Quando, nomeado Governador Civil
do Distrito de Aveiro, tomei contacto informativo com o meu
Ilustre antecessor, Doutor Neto Brandão, logo fui por ele alertado
para o alcance enorme que para o distrito adviria do dinamismo da
CADERVO, recém-formada com características de «confraria» de
boas-vontades e a que tinha já sido dado um bafo tímido de
oficialização através da designação de um representante da
Direcção Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, por
despacho do respectivo Secretário de Estado.
O aplauso que então dei à ideia
foi acompanhado pelo entusiasmo que pus e encontrei nas muitas
reuniões feitas no Governo Civil a propósito de tudo quanto
pudesse contribuir para o desenvolvimento da Região do Vouga. A
categoria profissional das seus elementos e a devoção deles à
causa da região, justificavam o aplauso e o entusiasmo.
E não foi de somenos importância a
circunstância de, no grupo do: devotados membros, figurarem
correntes ideológicas as mais diversas. Estas jamais diminuíram o
valor do conjunto porque todos, sem excepção, apontavam um
interesse comum, embora com projectos de solução diferenciados.
Sempre entendi que o choque ou
fricção de ideias, desde que desenvolvido em clima de civismo
democrático era um factor positivo na busca das soluções adequadas
à melhoria da vivência dos povos.
*
Após um razoável período de
actividades, foi elaborada uma «Breve nota justificativa da
proposta de oficialização da Comissão de Apoio ao Desenvolvimento
da Região do Vouga, designada por CADERVO»que, por conter uma
série de dados do maior interesse, julgo dever transcrever aqui
nos pontos julgados essenciais:
«1 – GENERALIDADES
A região do Vouga, ocupando larga
parcela de território nacional e sendo dotada naturalmente de
variada gama de potencialidades, pode considerar-se uma das zonas
de maior riqueza do país, pela polivalência e equilíbrio das suas
actividades mais marcantes, dado o aproveitamento que daquelas têm
feito as laboriosas comunidades humanas que a povoam.
A sua zona de influência,
transcendendo os naturais limites geográficos da bacia
hidrográfica do rio Vouga, alarga-se a uma vasta área, bastante
superior à daquela, comportando tanto terras litorais como
serranas, de características orográficas e climáticas por vezes
muito dissemelhantes, mas complementares na sua utilização e
valorização económicas.
Entre os seus recursos naturais
avultam a pesca, a agricultura e pecuária, actividades produtoras
de bens de consumo muito necessários para atenuar as carências da
população portuguesa, acrescendo ainda a floresta e o turismo,
todos eles em face longínqua da sua melhor e mais racional
exploração.
2 – SUA CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA E FÍSICA
Duma forma geral, pode afirmar-se
que existe uma diferenciação acentuada quanto a estes aspectos,
entre as zonas litoral e interior.
Acidentada, de colos pobres e de
elevada pluviosidade esta última zona, com vocação para o
aproveitamento das suas possibilidades naturais na florestação e
na criação de grandes albufeiras para retenção de elevados volumes
de água destinados à produção de energia eléctrica, contenção de
cheias através da regularização de caudais e
/ 6 / à utilização para a
rega, converte-se em extensa planura na litoral, ora de solos
aluvionares fundos e férteis, ora de origem pliocénica e boa
aptidão cultural, já hoje largamente aproveitada, mas ainda em
fase distante do seu melhor aproveitamento no aspecto
agro-pecuário.
O ria Vouga e seus afluentes
exercem forte influência na caracterização de toda a região, sendo
principalmente a configuração do seu curso inferior, ou seja da
extensa laguna que constitui o seu estuário, conhecido por «Ria de
Aveiro», que maior incidência tem nos hábitos e actividades das
suas populações.
3 – ACÇÃO DO MEIO AMBIENTE SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO E DA
SUA ACTIVIDADE PRODUTIVA
As zonas interiores, de maior
densidade populacional, são ocupadas por pequenos aglomerados,
como resultado dos fortes condicionalismos que lhes são impostos
pela adversidade do meio natural. Vivem, em regra, duma
agricultura de subsistência, de rendimentos precários, e da
silvicultura.
