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N.º 21

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1976 

Oliveira de Azeméis

Subsídios para a sua história

Pelo Prof. António Magalhães

Dos contrafortes da Gralheira, e até às vizinhanças da extensa planície que a ubérrima Ria de Aveiro fertiliza, estende-se o vasto e progressivo concelho de Oliveira de Azeméis, repartido por dezanove freguesias em visível desenvolvimento.

Vários achados arqueológicos provam que esta região foi habitada em épocas recuadíssimas: machados da idade da pedra encontrados em Palmaz, machados da idade do bronze descobertos em Ossela, e manilhas de ouro de origem celta foram desenterradas nas Baralhas. Nos crastos de UI, Ossela e S. Martinho, que não foram ainda devidamente estudados, têm surgido à luz do dia peças de incalculável valor e que muito falam da antiguidade e da importância da região através dos séculos.

Em 1970, quando se procedia à reconstrução da igreja paroquial de UI, foi retirado dos caboucos um bloco cilíndrico que viria a ser classificado como um marco miliário da via militar romana que ligava Gaia a Coimbra, e que agora se conserva no átrio dos Paços do Concelho.

A mais remota referência à povoação de Oliveira de Azeméis encontra-se num documento de 922, que refere uma doação feita pelo Rei Ordonho ao Bispo Gomado e ao Mosteiro de Crestuma. Para alguns historiadores teria sido em Oliveira de Azeméis (precisamente em Lações) a discutidíssima cidade de Lancóbriga. O padre Dr. Manuel de Oliveira Ferreira, que dirigiu a paróquia de S. Miguel entre 1742 e 1777, foi grande defensor desta teoria, posta de parte pelos investigadores contemporâneos.

A região que hoje constitui o concelho de Oliveira de Azeméis pertenceu às terras de Santa Maria, beneficiando do foral da Feira, dado por D. Manuel I, em Lisboa, em 10 de Fevereiro de 1514. Foi elevada à categoria de vila por alvará da Rainha D. Maria I, de 5 de Janeiro de 1799. Em 24 de Outubro seguinte o príncipe regente D. João (mais tarde D. João VI) confirmou e ampliou o alvará de sua mãe: cria um juiz de fora, erege câmara com três vereadores e um procurador do concelho; ordena que se façam eleições e confirmações; concede aos administradores da casa do infantado a criação e data dos ofícios que se julgassem necessários, sem excepção dos órfãos; ordena que o novo juiz de fora (que era do cível, do crime, e de órfãos) tivesse o mesmo ordenado, aposentadoria e propinas que vencia o seu colega da Vila da Feira, sendo pago o ordenado e aposentadoria por lançamento no cabeção das sisas, quando nele não houvesse sobejos, visto que a criação da vila fora feita a requerimento dos povos. Mais tarde, em 1855, a reforma administrativa de Mousinho da Silveira extinguiu o concelho do Pinheiro da Bemposta (criado também por D. Manuel I três séculos antes) e cinco das freguesias que a compunham transitaram para o concelho de Oliveira de Azeméis.

Oliveira de Azeméis teve capitania-mór e ordenanças, que desempenharam notável acção aquando das invasões francesas e das lutas liberais. O lugar de Carcavelos, em Santiago de Riba-UI, está mesmo tristemente ligado ao célebre morticínio de Arrifana: teria sido ali, junto a umas alminhas que se conservam, que soldados de Arrifana mataram dois oficiais franceses, referindo a tradição que um deles era o tenente-coronel Lameth, sobrinho do general SouIt.

Às lutas liberais andam ligados os nomes de varões ilustres que tiveram por berço as Terras de la Salette. Entre eles avulta a figura prestigiosa do Dr. José da Costa Sousa Pinto Basto, voluntário do célebre «Batalhão Académico», companheiro de Garrett e de José Estêvão, e que com D. Pedro IV desembarcou nas areias do Mindelo e a seu lado combateu no cerco do Porto. De recordar ainda os nomes de José Vitorino Barreto Feio, de António Barreto Pinto Feio, e de alguns outros a quem o ideal da liberdade fez sofrer perseguições e conhecer as agruras do exílio. / 34 /

Mas entre os seus conterrâneos virá sendo esquecida a figura de um verdadeiro caudilho da liberdade, que por ela ofereceu a própria vida em holocausto. Por isso o recordaremos.

Eram os Vasconcelos, da Quinta do Outeiro, em Cesar, família fidalga aparentada com a melhor nobreza da região. Representavam-no, no final do Século XVIII, José Bernardo Pereira de Vasconcelos, casado com Ana Margarida de Almeida Cabral.

Houve do casamento quatro filhas e cinco filhos. Destes, Simão e José entraram na vida monástica; Joaquim Maria e Frederico optaram pela carreira das armas, segundo a tradição da época; António, o mais novo, colaborava com o pai na administração da abastada casa, cujas propriedades se estendiam de Cesar a Arouca, onde era senhor da Quinta do Outeiral.

