Evolução histórica de Aveiro
Maria Aurora Bernardo
Henriques
A primeira fonte escrita que se conhece e que prova a
existência milenária de Aveiro data de 959 e era referenciada com o nome
de «Alavarium», querendo significar local onde abunda terra argilosa e
água corrente.
A categoria de Vila, que lhe é atribuída nesta altura,
não lhe confere a importância que à primeira vista parece ter, dado que
nos séculos X e XI assim era designado qualquer agregado rústico. De
pouca ou nenhuma importância, pela sua posição nada privilegiada para a
guerra, sem castelo ou muralhas que a defendessem dos constantes ataques
dos mouros, só algumas décadas mais tarde poderia vir a florescer, mercê
do seu próspero comércio, da sua localização geográfica, propícia para
navegação, do seu solo fértil para a prática agrícola e da sua
actividade salícola.
Terra de navegadores e mareantes por excelência, só
começou a sua verdadeira ascensão depois do século XII, com a tomada de
Lisboa em 1147, porquanto só a partir de então o tráfego marítimo foi
intensificado, após o afastamento do perigo que os árabes estabelecidos
em Lisboa representavam em termos de pirataria.
Depois desta data, acentuou-se a sua importância e D.
Dinis concedeu privilégios a quem quisesse vir morar para a vila de
Aveiro. No século XV a vila nobre e notável atinge o seu máximo
esplendor, sendo nesta altura pertença do Infante D. Pedro, que a
cercaria de muralhas e que muito contribuiu para o seu desenvolvimento.
São no entanto, escassos os dados sobre a evolução do
espaço urbano de Aveiro, especialmente anteriores ao século XV. Existem
algumas memórias que fazem descrições sumárias dos seus monumentos, ruas
largas e canais mais importantes, mas, quanto às manchas de ocupação do
solo, poucos são os apontamentos organizados – o que dificulta a nossa
função.
É ponto quase assente que a plataforma, demarcada pelo
largo do Município, deveria ter sido o ponto de fixação primordial do
povoado. O declive mais acentuado sobre o antigo esteira, actualmente
canal, formava a costeira, que libertava as habitações da humidade das
marés. Foi, pois, aqui que se formou o centro cívico e se implantaram os
edifícios públicos, de que são exemplo a igreja de S. Miguel, único
templo paroquial
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por largos séculos, a albergaria de S. Brás e a casa municipal.
Se tivermos em atenção a inclinação das ruas que desta
partem, sentimos claramente a importância que este muro teve no
adensamento populacional, estendendo-se o casario segundo a grande linha
definida a partir das pontes e abrangendo toda a rua direita
(actualmente rua dos Combatentes da Grande Guerra).
No primeiro quartel do séc. XV, começou a formar-se o
bairro da Vila Nova, sendo este um pequeno aglomerado de casas toscas
espalhadas desde o braço do Cojo (que cortava a povoação de Poente a
Nascente e separava deste o bairro mais antigo e nobre) até às vinhas de
Sá, construídas de pobres paredes de adobes de lama, tendo humildes
coberturas e tectos colmados. Possuía, no entanto, estaleiros onde se
construíam naus e caravelas, que viriam ajudar a conquista e expansão do
território português e também barcos e galés destinados ao intercâmbio
comercial.
Ainda no começo deste século, Aveiro vê o seu promissor
futuro ser ameaçado por um devastador incêndio. Valeu-lhe, nesta altura,
D. Pedro que reconstruiu a vila e cercou de muralhas o bairro nobre para
sua defesa e liberdade.
Os muros começaram a ser construídos em 1418 e foram
terminados alguns anos mais tarde.
Além de quatro postigos e de vários torreões, tinham oito
portas: A Sul, dando entrada para a rua Direita, a da Vila, ornada com o
brasão de D. Pedro, e a Oriente desta, em frente à rua da Corredoura,
situava-se a porta do Sol, seguiam-se as do Campo e do Cojo ou Cais, a
da Ribeira situada junto à ponte e à rua da Costeira; continuando para
Sudoeste, iríamos encontrar as do Alboi, de Rabães e de Vagos, esta
última não longe do local onde posteriormente se ergueu o convento de
Santo António.