O VOUGA em Pessegueiro do Vouga
As indústrias têm ali fraca
representatividade.
A faixa litoral, antecedida de uma
zona de transição, com fracos relevos, apresenta-se, praticamente
sem acidentes orográficos e virada ao Atlântica. É acompanhada no
sentido norte sul por extensos braças da ria, dispostos junto ao
mar, aos quais afluem também, além do Vouga, numerosos cursos de
água de pequeno significado.
Constitui a parcela de maior
ocupação populacional, sendo mesmo uma das áreas de maior índice
demográfico do país.
Múltiplas são as actividades
produtivas ou de infra-estruturas económicas por que se reparte a
sua ocupação profissional.
As de maior expressão respeitam à
agricultura, à pecuária, à pesca, tanto de águas interiores como
de exteriores, à indústria e ao comércio.
Há que realçar a importância,
sempre crescente, que representa o porto de Aveiro nas trocas
comerciais com o exterior.
A Ria, por seu turno, dotada de
grande capacidade produtiva e em conjugação com o aproveitamento
dos terrenos que a marginam, tem exercido impressiva influência no
«habitat» das numerosas populações ribeirinhas, não obstante as
vicissitudes por que têm passado ao longo dos tempos, devido a
factores perturbadores do seu equilíbrio económico natural, umas
vezes por desregradas intervenções do elemento humano que a
explora, outras vezes devido a acções da própria Natureza.
O pescado, o sal e o moliço são,
ainda hoje, produtos que dela se extraem, embora alguns com
/ 7 / tendência para a sua
redução, como valor económico.
O nascimento do sal nas salinas
A Ria constitui ainda, como via
fluvial, um excelente meio de comunicação, utilizado não só pelas
comunidades marginantes nas suas relações entre si, mas também de
acesso ao mar, pelas frotas comercial e pesqueira.
Para além do aproveitamento
directo dos recursos naturais, há que salientar a própria
capacidade de iniciativa e trabalho da população, traduzida no
importante parque industrial distribuído pelo Distrito de Aveiro.
Em consequência da influência
directa do meio, o índice de vida das populações litorâneas, no
estado natural, apresenta-se bastante superior ao da maioria das
populações serranas e interiores.
4 – VÍNCULO DE LIGAÇÃO, INTERCÂMBIO E CARÊNCIA DE INFRA-ESTRUTURAS
DAS POPULAÇÕES
Assinala-se o sentimento da
existência dum vínculo permanente de ligação entre as diversas
populações, geograficamente afastadas na região, e em fase
diferente de desenvolvimento.
A necessidade de escoamento dos
produtos da zona interior, sobretudo de origem florestal para as
fábricas situadas no litoral, e o intercâmbio resultante das
trocas comerciais de carácter geral, implicam um contacto
estreito, mas que se torna penoso pela falta de adequadas vias de
penetração rápida, entre as quais se realça a carência de uma
estrada de ligação directa de Aveiro-Viseu-Vilar Formoso.
Se imperioso se torna a promoção
do bem-estar e do progresso social, em todos os núcleos
populacionais da Região do Vouga, procurando corrigir
desequilíbrios existentes, não menos certo é de reconhecer quanto
difícil se torna alcançar tal objectivo em relação às populações
serranas, menos providas de recursos naturais.
Haverá que caminhar decidida e
rapidamente no sentido de atenuar as graves carências existentes
nestas, principalmente no âmbito do saneamento básico, das
comunicações e da assistência social e médica.
5 – IMPORTÂNCIA ACTUAL DA REGIÃO DO VOUGA – SUAS POTENCIALlDADES
Algumas citações referentes a
diferentes actividades poderão elucidar quanto à valia económica
actual da Região do Vouga, no contexto nacional, como se segue:
– Cerca de 60% do leite consumido
presentemente em Lisboa é produzido nesta região. Só o acréscimo
deste produto a obter pelo Plano de Aproveitamento Hidráulico da
Bacia do Rio Vouga, actualmente em fase de estudo, será suficiente
para cobrir as necessidades desta cidade.
/ 8 /
– O Distrito de Aveiro ocupa o 3.º
lugar no valor da contribuição industrial paga ao Estado, o que
exprime o potencial presente da sua indústria.
