– Trabalho preparado para o I
ENCONTRO DAS BEIRAS SOBRE REGIONALIZAÇÃO, realizado em VISEU em
12 de Junho de 1981. Devido à sua extensão, substitui-se a sua
leitura pela de um resumo.
«OS POVOS SÃO
ESCRAVOS DE MODAS E DE MARÉS SOCIAIS. SÓ APRENDEM À CUSTA DOS
PRÓPRIOS ERROS»
Menie Grégoire
INTRÓITO
1. – Momento de grande emoção, ao
voltar à minha terra, demais a mais nesta situação.
Aqui nasci, quase à sombra da
vetusta Sé. Por aqui me criei, menino de Escola, na mesma zona
citadina. Por cá flanei quando jovem escolar liceal, quer no Paço
dos 3 escalões (hoje Museu), quer no que então chamávamos Colégio do
«Sacré Coeur» (hoje Escola do Magistério Primário).
Humilde de origem e modesto de
ambição, só era grande no carrear para o meu coração dos pequenos
acidentes do dia a dia com que ia fortalecendo a tessitura do
acrisolado amor que só um nativo pode e sabe sentir pela sua terra.
Foi assim que na idade de oiro
das ilusões (17/18 anos) me afastei pela primeira vez destas casas,
destas ruas, destas pedras, das pessoas que então povoavam o meu
pequeno mundo.
Chorei e o que é certo é que
essas lágrimas, se eram a manifestação visível do meu profundo
desgosto, ajudaram fortemente a argamassar o mais veemente
sentimento de carinhoso enlevo sempre que me era dado falar ou ouvir
falar de Viseu, ler ou ouvir descrições eruditas como as de
Alexandre de Lucena e Vale sobre cultura, arte, monumentos ou
personalidades viseenses.
Pela primeira vez que me afastei,
as circunstâncias impuseram-me um ano de ausência. Quando regressei,
passado esse ano, passeava com redobrado enlevo por todas as ruas
tão minhas conhecidas, registando operosamente todas as mudanças
havidos durante esse tempo, incluindo as alterações das cores dos
prédios nos quais entretanto haviam efectuado obras. Posso bem dizer
que foi nesses dias do primeiro regresso que mais realmente senti
quando a «alma» de Viseu estava entranhada no meu ser.
E depois de tanto afecto, será
crime dizer-se que amamos a nossa Terra? Que queremos para ela o
melhor que seja possível em riquezas humanas e em progressos
materiais? Perguntamos em suma: será crime ser chauvinista? Creio
bem que não, embora o chauvinismo seja uma paixão. Tem aceitáveis
desculpas quem o pratica, desde que não prejudique o vizinho. Depois
de ausências intermitentes intercaladas com férias, ao longo de 7
dilatados anos, voltei aqui, mas agora como professor liceal, cargo
que exerci durante dois anos.
Mas um dia, na sequência de uma
carreira geograficamente acidentada, fui nomeado prof. efectivo do
Liceu de Aveiro, isto é, precisamente o Liceu onde fizera o meu
início profissional. Numa terra que, além dos habituais elementos
paisagísticos, tem abundância de água. É o Rio Vouga. É a Ria. É o
Mar.
É tema debatido e esclarecido: os
homens da serra são atraídos pelo mar!
Com certeza por isso, Aveiro
seduziu-me. Enfeitiçou-me. O seu ar lavado e a sua luz deslumbrante
à custa dos reverberos nos cristais do sal das marinhas, associados
a acontecimentos familiares importantes, caldearam-se e formaram o
cimento que definitivamente me ligou às terras que há mais de mil
anos pertenceram à Condessa de Mumadona.
Embora dando ao meu labor de
mestre liceal a minha melhor dedicação, ainda me sobrou tempo para
sonhar com possibilidade de realizações que beneficiassem os jovens
de Aveiro.
Fui feliz com esses sonhos!
Melhor: – Depois do homem sonhar,
«Deus quis»... ...e a obra ou as obras ...nasceram.
Todavia, nunca por nunca esqueci
a minha condição de viseense e pelo que eu disse e pelo que eu
/ 6 / fiz, vim a merecer um
dia, de um distinto homem de letras, a designação de «UM AVEIRENSE
NASCIDO EM VISEU».
É este homem que hoje aqui vem
perturbar o vosso sossego e que desde já vos pede desculpa pelas
suas muitas limitações em tema de tanta monta.
Não sou administrativista nem
geógrafo e as minhas leituras apenas me têm aberto pequenas frestas
nas muralhas da fortaleza protectora dos largos domínios da
Regionalização e da Descentralização.
Disse isto mesmo a quem
amavelmente me convidou para aqui vir e só a insistência me demoveu.
Não quero com isto alijar
responsabilidades, mas tão somente agradecer à PRÓ-VISEU a gentileza
do convite e a boa vontade demonstrada na aceitação de sugestões de
pessoas em quem a amizade por mim fez colocar à frente do seu
pensamento lentes com potência de algumas dioptrias que promoveram o
pequeno insecto à dimensão de homem aceitável.
Aproveito a oportunidade para
aqui deixar expressos os melhores votos de que a PRÓ-VISEU, criada
sob tão bons auspícios, realize a meritória obra que se propõe e
está tão sabiamente condensada na sua própria designação.
Sr. Presidente
Minhas Senhoras
Meus Senhores:
2. – GENERALIDADES
2.1 - Política, a arte de governar
um Estado, assenta sobre o conhecimento da natureza humana.
Ela trata da formação, da
organização e das funções do Estado.
Desconhecida na antiguidade
oriental, aparece na Grécia, depois de Platão expor o plano de uma
república ideal. Depois de muitas vicissitudes e experiências dos
mais variados matizes, só há cerca de um século e meio, e como uma
das consequências mais aglutinadoras da Revolução Francesa. surgiram
os grandes democratas que estabeleceram a igualdade política
manifestada pelo sufrágio universal.
É recente portanto o estudo da
política nas bases de valorização dos direitos do homem e do
sufrágio universal. Não admira que, à volta disto tudo se faça com
hesitações e sem ideias definitivas. Hoje uma doutrina seguida da
respectiva prática, amanhã a sua substituição por outra
aparentemente mais aliciante.
Das múltiplas facetas políticas que
se poderão encarar, uma teremos que sobrelevar hoje, neste lugar: a
da administração territorial, isto é, a da divisão do território
português em parcelas e a administração delas de tal modo que as
diferentes actuações parcelares contribuam para um todo harmonioso e
elegante, onde se não encontrem, se possível, nem anacronismos nem
gigantismos.
Tem pois carácter acentuadamente
político esta nossa reunião e é nosso propósito prestar ao tema a
nossa melhor contribuição que não passa de modestíssima.
A actual Constituição da República
Portuguesa estabeleceu que:
«Para a construção de uma economia
socialista... a organização... do país deve ser orientada,
coordenada e disciplinada pelo Plano.»
Mais diz:
«O país será dividido em regiões
Plano com base nas potencialidades e nas características
geográficas, naturais, sociais e humanas do território nacional com
vista ao seu equilibrado desenvolvimento e tendo em conta as
carências e os interesses das populações.»
«O implemento do Plano deve ser
descentralizado, regional e sectorialmente, sem prejuízo da
coordenação central...»
«...as autarquias locais são as
freguesias, os municípios e as regiões administrativas.»
Há nestas palavras matéria
infindável para entretermos a nossa conversa, mas sobressaem desde
já dois aspectos relevantes:
a) - Divisão do país em regiões;
b) - Descentralização regional e
sectorial.
2.2 – Regionalização
A nossa Constituição não traz
inovações quando define região como devendo fazer-se «com base nas
potencialidades... etc., etc.». Desde há muito se sobe que:
Região
é um vasto território cuja extensão é determinada, quer pela unidade
de governo, quer pelas relações, costumes ou origens entre os povos
que a habitam, quer ainda pela semelhança de clima, das produções ou
analogia dos acidentes de terreno.
Matéria muito vaga, susceptível de
discussão mais ou menos aprofundada.
2.3 – Comparação entre vários
países
Antes de prosseguirmos, vejamos um
pouco do que nesta matéria se passa por outros países da Europa.
/ 7 /
2.3.1. – Alemanha – Após a 1.ª
grande guerra, em 1919, foi dividida em 3 grandes regiões
perfeitamente distintas:
Bacia danubiana;
Bacia renana e
Planície do norte.
Cada uma destas regiões tinha uma
superfície média da ordem dos 160 mil quilómetros quadrados e uma
população média de 20 milhões de habitantes.
Politicamente, era uma federação de
25 repúblicas democráticas, cada uma das quais teria aproximadamente
a área de 1/5 do território continental português.
Cada uma das referidas regiões teria
cerca de uma vez e meia o valor de todo o nosso país, quer em
extensão, quer em população. Não é modelo que nos sirva, porque
seríamos ridículos se quiséssemos comparar áreas tão pouco
diferenciadas como as nossas com regiões de características tão
díspares como as alemãs.
2.3.2. – Bélgica e Holanda –
Cada um destes países tem pouco mais de um terço da superfície de
Portugal, mas possuem uma fabulosa riqueza: nessa pequena área há a
mesma população que nós temos.
Estes países são o melhor desmentido
que se pode opor à tão cantada lei de Malthus, talvez a base do
materialismo dialéctico.
2.3.3. – França – Muitos
outros exemplos se poderiam citar, mas talvez esta atitude não tenha
interesse de maior. Todavia, há um que temos que referir: o da
França.
O seu território foi dividido em
províncias, mas, embora se chamem províncias, estas circunscrições
estão bem próximas dos nossos distritos, tanto em área como em
população.
Na verdade, este país foi aquele que
desde há muito nos habituámos a seguir. Línguas da mesma raiz, povos
de raças afins, temos caído muitas vezes no pecado de copiar o que
em França se faz, na cultura, nas artes, na ciência e até na
política e na administração: haja em vista que muito recentemente se
criou entre nós o «Ministério da Qualidade de Vida» e a «Secretaria
de Estado da Família», ambos a seguirem na peugada de Instituições
homólogas criadas no Governo Central da França.
– Pois bem: este avançado país, com
cerca de 550 mil quilómetros quadrados de extensão (7 vezes maior do
que o Portugal de hoje) estava administrativamente dividido em 95
DEPARTAMENTOS a cada um dos quais cabia uma média de 6 mil
quilómetros quadrados.
Estes departamentos
correspondiam aos nossos DISTRITOS, em número de 18 (5 a 6 vezes
menos do que os departamentos franceses) e a cada um dos quais
correspondia a área média de 5 mil quilómetros quadrados.
A população do departamento era da
ordem dos 500 mil habitantes enquanto a do nosso distrito era de
cerca de 550 mil.
