Nascido em Aveiro a 4
de Novembro de 1722, João Jacinto de Magalhães revelar-se-ia um dos mais
notáveis iluministas portugueses. O seu trabalho de investigação ao
nível das ciências experimentais valeu-lhe honras de reconhecimento
internacional, chegando mesmo a privar com Lavoisier, Volta, Watt, entre
tantos outros cientistas e investigadores com os quais manteve uma vasta
correspondência científica e pessoal.
Tendo ingressado na
Congregação dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho no Mosteiro de
Santa Cruz de Coimbra, com apenas onze anos de idade, viria dez anos
depois a professar, passando de frade a cónego com o nome de D. João de
Nossa Senhora do Desterro. A sua fama de investigador e de homem de
ciências, já nesta altura, levou Gabriel de Bory, astrónomo francês e
frade de Santo Agostinho, a procurá-lo aquando da sua deslocação a
Portugal, em Outubro de 1753, a fim de observar em Aveiro o eclipse
total do Sol. A conversa entre ambos foi motivo suficiente para que se
estabelecesse uma relação de amizade que perduraria vida fora.
A consciência da
imaturidade com que tinha feito os votos religiosos levou-o a solicitar
ao Papa o breve de secularização e, mais tarde, a desfazer-se totalmente
das vestes clericais, condição que tinha por necessária para a sua
libertação interior.
Testemunha do
terramoto de 1755, elogia o trabalho do Marquês de Pombal numa das
descrições que fez da catástrofe para um jornal francês. Porém a
política pombalina tornaria inviável a sua permanência em Portugal, pois
o cientista considerava-a despótica e uma afronta à liberdade pessoal.
Assim, resolve abandonar o país e parte para França, onde viveu entre
1756 e 1763, privando com indivíduos notáveis, em especial o Dr. António
Nunes Ribeiro Sanches, que muito o ajudou a ultrapassar as dificuldades
económicas com que se viu confrontado. Datam desta época as edições que
fez, quer de obras religiosas, quer de livros polémicos.
Regressado a
Portugal, não tardaria a abandonar novamente o país, desta vez para não
mais regressar. O reconhecimento da sua obra não se verificou em
Portugal, sendo mesmo considerado um elemento subversivo pelo Bispo de
Coimbra. Foi necessário aguardar até meados do presente século para que
João Jacinto de Magalhães fosse reconhecido como um dos maiores
cientistas portugueses do século XVIII.
A sua projecção
internacional acentuou-se a partir da sua permanência em Londres.
Conheceu construtores de instrumentos científicos de reputação mundial,
como Dollond e Jesse Ramsden. Um dos inventos que mais o celebrizou foi
um relógio com diferentes timbres, indicando as horas, as meias horas,
os quartos de hora, os minutos, os dias da semana, do mês, etc. A ideia
de tal engenho partira do Duque Louis D' Arembert, cego aos 24 anos, sem
que contudo imaginasse ser possível a sua execução.
Foi também da sua
autoria a inclusão de um pêndulo numa máquina de Atwood – instrumento
utilizado nos gabinetes de física para demonstrar a lei da gravidade de
Newton.
A qualidade e rigor
dos seus trabalhos, em especial a construção e aperfeiçoamento de
instrumentos de precisão, foram internacionalmente reconhecidos e
elogiados. Em Novembro de 1771, foi eleito sócio correspondente da
Academia das Ciências de Paris, eleição patrocinada por Gabriel de Bory.
João Jacinto de Magalhães figurou entre os nomes que compunham a "lista"
de sócios das Academias de Berlim, S. Petersburgo, Madrid e da tão
disputada Royal Society de Londres, encarregando-se mesmo do intercâmbio
de conhecimentos científicos entre esta cidade e S. Petersburgo. Para
além destas Academias, foi também sócio das Sociedades Filosóficas de
Manchester e Harlem.
Esta
internacionalização justifica bem as consultas que lhe eram feitas por
cientistas e estudiosos de toda a Europa, bem como as encomendas de
trabalhos científicos e mecânicos, inclusivamente pelos governos de
Portugal e Espanha.
João Jacinto de
Magalhães foi, no dizer de Cruz Malpique, «uma das mais vivas
curiosidades do seu tempo», pois o seu campo de interesse e de estudo
não se limitou à física e à astronomia, pese embora o facto de terem
sido estas as ciências que mais o fascinaram e atraíram,
caracterizando-o uma inteligência polifacetada.
Homem simples e
modesto, amava a ciência e o seu trabalho, não esperando a recompensa
material dos seus feitos. Assim se compreendem as dificuldades
económicas que enfrentou ao longo da sua vida e a forma gratuita como se
entregou sempre ao trabalho. São suas as palavras que nos transmitem
esta sua filosofia de vida: «Por menos que valha o meu trabalho,
resta-me a satisfação de ter servido o público, de boa vontade e o
melhor que pude (...) Unicamente ao meu zelo devo coragem para vencer as
dificuldades que naturalmente se encontram numa situação como a minha,
residindo num país estranho, sem fortuna, com recursos que não vão além
do estritamente necessário, exprimindo-me numa língua que não é a minha,
sem saúde e já velho. Às almas sensíveis que lerem estas linhas não
deixará de ser grato o meu sacrifício, só a elas me dirijo, e só o seu
juízo me importa.»
João Jacinto de
Magalhães faleceu em Islington em 7 de Fevereiro de 1790. Cruz Malpique
faz-lhe sem dúvida justiça quando se lhe refere como "um aveirense de
origem e, ao mesmo tempo um arejado cidadão do mundo.”.
Lurdes da Conceição M
de Figueiredo Pereira
Professora de História
Secundária Dr. Jaime de Magalhães Lima
Aveiro
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BIBLIOGRAFIA
-
Arquivo do Distrito de Aveiro, voI.
XXXVII, 1971 Boletim Municipal de Aveiro, n.º 15/16, 1990.
-
Nova Enciclopédia Portuguesa, voI. XVI.
-
Carvalho, Rómulo de – João Jacinto de
Magalhães, in Dicionário de História de Portugal, dir. Joel
Serrão, voI. IV, Livraria Figueirinhas,
Porto, 1989. |