motivo, de abandonar a Câmara onde teve grande actuação, tanto
assim que o Presidente, Gustavo Ferreira Pinto Basto, lhe faz os mais
rasgados elogios e lastima a sua falta, na altura da sua forçada saída.
Nesse ano de 1910, em 5 de
Outubro, é proclamada a República; a Câmara é substituída e os nossos
Vereadores não sabem nem tomam conhecimento das resoluções das Câmaras
anteriores, trazem novos problemas para tratar e ninguém mais pensa no
Museu, tanto mais que o dinheiro não abunda nos cofres do Município e há
outros problemas a resolver e com a maior urgência.
Enfim: a criação do Museu
Municipal caiu no esquecimento.
Vejamos, agora, o que nos
diz a acta da sessão ordinária da Comissão Administrativa da Câmara, de
26 de Junho de 1930, da presidência do Dr. Lourenço Simões Peixinho:
Presente um ofício do Senhor Doutor Alberto Souto, director do Museu
Nacional de Arte. de Aveiro, anunciando a descoberta que acaba de fazer
de restos de uma povoação lusitano-romana no sítio da Torre, em Cacia.
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Informa S. Ex: que até à
presente data se não conhecia quaisquer vestígios de uma povoação romana
na margem esquerda do Baixo-Vouga e que para o estudo do problema de
TALABRIGA, a célebre cidade da Lusitânia, que ficava nas margens do
Vouga, sobre ou próximo da estrada romana de EMINIUM para CALEM, tem
agora que contar-se com este novo elemento que é o OPPIDUM ou CASTRUM de
Cacia. Que não é pequena nem insignificante, já, a colheita de objectos,
principalmente restos de olaria que ali tem feito e que guarda no Museu
de Aveiro, pelo que entende que o espólio do Oppidum de Cacia deve
constituir o início do Museu Regional Municipal de Aveiro, que nada deve
ter de comum com o Museu de Arte Nacional.
Que oferece à Câmara de
Aveiro os objectos por si recolhidos até hoje em Cacia, pedindo que ela
mande construir uma vitrina, onde se possam recolher e expor os ditos
objectos, e o patrocínio da mesma Câmara para as escavações e exploração
metódica da estação arqueológica da Torre, ficando a pertencer à
Municipalidade tudo quanto ali se descobrir e recolher, com o necessário
entendimento prévio com os proprietários do terreno.
Que, se a Câmara aceitar a
sua sugestão, poderia criar, já, o Museu Municipal, o qual como está
aprovado pelo Ministério da Instrução, se pode instalar em parte do
edifício do Museu de Aveiro (Convento de Jesus) sem encargos de pessoal
para o Município e sem mais despesas que a aquisição de objectos, de
vitrinas e instalação.
Diz ainda o Sr. Dr. Alberto
Souto que o seu préstimo fica gratuitamente à disposição da Câmara e da
cidade.
Que, para o Museu Municipal,
está reunindo, também, algumas recordações e documentos das lutas civis
desenvolvidas nas margens do Vouga em mil oitocentos e vinte e oito
(1828) e em mil novecentos e dezanove (1919), terminando por lembrar
que, enquanto o edifício do Museu se encontrar em obras que impedem o
acesso às salas da antiga Escola Primária Superior, a primeira vitrina
com fragmentos cerâmicos de Cacia pode, talvez, montar-se,
provisoriamente, na sala da Biblioteca Municipal, passando, depois, para
o edifício do Museu.
A Comissão, de acordo com o
exposto no ofício do Senhor Doutor Alberto Souto, resolveu por
unanimidade aceitar o oferecimento de sua excelência e criar, desde já,
o MUSEU MUNICIPAL DE AVEIRO (etnografia, arqueologia, história e
recordações locais e regionais, e produções). Mais resolveu a Comissão
que o MUSEU MUNICIPAL REGIONAL DE AVEIRO (em organização) tenha um
director, o director da Biblioteca Municipal e do Museu Nacional de Arte
de Aveiro, o Senhor Doutor Alberto Souto, e um empregado menor, o
empregado municipal Firmino Costa, ambos sem qualquer retribuição por
estes serviços que lhes são confiados.
O que se transcreveu foi o
que encontrei quanto à criação e organização do Museu Municipal.
Haverá mais qualquer coisa a
este respeito? Parece que a implantação do Museu Regional está
«enguiçada».
Já vimos a razão pela qual
não foi avante o criado em 1910.
E o de 1930?
Não foi, por certo, por
falta de local, pois, segundo se vê do ofício do Dr. Alberto Souto, já
havia autorização ministerial para ele funcionar no mesmo edifício do
Museu Nacional (Convento de Jesus); como se sabe aquele ilustre
aveirense era Director de ambos. Mas, o que mais admiro é que, tendo ele
sido Presidente da Câmara, de 1957 a 1960, o Dr. Alberto Souto não
tivesse tido a possibilidade de o implantar.
E já lá vão 60 anos! Neste
tempo, quantos objectos se terão perdido, dignos de figurar no Museu
Municipal Regional?
É ou não é «enguiço»?
Vejo, com satisfação, no
Boletim Informativo, que a actual Câmara, no seu Orçamento para 1990,
prevê, para a instalação do referido Museu, cinco mil contos (5.000).
Oxalá se tenha quebrado o
«enguiço» e, desta vez, se faça a sua instalação.
