Nasceu em 18 de
Janeiro de 1810 e foi baptizado na igreja do Espírito Santo, demolida em
1858. Frequentou as primeiras letras com Custódio José Baptista,
conhecido pela alcunha de Cossoia.
Era filho de Manuel
Sebastião de Morais e de D. Maria Máxima Miquelina, casados na Vila da
Feira, em 17 de Maio de 1754.
Manuel Sebastião de
Morais era filho de José António de Morais, bacharel em direito
canónico, natural do Porto, e de D. Luísa Francisca, filha do
tenente-coronel João Pires de Lima e de D. Maria Teresa de Saavedra,
também da mesma cidade. D. Maria Máxima Miquelina era filha de Francisco
José dos Reis e Silva e de D. Luísa Rosa Lizarda de Lima, naturais da
Vila da Feira e de famílias de elevada posição.
Do consórcio de
Manuel Sebastião de Morais nasceram três filhas e seis filhos, que
sempre se mostraram afectos ao Regime constitucional e à Dinastia do
senhor D. Pedro, primeiro imperador do Brasil, e de sua Augusta filha, a
senhora D. Maria da Glória, que em 1834 subiu ao trono português sob a
denominação de D. Maria II, havendo tido naquele país o título de
princesa do Grão-Pará.
Todos esses
indivíduos sofreram muito pela causa política, que entusiasticamente
haviam abraçado. Um perdeu a vida no cadafalso; outro, na batalha da
ilha Terceira. Os outros obtiveram posições elevadas ou na classe
militar ou em empregos civis, o que foi devido aos trabalhos pela causa
que defenderam.
Em 1820, houve em
todo o país uma sincera manifestação política, para que fosse mudado ou
modificado o antigo Regime. Disso resultou a Constituição de 1821,
abolida em 1823 por outra manifestação em sentido contrário.
A Carta
Constitucional, mandada do Brasil em 1826 pelo seu primeiro imperador,
foi aceite em Portugal por alguns dos que haviam abraçado os princípios,
proclamados em 1820. Mas, em 1828, havendo completamente mudado as
coisas políticas, não faltou quem se manifestasse pelos princípios,
proclamados em 1826, do que resultaram perseguições e prisões em grande
número e não poucos pagaram com a vida as suas manifestações, que nem
sempre foram pacíficas e ordeiras. Outros tiveram de emigrar, ou como
simples particulares ou empunhando as armas, com que então e mais tarde
haviam de pelejar pela causa, a que se haviam devotado.
Jerónimo de
Morais Sarmento, assim como seus irmãos, foi um dos que emigraram,
fugindo com os seus companheiros para a Espanha, onde, como muitos
desses companheiros, marchou até Ferrol, sofrendo as inclemências do
tempo, a falta de alimentos e uma longa jornada, que fez sucumbir a
alguns e desistir não poucos. Em /
pág. 317 / alimentos e uma longa
jornada, que fez sucumbir a alguns e desistir não poucos. Em fins de
Agosto desse ano, depois de haver atravessado a Galiza, chegou a Ferrol,
onde embarcou para a Inglaterra com alguns dos seus companheiros de
infortúnio. Em 10 de Setembro, chegaram a Falmouth, onde sofreram não
poucas contrariedades e donde foram para Plymouth, em que se organizou
um depósito de emigrados políticos.
Aí, como todas as
praças de pret, recebia uma ração diária de pão, carne e arroz, e
catorze shillings mensais. Ele e outros estiveram recolhidos num
barracão, de que muito fala a história daqueles tempos. E a história
daqueles tempos também conta o que passaram os principais partidários do
primeiro imperador do Brasil. Nesta parte pode-se dizer que a história
de Jerónimo de Morais Sarmento é, guardadas as devidas diferenças, a
mesma dos seus companheiros de armas e dos seus correligionários
políticos, que, tendo sido obrigados a deixarem a pátria, se refugiaram
em diversos países, especialmente na Inglaterra.
Depois de várias
peripécias, que será escusado contarem-se, pois cada historiador as tem
narrado ao sabor das suas opiniões partidárias, aqueles emigrados e
outros, que seguiram as mesmas opiniões, foram para a ilha Terceira,
onde com as armas na mão trataram de defender a causa a que se haviam
devotado e muito especialmente no combate da Praia.
