Dos contrafortes da Gralheira, e até
às vizinhanças da extensa planície que a ubérrima Ria de Aveiro
fertiliza, estende-se o vasto e progressivo concelho de Oliveira de
Azeméis, repartido por dezanove freguesias em visível
desenvolvimento.
Vários achados arqueológicos provam
que esta região foi habitada em épocas recuadíssimas: machados da
idade da pedra encontrados em Palmaz, machados da idade do bronze
descobertos em Ossela, e manilhas de ouro de origem celta foram
desenterradas nas Baralhas. Nos crastos de UI, Ossela e S. Martinho,
que não foram ainda devidamente estudados, têm surgido à luz do dia
peças de incalculável valor e que muito falam da antiguidade e da
importância da região através dos séculos.
Em 1970, quando se procedia à
reconstrução da igreja paroquial de UI, foi retirado dos caboucos um
bloco cilíndrico que viria a ser classificado como um marco miliário
da via militar romana que ligava Gaia a Coimbra, e que agora se
conserva no átrio dos Paços do Concelho.
A mais remota referência à povoação
de Oliveira de Azeméis encontra-se num documento de 922, que refere
uma doação feita pelo Rei Ordonho ao Bispo Gomado e ao Mosteiro de
Crestuma. Para alguns historiadores teria sido em Oliveira de
Azeméis (precisamente em Lações) a discutidíssima cidade de
Lancóbriga. O padre Dr. Manuel de Oliveira Ferreira, que dirigiu a
paróquia de S. Miguel entre 1742 e 1777, foi grande defensor desta
teoria, posta de parte pelos investigadores contemporâneos.
A região que hoje constitui o
concelho de Oliveira de Azeméis pertenceu às terras de Santa Maria,
beneficiando do foral da Feira, dado por D. Manuel I, em Lisboa, em
10 de Fevereiro de 1514. Foi elevada à categoria de vila por alvará
da Rainha D. Maria I, de 5 de Janeiro de 1799. Em 24 de Outubro
seguinte o príncipe regente D. João (mais tarde D. João VI)
confirmou e ampliou o alvará de sua mãe: cria um juiz de fora, erege
câmara com três vereadores e um procurador do concelho; ordena que
se façam eleições e confirmações; concede aos administradores da
casa do infantado a criação e data dos ofícios que se julgassem
necessários, sem excepção dos órfãos; ordena que o novo juiz de fora
(que era do cível, do crime, e de órfãos) tivesse o mesmo ordenado,
aposentadoria e propinas que vencia o seu colega da Vila da Feira,
sendo pago o ordenado e aposentadoria por lançamento no cabeção das
sisas, quando nele não houvesse sobejos, visto que a criação da vila
fora feita a requerimento dos povos. Mais tarde, em 1855, a reforma
administrativa de Mousinho da Silveira extinguiu o concelho do
Pinheiro da Bemposta (criado também por D. Manuel I três séculos
antes) e cinco das freguesias que a compunham transitaram para o
concelho de Oliveira de Azeméis.
Oliveira de Azeméis teve
capitania-mór e ordenanças, que desempenharam notável acção aquando
das invasões francesas e das lutas liberais. O lugar de Carcavelos,
em Santiago de Riba-UI, está mesmo tristemente ligado ao célebre
morticínio de Arrifana: teria sido ali, junto a umas alminhas que se
conservam, que soldados de Arrifana mataram dois oficiais franceses,
referindo a tradição que um deles era o tenente-coronel Lameth,
sobrinho do general SouIt.
Às lutas liberais andam ligados os
nomes de varões ilustres que tiveram por berço as Terras de la
Salette. Entre eles avulta a figura prestigiosa do Dr. José da Costa
Sousa Pinto Basto, voluntário do célebre «Batalhão Académico»,
companheiro de Garrett e de José Estêvão, e que com D. Pedro IV
desembarcou nas areias do Mindelo e a seu lado combateu no cerco do
Porto. De recordar ainda os nomes de José Vitorino Barreto Feio, de
António Barreto Pinto Feio, e de alguns outros a quem o ideal da
liberdade fez sofrer perseguições e conhecer as agruras do exílio.
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Mas entre os seus conterrâneos virá
sendo esquecida a figura de um verdadeiro caudilho da liberdade, que
por ela ofereceu a própria vida em holocausto. Por isso o
recordaremos.
Eram os Vasconcelos, da Quinta do
Outeiro, em Cesar, família fidalga aparentada com a melhor nobreza
da região. Representavam-no, no final do Século XVIII, José Bernardo
Pereira de Vasconcelos, casado com Ana Margarida de Almeida Cabral.
Houve do casamento quatro filhas e
cinco filhos. Destes, Simão e José entraram na vida monástica;
Joaquim Maria e Frederico optaram pela carreira das armas, segundo a
tradição da época; António, o mais novo, colaborava com o pai na
administração da abastada casa, cujas propriedades se estendiam de
Cesar a Arouca, onde era senhor da Quinta do Outeiral.
