A QUINTA DE S. FRANCISCO,
EM EIXO
Foi-me dito, aquando da apresentação do livro «Cacia e
o Baixo Vouga», valiosa obra de recolha etnográfica desta região –
apresentação singela, mas digna, efectuada num restaurante de Cacia
pelos responsáveis da nossa municipalidade – que no n.º 3 deste «Boletim
Municipal de Aveiro» tinham sido publicados trabalhos de muito interesse
para a historiografia de Eixo. Porque, embora possuindo já os números 1,
2 e 4, não me apercebera da falta do n.º 3; logo que me foi possível
corri a comprá-lo.
Exercendo, desde fins de 1983, a minha actividade
profissional na Quinta de S. Francisco e pelo tipo de trabalho de que aí
sou responsável, interessou-me muito parcialmente o escrito com o título
«JARDIM BOTÂNICO/CONCEITOS MODERNOS». – Eis a razão da minha presença
neste boletim.
* * *
A
Quinta de S. Francisco, em Eixo, é propriedade da PORTUCEL – Empresa de
Celulose e Papel de Portugal (EP) desde 15 de Setembro de 1982. Com
gradeamento de madeira – aliás transparente – ladeando uma das estradas
asfaltadas da vila, com fiadas de arame em todo o seu restante perímetro
e guardada, para acautelar os valores aí existentes e que são património
de todos nós, é um espaço franqueado à Comunidade de Eixo e Municipal
Aveirense – porque assim foi gravado, esculpido, no Livro de Actas dos
responsáveis máximos da Empresa.
Logo que reunidas condições mínimas de trabalho, aí se
começaram a instalar e se iniciaram, já em meados de 1983,
as três funções de apoio, coordenação e
desenvolvimento empresarial(a):
a coordenação e optimização produtiva de todas as suas unidades, o
projecto de engenharia básica com vista ao melhoramento dos sistemas de
equipamentos existentes e aos novos investimentos materiais e à
investigação e desenvolvimento. Constitui globalmente este núcleo a
função a que foi decidido chamar Direcção Técnica da Empresa (por vezes
também Centro de Investigação, tendo em conta esta última componente de
investigação aplicada). Núcleo este, diria, que se pretende venha a ser
como que o ponto de convergência de dados para apoio à Gestão da Empresa
e de estudo e também para apoio a decisões da Empresa no domínio técnico
e de desenvolvimento estratégico (de processo e operacional) do parque
fabril da PORTUCEL.
Centremos a nossa atenção em aspectos da I & D – investigação e
desenvolvimento – a que, na PORTUCEL, foi dado o nome de Investigação
Tecnológica.
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No esquema junto explica-se a filosofia que vem a
presidir actualmente a esta actividade da I & D, cujo equipamento
basilar começou a entrar em serviço em princípios do corrente ano, outro
estando em vias de montar e entrar em serviço durante o próximo ano de
1985.
a) – No interior do pentágono está assinalado o «centro
de documentação» (obviamente necessário e indispensável), isto é, uma
biblioteca no sentido mais dinâmico do termo – como ferramenta de
trabalho do desenvolvimento criativo. Com livros, revistas, ficheiros,
equipamento informático – irá entrar em funcionamento durante 1985. Será
o núcleo central das bibliotecas das fábricas da PORTUCEL (algumas das
quais já muito ricas no ramo das ciências e das técnicas de produção de
pasta e de papel) e terá uma ligação telefónica, fazendo parte do
conjunto informatizado, ao I.P.C. – Instituto de Química do Papel, em
Wisconsin – Estados Unidos da América. Este «centro de documentação»
servirá, obviamente, as instalações em Eixo e todas as instalações
fabris e não fabris da PORTUCEL.
b) – No grande círculo do lado esquerdo inferior do
esquema figura-se a Direcção Florestal com o seu departamento GIA –
Gabinete de Investigação Aplicada – a sediar proximamente, também, na
Quinta de S. Francisco – departamento este que, em simbiose com a
Investigação Tecnológica, irá ocupar um dos vértices do pentágono «área
florestal». A fonte de matéria-prima do fabrico de pasta e papel é a
floresta – bem vivente e, portanto, renovável – cujo cultivo e
exploração tem de optimizar parâmetros (qualitativos e quantitativos) de
produtividade lenhosa e de produtividade industrial.
c) – O vértice «área tecnológica» representa a actividade
da nossa vocação de produtores de pasta e papel e de alguns
transformados, em que pretenderemos investir no que julgamos ser o
melhor e mais moderno.
d) – Os vértices «área ambiente» e «área biotecnológica»
encontram-se também entre as nossas preocupações. A Ecologia e a
Biologia são dois ramos científicos de altíssima relevância, no presente
e no futuro. As respectivas tecnologias, verdadeiramente novas e de
potencial idades ainda não correctamente avaliadas no mundo, mas para
cujo desenvolvimento se espera, em termos futurológicos (já na corrente
década de 1980) uma verdadeira explosão, estão na primeira infância. Se,
como tecnólogos de pasta e papel, temos uma certa e sectorial noção da
primeira, da segunda – a Biotecnologia – vemos uma nuvem de contornos
decepcionantemente difusos. Para além da micrografia, biometria,
identificação de contaminantes orgânicos e inorgânicos e de algo mais,
não nos sentimos minimamente habilitados a concretizar, em termos de
probidade científica, alguns enunciados que internamente, no seio da
PORTUCEL, vimos enunciando. Para além da biotecnologia aplicada ao
fabrico de pasta e papel, de dois vectores nos julgamos aperceber no
horizonte, com incidências no Vegetal e no Animal. – Ideia que
precisamos de clarificar, decantar e amadurecer.
e) – O vértice «área química» define-se por si. A Química
é, como se sabe, a ciência experimental de apoio indispensável à
interpretação criativa da problemática conjunta tecnológico-florestal/ecológica/biotecnológica.