Com os seus
companheiros, havia saído de Plymouth em 24 de Fevereiro de 1829 e, em 8
do mês seguinte, desembarcara naquela ilha. Aí combatendo, faleceu
Evaristo Luís de Morais, irmão de Jerónimo de Morais, o que foi para
este um grave desgosto e não menos o foram as notícias de que seu irmão
Clemente morrera no cadafalso e que algumas pessoas da sua família e da
sua amizade estavam sofrendo perseguições, ou nas cadeias ou refugiadas,
em diversos sítios.
Jerónimo de Morais,
com o primeiro imperador do Brasil e com o exército que este havia
podido organizar, composto de portugueses e de estrangeiros,
desembarcou, em 8 de Julho de 1832, no sítio ou perto da Arenosa de
Pampelido, a que depois se chamou a Praia do Mindelo.
Deu-se depois o cerco
do Porto, cuja história é bem conhecida, onde Jerónimo de Morais e seus
irmãos, alguns aveirenses e outros companheiros não se mostraram menos
denodados e estratégicos. Pode dizer-se que a história de todos esses
indivíduos é também a mesma, guardadas algumas diferenças, cuja narração
não será mister fazer-se. Coadjuvados pelas tropas estrangeiras e em
virtude da quádrupla aliança, puderam o primeiro imperador do Brasil e
os seus correligionários ficar completamente vitoriosos em Maio de 1834,
depois da batalha da Asseiceira.
Após a convenção de
Évora-Monte, o príncipe D. Miguel, que representava o partido
tradicional, foi obrigado a expatriar-se e os seus correligionários
houveram de depor as armas.
/ pág. 318
/
Jerónimo de Morais Sarmento, em
virtude de seus serviços, fora um dos dezoito militares que, em 28 de
Julho de 1832, haviam sido condecorados com a medalha da Torre e Espada,
sendo então considerado cadete. Em 6 de Agosto desse ano, foi elevado ao
posto de alferes e, em 24 de Julho de 1834, foi elevado a tenente.
A família Morais
havia sofrido muito pela causa, a que se dedicara, e tinha muitos
motivos de queixa contra alguns dos seus adversários. Estes não deixavam
de recear as represálias e as vindictas. Não poucas se deram, mas,
passados alguns anos, sossegaram os ânimos e os vencidos viveram menos
receosos. Para isso não concorreram pouco as uniões conjugais entre
famílias de ideias completamente contrárias e as dissenções, que logo
começaram a lavrar entre os correligionários do partido vencedor.
Jerónimo de Morais,
pouco depois de 1834, casou com D. Maria Emília de Almeida Maia, filha
de Fernando António de Almeida Coelho. Seu irmão Bento Augusto de Morais
Sarmento casou com D. Guilhermina de Almeida, filha de Joaquim António
de Almeida Coelho, irmão do mesmo Fernando e ambos acérrimos partidários
do antigo Regime e do príncipe desterrado, que o representava.
Em Setembro de 1836,
isto é, pouco mais de dois anos depois de proclamada a Carta
Constitucional e de ser elevada ao trono a Dinastia que a representava,
manifestou-se a revolução, que do mês tomara o nome. Isso deu ensejo a
que os partidários do antigo Regime pudessem viver com menos receio,
porque os seus contrários intrépidos, hostilizando-se mutuamente, não
procuravam ocasiões de vindictas nem de represálias. E muito daqueles,
que diziam que tinham dado o sangue pela Carta e que por ela eram
livres, empunhavam então contra ela as mesmas armas, com que a haviam
defendido. Assim como não poucos haviam jurado em 1821 a Constituição
Portuguesa e depois juraram e proclamaram a Carta, em 1836 não faltou
quem se mostrasse desafecto à Carta, e quisesse aquela Constituição com
uma ou com duas Câmaras. Incoerências da política e dos políticos, como
frequentes vezes sucedem e como ainda hoje se estão vendo!...
Jerónimo de Morais
tomou o partido dos setembristas e nessa parte conservou-se, com a
firmeza que pôde e assim se manifestou em todas as revoluções que se
deram até 1851, nas quais a Regeneração pacificou aparentemente o país.