Maio de 1990
João Evangelista de
Campos
ENTREVISTA COM O
VICE-PRESIDENTE DA CÂMARA SOBRE A CRIAÇÃO DE UM MUSEU MUNICIPAL
Folgámos muito com a notícia de que íamos ter, finalmente, um Museu, e
que a iniciativa partisse do nosso estimado amigo Sr.. Dr. José Maria
Soares, activo Vice-Presidente da Câmara Municipal.
Mais vale tarde do que
nunca; e, por isso, resolvemos procurar S. Ex.ª numa destas últimas
tardes chuvosas, sendo recebidos com a bonomia e afabilidade que o
caracterizam, exclamando ao ver-nos:
– Já sei o que o traz cá.
Uma entrevista acerca da Arte?! Talvez a Música, por lhe ter há pouco
falado nisso.
– Enganou-se, meu caro
amigo. Agora o seu virtuosismo musical vai ficar descansado. Venho
confessá-lo acerca da novidade sensacional – o Museu. Mas diga-me agora
uma coisa: como foi recebida pelos seus colegas a proposta?
/ 27 /
– Todos os vereadores
receberam de bom agrado a minha ideia, que acharam aceitável e
necessária a criação e existência duma escola daquela categoria.
– Onde pensam que se possa
instalar o Museu, e com que elementos contam para a sua iniciação?
– Lembro-me de fazer a sua
instalação no edifício pertencente à Misericórdia e encostado ao lado
Norte da Igreja, se o Sr. Dr. Jaime Lima, digníssimo Provedor, nisso
concordar, o que se espera conseguir, por isso S. Ex.ª é um espírito
assaz ilustrado e um bairrista sempre pronto a auxiliar todos os grandes
empreendimentos locais. Conto com a cooperação dos nossos artistas. Já
falei com o Romão Júnior, que mostrou todo o interesse pela criação do
Museu, pondo à disposição da Câmara todo o seu valioso auxílio. Além
deste, temos o velho João Romão, o Artur Pratt, José de Pinho, Silva
Rocha, Carlos Mendes, etc.. E mesmo os artistas portugueses, segundo me
informou o Romão, contribuem sempre com qualquer das suas produções
artísticas para enriquecer os diferentes museus que a eles recorrem.
– O Museu que se vai criar
limita-se a objectos de arte ou também compreende produtos naturais?
– Quanto aos objectos que
desde já devem figurar no Museu, temos na cidade um grande número de
preciosidades em diferentes ramos de arte. Na Arte Sacra, temos ricos
paramentos em branco e vermelho, bordados a ouro, pertencentes ao antigo
Bispado e que já figuraram, segundo informações que tenho, numa
exposição de Lisboa, juntamente com umas mitras, sendo avaliados em
17.000$00 réis. Calcule o meu amigo a riqueza deles!
É também digno de ser
admirado um véu-de-ombros branco, bordado a matiz, duma perfeição
admirável. Informaram-me que também havia guardado, no Convento de
Jesus, um báculo de subido valor. Sobre pintura, temos os quadros,
embora de pouco valor, segundo dizem, que pertenceram ao Convento das
Carmelitas, e que hoje estão sob a guarda do Sr.. Delegado do Tesouro.
Era a secção que começaria mais pobre, mas que mais facilmente se
engrandeceria com o concurso dos nossos artistas e dalguns particulares,
que confiariam ao Museu alguns quadros de subido valor e dignos de serem
expostos. Na parte de faiança, também temos os panneaux de
azulejos, que foram retirados das Carmelitas, e os produtos tão
apreciados e apreciáveis das nossas fábricas.
– A quem tencionam confiar a
guarda e direcção do Museu?
– Com relação à pessoa que
se há-de encarregar do Museu, isso depende. de resolução da Câmara e
doutras circunstâncias que é prematuro informar.
– Porque não estabelece a
Câmara uma Biblioteca junto do Museu, que tão necessária se torna em
Aveiro? O Conservador daquele podia também sê-lo desta, e o edifício o
mesmo.
– Relativamente à criação da
Biblioteca, cuja lembrança do Campeão e do Progresso aceito com muito
agrado, tenciono na primeira sessão da Câmara apresentar uma proposta
para a sua instituição, podendo ser o bibliotecário o encarregado do
Museu, se isso se julgar conveniente em tempo próprio.
E tendo o nosso obsequioso
amigo sido chamado urgentemente para os seus serviços clínicos, nos
despediu sorridente.
Isto passou-se em Aveiro,
mas... há meio século... A curiosa entrevista foi publicada no "Campeão
das Províncias", n.º 5937, de 23-11-1910
(Jornal "LITORAL", de
19-3-1960)
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Confesso que a ideia de
«museu» produz na minha sensibilidade uma impressão bastante
ambígua. O conceito, em si próprio, não me agrada pelo que
significa de acumulação de riqueza artística, subtraída dos
locais para onde foi concebida e agora exposta e classificada
com fins pedagógicos – o que a empobrece no seu encanto.
Todavia, por outro lado, é precisamente no museu que a obra de
arte se separa de todos os valores acidentais, que no seu lugar
primitivo a escondiam, e nos aparece, para nossa satisfação, nua
de todo o prestígio postiço, sem outro valor senão a sua beleza
intrínseca.
Marquez de Lozoya |
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