Como se vê, os princípios da nossa
divisão administrativa a este escalão de departamentos / distrito
eram fortemente semelhantes e este facto seria a prova segura, de
que nós, portugueses, sorvíamos e continuamos a sorver com avidez o
que trazia na ourela a marca «Made in France».
Mas há mais:
Em França escrevia-se em 1964 (há 17
anos) o seguinte:
«De inspiração recente, a política
de organização territorial tem por objectivos: lutar contra uma
centralização excessiva, remediar o desequilíbrio entre as diversas
regiões e contribuir poro a expansão económica.»
A França é um país único mas
diversificado em dois, separados pelo rio Loire: duas línguas na
Idade Média, Langue d'Oil ao norte, Langue d'Oc ao sul. Isto levou a
dividir este país em França dinâmica, ao Norte e França estática, ao
Sul, porque parecia viverem em dois ritmos de vida distintos.
O desequilíbrio crescente entre
estas duas Franças, o envelhecimento progressivo da economia
francesa, o gigantismo cada vez mais acentuado do aglomerado
populacional parisiense e as consequências da segunda guerra mundial
fizeram sentir aos franceses a necessidade, imperiosa necessidade,
de reequilibrar o país e procurar uma nova organização territorial,
à procura de nova organização económica que vitalizasse todas as
parcelas do país.
Em 1943 (vão perto de 40 anos!)
criaram-se espontaneamente Comissões locais e regionais de
organização que deram lugar, pouco a pouco, a um certo número de
organismos oficiais.
A política de organização
territorial comporta muitos aspectos tais como programas de
urbanização e planos de urbanismo, descentralização industrial,
científica e técnica, reforma agrária, reanimação das regiões e
desenvolvimento das grandes metrópoles regionais. Ainda e sobretudo,
reorganização da região parisiense.
Baseadas nas Comissões locais e
regionais de organização do território, apareceram depois as
Comissões de Expansão Económica, regionais. departamentais e locais,
de onde saiu o Conselho Nacional das Economias Regionais.
/ 8 /
A sua acção é coordenada com as das
administrações e Colectividades locais.
2.3.3.1 – Planos Regionais de
Desenvolvimento estudam e equacionam as necessidades de
equipamento (estradas, habitações, equipamento sócio-cultural) de
cada uma das 21 circunscrições regionais criadas em 1960.
No seio do Comissariado Geral do
Plano uma Comissão dos Planos Regionais tem a função de os
harmonizar.
Para impulsionar esta política
territorial foi criado em 1963 o lugar de Delegado da Organização
Territorial e da Acção Regional ao qual compete essencialmente
coordenar a acção dos diferentes ministérios nas actividades
referidas.
Ao nível das regiões há ainda as
Conferências Interdepartamentais, coordenadoras entre os
empreendimentos da actividade pública e da privada.
Mais pormenores poderíamos ainda
apresentar, mas o que aí fica já é mais que suficiente para
demonstrar à saciedade que nós, portugueses, não estamos a descobrir
nada neste capítulo. Dissemos e repetimos, desde há cerca de 40 anos
que o problema vem evoluindo em França.
Mas há que distinguir:
a) – Lá a iniciativa partiu das
próprias entidades locais. Foi centrípeta.
Cá, essa iniciativa vem do Governo
para a periferia.
É centrífuga.
b) – Em França, a referida
iniciativa resultou, não só do envelhecimento das instituições
herdadas da Revolução (século XVIII), com mais de um século de
funcionamento, mas principalmente das perturbações causadas por no
seu solo se terem processado, com todos os cortejos de horrorosas
misérias, as duas grandes guerras mundiais de 1914 e 1939.
Portugal participou directamente na
primeira destas guerras, mas apenas os militares a foram sofrer em
terras francesas e no nosso Ultramar de então. Nós, os civis, apenas
apanhámos a ressaca que se resumiu a alguma dificuldade na aquisição
de alguns géneros alimentícios. Comparando estas duas situações,
verifica-se que a de Portugal era inquestionavelmente melhor do que
a de França. Não devia deixar portanto as mesmas sequelas, enquanto
que lá, os males agravaram-se pela sequência de nova guerra, 25 anos
depois da primeira.
c) – Reuniram os 95 departamentos em
21 circunscrições regionais mas tiveram o cuidado de precaver
aspectos delicados como o das alterações da divisão administrativa
anterior, já enraizada, já tradicional. Fizeram coincidir entre si
as restantes circunscrições administrativas – judiciais, militares,
universitárias – herdadas do século anterior.
2.3.4 – Portugal
Entre nós não é assim e procura
cometer-se, além doutros, o clamoroso erro de esfarrapar os
distritos de Aveiro, Viseu e Guarda, distribuindo-os por Porto e
Coimbra. Com esta atitude esquecem duas coisas:
1. – Desgostam profundamente os
povos que hoje constituem o terceiro distrito do País – o de Aveiro
–, segundo os índices económicos mais relevantes. É natural e humano
que estes nunca por nunca poderão dar o seu acordo a um projecto que
em tão fraca conta tem as suas capacidades.
2. – Aumentando as macrocefalias de
Porto e Coimbra e colocando lá os Centros de decisão, mais os
distanciam da periferia e mais dificultam a resolução dos problemas
desta periferia.
São portanto muito diferentes as
premissas do problema, em França e em Portugal.
Todavia, e não obstante essa
realidade, os nossos governantes persistem em inspirar fortemente as
nossas atitudes no figurino francês.
Se esse facto é uma fatalidade com
radicação histórica, aceitemo-la, mas pugnemos ao menos para que os
malefícios da tradução sejam da menor dimensão possível.
Aliás, já em 1879, o nosso Eça de
Queiroz, falando (escrevendo) duma reforma administrativa em
gestação, à qual se atribuíram ideias centralizadoras, publicou em a
«Bandeira»:
«... A centralização, pois, chamando
toda a vida política do país ao centro, à capital, à cabeça da
Nação, cria, por assim dizer, um estado político pletórico e
apopléctico, em que é o centro que tem todo o sangue, todo o vigor,
e as extremidades, onde não chega a circulação necessária para que
elas se conservem num calor benéfico e saudável, arrefecem, e, em
breve, definham, ficando como organismos mortos, apenas ligados,
para assim me exprimir, por tendões artificiais, que ao mais pequeno
choque despedaça, o que produz a situação anormal dum corpo que, por
falta duma vitalidade que o mantenha intacto e compacto, se vê a
cada momento arriscado a perder membros essenciais, cuja falta lhe
faz imediatamente sentir a aproximação da morte, sendo já tarde para
lhe insuflar à pressa uma vida, que, de resto, apenas poderá ser
artificial, e que rapidamente se extinguirá, deixando,
consequentemente, a
/ 10 / gangrena mortal fazer
a sua sinistra obra de destruição e de decomposição. Que o saiba,
pois, o Governo, que, em desprezo de todos os princípios mais
provados da Economia e do Direito, está à frente da nossa entidade
nacional: se a sua reforma for avante, arrisca-se a que o país se
decomponha socialmente e que a posteridade um dia, vendo o seu
cadáver à beira da estrada da civilização, diga, apontando com
horror para os loucos que têm nas mãos culpadas as rédeas da
governação: eis aí os assassinos!»
3. – «LIVRO BRANCO»
3.1 – Foi recentemente (1980)
publicado o «Livro Branco Sobre Regionalização» que é, devemos
dizê-lo, um primor pela correcção da linguagem e até pelos aspectos
ordenado e didáctico com que está elaborado.
Começa, na sua «Introdução», por nos
informar que em 1969 (note-se bem: já em 1969) foram criadas as
Comissões Regionais de Planeamento para as 6 Regiões em que o
território foi dividido.
A chamada Região Centro a que nos
interessa, tinha a Sede em Coimbra e compreendia duas Sub-Regiões:
a) – Interior: distritos de
Castelo Branco, Guarda e Viseu;
b) – Litoral: distritos de
Aveiro, Coimbra e Leiria.
Esta Comissão Regional de
Planeamento da Região Centro, instalada então em Coimbra, era
constituída por mais de uma centena de pessoas, representantes das
diversas actividades económicas, culturais, de serviços, etc. Cada
um dos distritos compreendidos tinha os seus representantes
qualificados e, sempre que havia reuniões, os assuntos agendados
eram discutidos em profundidade e as conclusões surgiam devidamente
fundamentadas.
Tive a honra de representar nessa
Comissão o Distrito de Aveiro e o encargo de apresentar os problemas
referentes ao ensino. Assim se iniciou a gestação da Universidade de
Aveiro e cito este caso, apenas como exemplo, para mostrar como se
estudavam as necessidades regionais e como no próprio Governo havia
ministros que estavam atentos ao que se passava nas Comissões
Regionais de Planeamento. Aliás, todo este trabalho a que assisti ou
no qual participei está reunido em 23 volumes dactilografados,
formato A4, que conservo religiosamente. São manancial completíssimo
de todos os aspectos reais e também das carências dos 6 distritos da
então denominada Região Centro.
Todos os membros dessa Comissão
deram o seu melhor e até, como curiosidade, acrescentarei que nunca
fizeram greves reivindicativas de aumentos salariais pela simples
razão de que nenhum dos seus membros recebia salário. Estava
dividida em cerca de uma dezena de grupos de trabalho e tudo
funcionava ordeiramente, calmamente, com discussões
(acaloradas por vezes) serenas e eficientes, sempre sob a
batuta habilíssima do Eng.º Manuel Augusto Engrácia Carrilho,
Presidente da referida Comissão da Região Centro.
3.2 – Tudo isto se passou entre os
finais da década de 1960 e os princípios da de 1970. Mas o problema
já tinha antecedentes mais longínquos nas preocupações governativas.
Julgamos pois azado deixar aqui
neste momento um reduzidíssimo apontamento sobre a evolução
acontecida com este fenómeno até Abril de 1974, para depois nos ser
mais fácil a comparação com o que vem acontecendo depois dessa data.
Para o efeito, poderíamos dividir a
história da humanidade em duas fases:
1. – Depois de prolongados estádios,
aquela em que há o predomínio do especulativo, durante o qual o
homem procura conhecer-se cada vez melhor, olhando sempre para o
alto, vinculando-se cada vez mais à Entidade Divina pela qual teria
sido criado.
2. – A partir do século XV, com o
advento do Renascimento, começa a olhar-se cada vez mais para as
coisas e os fenómenos da natureza, tornando-se insensivelmente mais
positivista e voltando-se cada vez mais para os campos da economia e
da tecnologia. Depois do arranque, o século XVIII e principalmente a
décima nona centúria promoveram o grande florescimento dessa fase em
que ainda hoje, e cada vez mais, frutificam os trabalhos
correspondentes.