Muitos ficaram vencidos, mas não convencidos; tiveram de sujeitar-se, ou
porque reconheceram a inutilidade dos seus esforços ou porque as
intervenções estrangeiras directa ou indirectamente a isso os obrigaram.
As revoluções, que se
deram desde 1836 a 1851, são bem conhecidas; escusado será falar delas,
pois são factos genéricos.
Em 1846, estava
no poder António da Costa Cabral, que, tendo sido um político exaltado e
muito popular, havia-se tornado intransigente, procurando a todo o custo
conservar-se no Ministério e consentindo que se praticassem excessos e
violências / pág. 319 /
contra aqueles que não perfilhavam as suas
ideias ou procuravam, nas eleições, manifestar-se contra o procedimento
do Governo. Este era puramente cartista e os contrários eram geralmente
setembristas e, nessa ocasião, também contavam com o auxílio do partido
legitimista, que então ainda era forte, numeroso, disciplinado e
aguerrido. Esta circunstância serviu de pretexto para que a intervenção
estrangeira novamente viesse em auxílio da augusta filha do primeiro
imperador do Brasil, assegurando-lhe o trono, tão ameaçado, até por
alguns daqueles que haviam cantado:
«Às armas, ó lusos,
o ferro empunhemos.
Maria segunda
ao trono elevemos.»
Ficaram bem na
memória as eleições, feitas nessa época; ainda hoje se fala nas eleições
à cabrilina. É verdade que os Cabrais nem de tudo eram culpados; mas
como lhes imputavam todos os males, que os seus contrários sofriam, não
faltou quem, por ironia, repetisse estes estribilhos:
«Se nos campos há
pardais,
é por culpa dos Cabrais.
Se as coisas não correm bem,
os Cabrais as culpas têm.»
E ainda outros
semelhantes.
Então, por quase todo
o país, se levantou a revolução chamada da Maria da Fonte. E os que, até
1834, haviam confraternizado, mutuamente se hostilizavam, espancavam e
perseguiam.
Jerónimo de Morais
achava-se no Porto em 1847, já no posto de capitão, quando, em 12 de
Dezembro, ali foi barbaramente espancado por alguns dos partidários
cabralistas. Os ferimentos foram quase mortais e dos seus efeitos sempre
mais ou menos se queixou. Levado para uma botica, aí recebeu os
primeiros curativos e, quando as suas forças lho permitiram, protestou
contra aquela violência, praticada por indivíduos seus correligionários,
pois todos se diziam liberais. Outras considerações ainda fazia, mas,
decerto, os que o espancaram nenhum castigo tiveram.
Jerónimo de Morais,
como muitos do seu partido, figurara mais ou menos naquelas revoluções.
E, se é para admirar que ele e outros se manifestassem contra o Governo,
composto de indivíduos adversos ao antigo Regime e de que era chefe
aquela senhora, a quem os liberais chamavam um anjo de bondade e de
clemência, também é para admirar a sua valentia no campo da batalha e a
coragem com que sofreu tantas contrariedades e perseguições e
principalmente a sua deportação para a África. Daí o livrou, a ele e aos
seus companheiros, a intervenção inglesa e a ela deveram o não serem
tratados tão cruelmente como receavam.
Vencidos na batalha
de Torres Vedras, foram obrigados a embarcar em 27 de Janeiro de 1847
para aquelas paragens e, sofrendo não só as inclemências do tempo, mas
outros incómodos, chegaram a Luanda em 25 de Março. Em 21 de Maio, foi
assinado em Londres um protocolo, pelo qual aqueles revoltosos deveriam
ser transportados à Europa. Para isso, uma fragata inglesa foi mandada a
Luanda, aí aportando em 23 de Agosto desse ano; os deportados chegaram a
Lisboa em 10 de Setembro. As manifestações de regozijo pela sua chegada
foram pacíficas, mas sinceras.
/
pág. 320 /
Com os deportados, veio Jerónimo de Morais Sarmento, que já era capitão
desde 4 de Julho de 1842 e que, em virtude das suas manifestações contra
o Ministério, foi no ano seguinte colocado na inactividade, tendo
servido em Caçadores 4, desde que fora elevado àquele posto.