A vila tinha nesta altura cerca de 3000 habitantes e
espraiava-se para fora das referidas muralhas, formando, na margem Norte
do canal, o já referido bairro da Vila Nova, onde se fixou uma população
ligada às actividades marítimas. Para Sul, formava-se novo agrupamento
populacional, cuja actividade dominante seria a agrícola; o bairro,
devido à sua localização, era chamado Cimo da Vila. Junto das muralhas e
perto da porta do Sol, fixou-se o bairro dos Oleiros. Ainda extramuros e
na margem da ria para Ocidente, pululava outro bairro, que teve o nome
de Alboi, onde, segundo certa tradição, se fixou uma população de
estrangeiros, especialmente ingleses, holandeses e flamengos. Possuía
cais acostável que servia de entreposto comercial e centro distribuidor
de comércio externo, representado por firmas de várias nacionalidades.
Em meados de Quinhentos, Aveiro seria talvez o maior
aglomerado populacional entre Douro e Tejo (à excepção de Lisboa), o que
motivou o bispo de Coimbra a repartir a única paróquia que existia em
quatro, continuando a de S. Miguel como priorado e as outras vigarias:
Vera-Cruz, S. Gonçalo ou Nossa Senhora da Apresentação e Espírito Santo.
De facto, segundo o rol de população mandado tirar por aquele prelado, a
freguesia de S. Miguel tinha em 1572, 11365 pessoas de comunhão, o que
justificou a referida divisão.
Os poucos casais colmados, que nos meados do século XV
formavam o arrabalde que era a Vila Nova, foram substituídos por um
bairro populoso e rico, onde se formaram duas freguesias: a da Vera-Cruz
e a da Nossa Senhora da Apresentação.
As vinhas e as searas foram sendo progressivamente
substituídas por novas construções, que iam surgindo de ano para ano de
uma maneira notável.
No último quartel deste século (séc. XV), Aveiro inicia
uma fase de retrocesso económico que se irá alastrar até ao séc. XIX,
tendo como consequência a diminuição da população bem como o seu
depauperamento. As causas destes eventos podem encontrar-se no facto de
a barra se ter deslocado gradualmente para Sul, piorando as condições
portuárias e contribuindo para a sua obstrução, o que impediu as
embarcações de saírem para as pescarias; por outro lado as águas,
ficando retidas nas salinas, provocaram doenças na população e impediram
a agricultura e a actividade salineira. Outras causas, que se podem
aliar às já referidas, são a dominação castelhana e o desastre da
«Invencível Armada», com graves consequências para o tráfego marítimo.
Como prova do depauperamento de que a vila foi alvo, conta-se a drástica
diminuição de população, que em 1685 ainda contava 10000 pessoas, mas,
passados 50 anos, não ultrapassava os 5300 habitantes. Em 1736, as
freguesias mais populosas eram a da Vera-Cruz e a do Espírito Santo, com
1428 habitantes, a primeira, e 1231, a segunda. S. Miguel era o bairro
nobre da vila e apenas habitado por 1148 pessoas. A freguesia de Nossa
Senhora da Apresentação era aquela que menos moradores contava, apenas
760, o que se justifica também dada a sua localização geográfica, pois o
espaço entre o canal de S. Roque, o Rossio e o cais dos Mercantéis era
então desabitado, uma vez que aí existiam alagoas e a marinha rossia.
Em 1756, verificar-se-ia uma sensível diminuição da
população, aliás coincidente com um período de grave crise do passe da
barra, sendo o número de habitantes da Vera-Cruz 960, S. Miguel 850,
Espírito Santo 800 e Nossa Senhora da Apresentação 725.
