O texto que em
seguida se oferece aos leitores da Revista «Aveiro e o seu Distrito»
foi redigido com o fim de se inserir numa série que nela vem sendo
publicada, tendo em vista dar a conhecer as potencialidades e os
problemas desta Região e as realizações e planos para o seu
desenvolvimento.
Trata-se de uma síntese, assim mesmo
só de parte de um estudo sobre o desenvolvimento dos recursos
hidráulicos da Bacia do Vouga e como tal terão que ressalvar-se-lhe
não os erros mas as omissões.
O que é e como é a «Bacia
Hidrográfica do Vouga»
A área geográfica de recepção das
águas que através do rio Vouga e pela sua laguna, a ria de Aveiro,
são lançadas no mar, constitui a bacia hidrográfica deste rio.
É uma extensa região, de 3700 km2,
no interior da qual se registam amplas variações quer quanto a
solos, quer quanto à fisiografia ou ao próprio clima, variações
essas que são determinantes do seu aproveitamento actual e dos
problemas que engloba.
Entre tais determinantes são
particularmente decisivos o declive dos terrenos e a inclinação do
leito dos rios, que são acentuados nos troços superior e médio da
Bacia (Alto e Médio Vouga) e insignificantes na sua porção de
jusante (Baixo Vouga).
Uma análise que não necessita ser
muito profunda mostra que dois factos lhe estão principalmente
ligados:
1 – A vocação predominantemente
florestal dos Médio e Alto Vouga e predominantemente agrícola do
Baixo Vouga, onde se encontram a grande maioria das terras com boa
aptidão ao regadio;
2 – A facilidade e frequência com
que se inundam os campos marginais deste Baixo Vouga – rios Antuã,
Vouga, Marnel, Águeda e Cértima, fenómeno para que contribui em
larga escala o assoreamento dos leitos destes rios na parte final
dos seus cursos.
Como se elaborou e o que é o «Plano
de Aproveitamento Hidroagrícola da Bacia do Rio Vouga»
Recomendada a sua elaboração nos
«Estudos Preparatórios do IV Plano do Fomento», a Direcção Geral dos
Serviços Hidráulicos confiou esta tarefa a uma empresa nacional de
projectistas, a COBA (1).
Esta realizou, em primeiro lugar, um
estudo das potencialidades da Bacia quanto a terras aptas ao regadio
bem como dos condicionamentos ecológicos e turísticos à expansão
deste e avaliou as disponibilidades existentes quanto a água e
locais com adequadas condições para a implantação de barragens quer
para o armazenamento e regularização de caudais quer, se possível,
para produção de energia eléctrica.
Foi esse estudo que conduziu, após
análise ponderada, à delimitação de um certo número de áreas
totalizando à volta de 5000 hectares, eventualmente susceptíveis de
melhoramento pelo regadio embora dispersas por toda a Bacia, bem
como dos seguintes dez blocos cobrindo um total de mais de 48 000
hectares, que pela sua concentração geográfica e dimensões, permitem
implantar um grande plano integrado de rega, drenagem e defesa:
|
BLOCOS
(2) |
Área (ha) |
Necessidades de água (hm3/ano) |
Antuã
Vouga – Marnel
Águeda – Cértima
Aveiro
Mamarrosa
Covões
Mira
Cantanhede
Tocha
Quiaios – Maiorca |
11 405
2 430
1 975
8 296
4 466
5 758
4 747
2 173
3 919
3 168 |
43,9
10,2
8,3
34,8
18,6
24,2
19,8
9,1
16,5
13,3 |
|
48 337 |
198,7 |
|
|
/ 6 /
Para a rega destes blocos foram
previstas quatro barragens:
– Barragem de Ribeiradio, no rio
Vouga, com à volta de 90 m de altura e 300 milhões de metros cúbicos
de capacidade útil, que rega os 32 527 hectares dos blocos de Aveiro
e de Cantanhede-ao-Vouga;
– Barragem de Antuã, no rio Antuã,
com à volta de 50 m de altura e 39 milhões de metros cúbicos de
capacidade útil, que rega os 11 405 hectares do bloco do Antuã;
– Barragem de Marnel, no rio Marnel
com à volta de 55 m de altura e 24 milhões de metros cúbicos de
capacidade útil, que rega os 2430 hectares do bloco Vouga-Marnel;
– Barragem do Rio Covo, no Rio
Alfusqueiro, com à volta de 60 m de altura e 31 milhões de metros
cúbicos de capacidade útil, que rega os 1 975 hectares do bloco
Águeda-Cértima.
Os aproveitamentos hidroeléctricos
que integram estas barragens permitem produzir quantitativos de
energia e dispor de um valor de potência instalada economicamente
enquadrável no panorama da situação hidroeléctrica nacional. Isto
sobretudo no que se refere ao aproveitamento de Ribeiradio porquanto
a energia produtível nos outros três aproveitamentos o será como
subproduto.