Em virtude dos
acontecimentos a que dera causa a Revolução de Setembro, havia estado em
Aveiro, no Regimento de Caçadores 28, aqui estacionado, para o qual fora
transferido de Infantaria 9, pela ordem do Exército de 1 de Agosto de
1838. Também aqui fizera parte da guarda de segurança. E, se nos cargos
militares, aqui exercidos, não tinha mais vantagens do que noutra
localidade, tinha ao menos o prazer de estar perto de sua mãe, que muito
respeitava, e de seus parentes, que estimava não menos, e dos seus
conterrâneos, que não deixavam de estimá-lo, apesar de nem todos
seguirem as suas opiniões políticas. Mas os acontecimentos políticos de
1840 concorreram para que ele houvesse de fixar a sua residência no
Porto.
A revolta, chamada
Regeneração, em 1851, tão incoerente como as outras, não seria mister,
se aquelas se não tivessem dado. Teve, porém, as vantagens de pacificar
o país, ainda que aparentemente, a de unir muitas famílias com laços de
nova amizade, a de se efectuar sem grande derramamento de sangue e,
finalmente, a de não ser precisa a intervenção estrangeira, para que ao
país fosse restituído o sossego. Também, ninguém com isso sofreu graves
prejuízos, nem perseguições, nem vinganças e castigos, a que as
revoluções dão causa. No entanto, Jerónimo de Morais sofreu preterição
no posto de acesso, a que se julgava com direito.
Em 27 de Janeiro de
1852, foi despachado major, mas adido à classe dos veteranos. Muito se
desgostou com esse facto e queixava-se de que, tendo prestado tantos
serviços à causa da augusta filha do primeiro Imperador do Brasil e
havendo feito sacrifícios nas revoluções, que se efectuaram depois de
1834, não houvesse tido maiores vantagens nem continuasse a servir no
Exército.
Em 29 de Março de
1853, sofreu um desgosto ainda mais grave. Foi a perda de sua carinhosa
mãe, que ainda o pôde ver e abraçar pouco antes de falecer, como pôde
ver e abraçar os outros filhos, que então aqui se reuniram e
acompanharam o Sagrado Viático, que a moribunda espontaneamente havia
pedido. Depois fixou Jerónimo de Morais a sua residência em Lisboa e
definitivamente aí ficou até à sua morte.
Como era amigo de
José Estêvão e de Mendes Leite, que em 1840 haviam fundado o jornal
intitulado “A Revolução de Setembro”, ficou administrando o mesmo jornal
desde os fins de 1858, até que cessou aquela publicação. Também dela foi
o revisor e o noticiarista e para ela escreveu não poucos artigos
políticos.
Em 10 de Maio de 1878
e em virtude do projecto da lei de 23 de Março nesse mesmo ano, foi
reformado no posto de coronel, mas tendo direito ao respectivo soldo só
desde a data do despacho em diante.
/ pág. 321
/ Em 3 de Julho de 1893 perdeu a esposa,
acontecimento que muito o contristou.
Não deixaram de o
contristar muitos actos da política portuguesa, que de dia para dia lhe
traziam novos desenganos.
Creio que depois, por
uma nova classificação e reforma do Exército, foi elevado ao posto de
general de Brigada.
Vivendo nos últimos
anos pacificamente e só para a sua família e esquecendo antigos motivos
de agravos, recebia em sua casa pessoas de todas as opiniões políticas
e, se algumas vezes falava nas suas antigas desventuras, era só para
mostrar que nisso tinha glória e para dar as suas demonstrações de
perdão às famílias daqueles contra quem mais poderia queixar-se. O mesmo
fizeram seus irmãos, especialmente João António de Morais. Em Agosto de
1889, satisfazendo a um convite, veio a Aveiro assistir à inauguração da
estátua de José Estêvão Coelho Magalhães.
Pelas seis horas da
tarde de 14 de Março de 1899, faleceu em Lisboa Jerónimo de Morais
Sarmento, mostrando até ao último momento da sua vida uma grande lucidez
de espírito. |