A marcha desses acontecimentos era
avassaladora e foi assim que entre nós, com o habitual e inevitável
atraso de meio século, surgiu o apetite de realizarmos governações
com programas económicas.
3.3 – Sabe-se que a nossa revolução
de 1926 encontrou o país e a sua administração em estado caótico e
foram necessários quase 10 anos para tudo colocar no são.
Foi então possível, em 1935, pensar
em programas administrativos de fomento, iniciados com a famosa
Lei de Reconstrução Económica. Graçava então em diversos países
europeus a febre dos Planos: eram os Planos Quinquenais, Hexanais.
etc. A nossa Lei de Reconstrução Económica era sesquidecenal, isto
é, para 15 anos, mas o seu Plano não continha um «conjunto
sistemático de empreendimentos e objectivos». Era «limitado a um
certo número de investimentos públicos considerados de importância
básica.
/ 11 /
Passado o período da sua vigência –
os tais 15 anos – e corrigidas algumas deficiências e ampliados
alguns horizontes, veio o «I Plano de Fomento» em 1952,
«restrito aos grandes investimentos a efectuar pelo Estado na
agricultura, no reconhecimento mineiro, nas vias de comunicação, nos
meios de transporte, no auxílio aos investimentos a fazer por
particulares em vários domínios, nas novas indústrias e no
desenvolvimento das existentes». A durabilidade da sua duração fora
prevista para 6 anos e, como grande inovação, contava-se a
possibilidade da participação de empresas privadas.
Depois de executado nas suas linhas
gerais, veio o II Plano de Fomento. Embora com a mesma
orientação do I, este novo Plano caminha abertamente para a
programação global do fomento do País, tendência essa que é
claramente assumida no Plano Intercalar de Fomento, onde pela
primeira vez se afirma que é necessário encarar este Plano como
instrumento de programação global do desenvolvimento
económico-social de todo o espaço português».
Este mesmo Plano Intercalar,
previsto para 3 anos, é de carácter transitório como a sua própria
designação deixa antever e reconhece certo desajustamento entre as
necessidades reais e os métodos de trabalho, pelo que prevê o
lançamento de bases que permitam a «elaboração e execução, a partir
de 1968, de um novo plano de fomento hexanal, de mais largos
horizontes e ambições.»
Assim surgiu efectivamente o III
Plano de Fomento com mais e maiores ambições do que os
anteriores, onde se registavam preocupações inovadoras na nossa
planificação económica: Reforma Administrativa e Planeamento
Regional.
Chegámos onde pretendíamos: entrámos
em plena vigência do Plano Regional; além doutros órgãos para a sua
realização, surgiram as Comissões de Planeamento Regional de
que já falámos, que tiveram a gratíssima incumbência de realizar
Trabalhos Preparatórios do IV Plano de Fomento e tinham como
suporte o decreto-lei N.º 48905, de 11 de Março de 1969.
São vastíssimas as atribuições
dessas Comissões Regionais, mas três factos salientamos:
3.3.1 – Para o efeito, o território
português foi dividido em Regiões, segundo estudos realizados pelo
Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, respeitando
a Divisão Administrativa existente, com os seus distritos, Concelhos
o Freguesias;
3.3.2 – Para presidir às Comissões,
seria nomeado um cidadão português residente na área da
região, de reconhecido prestígio e com conhecimento qualificado dos
problemas económicos e sociais da mesma região (ainda não era
eleito, era nomeado, mas a meta natural do caminho já andado seria
certamente a da eleição);
3.3.3 – A terminar, quero frisar
ainda que tudo isto se processava com utilização de dinheiros
exclusivamente portugueses, sem recorrer a empréstimos externos.
Era assim que se trabalhava nesta
área até 1974. E depois disso?
3.4 – A sucessão lenta e ponderada
de atitudes desde 1935 a 1974 (quase 40 anos), durante a qual cada
estádio resultava da ponderação, correcção e progressão do anterior,
é substituída por atitudes bruscas, na ânsia de alcançar
notoriedade, com as quais se pretendem impor conceitos e princípios,
sem audição dos povos a quem os mesmos se destinam.
Vem a Constituição de 1976 e fala de
nova Região Autárquica como Região Administrativa com a área
correspondente à da Região-Plano.
Vem o Decreto 58/79 e fala de
agrupamentos de municípios e dos GAT (Gabinetes de Apoio Técnico)
que afinal já existiam (pelo menos a Junta Distrital de Aveiro
mantinha um Gabinete Técnico de Apoio às Câmaras que solicitassem os
seus serviços).
3.5 – Vem o muito famoso Decreto n.º
494/79 e põe em funcionamento as Comissões de Coordenação
Regional, sucessoras afinal das Comissões de Planeamento já
referidas, criadas 10 anos antes. No Continente Português são 5
essas Comissões de Coordenação, o que significa que o «Livro Branco»
agora publicado aponta para divisão territorial dois esquemas, um
dos quais é precisamente o desse Decreto de 1979: divisão em 5
regiões.
Facto curioso a destacar:
o outro esquema do «Livro Branco» chamado «Hipótese A», divide o
território Continental em 10 Regiões; precisamente o dobro das da
«Hipótese B» já mencionada. Por aqui se verifica quanto podem ser (e
são) falíveis os critérios do divisionamento, pois que o próprio
Governo (Livro Branco) oscila entre 5 a 10 Regiões! «Entre les deux,
mon coeur balance».
Nesse Decreto das Comissões de
Coordenação delimitam-se as áreas correspondentes. Que nos diz a
leitura respectiva?
Muitas coisas interessantes, entre
as quais destacamos:
3.5.1 – A CCR do Norte, com sede no
Porto, exercerá o seu domínio sobre 75 concelhos (75!) que são todos
os dos distritos de Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança.
Como se isto não bastasse, ainda vem buscar mais 7 ao distrito de
Aveiro, 10 ao distrito de Viseu e 1 ao distrito da Guarda.
/ 12 /
Meus Senhores: Sejamos realistas e
sensatos. Quem acredita que, com tantas e tão variadas gentes, seja
possível uma governação aceitável tendente a acabar com as
assimetrias? Teríamos o Porto (cidade) transformado em Capital
Regional principalmente interessada no desenvolvimento de si mesma.
O resta seria... paisagem!
3.5.2 – Como se pode exercer melhor
domínio em pequenas parcelas do que num todo maior, aplica-se em
força neste decreto o conhecido princípio de... «dividir para
reinar».
Reúnem-se os concelhos em
agrupamentos segundo a sua proximidade geográfica; cada grupo tem um
número variável de concelhos, havendo 2 grupos com 2 concelhos cada
um e muitos com 5, 6, 7, 8 ou 9. Destaca-se que, com 10 concelhos há
um agrupamento, precisamente no distrito de Viseu (Lamego e seus
arredores), e acima desse apenas há um maior, com 17 concelhos,
compreendendo Lisboa.
Quer dizer: os grandes já são
grandes, mas pretendem ser maiores; aumentando as concentrações
locais das capitais regionais, mais estas se distanciam da periferia
ou, o que é o mesmo, mais se acentuam as assimetrias. Contradiz-se
na prática a apregoada virtude da descentralização, de contribuir
para corrigir essas assimetrias. Salvo melhor opinião, todo o
decreto que criou as Comissões de Coordenação Regional foi pensado
com a ideia obcecante de acabar com os distritos, de dar um golpe
talvez mortal no Código Administrativo vigente e fazer
demagogicamente finca-pé nas ideias sedutoras de que se ia acabar
com as assimetrias, de que iria haver igualdade de oportunidades
administrativas e económicas para todos os portugueses e de que
todos, até os concelhos, poderiam governar-se por si próprios.
3.5.3 – O Decreto 494/79 a que temos
vindo a referir-nos tem carácter essencialmente administrativo.
Assim é estruturalmente um decreto para encarar uma desconcentração,
e não uma atitude política por excelência. Enquanto as antigas
Comissões de Planeamento procuravam trabalhar afastadas de
influências políticas, apenas equacionando os problemas locais.
estabelecendo prioridades e realizando estudos com os quais se
habilitavam os centros de decisão para actuarem politicamente, este
Decreto 494/79 intromete a poder político nas acções
administrativas, fazenda assim um conjunto de misturas e atitudes
conducentes a um trabalho de atritos constantes e conflitos
frequentes de que resulta acção pouco clara, confusa e quiçá
perturbante de eficacidade.
São prova disso as normas dispostas
no artigo 9.º que dão aos governadores civis e às câmaras municipais
a faculdade de participar nos trabalhos das comissões.
Por outro lado, os lugares de
presidente, de vice-presidente e de outros dirigentes são providos
por despachos do Ministério da Administração Interna, o que dá a
todo o sistema o carácter de desconcentração e não o de
descentralização. Nesta última, as personalidades intervenientes
são eleitas pelas populações locais, não nomeados por despachos
ministeriais.
É flagrante a contradição entre este
Decreto 494/79 e o «Livro Branco» emanado há pouco do próprio
Governo. É certo que o Decreto é da autoria do «Governo Pintassilgo»
e o «Livro Branco» do «Governo Sá Carneiro». Será por isso que os
dois documentos não alinham paralelamente?
De qualquer forma, há neste conjunto
erros graves e, em meu entender, só há uma forma de resolver o
assunto: revogar pura e simplesmente o Decreto 494/79 e substituí-lo
por outro onde se formulem seriamente os princípios aceitáveis da
descentralização, sem retalhar os consagrados distritos, Isto é: no
dizer de Grey Michaud:
«Les régions devraient...
faire coincidir entre elles les autres circonscriptions
administratives».
De outro modo, a permanecer o
decreto que ora se critica, o Governo irá arranjar nas propostas
regiões uma fonte permanente de desaguisados que, em vez de ajudar a
resolver os problemas locais como se pretende, os irão complicando
até rupturas inevitáveis.
A agravar tudo o que já se disse,
acontece ainda que o número de pessoas intervenientes nas tais
Comissões de Coordenação Regional é muito pequeno, relativamente a
cada um dos distritos abrangidos em cada região. Por exemplo, em
Aveiro, por muito que me tenha esforçado a perguntar quem representa
o distrito na Comissão Coordenadora do Centro, ainda não consegui
que me dissessem o nome de um único indivíduo integrado nessa
Comissão.
Estamos a ver: os de Coimbra ou os
do Porto, arrogando-se o conhecimento dos problemas de Aveiro ou da
Vila da Feira, respectivamente, partilham o bolo com total
alheamento dos concelhos referidos e chamam para as suas cidades a
parte de leão dessa partilha.
