Lurdes da Conceição M. de Figueiredo Pereira, João Jacinto de Magalhães (1722-1790), In: Aveirenses Ilustres. Retratos à minuta, Edição do X Encontro de Professores de História da Zona Centro, Aveiro, 1992, pp. 25-26.


João Jacinto de Magalhães
(1722-1790)

Nascido em Aveiro a 4 de Novembro de 1722, João Jacinto de Magalhães revelar-se-ia um dos mais notáveis iluministas portugueses. O seu trabalho de investigação ao nível das ciências experimentais valeu-lhe honras de reconhecimento internacional, chegando mesmo a privar com Lavoisier, Volta, Watt, entre tantos outros cientistas e investigadores com os quais manteve uma vasta correspondência científica e pessoal.

Tendo ingressado na Congregação dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, com apenas onze anos de idade, viria dez anos depois a professar, passando de frade a cónego com o nome de D. João de Nossa Senhora do Desterro. A sua fama de investigador e de homem de ciências, já nesta altura, levou Gabriel de Bory, astrónomo francês e frade de Santo Agostinho, a procurá-lo aquando da sua deslocação a Portugal, em Outubro de 1753, a fim de observar em Aveiro o eclipse total do Sol. A conversa entre ambos foi motivo suficiente para que se estabelecesse uma relação de amizade que perduraria vida fora.

A consciência da imaturidade com que tinha feito os votos religiosos levou-o a solicitar ao Papa o breve de secularização e, mais tarde, a desfazer-se totalmente das vestes clericais, condição que tinha por necessária para a sua libertação interior.

Testemunha do terramoto de 1755, elogia o trabalho do Marquês de Pombal numa das descrições que fez da catástrofe para um jornal francês. Porém a política pombalina tornaria inviável a sua permanência em Portugal, pois o cientista considerava-a despótica e uma afronta à liberdade pessoal. Assim, resolve abandonar o país e parte para França, onde viveu entre 1756 e 1763, privando com indivíduos notáveis, em especial o Dr. António Nunes Ribeiro Sanches, que muito o ajudou a ultrapassar as dificuldades económicas com que se viu confrontado. Datam desta época as edições que fez, quer de obras religiosas, quer de livros polémicos.

Regressado a Portugal, não tardaria a abandonar novamente o país, desta vez para não mais regressar. O reconhecimento da sua obra não se verificou em Portugal, sendo mesmo considerado um elemento subversivo pelo Bispo de Coimbra. Foi necessário aguardar até meados do presente século para que João Jacinto de Magalhães fosse reconhecido como um dos maiores cientistas portugueses do século XVIII.

A sua projecção internacional acentuou-se a partir da sua permanência em Londres. Conheceu construtores de instrumentos científicos de reputação mundial, como Dollond e Jesse Ramsden. Um dos inventos que mais o celebrizou foi um relógio com diferentes timbres, indicando as horas, as meias horas, os quartos de hora, os minutos, os dias da semana, do mês, etc. A ideia de tal engenho partira do Duque Louis D' Arembert, cego aos 24 anos, sem que contudo imaginasse ser possível a sua execução.

Foi também da sua autoria a inclusão de um pêndulo numa máquina de Atwood – instrumento utilizado nos gabinetes de física para demonstrar a lei da gravidade de Newton.

A qualidade e rigor dos seus trabalhos, em especial a construção e aperfeiçoamento de instrumentos de precisão, foram internacionalmente reconhecidos e elogiados. Em Novembro de 1771, foi eleito sócio correspondente da Academia das Ciências de Paris, eleição patrocinada por Gabriel de Bory. João Jacinto de Magalhães figurou entre os nomes que compunham a "lista" de sócios das Academias de Berlim, S. Petersburgo, Madrid e da tão disputada Royal Society de Londres, encarregando-se mesmo do intercâmbio de conhecimentos científicos entre esta cidade e S. Petersburgo. Para além destas Academias, foi também sócio das Sociedades Filosóficas de Manchester e Harlem.

Esta internacionalização justifica bem as consultas que lhe eram feitas por cientistas e estudiosos de toda a Europa, bem como as encomendas de trabalhos científicos e mecânicos, inclusivamente pelos governos de Portugal e Espanha.

João Jacinto de Magalhães foi, no dizer de Cruz Malpique, «uma das mais vivas curiosidades do seu tempo», pois o seu campo de interesse e de estudo não se limitou à física e à astronomia, pese embora o facto de terem sido estas as ciências que mais o fascinaram e atraíram, caracterizando-o uma inteligência polifacetada.

Homem simples e modesto, amava a ciência e o seu trabalho, não esperando a recompensa material dos seus feitos. Assim se compreendem as dificuldades económicas que enfrentou ao longo da sua vida e a forma gratuita como se entregou sempre ao trabalho. São suas as palavras que nos transmitem esta sua filosofia de vida: «Por menos que valha o meu trabalho, resta-me a satisfação de ter servido o público, de boa vontade e o melhor que pude (...) Unicamente ao meu zelo devo coragem para vencer as dificuldades que naturalmente se encontram numa situação como a minha, residindo num país estranho, sem fortuna, com recursos que não vão além do estritamente necessário, exprimindo-me numa língua que não é a minha, sem saúde e já velho. Às almas sensíveis que lerem estas linhas não deixará de ser grato o meu sacrifício, só a elas me dirijo, e só o seu juízo me importa.»

João Jacinto de Magalhães faleceu em Islington em 7 de Fevereiro de 1790. Cruz Malpique faz-lhe sem dúvida justiça quando se lhe refere como "um aveirense de origem e, ao mesmo tempo um arejado cidadão do mundo.”.

 

Lurdes da Conceição M de Figueiredo Pereira
Professora de História
Secundária Dr. Jaime de Magalhães Lima
Aveiro

 

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BIBLIOGRAFIA

- Arquivo do Distrito de Aveiro, voI. XXXVII, 1971 Boletim Municipal de Aveiro, n.º 15/16, 1990.
- Nova Enciclopédia Portuguesa, voI. XVI.
- Carvalho, Rómulo de – João Jacinto de Magalhães, in Dicionário de História de Portugal, dir. Joel Serrão, voI. IV, Livraria Figueirinhas, Porto, 1989.


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