Estas quatro barragens, além dos
benefícios indicados, garantem:
1 – Ao longo de todo ano, o
quantitativo total de 28 milhões de metros cúbicos de água
necessário ao abastecimento das populações e às indústrias da bacia
do rio Vouga;
2 – Na época seca, os caudais
mínimos permanentes nas respectivas linhas de água indispensáveis
para as manter despoluídas;
3 – Na época chuvosa, dominando a
primeira e as duas últimas, cerca de 40 % da área da bacia e,
portanto, do respectivo caudal sólido, uma redução de caudal máximo
da cheia milenária bastante sensível.
O aproveitamento agrícola actual da
bacia do rio Vouga baseia-se na cultura do milho com feijão ou da
batata, seguida de forragens, com produção predominante de leite e
carne de bovinos. Também se cultiva, com certa representatividade,
arroz e nabos. O plano elaborado propõe que se mantenham
praticamente as produções características do presente quadro
agrícola ao qual se acrescentou somente, como novidade, a cultura da
beterraba sacarina. A inserção desta
/ 7 / num dos grupos de
rotações-tipo previstos fez-se por tal se entender justificável,
quer à luz de critérios ecológicos, quer de critérios económicos,
nomeadamente os ligados com o actual condicionalismo de
abastecimento de açúcar a Portugal.
A análise dos esquemas propostos no
Plano, forneceu os seguintes resultados:
1 – Em qualquer das hipóteses de
ocupação previstas, com ou sem beterraba sacarina, admite-se uma
diminuição considerável das produções de milho e feijão (33-44 % e
47-57 %) e a eliminação da cultura de arroz.
2 – Em contraste coma evolução
anterior, a produção de batata e hortícolas é notavelmente acrescida
(43-140 % e 50 vezes) e surge como novidade a produção de raízes de
beterraba sacarina em quantidade suficiente para justificar a
montagem de duas a três unidades industriais de fabrico de açúcar.
3 – A produção de alimentos para o
gado, convertida em U. F.
(3), é acrescida em ambas as
hipóteses de ocupação cultural previstas, de mais de 45000000 (= 26
%), o que permitirá aumentar a produção de leite e carne,
respectivamente de 20 750000 litros e 1320 toneladas, considerando a
mesma produtividade por cabeça que na ocupação actual.
Sabendo-se que a bacia leiteira da
Beira litoral detém a maior percentagem da produção nacional – só o
distrito de Aveiro produziu, em 1970, 67000000 litros de leite
(cerca de 30 % do leite entregue no País) – o aumento de 20750000
litros de leite representa à volta de 9,5 % da produção do país em
1970. Por outro lado, o aumento de 1 320 toneladas de carne cobre
cerca de 13% do «deficit» anual verificado no seu consumo em 1961, o
qual tem aumentado sensivelmente nos últimos quinze anos.
A densidade pecuária alcançada será
de 1,5 cabeças normais por hectare, contra 1,2 actualmente, se se
considerar como consumo anual por cabeça normal 3000 U. F.
4 – Os valores totais de produção
actual e depois da beneficiação passarão de cerca de 1600000 para
2600000 contos/ano, ou seja, aumentarão de 1000000 contos (= 20
contos/ha/ano). Deste aumento, o contributo mais importante
pertence, em ambas as hipóteses de ocupação cultural previstas, ao
sector de alimentos para o gado – cerca de 70 % do total
/ 8 / o «Plano de
Aproveitamento Hidroagrícola» insere-se num plano de âmbito mais
geral.
Pode efectivamente dizer-se que
muitos outros aspectos foram considerados nos quais a água constitui
recurso e problema.
Assim se tratou de inventariar os
recursos hídricos disponíveis em toda a Bacia e a sua utilização
actual bem como os problemas ligados à poluição industrial e urbana,
nomeadamente para a fauna e a flora aquáticas ou dela dependentes e
para a própria população local ou de turistas.
Assim se planeou a correcção
torrencial e a defesa contra a erosão, a regularização dos leitos
dos rios, a produção de energia eléctrica, a defesa contra o avanço
das marés e a concentração de carga poluente industrial e urbana no
Verão, o uso recreativo dos recursos hídricos, o abastecimento das
populações e o saneamento básico.
O âmbito do presente artigo não
permitiu tratar estes aspectos de inventariação e planeamento, mas
entendeu-se que não devia deixar de fazer-se-lhe referência já que
todos foram considerados no mesmo «Plano de Aproveitamento
Hidráulico» de que o «Plano de Aproveitamento Hidroagrícola» agora
tratado foi parte integrante.
Dália Lázaro
Directora do Projecto
*
* *
NOTA – «O estudo prévio, do qual foi
extraído este artigo, foi entregue pelos consultores à Direcção
Geral dos Serviços Hidráulicos nos primeiros meses do corrente ano e
está sendo submetido à apreciação dos diversos organismos oficiais a que interessa.»
_______________________________
(1)
– Consultores para Obras, Barragens e Planeamento, SARL.
(2)
– Os seis últimos blocos situam-se nos Campos de Cantanhede-ao-Vouga.
(3)
– U. F. = unidades forrageiras.
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