Aqui iremos investir «pouco» em meios materiais.
f) – A circunferência envolvente «Centros Fabris: Viana, Cacia, Setúbal,
Ródão, Mourão, «Embalagem» significaria o empenho dos departamentos
laboratoriais das fábricas, onde existe, acumulado, um cabedal valioso
de experiência e saber aplicado e que, com Eixo, constituirá a
«Investigação & Desenvolvimento PORTUCEL».
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g) – A ligação às Universidades e Centros Científicos – privilegiando,
em «posição de contribuições iguais», a Universidade de Aveiro e o
Instituto Universitário Beira Interior (Curso de Engenharia do Papel) –
Covilhã, e tendo em mente um são critério de descentralização do
desenvolvimento tecnológico a nível nacional – é uma filosofia que
preside, desde início, aos nossos trabalhos. Somos um país pequeno em
que – pensamos – economizar em meios materiais, nomeadamente
equipamento, se impõe. Se na área da nossa vocação industrial de
produtor de material lenhoso, de pasta e de papel não hesitaremos em
investir, como já enunciado na alínea c), obviamente sempre procurando
ter presente uma correcta medida das proporções e de limitações e
condicionalismos que a experiência nos diz surgirem quando menos se
espera, já a nossa posição nas áreas de Química, Ecologia e
Biotecnologia será diversa. – Exemplifique-se com esta interrogação: –
Se num raio de cerca de 70 quilómetros com centro nestas instalações, em
Eixo, existem modernos meios técnicos e instrumentais para investigação
aplicada e básica, com especialistas de reconhecida competência
científica, tais como em microscopia electrónica, em cromatografia e
outros, justificar-se-á que nos laboratórios da Quinta de S. Francisco
se dupliquem tais meios? Julgando que a resposta é negativa, a nossa
preocupação tem sido a de, a pouco e pouco, «lançar» tecnólogos jovens e
dialogantes, que nessas instituições e representando a I & D da PORTUCEL,
em serviços e em linhas de investigação participada, estas já a nível
científico, se identifiquem e interpretem problemas com incidência
prática. Pensamos que esta será a via de diálogo mais frutuosa.
O rectângulo alongado figurado à direita no esquema não é
mais que a notação gráfica desta política. E falando claro, talvez com
rudeza, uma condição sine qua non se impõe em nosso entender: que
o homem de fábrica, que nós somos, normalmente de discurso menos fácil,
perca o seu complexo e, convergentemente, o Universitário desça da sua
cátedra para o tablado dos problemas práticos. Tudo o mais virá por
acréscimo.
Nós, os tecnólogos da Quinta de S. Francisco, já fizemos
aproximações, motivados pelo que se acaba de dizer quanto a economia de
meios num país de pequena área e porque temos a certeza de que isolados
muito pouco poderemos construir.
Sem querer alongar-me, não quereria deixar de registar
aqui duas anotações que me parecem relevantes.
A
recuperação e as obras que iniciámos na Quinta de S. Francisco obedecem
ao seguinte critério: não cortar uma única árvore significativa dos seus
preciosos arboretos, não tocar (no sentido negativo, obviamente) na
velha casa que foi da Família Magalhães Lima e deixar áreas livres para
expansão dos seus arboretos. – O único local possível foi,
consequentemente, uma das antigas vertentes de pomar, vinha e algo de
terreno agrícola. Assim se criou o patamar onde está instalado o moderno
edifício de dois pisos que lá se vê hoje. O contraste de um edifício
moderno e de tipo pré-fabricado e a velha casa, arquitectonicamente
típica do proprietário, lavrador abastado e intelectual desta nossa
região – como o autor destas linhas lhe costuma chamar – será até,
eventualmente, interessante.
Em segundo e último lugar, afirmar que a carga cultural
que paira sobre a Quinta de S. Francisco – valorizando o científico e
religioso e... o «ecuménico» (quando penso no amor fraterno de Jaime e
de Sebastião, militando em pólos opostos do pensamento e da acção) –
esta carga cultural, repito, é obrigação que todos nós, tecnológicos
actualmente aí a labutar, nos impusemos desde início preservar e
valorizar, tanto quanto o nosso crer e querer o permita. – Tarefa –
pesada e árdua...
Eixo, Dezembro de 1984
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(a)
– A PORTUCEL compreende os Centros Fabris de Viana, Cacia,
Setúbal e Ródão; as Unidades Fabris de Mourão e as
unidades fabris transformadoras de Guilhabreu, Leiria e Albarraque.
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