3.6 – Voltando ao «Livro Branco
Sobre Regionalização», em análise brevíssima, foquemos alguns dos
aspectos nele contidos.
3,6.1 – Para justificar a razão da
necessidade da descentralização, informa-se que, em qualquer país,
há Regiões Centrais e Regiões Periféricas, que as
centrais são mais desenvolvidas, têm maiores atractivos e dispõem de
maior poder político e económico. Quanto maior for
/ 13 / o desenvolvimento das
regiões centrais, maior se torna o seu afastamento das periféricas,
pelo que convirá, numa possível descentralização, que as novas
regiões não excedam as áreas convenientes, isto é, não se tornem
demasiadamente grandes.
Como se compreende então que a
pretensa Região Norte abranja 75 concelhos e a nova Região Centro
60? Estes números, comparados com os dos concelhos de cada um dos
nossos distritos de Guarda, Viseu e Aveiro, respectivamente 14, 24 e
19, dizem-nos bem que os distritos, como unidades regionais, têm as
dimensões óptimas para a desejada descentralização.
3.6.2 – Segundo o «Livro Branco», a
descentralização regional é muito importante, principalmente para o
«planeamento». Sendo assim, pergunta-se: porque mudaram o nome às
antigas «Comissões de Planeamento»?
Talvez tenha sido esta mesma euforia
nominativa que levou à mudança do nome da antiga Ponte Salazar!
Nada se resolveu com isso; apenas se
demonstrou grande anticivismo e desrespeito por quem era muito
superior aos que quiseram denegrir o Estadista.
3.6.3 – Não se julgue que a questão
da dimensão espacial é assunto de somenos. É o próprio «Livro
Branco» que o diz, ao tratar o assunto em capítulo intitulado
«Limitações e Perigos da Descentralização Regional». Diz
textualmente: «...do ponto de vista da aplicação das Políticas
Comunitárias (especialmente a Política Agrícola Comum e a Política
Regional) a escala espacial da região tem muito mais significado
do que a do país».
3.6.4 – Outra afirmação que
consideramos importante é a de que entre os princípios orientadores
da descentralização estará em primeiro lugar o de que eles (os
principias) serão servidos por um esquema de governo em que as
decisões não sejam cometidas a organismos cujo âmbito territorial
corresponda a um nível espacial mais amplo.
Portanto, para o «Livro Branco»,
parece querer respeitar-se o princípio atrás enunciado de que a
regionalização se deverá fazer com respeito pelas divisões
administrativas anteriores. Se assim é, congratulamo-nos e
assinalamos a distância que vai separando este «Livro Branco» do
Decreto 494/79.
3.6.5 – Dentre as funções que devem
ser descentralizadas merece referência a do planeamento.
Ao planeamento nacional cabem os
planos macro-económicos; o planeamento regional caberá aos
organismos regionais que devem ter dimensão superior à do município
– grupos de municípios com características físico-económicas comuns.
Todos estes conceitos estão expostos
no «Livro Branco» e eles são tão claros e evidentes que todas as
pessoas têm que concordar com eles. Assentemos pois: o planeamento
regional deverá caber a grupos de municípios. Quais grupos?
Pois um distrito é um «grupo de
municípios com características físico-económicas comuns». Portanto,
e sem vergonha, poderemos afirmar: aos distritos caberá o
planeamento regional. O Governo concorda connosco!
3.6.6 – Afirma-se que, como primeiro
passo da descentralização, é necessária a desconcentração. De facto,
já de há tempos a esta parte se têm vindo a criar Delegações
Departamentais fora de Lisboa. No caso que nos interessa, só
Coimbra e Porto têm sido contempladas. As outras cidades... não são
dignas?
Suponhamos que eu, em Aveiro, tenho
necessidade de tratar de assunto dependente de determinada
Direcção-Geral. Até aqui, teria que ir a Lisboa tratá-lo; agora
passarei a ir a Coimbra. Que diferença há?
Em ambos os casos terei que gastar
um dia e, embora a viagem a Lisboa seja um pouco mais longa e mais
cara, posso sentir-me compensado pela satisfação de interesses
culturais, sociais ou económicos que se não localizarão em Coimbra.
Por outro lado, afirma-se que é
necessário criar uma tradição administrativa regional. Se já
existe a tradição administrativa dos distritos com 150 anos,
funcionando sempre com aprazimento geral, não vemos necessidade de
criar tradição diversa, principalmente de um estado de coisas que
seria permanente fonte de inquietações.
3.7 – Quanto à desconcentração
necessária, é preciso caminhar na direcção do «estabelecimento
de uma base territorial única para as organizações regionais
dos diversos sectores da Administração; para uma progressiva
transferência de poderes para os órgãos regionais; e para o
estabelecimento de mecanismos de coordenação intersectorial, a nível
regional». Assim nos diz o «Livro Branco» e por estas palavras se
conclui mais uma vez que não convem Regiões muito grandes. Sendo as
Regiões de âmbito distrital, a sua dimensão geográfica e demográfica
é a ideal para a consecução dos 3 objectivos referidos:
3.7.1 – Base territorial única para
as organizações regionais dos diversos sectores da Administração;
3.7.2 – Transferência fácil e
progressiva de poderes, desde a Administração Central para a
Regional;
3.7.3 – Facilidade maior para o
estabelecimento de mecanismos de coordenação intersectorial.
3.8 – Enquanto no parágrafo anterior
se considera um tanto vagamente necessário caminhar na direcção da
base territorial única para os diversos sectores, a seguir, ao
tratar concretamente do problema da divisão regional, afirma-se sem
reticências:
/ 15 /
«Para a descentralização, repete-se
o princípio fundamental da divisão regional única para todos os
departamentos sectoriais da administração Central».
Aquilo que era vago é agora concreto
e elevado à categoria de princípio fundamental.
Mais se reforça assim a ideio de que
a regionalização distrital é a mais conveniente.
3.9 – Como grandes objectivos finais
da divisão regional, prevêem-se:
a) – Servir a causa da transferência
de poderes;
b) – Servir um desenvolvimento
regional equilibrado;
c) – Servir a eficácia da
administração;
d) – Servir a participação dos
cidadãos na vida política, económica e social.
Em nossa modesta opinião, todos
estes objectivos serão melhor servidos em áreas com uma vintena de
concelhos do que noutras de maior amplitude.
3.10 – O tempo é escasso, a vossa
paciência têm limites e ainda haveria muito para dizer. O que acabo
de vos transmitir é o fruto de uma análise muito rápida do «Livro
Branco».
Vamos adiante, mas, antes de
prosseguirmos, observemos ainda que nesse «Livro» se não opta
abertamente por nenhum nível de regionalização. Expõem-se problemas
e alinham-se ideias no campo das generalidades, mas deixa-se para
melhor oportunidade a indicação concreta da partilha do País em
regiões. Assim, cremos que, pela atitude negativa, se fazem duas
afirmações importantes:
3.10.1 – O problema é de solução
difícil, precisamente porque faltam elementos concretos a favor das
grandes regiões;
3.10.2 – Não chega a condenar-se a
antiga divisão em distritos, precisamente porque, se num dos pratos
da balança há alguns argumentos contra, no outro prato há muitos
mais argumentos a favor.
Conclusão
– O «Livro Branco», documento oficial publicado em 1980, permite-nos
fundamentar um apelo justo e veemente à «Direcção-Geral da Acção
Regional e Local».
Revogue-se o Decreto-Lei n.º
494/79 e publique-se em sua substituição um outro que restabeleça a
divisão administrativa em distritos, dando a estes a categoria de
Regiões-Plano.
4. – DESENVOLVIMENTO EQUILIBRADO
Pretende-se promover um
desenvolvimento equilibrado das vários Regiões do País. Óptima
ideia!
Como fazer para o conseguir?
Apelando para a História,
verifica-se que a primeira coisa a fazer é a do estudo dos problemas
locais ou regionais. Depois desse estudo, e limitando-nos por agora
ao campo das realizações materiais, é necessária a construção de uma
boa rede de comunicações.
Desde os tempos das impulsionantes
Vias Romanas até às estupendas Auto-Estradas de Hitler, se verificou
que, ao longo dessas Vias, se estabeleceram Pólos de desenvolvimento
cada vez mais amplos e mais valiosos para as economias
correspondentes.
Simplesmente, entre nós tem-se feito
ao contrário! Ainda hoje estou para saber porque é que, sendo o
Couto Mineiro de Moncorvo o local português de maior riqueza em
minérios de ferro, se foi instalar a Siderurgia Nacional em Seixal,
à beira de Lisboa. E agora, passados tantos anos, é que se pensa nas
vias de comunicação, quer na navegabilidade do Rio Douro, quer na
via-férrea que ligue directamente a Região de Trás-os-Montes à de
Lisboa. Se tivessem instalado a Siderurgia nos arredores do Couto
Mineiro, teriam sem dúvida erguido um magnífico Pólo de
Desenvolvimento numa área tão abandonada até hoje, sem comunicações
capazes e sem atractivos convenientes para a fixação de pessoas e
desenvolvimento económico regional.
Este foi apenas um exemplo que me
ocorreu, que poderia multiplicar-se e igualizar-se a muitos outros.
Apenas se pensa na Estrada N.º 1 –
Porto - Lisboa – e admiram-se depois que grande percentagem do País
se desenvolva ao longo dessa Estrada. Admiram-se todos de
acontecimentos de que só a negligência e má visão de alguns
prejudicam a tantos.
Desculpai-me, porque sou leigo na
matéria, mas, dada a configuração rectangular do nosso território
continental, até me parece fácil propor uma solução que contribuiria
grandemente para o desejado equilíbrio do desenvolvimento geral:
lançar 3 vias longitudinais, de ponta a ponta, e ligá-las por
algumas transversais. As longitudinais seriam, uma pelo Litoral
(Estrada 1 e continuação até o Algarve), outra pela parte média
(Estrada 2, de Chaves a Faro, só realizada em soluços e que é
preciso concluir) e outra ainda (seria a estrada n.º 3.) ao longo da
fronteira com a Espanha, talvez de Bragança a Vila Real de Santo
António).
Quanto às transversais, talvez duas
ao norte do Rio Douro, talvez duas entre o Douro e o Tejo, talvez
duas a Sul do Tejo.
Com este quadro tão genérico,
teríamos o país dividido em quadrículas, cada uma das quais se
desenvolveria rapidamente com a instalação de parques Industriais,
/ 16 / de explorações
agrícolas, pecuárias e florestais e com o aproveitamento integral de
todas as potencialidades regionais.
Deste modo, parece-nos, se
conseguirá um desenvolvimento harmonioso e acabará a lamentável
diferença entre interior e litoral, entre norte e sul, entre pobres
e ricos.