A vila viria a ficar reduzida a 900 fogos com 3000
habitantes, sendo o número de óbitos duplo do de nascimentos, situação
esta que se ficava a dever às inundações que eram provocadas pelo
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assoreamento da barra e que desencadearam uma situação de miséria,
doença e fome, dando à vila um aspecto miserável e confrangedor.
Curiosamente é neste período de recessão económica e
populacional que crescem as casas religiosas e as grandes moradias da
nobreza. Ergueu-se a singular igreja da Misericórdia, construiu-se o
convento do Carmo e fundou-se o de Santo António. Ao longo do século
XVII, levantar-se-iam os conventos das Carmelitas, de S. João
Evangelista e das Franciscanas da Madre de Deus em Sá e o recolhimento
das Freiras Capuchas de S. Bernardino. No primeiro quartel do século
seguinte, edificou-se a capela do Senhor das Barrocas, culminando o
século com a construção da casa municipal.
Em 1835 as quatro freguesias existentes são reduzidas a
duas: a Sul a de Nossa Senhora da Glória, e a Norte a da Vera-Cruz,
sendo a divisória estabelecida pelo canal central. A vetusta igreja de
S. Miguel é demolida, abrindo a perspectiva do largo municipal; e o
lugar de Sá, de que se conhece também referência milenária, é
incorporado na cidade, em detrimento do concelho de Ílhavo, a que por
anacronismo administrativo pertencia.
Três décadas mais tarde, e em consequência da inauguração
da linha férrea, inicia-se a construção do bairro da estação. Do último
terço do século XIX datam os bairros dos Santos Mártires e do Rossio.
São de referir diversos arranjos urbanísticos, no
princípio de Novecentos, entre os quais destacamos o do cais de S. Roque
e da zona da Praça do Peixe, e a transformação do terreiro das
Carmelitas, de cuja ampliação resultou a Praça do Marquês de Pombal e as
ruas que incidem na sua parte central.
No final do primeiro quartel, rasga-se a Avenida do Dr.
Lourenço Peixinho, que viria imprimir à urbe um aspecto mais «moderno» e
desafogado, já que o percurso da estação tinha que ser efectuado por
diversas ruas: Rua da Estação, Rua do Carmo, Rua do Gravito, Rua de
Manuel Firmino e Rua de José Estêvão. É já nos meados do século que se
cria, em torno do liceu de José Estêvão, o bairro do Dr. Álvaro Sampaio;
simultaneamente, a antiga vila de Esgueira é integrada na cidade de
Aveiro. Por outro lado, a construção do seminário, a partir de 1939,
estabelece um fulcro de futura expansão, para o lugar de Santiago, o que
efectivamente veio a acontecer, com especial relevo para as instalações
da Universidade, que aí se localizaram, imprimindo nova dinâmica ao
local.
Por solicitação da Câmara Municipal, o Governo autorizou
em 1963 a ampliação da área citadina, passando a abranger os lugares de
Aradas, S. Bernardo e Quinta do Gato. Deste modo, e muito recentemente,
a cidade passa a ser dividida em cinco freguesias: Vera-Cruz, Glória e
Esgueira já existentes, S. Bernardo e Santa Joana recentemente criadas.
Actualmente, têm-se efectuado diversas passagens
desniveladas, quer inferiores quer superiores, tentando ultrapassar um
difícil obstáculo à expansão de Aveiro, como é a linha do
caminho-de-ferro. Foram ainda construídos dois importantes bairros, a
Poente: 25 de Abril e Santiago; vão sendo também efectuados planos para
outras urbanizações, para tentar satisfazer a procura habitacional, que
se faz sentir, devido ao incremento populacional dos últimos anos, mercê
do desenvolvimento industrial e comercial que esta cidade tem vindo a
sofrer. Em vias de concretização e implementação estão os planos das
Agras, da Forca-Vouga, de Aveiro-Norte e das Barrocas.
Maria Aurora Bernardo Henriques
(Transcrito do catálogo da Feira de Março/91)
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