– Aveiro tem o maior porto
pesqueiro nacional. À sua praça pertencem mais de 60% dos navios
bacalhoeiros portugueses. Também lhes pertencem 80% dos barcos de
pesca do arrasto costeiro a operar na costa norte. O seu porto
comercial movimenta já perto de 400 000 t/ano, mas as previsões
apontam para uma movimentação provável de 2 milhões de toneladas
no ano de 1980, o que por si conduz à exigência da construção
definitiva dum novo e amplo porto, a situar em melhor local. Será
pelas suas condições naturais e geográficas o porto de alternativa
de Leixões, presentemente em fase de saturação.
– O próprio Estado reconheceu a
importância da Região do Vouga no campo do desenvolvimento
tecnológico e científico, dotando-a, em data relativamente
recente, com uma Universidade, sedeada em Aveiro.
Porém, as suas potencialidades
continuam ainda bastante aquém do seu pleno aproveitamento.
A execução do Plano Geral do Vouga
atrás referido e destinado a fins múltiplos, previsto a médio
prazo, virá insuflar-lhe um forte contributo não só para o
prosseguimento da exploração dos recursos naturais, mas também
para a criação de novas indústrias e, consequentemente, de
milhares de postos de trabalho. Por outro lado novas actividades
despontarão como o turismo e a piscicultura.
Entretanto, problemas de outra
natureza têm surgido, tais como a poluição dos cursos de água e da
atmosfera, resultantes do progresso industrial, e a necessidade de
reconversão da actividade salineira, por falta de rentabilidade,
cujas soluções têm de ser encaradas sem demora.»
*
Apesar disso e porque
superiormente foi julgado poder a proposta oficialização colidir
com as linhas do planeamento regional «in mente» a mesma
não foi considerada.
E a CADERVO lá foi andando no seu
caminhar modesto mas prestimoso de «confraria» de boas vontades,
sempre pronta a debater problemas e a prestar ajudas. E não raro
solicitei a sua intervenção. E tantas e tão valiosas foram as
intervenções e tantas vezes para elas chamada a atenção que julgo
ter sido criado o clima necessário não já para uma simples
oficialização da «confraria» mas e principalmente para que a
CADERVO dê lugar a qualquer coisa como um Gabinete da Área do
Vouga que traga para mais perto das realidades físicas e
humanas a parte maior, senão da decisão, pelo menos da intervenção
coordenadora que torne aquela eficiente e adequada.
A área do Vouga que não é só a
realidade de força impressionante que margina a Ria e onde os seus
íncolas têm sabido criar um mundo de maior progresso, não pode nem
deve deixar de compreender zonas menos propícias ao crescimento
rápido mas, por isso mesmo, capazes de um desenvolvimento seguro e
duradouro. Todas essas potencialidades têm de ser vistas, sentidas
e coordenadas de perto numa descentralização em relação à cabeça
do todo nacional e uma coordenação conducente ao melhor
aproveitamento das potencialidades próximas ligadas por interesses
comuns de média grandeza.
Nem é de desprezar como factor
valorativo o sentimento natural de que facilmente se acredita no
que se vê e voluntariamente se colabora na obra que se sabe ter
sido discutida, criada e a edificar não longe da realidade física
que nos cerca.
É num gabinete do tipo do apontado
que poderá encontrar-se a força consciente que ajudará a região do
Vouga a ser aquilo que PORTUGAL precisa que seja: uma zona mista
que fabrica e cria para si e para as outras menos favorecidas de
condições naturais. Nestas a implantação forçada do que quer que
seja custa demasiado caro à nação e toma aspectos de demagogia
suicida.
Planeie-se o que importa planear
mas com inteligência fria e raciocínio vertical que, se for caso
disso, não despreze os custos sociais de escolhas inadequadas.
O «Gabinete da Área do Vouga»
aproveitando-se da experiência da CADERVO, poderá ser um passo em
frente – e seguro – do ressurgimento nacional. Pelo menos evitará
o desperdício das indecisões e duplicações numa zona de primacial
importância.
E irá além disso porque a zona se
presta à experiência apaixonante sem riscos de falharmos por
míngua de qualidade das terras, das águas e das gentes.
2-08-1978