É evidente que está englobado neste
programa a badalada estrada Aveiro – Vilar Formoso, a ligar
eficientemente os distritos de Aveiro, Viseu e Guarda.
A propósito desta Estrada,
chegam-nos de vez em quando, vindas dos lados de Coimbra, nuvens
bastante carregadas.
Será que têm razão de ser esses
ensombramentos?
Precisamos de estar todos atentos e
promover com rapidez a sua execução; as de Aveiro andam a passa de
caracol. Consta-me por exemplo que os técnicos aveirenses já
gastaram muito tempo e muito dinheiro sem assentarem até agora na
localização da travessia do Rio Vouga. Senhores Políticos e
Governantes: deixai as atitudes acomodatícias e embrenhai-vos, pouco
que seja, num dinamismo à Duarte Pacheco. Se o não fizerdes, talvez
outros vos vençam na corrida para a meta.
O aviso é realista e ele aqui fica.
Ainda sobre o plano das Rodovias
atrás exposto, não faltará quem lhe chame utópico. Talvez ambicioso.
Aceito e responderei: «Sem ambições,
nada se fará».
Fala-se por exemplo na estrada Porto
– Bragança, até talvez já com início de execução, mas não será assim
que se resolverão as tais assimetrias. Ao contrário, ao fazer-se
assim, mais se contribuirá para a macrocefalia portuense e para o
distanciamento entre o grande centro (Porto) e a periferia
(Bragança).
Segundo o que acabo de vos sugerir,
não tardariam muitos anos que não assistíssemos ao desenvolvimento
de razoáveis núcleos populacionais nas zonas do quadriculado
proposto.
Mas não vamos distrair-nos e diluir
o nosso pensamento com problemas situados fora do sentido que aqui
nos reúne hoje.
Sejamos corajosos e afirmemos:
Avante com a estrada Aveiro – Vilar
Formoso para que se processe uma boa e fraternal união entre os
distritos de Aveiro, Viseu e Guarda. Quando chegar a hora da
concretização, e se ela chegar, lembremos com saudade que foi
alcançado o momento de nos libertarmos das 500 curvas (em 80
quilómetros) da actual estrada entre Albergaria-a-Velha e Viseu.
/ 17 /
5. – DIVISÕES ADMINISTRATIVAS
Mais um tema queremos abordar muito
resumidamente.
Referimo-nos ao tema «Distrito».
Desde o primeiro momento venho
fazendo a apologia desta circunscrição autárquica em detrimento de
outras mais amplas.
Porquê?
Porque já senti na carne os
malefícios correspondentes a este problema.
Vem dos tempos longínquos de D. João
III a divisão territorial em circunscrições.
Foram as correições
administrativas, fortemente relacionadas com as divisões do País em
comarcas.
Vieram seguidamente circunscrições
chamadas províncias que não souberam ou não puderam manter através
dos tempos uma unidade aceitável: nem mantiveram os mesmos limites,
nem foram sempre no mesmo número, nem tiveram sempre à sua frente
magistrados administrativos ou políticos com os mesmos encargos ou
funções.
Desculpai-me a insistência. Mais uma
vez, os figurinos vinham de França. Lá se definia Província
como sendo um território colocado sob a autoridade de um governador,
delegado do Poder Central. E tantos e tão abundantes foram as causas
de descontentamento que hoje, em França, esta palavra não tem nenhum
signi ficado, nem político nem administrativo.
6. – DISTRITOS
O mesmo aconteceu entre nós e o
descontentamento estava generalizado acerca do conceito de
Província. Pouco depois da Revolução Liberal de 1820 pela Carta de
Lei de 25 de Abril de 1835, surgiu uma nova entidade
autárquica que se denominou Distrito. Nasceu em boa hora e sob bons
auspícios, tanto que atravessou incólume os últimos 75 anos da
Monarquia, a República de 1910, a República de Sidónio Pais, a
periclitante Monarquia do Norte, e até mesmo a primeira meia dúzia
de anos do Estado Novo Corporativo.
A este respeito, Alberto Souto, José
Júlio César, Lopes Dias e outros, foram os grandes apóstolos dos
Congressos Beirões em cujas Actas se encontram valiosíssimos
trabalhos. O problema da Regionalização não é novo. Os homens
interessaram-se desde sempre pelo progresso das suas terras e mau
seria se assim não acontecesse.
Escreveu Alberto Souto, em
1940, o seguinte:
«Se a magistratura (distrital) tem
tido o consenso dos governos de todas as situações, se tem tido a
aprovação dos povos em todas as conjunturas, porquê e para quê se
substituem por províncias ou se fazem absorver pelas províncias os
distritos que os governadores civis sempre governaram?»
Mas porquê este brado de Alberto
Souto? Porque a Constituição de 1933 sugeriu o agrupamento de
distritos em províncias e, mercê disso, o distrito de Aveiro passou
a fazer parte da Beira Litoral com sede em Coimbra, como o da Guarda
foi incorporado na Beira Alta com sede em Viseu.
A presidência da Junta Provincial da
Beira Litoral foi entregue ao Professor Bissaia Barreto, essa
extraordinária figura de quem guardo as melhores recordações
pessoais e a quem presto as melhores homenagens. Homem de grande
actividade política desde os tempos de estudante em que passeava
ostensivamente pelas ruas de Coimbra a lapela do seu casaco com
resplandecente e atrevido cravo vermelho, ele montou na cidade do
Mondego uma engrenagem completa de assistência hospitalar, de
assistência materno-infantil, de assistência psiquiátrica e de
assistência à infância. Todas as instituições foram sonhadas e
criadas pelo seu génio fulgurante, e a elas nem sequer faltavam
requintes de arte e de beleza que lhes davam espiritual idade.
Funcionam ainda hoje admiravelmente, sob o sopro fagueiro da
lembrança da sua memória.
Bissaia Barreto era natural do
distrito de Coimbra, queria bem à sua terra e pugnava pelo seu
desenvolvimento. Só há que louvar!!!
Mas, lamentavelmente, esquecia os
problemas do distrito de Aveiro e de Leiria. Enquanto Coimbra possui
um aparelho hospitalar de primeira ordem, no qual devemos incluir o
bom hospital da Figueira da Foz que nasceu sob a égide da Junta
Distrital de Coimbra como centro de helioterapia, Aveiro e Leiria
ficaram nas pobrezas vizinhas do zero. Enquanto Coimbra possui o
magnífico «Portugal dos Pequeninos», Centro de diversão e de cultura
de crianças e de adultos que engrandeceria notavelmente qualquer
cidade que o tivesse intra-muros, as crianças e os adultos de Aveiro
e de Leiria teriam que permanecer na beira da estrada a mendigar uns
cibos dessa diversão e dessa cultura que, mesmo assim, lhes era
negada.
Em Aveiro existia um Asilo (era a
designação habitual do tempo) para crianças desprotegidas, que era
fartamente acarinhado pela população local. Tinha a sua Banda de
Música e os jovens lá internados instruíam-se, quer em escolas
próprias quer na escola técnica ou mesmo no liceu locais.
Em parêntesis, acrescentarei que era
uma instituição de assistência que funcionava em moldes muito
próximos dos do velhinho Asilo de Santo António desta cidade de
Viseu.
/ 18 /
Pois a Junta de Província da Beira
Alta, a quem competiam primordialmente funções de assistência que
tão aprimoradamente cumpria em Coimbra, esqueceu completamente o
possível aproveitamento da parte boa e aproveitável do Asilo de
Aveiro. Crianças abandonadas, cursos escolares interrompidos e
instalações fortemente degradadas foi, na parte correspondente a
esse Asilo, a herança deixada pela Junta Provincial a quem lhe
sucedeu.
Outro exemplo que me salta à memória
é o do incêndio que em 1942 destruiu o recheio do edifício onde
estavam instalados os serviços do Governo Civil, da Direcção de
Finanças, da Urbanização e outros. Caberia por imperativo legal a
reconstrução desse edifício à Junta Provincial. De facto, essa
reconstrução acabou por fazer-se, mas não pela Junta Provincial, que
sempre negou verbas para a sua execução.
Estes e vários outros factos
trouxeram inevitavelmente choques, atritos e por vezes até
malquerenças entre os dirigentes políticos de Aveiro e a Junta
Provincial da Beira Litoral, com sede em Coimbra.
Foi por tudo isto certamente que, em
Dezembro de 1937 o então deputado Querubim da Rocha Vale
Guimarães apresentou na Assembleia Nacional um projecto de Lei
tendente a suprimir as províncias, alterando os artigos n.os
125 e 126 da Constituição de então, com base, entre outros
argumentos, na falta de tradições históricas da Província no nosso
País como circunscrição administrativa.
Ainda outra opinião concordante foi
a do grande beiraltino (diríamos visiense se não tivesse nascido em
Fataunços – Agro de Vouzela) que foi geógrafo dos mais distintos,
professor da Universidade de Coimbra.
Aluno laureado do Liceu de Viseu e
em vida se chamou Aristides de Amorim Girão.
Escreveu ele em 1932:
«Nem será de aconselhar, numa
equilibrada política de renovação nacional, a brusca mudança de
circunscrições administrativas: nem pela restauração de antigas
divisões, nem pela aparatosa inovação que pode ser excelente em
teoria mas ficar letra morta ou dar mesmo resultados
contraproducentes na prática.»
«Para efeitos de administração
política e civil, haverá sem dúvida toda a vantagem em conservar nas
suas linhas gerais, a divisão distrital que, tendo já quase um
século de existência, está ainda em circunstâncias de corresponder
aproximadamente, pela sua extensão territorial, àquele núcleo de
população – 300 mil habitantes em média – que uma delegação de poder
central pode abranger.»
Já nos Congressos atrás referidos se
reconhecia que havia problemas localizados e reduzidos a âmbito
distrital e outros de maior amplitude, a resolver pelo consenso
entre um distrito e os outros distritos seus vizinhos. Seria o
esboço de um regionalismo, mas um regionalismo em que os distritos
mantivessem, não só a sua área geográfica, mas ainda e
principalmente o seu valor de autarquia, com direito pleno de
governar o que lhes pertence, enquadrados, evidentemente, nas normas
da política nacional.
A verdade é que, com a Constituição
de 33 e a consequente formação das províncias, houve 6 cidades e
outros tantos distritos sacrificados: Viana do Castelo, Bragança,
Aveiro, Leiria, Guarda e Portalegre. Pois daí surgiram outras tantas
fontes de situações desagradáveis e de conflitos constantes. Aveiro
contra Coimbra e Guarda contra Viseu são exemplos que todos nós
conhecemos por os termos sentido directamente.