Frei Simão de Vasconcelos, Monge de Cister, nasceu em Cesar a 28 de Setembro de 1789. Não conhecemos a data da entrada no Convento de Alcobaça, mas fácil é de concluir a sua reduzida permanência na vida religiosa; efectivamente, um «breve» do Núncio Apostólico, Cardeal Pacca, de 17 de Março de 1816, concedia-lhe a solicitada secularização. Por conseguinte, Frei Simão de Vasconcelos abandonou a vida monacal, aos 26 anos de idade.

O motivo invocado para deixar o convento foi o de prestar assistência a suas quatro irmãs, todas solteiras: Maria Albina, Ana José, Antónia e Maria Henriqueta. Mas estaria aí a verdadeira razão? Não seriam antes inconciliáveis o temperamento fogoso e lutador de Simão de Vasconcelos e os limitados horizontes das quatro paredes de uma cela? Não seria já reacção latente ao conservadorismo da Igreja perante os seus ideais?

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Paços do Concelho de Oliveira de Azeméis

Regressado a Cesar, à Quinta do Outeiro, Simão de Vasconcelos transformou-se em trabalhador agrícola. Mas a vizinhança não via com bons olhos o «despadrado», que não escondia, bem pelo contrário, o entusiasmo com que aderira às ideias revolucionárias vindas de além dos Pirinéus.

E a perseguição começou em breve. Os «realistas» das redondezas não lhe perdoavam os seus sentimentos liberais, que roçavam mesmo pelo fanatismo. E após alguns assaltos infrutíferos à Quinta do Outeiro, os irredutíveis inimigos conseguiram prendê-lo em 28 de Maio de 1828, depois de o balearem pelas costas. Conduzido à Cadeia da Vila da Feira, aí permaneceu durante pouco mais de um ano.

Conseguindo iludir a vigilância dos carcereiros, e contando, certamente, com a colaboração de alguns companheiros de ideal, Simão de Vasconcelos fugiu para o Porto, onde passou a arrostar com a penosa / 35 / vida de foragido, qual fera indomável que mãos criminosas pretendem eliminar. E por aí se manteve até à entrada triunfal de D. Pedro IV.

Em breve Simão de Vasconcelos é recebido pelo monarca liberal, a quem conta a sua odisseia e apresenta um pedido: homens e armas para a organização de uma guerrilha. Pretensão satisfeita, o frade secularizado avança com os seus homens para Cesar, numa romagem de saudade que não mais se repetiria. Dali partiu para Arouca, onde, na Quinta do Outeiral, seu pai se refugiara.

Como é óbvio, o conhecimento da presença de Simão de Vasconcelos aguçou a sede de vingança das guerrilhas miguelistas. O embate foi inevitável, e Simão de Vasconcelos e os seus homens tiveram de render-se, por falta de munições, na manhã de 8 de Setembro de 1832, nas terras agrestes de Moldes, no concelho de Arouca.

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Casa Sequeira Monteroso, em Oliveira de Azeméis

Simão de Vasconcelos e seis companheiros de armas foram conduzidos à cadeia de Arouca. Dali seguiram a pé para Viseu, onde entraram no dia 19 do mesmo mês, por entre os insultos da multidão.

Na cidade de Viriato funcionava o célebre «tribunal do Terror», que já mostrara a sua crueldade ao ordenar o fuzilamento de três sacerdotes. E em 16 de Outubro nova sentença implacável: fuzilamento para Simão de Vasconcelos e os seis companheiros (António Joaquim, do Porto; Joaquim Gonçalves, de Penafiel; Francisco José Marques e José de Oliveira, da Vila da Feira; Joaquim José da Silva, do Porto, e Luís Ferreira da Costa Santana, de Viseu).

No dia seguinte, Simão de Vasconcelos é atravessado pelas balas das milícias de Bragança, no chamado Campo de Santa Cristina. Com impressionante serenidade – só possível nos heróis, que sentem a paz de consciência do dever cumprido – abraça os companheiros e agradece-lhes a lealdade. Ao ouvir a voz de «fogo» dirigida aos carrascos, pôde ainda gritar: Viva Deus! Viva a liberdade!

Todos foram sepultados na capela de S. Martinho. Mais tarde, após a consolidação da vitória liberal, os restos mortais destes e doutros mártires da liberdade foram trasladados, no meio de impressionante manifestação cívica, para um honroso mausoléu que uma comissão patriótica levantara nos claustros da Sé de Viseu.

Ali pode ler-se: «Pela adesão à liberdade, Carta e Rainha Maria II, por iníquas sentenças foram inocentemente condenados e fuzilados. (Seguem-se os nomes de Simão de Vasconcelos e outros mais, incluindo alguns espanhóis.) Descansam suas cinzas neste monumento, o qual em detestação da execranda tirania daquele tempo, e para memória perpétua de varões tão beneméritos da Pátria, os cidadãos de Viseu religiosamente e por comum subscrição lhes dedicaram no dia 16 de Agosto de 1836».

Eis, muito em síntese, a história deste herói oliveirense, cujo nome bem merece figurar na toponímia da vila-sede das ridentes Terras de la Salette. A sugestão aqui fica.

 

páginas 33 a 35

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