Frei Simão de Vasconcelos, Monge de
Cister, nasceu em Cesar a 28 de Setembro de 1789. Não conhecemos a
data da entrada no Convento de Alcobaça, mas fácil é de concluir a
sua reduzida permanência na vida religiosa; efectivamente, um
«breve» do Núncio Apostólico, Cardeal Pacca, de 17 de Março de 1816,
concedia-lhe a solicitada secularização. Por conseguinte, Frei Simão
de Vasconcelos abandonou a vida monacal, aos 26 anos de idade.
O motivo invocado para deixar o
convento foi o de prestar assistência a suas quatro irmãs, todas
solteiras: Maria Albina, Ana José, Antónia e Maria Henriqueta. Mas
estaria aí a verdadeira razão? Não seriam antes inconciliáveis o
temperamento fogoso e lutador de Simão de Vasconcelos e os limitados
horizontes das quatro paredes de uma cela? Não seria já reacção
latente ao conservadorismo da Igreja perante os seus ideais?
Paços do Concelho de Oliveira de Azeméis
Regressado a Cesar, à Quinta do
Outeiro, Simão de Vasconcelos transformou-se em trabalhador
agrícola. Mas a vizinhança não via com bons olhos o «despadrado»,
que não escondia, bem pelo contrário, o entusiasmo com que aderira
às ideias revolucionárias vindas de além dos Pirinéus.
E a perseguição começou em breve. Os
«realistas» das redondezas não lhe perdoavam os seus sentimentos
liberais, que roçavam mesmo pelo fanatismo. E após alguns assaltos
infrutíferos à Quinta do Outeiro, os irredutíveis inimigos
conseguiram prendê-lo em 28 de Maio de 1828, depois de o balearem
pelas costas. Conduzido à Cadeia da Vila da Feira, aí permaneceu
durante pouco mais de um ano.
Conseguindo iludir a vigilância dos
carcereiros, e contando, certamente, com a colaboração de alguns
companheiros de ideal, Simão de Vasconcelos fugiu para o Porto, onde
passou a arrostar com a penosa
/ 35 / vida de foragido, qual
fera indomável que mãos criminosas pretendem eliminar. E por aí se
manteve até à entrada triunfal de D. Pedro IV.
Em breve Simão de Vasconcelos é
recebido pelo monarca liberal, a quem conta a sua odisseia e
apresenta um pedido: homens e armas para a organização de uma
guerrilha. Pretensão satisfeita, o frade secularizado avança com os
seus homens para Cesar, numa romagem de saudade que não mais se
repetiria. Dali partiu para Arouca, onde, na Quinta do Outeiral, seu
pai se refugiara.
Como é óbvio, o conhecimento da
presença de Simão de Vasconcelos aguçou a sede de vingança das
guerrilhas miguelistas. O embate foi inevitável, e Simão de
Vasconcelos e os seus homens tiveram de render-se, por falta de
munições, na manhã de 8 de Setembro de 1832, nas terras agrestes de
Moldes, no concelho de Arouca.
Casa Sequeira Monteroso, em Oliveira de
Azeméis
Simão de Vasconcelos e seis
companheiros de armas foram conduzidos à cadeia de Arouca. Dali
seguiram a pé para Viseu, onde entraram no dia 19 do mesmo mês, por
entre os insultos da multidão.
Na cidade de Viriato funcionava o
célebre «tribunal do Terror», que já mostrara a sua crueldade ao
ordenar o fuzilamento de três sacerdotes. E em 16 de Outubro nova
sentença implacável: fuzilamento para Simão de Vasconcelos e os seis
companheiros (António Joaquim, do Porto; Joaquim Gonçalves, de
Penafiel; Francisco José Marques e José de Oliveira, da Vila da
Feira; Joaquim José da Silva, do Porto, e Luís Ferreira da Costa
Santana, de Viseu).
No dia seguinte, Simão de
Vasconcelos é atravessado pelas balas das milícias de Bragança, no
chamado Campo de Santa Cristina. Com impressionante serenidade – só
possível nos heróis, que sentem a paz de consciência do dever
cumprido – abraça os companheiros e agradece-lhes a lealdade. Ao
ouvir a voz de «fogo» dirigida aos carrascos, pôde ainda gritar:
Viva Deus! Viva a liberdade!
Todos foram sepultados na capela de
S. Martinho. Mais tarde, após a consolidação da vitória liberal, os
restos mortais destes e doutros mártires da liberdade foram
trasladados, no meio de impressionante manifestação cívica, para um
honroso mausoléu que uma comissão patriótica levantara nos claustros
da Sé de Viseu.
Ali pode ler-se: «Pela adesão à
liberdade, Carta e Rainha Maria II, por iníquas sentenças foram
inocentemente condenados e fuzilados. (Seguem-se os nomes de
Simão de Vasconcelos e outros mais, incluindo alguns espanhóis.)
Descansam suas cinzas neste monumento, o qual em detestação da
execranda tirania daquele tempo, e para memória perpétua de varões
tão beneméritos da Pátria, os cidadãos de Viseu religiosamente e por
comum subscrição lhes dedicaram no dia 16 de Agosto de 1836».
Eis, muito em síntese, a história
deste herói oliveirense, cujo nome bem merece figurar na toponímia
da vila-sede das ridentes Terras de la Salette. A sugestão aqui
fica. |