Estas e muitas outras questões que
surgiram, levaram o Professor Marcello Caetano, com toda a sua
autoridade de administrativista distintíssimo, a afirmar:
«A situação resultante do Código
Administrativo não nos parece que seja a do distrito agonizante a
assistir às auroras provinciais.
O que existia até aqui era uma
circunscrição distrital onde o Governador Civil tudo mandava e a
junta geral nada fazia (salvo raras excepções).
O distrito guardou a sua
importância.
A província é convidada a prestar as
suas provas. Saberá dá-las?»
Mais tarde, o mesmo Professor, na
4.ª edição do seu «Manual de Direito Administrativo», informava:
«Bem se pode concluir que a
autarquia provincial, nos moldes em que foi instituída, é simples
homenagem a um regionalismo ineficiente.»
Regionalismo ineficiente é o destino
que entre nós terão todos os regionalismos que não respeitem a
vontade dos povos e os anseios distritais já com tantas provas dadas
ao longo dos quase 150 anos da sua existência.
7. – NOVA REGIONALIZAÇÃO
O novo regime agora previsto é
apoiado, como já se disse, no Decreto-Lei n.º 494/79. Apesar de ele
ainda não ter ultrapassado a fase embrionária, Aveiro já tem fortes
razões de queixa da pretensa Capital regional.
Apontemos algumas.
1 – Guarda Fiscal;
2 – Instituto da Cerâmica e Vidro;
3 – Anúncio de divisão regional do
País sem debate do «Livro Branco de 1980» e sem consulta das
populações;
/ 19 /
4 – Brigada Agrícola;
5 – Absorção de regiões concelhias;
6 – Hidráulica do Vouga;
7 – Aproveitamento energético da
Beira Vouga;
8 – Estradas Aveiro – Murtosa e
Aveiro – Vilar Formoso.
Digamos umas breves palavras sobre
cada um destes problemas, mas, antes disso, vejamos o que é Aveiro
(distrito e cidade).
8. – FORÇA DO DISTRITO DE AVEIRO
Antes porém, justifiquemos a razão
ou razões pelas quais o distrito de Aveiro sente pesar sobre si a
injustiça, tremenda injustiça, de se ver relegado para posição que
não merece. Esse desprezo de Aveiro é movimentado com o objectivo de
beneficiar o distrito de Coimbra ou (ainda mais grave!) a cidade de
Coimbra.
Limitando-nos às duas cidades,
Coimbra é presentemente superior a Aveiro, graças à sua secular
Universidade. Mas não tardará muito que as posições se invertam,
pois prevê-se que, no fim do século, Aveiro ultrapasse os 100 mil
habitantes.
Aveiro, além da sua força económica,
cada dia mais acentuada, possui o seu porto de mar em franco
desenvolvimento e a sua Universidade. Aveiro assenta pois num tripé
perfeito e equilibrado, constituindo já hoje um atraente pólo de
desenvolvimento. Com Coimbra não é assim.
O distrito de Aveiro é no País
aquele que paga mais contribuições «per capita» e, pelo censo de
970, viviam nele 545 mil habitantes contra 399 mil no distrito de
Coimbra, estimando-se, para 1981, 624 mil e 442 mil respectivamente.
Em 1978, o distrito de Aveiro pagou
ao Estado 4 milhões e 800 mil contos de contribuições. O distrito de
Coimbra apenas pagou 3 milhões e 100 mil contos.
Muitos outros dados numéricos
poderíamos ajuntar a estes, mas sempre demonstrativos da
superioridade do distrito de Aveiro sobre o de Coimbra. Isto é um
facto incontroverso e indesmentível.
Conclusão lógica
– Deixem estar os dois distritos como têm estado: independentes, sem
subordinações.
Se persistirem num tipo de
regionalização como o até agora apresentado, pergunta-se:
Qual dos dois distritos deve ser o
COLONIZADOR? E qual deve ser o COLONIZADO?
9. – PROBLEMAS ESPECÍFICOS
Voltemos aos problemas referidos.
9.1 – Guarda Fiscal – Por
força do desenvolvimento crescente do porto de Aveiro, foi
superiormente reconhecida a necessidade de criar na sua área um
Batalhão da Guarda Fiscal que conglomerasse a actividade das várias
secções existentes.
Logicamente, pensou-se em que ele
deveria ser instalado em Aveiro. Mas havia forças ocultas que o
preferiam em Coimbra, onde não há fronteiras, nem terrestres, nem
aéreas nem marítimas! E a verdade é que essas forças, manobrando no
segredo dos gabinetes, conseguiram o seu objectivo.
Comprou-se a Lapa dos Esteios ou
Quinta das Canas por importância que não terá andado longe dos 40
mil contos e instalou-se lá o Batalhão. Isto passou-se no tempo do
«Governo Pintassilgo», quando era Ministro das Finanças o Professor
Sousa Franco e se falava muito em austeridade.
Aveiro protestou e protesta contra
esta atitude e exige que tudo se remedeie. Com efeito, a Quinta das
Canas, pela tradição que pesa sobre si e pelo valioso passado
cultural que a exorna, era digna de melhor sorte: pertence ao
património municipal de Coimbra, e a ele deverá ser restituído. Na
sequência disso, não será difícil arranjar em Aveiro um local
apropriado para instalar o Batalhão da Guarda-Fiscal.
Aveiro tem este espinho cravado na
sua carne e o Governo deverá sentir quanto foi injusto na sua
atitude. É seu dever remediá-lo e, embora sem procuração de ninguém,
cremos que o Governador Civil de Aveiro e o Presidente da Câmara da
mesma cidade estarão prontos a colaborar.
9.2 – Instituto da Cerâmica e
Vidro – A indústria da Cerâmica e do Vidro, mercê da situação
dos jazigos de barro (caulino) que constituem as suas matérias
primas, encontra-se espalhada pelos distritos de Viana do Castelo (Alvarães
e Meadela), do Porto (Valadares e CarvaIhido), de Aveiro (Oliveira
de Azeméis, Aveiro, Ílhavo, Oliveira do Bairro, Anadia e Mealhada),
de Coimbra (Coimbra e Figueira da Foz), de Leiria (Leiria, Tomar,
Caldas da Rainha) e de Lisboa.
Desde sempre, tem funcionado esta
indústria por processos artesanais e empíricos. Ao pensar-se na
nossa entrada na Europa, surgiu em Lisboa o «Laboratório Nacional de
Engenharia e Tecnologia Industrial» que se propõe um controlo
científico sobre tão valiosa actividade. Para o efeito, deseja criar
um «Instituto da Cerâmica e Vidro» e localizá-lo onde for mais
conveniente.
/ 20 /
Surgiram 3 candidaturas: Aveiro,
Coimbra e Leiria. Segundo as estatísticas aplicáveis, Leiria estaria
em 1.º lugar, Aveiro em 2.º e Coimbra em 3.º.
Leiria, apesar do seu 1.º lugar na
estatística, tem a parte sul do seu distrito mais ligada a Lisboa do
que à própria cidade de Leiria; Coimbra, pela sua derradeira posição
na importância da indústria, merece nitidamente a situação de ser
afastada das candidaturas. Aveiro, que, além do seu segundo lugar
estatístico, tem a seu favor a situação geográfica em relação aos
Centros industriais de Viana do Castelo, Porto e Oliveira de
Azeméis, é a cidade cuja candidatura é a mais valiosa; a seu favor
milita ainda o facto valiosíssimo de possuir na sua Universidade o
Departamento de Cerâmica e Vidro, onde já se trabalha com material
de laboratório com o qual se despenderam alguns milhares de contos.
Mais: a favor de Aveiro se tem manifestado por várias vezes a
Associação dos Industriais respectivos, de que fazem parte
representantes de quase todos os estabelecimentos do País.
Ultimamente, e dada a pressão que
Coimbra tem feito sobre o assunto, o Director do «Laboratório
Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial» abdicou da solução
do problema e deixou-a ao critério do Ministro da Indústria; este,
apercebendo-se do melindre da questão, fez baixar o assunto à
«Comissão Coordenadora da Região Centro», em Coimbra. Essa Comissão,
manipulando intencionalmente as estatísticas, concluiu que Coimbra
era a localização mais conveniente para o referido Instituto.
Brada aos Céus, mas é verdade!
Será possível que o distrito menos
valioso dos três em causa venha a ser o contemplado?
Será possível que de nada valha a
opinião das pessoas mais esclarecidas como são os industriais do
ramo?
Será possível que não mereça
consideração o facto de a Universidade de Aveiro já ter a funcionar
com bons frutos, e após largos investimentos, o seu Departamento
específico?
Este é um flagrante exemplo da forma
capciosa como trabalha a Comissão Coordenadora Regional do Centro.
Protestamos contra isso e exigimos
honestidade de trabalho e de intenções da parte dos que apenas
desejam engrandecer-se sem olhar aos prejuízos que causam aos que
merecem mais do que eles.
Será isto o pretendido
desenvolvimento harmonioso para o qual se «inventou» o regionalismo?
Aveiro protesta e Leiria também.
Tudo contra Coimbra.
NOTA
– Esta parte da comunicação mereceu da parte de um elemento da C. C.
R. do Centro (salvo o erro, o Sr. Dr. João Casaleiro Carvalho Costa)
uma intervenção em que me convidou a «provar que a mesma C. C. R.
havia «manipulado intencionalmente as estatísticas».
Respondi com a leitura dos números
de um quadro de um trabalho do Senhor Professor Doutor Lopes
Baptista, director do departamento de Cerâmica e Vidro da
Universidade de Aveiro, que reproduzimos a seguir:
DISTRIBUIÇÃO DE ESTABELECIMENTOS,
PESSOAL E VALOR BRUTO DA PRODUÇÃO DA INDÚSTRIA CERÂMICA NOS
DISTRITOS DE AVEIRO, COIMBRA E LEIRIA
|
|
Estabelecimentos |
Emprego |
Valor Bruto da
Produção
|
|
1971 |
1978 |
1971 |
1978 |
1971 |
1978 |
|
N.º |
% |
N.º |
% |
nº Pess. |
% |
nº Pess. |
% |
x106esc |
% |
x106esc |
% |
Aveiro |
53 |
12,5 |
72 |
16,2 |
4768 |
20,8 |
6185 |
23,1 |
396 |
20,9 |
2475 |
26,2 |
Coimbra |
25 |
5,9 |
25 |
5,6 |
2444 |
10,7 |
3163 |
11,9 |
206 |
10,9 |
1497 |
15,9 |
Leiria |
82 |
19,3 |
95 |
21,3 |
4300 |
18,8 |
5728 |
21,4 |
344 |
18,2 |
1927 |
100,0 |
Continente
e ilhas
|
425 |
100,0 |
445 |
100,0 |
22890 |
100,0 |
26748 |
100,0 |
1895 |
100,0 |
9439 |
20,4 |
|
|
Este trabalho foi publicado no
jornal «Litoral», de 15 de Maio de 1981. Era o trabalho mais
actualizado em relação à data da leitura desta comunicação,
12-6-1981.
/ 21 /
9.3 – Anúncio da divisão regional
do País – Segundo ouvi há dias em noticiário da radiodifusão, o
Senhor Ministro da Administração Interna tinha concluído um Decreto
sobre a divisão regional do País.
Parece que este seria dividido em 5
regiões e mais duas zonas metropolitanas a de Lisboa e a do Porto.
Cada vez me parece maior a confusão
que reina em tudo isto:
O Governo, através do «Livro
Branco», prometeu duas coisas:
a) – Amplo debate sobre o assunto, o
qual ainda se não fez;
b) – Publicação de novo «Livro
Branco», depois de debatido o primeiro.
Agora, o mesmo Governo, pelo Senhor
Ministro da Administração Interna, toma atitude diversa.
O facto necessita de esclarecimento.
NOTA
– De facto, o Senhor Secretário de Estado da Administração Regional
e Local informou no seu discurso de 11-6-1981 proferido neste
Encontro que o Governo publicaria o prometido II «Livro Branco».
9.4 – Brigada Agrícola – As
superfícies dos distritos de Aveiro, Coimbra e Viseu são
respectivamente de 2700 Km2, 3956 Km2 e 5019
Km2. Mas a superfície agrícola, pela mesma ordem, é de
947, 1 459 e 1 963 Km2. Vê-se pois que o distrito de
Viseu é o maior (bastante maior), quer em extensão, quer em
superfície agrícola.
Em Aveiro, na dependência do
Ministério da Agricultura, havia a chamada Delegação de Aveiro e o
Centro de Formação da Gafanha da Nazaré; em Coimbra, a Delegação de
Coimbra e a Exploração Agrícola de Mira; em Viseu, a Delegação de
Viseu. muito bem instalada na que antigamente se chamava Quinta
Agrícola.
Em 1977 publica-se a Lei Orgânica
deste Ministério a que se seguem vários Decretos regulamentares.
Determina-se que «a acção dos serviços regionais de Agricultura
desenvolve-se em regiões agrárias coincidentes com as regiões
Plano», e, sem mais nem menos, esquarteja-se o País em 7 Direcções
Regionais e os distritos de Aveiro, Coimbra e Viseu são metidos na
Direcção-Regional Centro Litoral ou D. R. da Beira Litoral.
Onde localizar a Direcção-Regional?
Quando em Aveiro e em Viseu havia instalações que, com pequena
adaptação, serviriam bem para o efeito, e quando os ministros
António Barreto e Vaz Portugal se haviam já manifestado por uma
destas localizações, vem um Governo de que fazia parte, como
Secretário de Estado, o Regente Agrícola António de Campos e tudo se
resolveu de uma penada: comprou-se na Avenida Fernão de Magalhães,
em Coimbra, um prédio por cerca de 60 mil contos e instalou-se lá ou
vai instalar-se, a Direcção-Regional. Apetece saudar toda esta
austeridade!
O interesse de Coimbra era grande
porque a referida Direcção-Regional tem um Quadro de Pessoal que
abrange 1070 funcionários e todos compreendemos o valor dum
contingente desta valia numa cidade como Coimbra.
Se os três distritos referidos têm
culturas bem diferenciadas e se as antigas Delegações do Ministério
sempre haviam cumprido bem e satisfatoriamente, porquê a complicação
burocrática posta em marcha?
Está mais ou menos provado que as
Direcções-Regionais não servem às intenções com que foram criadas.
Extingam-se pois e restituam-se às antigas Delegações as suas
capacidades de actuação.
NOTA
– E o distrito de Aveiro tem autoridade e razões de sobra para
reclamar esta mudança porque é realmente bem diferenciado dos de
Coimbra e Viseu, na quantidade e qualidade das suas actividades
agro-pecuárias, que se podem resumir nos seguintes dados colhidos em
9-6-1981.
|
Ordenhas colectivas ...
... ... ... |
cerca de |
500 |
Ordenhas particulares
... ... ...
... |
cerca de |
5420 |
Postos de recepção de leite ...
... |
cerca de |
110 |
Fábricas de Lacticínios...
... ... ... |
cerca de |
3 |
Leitarias...
... ... ...... ...
... ... |
cerca de |
3 |
Depósitos de peixe...
... ... ... ... |
cerca de |
41 |
Oficinas de preparação de
carnes ... |
cerca de |
10 |
Matadouros particulares...
... ... ... |
cerca de |
5 |
Bovinos de casta leiteira...
... ... ... |
cerca de |
40000 |
Bovinos de casta não leiteira ...
... |
cerca de |
10000 |
|
|
9.5 – Absorção de regiões
concelhias – As ambições coimbrãs não são apenas de natureza
social e económica. São também territoriais.
De quando em vez surgem campanhas
nos jornais para sensibilizarem os governantes. Quem as comanda? Não
sabemos, mas estamos atentos.
Em Agosto do ano passado foi
publicado no “Diário de Coimbra” um artigo em que se reclamava a
anexação do Concelho da Mealhada ao distrito de Coimbra.
Argumentava-se com a pouca distância que vai de um ao outro, isto é,
com aquilo que alguns chamam a geografia do compasso. Se fôssemos
coerentes com essa geografia, diríamos que a Barragem da Aguieira,
mais implantada no distrito de Viseu do que no de Coimbra, se
deveria voltar mais nos seus valores para Viseu; também, a haver uma
capital regional calculada a compasso, esta deveria ser Viseu e não
Coimbra.
/ 22 /
No mencionado artigo jornalístico, e
ao jeito de esperteza saloia, oferece-se como compensação o Concelho
paupérrimo de Pampilhosa da Serra ao distrito de Castelo Branco.
Não somos ingénuos: a pretensão de
Coimbra sobre o belo e valioso Concelho da Mealhada visa em primeiro
lugar a estância do Luso e o Buçaco, (é preciso que se digam as
coisas clara e abertamente). Não é apenas por causa da Mealhada.
Esta pretensão coimbrã visa principalmente o Luso e o Buçaco. Uma
vez que consigam anexar o Concelho da Mealhada, talvez tenham o
apetite voltado para os vinhos da Bairrada e pensem em ficar também
com os concelhos de Anadia e Oliveira do Bairro.
NOTA
– Este trecho da comunicação mereceu plena concordância da parte de
um assistente (Arquitecto Cerveira) – que se disse natural da
Mealhada e concordava em que este Concelho era totalmente bairradino
e portanto do distrito de Aveiro.
9.6 – Hidráulica do Vouga – O
Engenheiro-director da Hidráulica do Mondego, sedeada em Coimbra
como é natural, tem por várias vezes destacado a necessidade de ser
criada a Hidráulica do Vouga, mas, não obstante opinião tão
abalizada, continuamos a assistir ao espectáculo de ver os
interessados em problemas relativos à bacia do Vouga a tratá-los na
Direcção da Hidráulica do Mondego.
As bacias hidráulicas dos dois rios
são completamente independentes, separadas uma da outra pelas
serranias do Caramulo e Buçaco que, pelas vertentes norte ou poente,
lançam todas as suas águas no Alfusqueiro ou no Cértima, afluentes
do Vouga. Os problemas dos mesmos rios são muito diversificados. As
áreas geográficas de ambos são suficientemente extensas para
justificarem serviços independentes.
Por tudo isso se impõe a extinção da
Delegação em Aveiro da Direcção Hidráulica do Mondego e a criação na
mesma cidade da Direcção Hidráulica do Vouga.
9.7 – Aproveitamento energético
da Bacia do Vouga – Há estudos feitos e tecnicamente bons, sobre
o aproveitamento energético do Vouga e seus afluentes com a
construção de várias barragens.
Nomeadamente a barragem de
Ribeiradio e a sua albufeira com comprimento da ordem dos 20 Km,
teria notória influência económica nas terras de S. Pedro do Sul,
Vouzela e Oliveira de Frades. Quem como nós conheceu a estrada Braga
– Chaves antes de construídas as barragens e voltou a percorrê-la
depois dessas construções, sabe bem avaliar o que significaria para
as terras lafonenses a construção dessa barragem.
Numa época em que tanto se fala de
energia, não deveria haver hesitações nem demoras porque cada dia de
atraso representa milhões de contos a despender na compra do
petróleo ou de energia eléctrica.
Este seria um dos problemas a
resolver em entendimento entre os distritos de Aveiro e Viseu, se
lhes fossem dadas forças e capacidades para tanto. Não deram nem se
sabe se as darão nem quando. Terá a C. C. R. do Centro equacionado o
problema? Nada sabemos apesar de termos procurado informar-nos.
Supomos que não, e é pena!
9.8 – Estradas de interesse
regional – Mal seria que aqui não proferíssemos uma palavra
sobre tão magno problema.
Das muitas necessidades viárias do
distrito de Aveiro, destacamos duas a que devem dar-se todas as
prioridades.
9.8.1 – Estrada para a Europa,
isto é, Aveiro, Viseu, Vilar Formoso. Apregoa-se aos quatro
ventos que é irreversível, importante e necessária à economia dos
três distritos atravessados por ela. Trabalha-se já na construção do
primeiro lanço, entre Prime e Mangualde.
Todavia, pensa-se e há quem afirme
que os técnicos encarregados da respectiva realização no distrito de
Aveiro trabalham com desesperante lentidão.
Referimos já que se têm usado
processos pouco lisos, com fantasiosas habilidades para prejudicar
Aveiro, como aconteceu nos casos da Guarda-Fiscal, Instituto da
Cerâmica e Vidro, Brigada Agrícola, etc. Face a isso, perguntamos:
não haverá projectos para mais uma das habilidades tendentes a
prejudicar Aveiro? Gato escaldado... O aviso aqui fica e apenas
posso afirmar que há quem pense o mesmo.
9.8.2 – Estrada Aveiro-Murtosa
– Planeada desde há muitos anos, ela diminuiria em cerca de 20 Km a
distância das ligações de Aveiro com o norte-litoral do seu distrito
e até com a cidade do Porto. Atendendo ao enorme movimento de
veículos automóveis de toda a zona, estes 20 Km a menos
representariam vários milhares de contos de poupança em
combustíveis.
Sabemos que há problemas ecológicos
à volta desta estrada, mas também sabemos que eles têm solução.
Esta estrada modificaria em muito e
para melhor, toda a vida da zona norte da Ria de Aveiro. Porque se
não dinamiza a sua construção?
É para casos como este que se impõe
de facto uma regionalização, pois não se compreendem os sucessivos
adiamentos que a esta obra têm sido aplicados.
10. – REGRESSO DOS DISTRITOS
As inconveniências das actuações
provinciais tiveram o fim que mereciam: acabaram as províncias como
autarquias, renasceram os distritos e em 1960 iniciaram novamente
funções as «Juntas Gerais do Distrito». Isto
/ 23 / é o mesmo que dizer:
acabaram as arbitrariedades provinciais e os distritos entraram
novamente no nível das autarquias realizadoras. Porém, com o advento
na nova fase de regionalização estão desde já, quando a procissão
mal começa a organizar-se, a receber os frutos das arbitrariedades
regionais.
Não pode ser!
O Marquês de Pombal, estadista de
dimensão extraordinária, fixou as suas atenções, quer nos terrenos
precâmbricos e na insolação de Peso da Régua, quer nas areias
quartzosas da orla ocidental portuguesa e criou lá, nos dois locais,
respectivamente a produção do Vinho do Porto e a laboração da
indústria vidreira da Marinha Grande. Isto sim: foi a criação de
autênticos pólos de desenvolvimento. E note-se: não levou para
qualquer cidade nenhuma destas forças económicas. Fez autêntica e
verdadeira regionalização, impulsionando forças adormecidas sem
prejudicar ninguém e sem deteriorar quaisquer relações de boa
vizinhança.
Agora não é assim: com megalomanias,
pretende-se o acrescentamento de povoações e de zonas
contra-indicadas, mas à custa do prejuízo dos vizinhos. Em biologia
este fenómeno tem o nome de parasitismo e, quando alguém se sente
parasitado, só tem uma atitude a tomar: libertar-se o mais
rapidamente possível de quem lhe suga o sangue ou rouba os
alimentos.
Poderíamos ainda trazer à colação
considerações baseadas no magnífico trabalho de Morgado Cândido
intitulado «Aspectos Regionais da Demografia Portuguesa», mas não me
assiste o direito de abusar da vossa paciência, mais do que já tenho
feito.
Vou terminar e faço-o com uma
reivindicação e um apelo.
11. – REIVINDICAÇÃO
Tenho em mente não só reivindicar de
facto, como até dar a este meu trabalho o ar de modernidade que se
impõe! Nada se faz se não houver reivindicação. Por isso ela aqui
fica.
Há algumas semanas, os trabalhadores
dos Serviços de Transportes Colectivos do Porto reivindicaram e
ameaçaram com greves. Desejavam eles as mesmas condições de trabalho
que usufruíam os seus colegas de Lisboa.
Na verdade, não se compreende como é
possível que, num País tão pequeno como o nosso, haja trabalhadores
do mesmo ramo com condições de trabalho diferentes, apenas porque
uns são da capital do País, aquecidos pelas fogueiras das cinturas
industriais e outros são da capital nortenha.
A injustiça era flagrante, bradava
aos Céus. Logicamente, foram atendidos na sua reivindicação.
Pois, o Decreto-Lei n.º 494/79, já
tantas vezes referido aqui, o «Livro Branco» e outros documentos que
conhecemos estabeleceram regras sobre regionalismo e tomaram como
firme a ideia de que a Comissão Coordenadora Regional do Algarve,
com sede em Faro, teria como área de actuação um único distrito – o
de Faro com os seus 16 concelhos.
Neste caso, portanto, a Região-Plano
confunde-se com a Região-Distrito: é uma única autarquia.
Não compreendemos. Melhor:
compreendemos as razões pelas quais o distrito algarvio teve este
tratamento; O que não compreendemos é a diferenciação entre este
distrito e os outros. Reivindicamos para nós igual tratamento e
exigimos (linguagem agressiva da época) que aos distritos de Aveiro,
Viseu e Guarda seja dada igualdade de oportunidades como as que são
dadas ao distrito de Faro.
A ser doutro modo, continuaremos a
dizer:
A injustiça é flagrante, brada aos
Céus e logicamente, como única solução, impõe-se o mesmo tratamento
para todos os distritos.
12. – APELO
Sabemos que o problema da
regionalização e da divisão administrativa é complexo e têm-se
procurado para ele diversas soluções. Todos têm os seus defensores,
mais ou menos bem, ou mais ou menos mal intencionados.
Todos talvez quiséssemos que a nossa
terra, a nossa cidade fosse a capital do País!
Apresentam-se e discutem-se teorias
com argumentos, uns válidos e outros capciosos. Todos procuram puxar
a brasa para a sua sardinha. Mas em tudo isso há sempre uma verdade
inalterável: os grandes procuram ser maiores à custa dos pequenos.
Nós, como pequenos, protestamos contra esse desejo; protestamos
contra a usurpação de bens e de instituições que devíamos ter e só
os não possuímos porque outros as cobiçam e no-las roubam; e
protestamos contra a megalomania das pretensas «Lisboas», como há
tempos o Senhor Governador Civil de Viseu apodou publicamente as
cidades usurpadoras.
Nós não queremos ser colonizados,
nem por Coimbra nem pelo Porto, principalmente numa época e num país
em que a colonização se julgou um crime e se acabou com ela.
Nós queremos que a autarquia «distritalista»
substitua a regionalista, porque julgamos aquela a única capaz de
bem satisfazer aos anseios dos povos e do povo, como já demonstrou
ao longo de 150 anos.
Nós já vivemos a era do «provincialismo»
e sabemos por experiência os males que ele nos causou. Nós estamos a
começar de viver a era do regionalismo e já
/ 24 / nos sentimos bem
causticados com os malefícios da sua actuação. Os poucos exemplos
que vos apresentei são poucos mas de valor bem convincente; são
poucos também porque o tempo nos escasseia e não permite que se
rezem todas as contas do longo rosário possível.
Não nos trouxe aqui teoria;
trouxe-nos a narração de factos. Exemplos concretos. E contra
factos... não há argumentos.
Por isso apelamos.
Por isso pedimos justiça.
Ao Senhor Presidente da República e
ao Governo, pedimos a revogação do Decreto-Lei n.º 494/79 e pedimos
também que o novo prometido «Livro Branco» contemple já uma divisão
administrativa distrital.
À Assembleia da República pedimos
que haja lá quem, com coragem igual àquela que teve o Deputado
Querubim Guimarães, em 1937, proponha a alteração da Constituição no
sentido de fazer coincidir as unidades Plano com as unidades
Distrito.
Desconcentração? Sim.
Descentralização? Sim.
Mas ambas assentes na unidade
geográfica distrital
13. – CONCLUSÃO
A terminar, alguns considerandos e
as necessárias propostas.
13.1 – Considerando :
a) – Que estamos aqui para
escalpelizar o problema da descentralização que todos desejamos se
faça rapidamente.
b) – Que esse problema deve ser
precedido da respectiva desconcentração a fim de se ir reforçando
gradualmente o poder local.
e) – Que tanto a descentralização
como a desconcentração só poderão ser eficazes depois de
estabelecidas com segurança as normas gerais da regionalização.
d) – Que o objectivo primacial da
descentralização é o de provocar o desenvolvimento harmonioso de
toda a área continental, diminuindo quanto possível a diferenciação
entre norte e sul, entre interior e litoral, entre ricos e pobres.
e) – Que para isso é urgente e
indispensável a existência de boas comunicações ferroviárias,
rodoviárias e aéreas.
f) – Que o Decreto-Lei n.º 494/79 dá
privilégios de desenvolvimento às previstas capitais regionais
(Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Faro), deixando para segundo plano
(portugueses de 2.ª ordem) os restantes aglomerados populacionais.
g) – Que esse mesmo facto é
contraditório do próprio objectivo principal da descentralização, o
que necessariamente prejudica esta.
h) – Que esse pretenso privilégio
das capitais regionais mais fortemente acentuará as assimetrias já
existentes.
|
|
Divisão
Distrital em vigor |
i) – Que desde há 150 anos a
circunscrição administrativa DISTRITO sempre satisfez os justos
anseios das populações, só não fazendo melhor por lhe não terem sido
dados os necessários meios.
j) – Que nesse mesmo lapso de tempo
houve algumas tentativas para agrupamentos distritais – caso das
províncias –, tendo todas fracassado depois de péssimas provas
práticas, por geradoras de rivalidades e malquerenças.
/ 25 /
I) – Que isso deu lugar a que um
deputado de então apresentasse na Assembleia Nacional um projecto de
alteração à Constituição de 1933 tendente a eliminar as províncias e
a restabelecer os distritos como autarquias por serem eles as únicas
entidades supra-concelhias com boas provas dadas.
m) – Que uma vez restaurados os
distritos se sanaram as situações de conflito e tudo voltou a uma
desejada e desejável normalidade construtiva, útil portanto para a
ascensão social e política das populações.
n) – Que pelas razões expostas, a
tentativa revelada pelo Decreto-Lei n.º 494/79 provoca grandes
descontentamentos e graves contradições no nivelamento do
desenvolvimento do País.
13.2. – PROPONHO
1.º – A revogação imediata do
Decreto-Lei n.º 494/79.
2.º – Que, em sua substituição, seja
publicada nova legislação na qual se não destrua a antiga divisão
territorial por distritos, tal como se faz em França, de onde nos
vêm todas as inspirações.
3.º – Que o poder local dos
distritos seja corrigido e reforçado, de modo a permitir que eles
possam realizar, melhor do que até aqui, o tal «desenvolvimento
harmonioso» que a descentralização conta como objectivo primeiro.
4.º – Que se encare, definitiva e
seriamente, a elaboração de um plano nacional de vias de comunicação
rodoviárias e ferroviárias de modo a não haver grandes zonas
isoladas.
5.º – Que entre essas comunicações
terrestres se dêem prioridades à via rápida Aveiro, Viseu, Guarda,
Vilar Formoso e à estrada Aveiro – Murtosa.
6.º – Que se ponha cobro às
usurpações já efectuadas por várias entidades da cidade de Coimbra,
repondo nos seus lugares, em Aveiro, serviços como os da Brigada
Agrícola e o Batalhão da Guarda Fiscal e criando na mesma cidade
aveirense o Instituto da Cerâmica e Vidro.
7.º – Que se aproveite a
circunstância favorável da próxima revisão constitucional para se
assentar de vez, e sem fantasias, em que as autarquias locais serão:
a) – as freguesias; b) – os municípios; c) – os distritos.
8.º – Que se saúdem o Presidente da
República e os governantes, em nome deste «I Encontro das Beiras
sobre Regionalização» e se lhes dê total conhecimento do que
honestamente desejam e pedem os homens dos distritos de Aveiro,
Viseu e Guarda. |