Acesso à hierarquia superior.

N.º 20

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1975 

Cancioneiro do Distrito

CINQUENTA QUADRAS APENAS

DAS MILHARES QUE O POVO SABE...

Os cancioneiros permitem o aprofundar dos diferentes problemas que servem para uma justa compreensão das multidões ignoradas, tornando-se um testemunho com voz própria, cuja presença será imprescindível para que se pautem afirmações em relação a cada povo.

Deste modo se sentirá como tarefa de um alcance altamente nacional a imediata e urgente recolha de todos os cancioneiros, não só nas suas expressões de lirismo, como também naquelas outras de diferente qualidade poética, mas que condensam, de igual modo, atitudes, observações e experiências do quotidiano.

Para um tal objectivo se deveriam interessar os estudantes nos períodos de férias, as agremiações de recreio e cultura, os grupos campistas e os intelectuais, todos submetidos à superior orientação de uma equipa conscienciosa de etnólogos, filósofos e especialistas da ciência sociológica, à qual competiria reunir, classificar e distribuir, para estudos mais atentos, o rico manancial de toda a espécie que anda por aí disperso e se vai perder irremediavelmente.

Alves Redol
«Cancioneiro do Ribatejo», 1950
 

 

Senhores, não se admirem

deste meu fraco cantar;

sou filha dum pescador,

como cabras ò jantar!

                             Aveiro

 

Sou pequenina mas tenho

um lenço de cor de rosa,

que me deu o meu amor

quando veio da Murtosa.

                             Águeda

Sim, senhora; não, senhora

– foi a minha criação;

Quem quiser ser estimado

há-de dar a estimação.

                             Aveiro

 

Hei-de casar na Gafanha,

hei-de ser um gafanhão,

para vender as batatas

às meninas de Alqueidão.

                             Gafanha

 
       
  Clicar para ampliar.

Monumento a Manuel Alves, no Vale do Boi – Anadia. Confirmando uma tese do eminente Ramón Menéndez Pidal, diversas quadras do popular poeta bairradino passaram a fazer parte do cancioneiro do povo português.

Deste-me uma pera verde

para eu amadurar;

pera verde ou verde pera,

não me queiras enganar.

                         Mourisca do Vouga

 

 

Quem vai ò Senhor da Serra

e num vai ò Corredor

é como quem vai ao céu

e num vê Nosso Senhor!

                      Cabomonte, Feira

 

Santos Mártires de Marrocos

consolai a triste mãe;

livrai-lhe o filho das sortes,

pra não ir servir o rei.

                             Águeda

 

Quem tem telhados de vidro

que ande muito direitinho;

macaco, olha o teu rabo,

deixa o rabo do vizinho.

                             Estarreja

 
   
       
 

Sei que andas de ml comigo

por causa das embrulhadas;

se tens dor de cotovelo,

deita-lhe urtigas pisadas...

                             Águeda

 

S. Gonçalo do Bunheiro,

S. Mateus de Madail,

cortai os dentes às pulgas,

que não me deixam dormir...

                             Murtosa

 

Não quero saia de chita,

podem chamar-me senhora;

quero saia de mandil,

que é trajo de lavradora.

                Assequins, Águeda

Ó pedras desta calçada,

levantai-vos e dizei

quem vos passeia de noite,

que eu de dia bem sei!...

                             Oliveira do Bairro

 

Que vale o dinheiro ò rico,

Para o ter amontoado?!

Se quem o tem é feliz,

quem o adora é desgraçado.

                             Aveiro

 

Ó meu rico S. Gonçalo,

costas viradas ao Norte,

se me chegar a casar,

não me dês nenhum calote...

                               Pardelhas

 
       
       
 

S. Pedro foi pescador,

as redes ao mar lançou;

o S. Paio da Torreira

também as redes puxou.

                             Murtosa

 

Para a tua rouquidão

eu remédio te vou dar:

aguardente e açúcar,

quando te fores deitar.

                             Águeda

 

Ó senhor arrais do barco,

salte fora, venha ver,

venha ver a sua filha,

que se vai arreceber.

                             Aveiro

 

O Senhor da Serra é meu,

que o ganhei ao serão,

a fiar na minha roca,

no mais fino algodão!

                   Vale d'Aquele, Águeda

 

O meu coração é terra

hei-de mandá-lo lavrar,

p’ra semear os desejos

que tenho de te falar!

                    Macieira de Alcoba

 

– Minha mãe, quero casar.

– Ó filha, diz-me com quem.

– Minha mãe, cum alfaiate.

– Ó filha, alfaiata-o bem...

                             Aveiro

 

Eu hei-de ir ao S. Geraldo

com a minha carapuça;

quem tem raiva que enraiveça,

quem tem catarro que tussa.

                             Águeda

Lá vem um barco à vela,

lá vem a sardinha fresca,

lá vem o meu amorzinho

sentadinho numa cesta.

                             Águeda

 

'Stamos a chegar ò Bico,

à praia dos pescadores;

à semana são mosquitos,

ò domingo só doutores...

                             Murtosa

 

Ó moço da calça branca,

erga o pé, que suja a meia;

vá casar à sua terra,

num case na terra alheia.

                        Cabomonte, Feira

 

Não me queres por ser pobre,

eu a ti por seres judeu;

olha a diferença que faz

o meu sangue para o teu!

                         Assequins, Águeda

 

Moliceiros arrastados,

que andais no rio a fazer?

– Às marés de trinta e cinco,

não ganhais para comer.

                             Murtosa

 

O tocador da viola

há-de mister um caldinho;

feito pela mão do gato,

botado num caqueirinho...

                             Aveiro

 

Indo eu para o estudo,

atirei co’ livro ao Cais;

namorei-me dos teus olhos,

estudo não quero mais.

                             Aveiro

 
       

Clicar para ampliar.

O «Cancioneiro de Águeda» numa exibição ao ar livre. Aliando à pureza das danças o casticismo da indumentária e da música genuinamente popular a letra sem jaça das cantigas, o agrupamento folclórico e etnográfico aguedense avulta, sem favor, entre os mais categorizados do País.

       
 

Adeus, adeus, Costa Nova,

Adeus, ó Ria de Aveiro;

a saúde vai na mesma

e a carteira sem dinheiro...

                             Águeda

 

Eu hei-de ir ao S. João,

ao S. João da Bairrada;

hei-de lá dormir um sono

debaixo da ramalhada.

                             Paredes, Águeda

 

Das filhas da minha mãe

eu fui a mais infeliz;

as outras todas casaram,

só a mim ninguém me quis.

                             Aveiro

 

Do Algarve vem o figo,

de Santarém o azeite,

de Pardilhó vem o trigo,

do Bunheiro vem o leite.

                             Murtosa

Adeus terra de Salreu,

com S. Martinho defronte;

as saudades que eu levo

são da Senhora do Monte...

                             Estarreja

 

Fui-me confessar ao Carmo,

comungar aos Capuchinhos;

deram-me de penitência

mais abraços que beijinhos...

                             Aveiro

 

Adeus cidade do Porto...

Ó rua da Boavista,

onde passa o D. Miguel

mai-Ia tropa realista.

                         Cabomonte, Feira

 

Tanto me dói a cabeça

que me quer cair no chão;

dai-me mais uma pinguinha,

quer ela caia quer não...

                             Fermentelos

 
       
 

Costa Nova nada vale,

Aveiro vale um vintém;

Ílhavo vale um cruzado

p'las lindas moças que tem.

                             Ílhavo

 

Coitadinho de quem morre

se pró Paraíso não vai;

quem cá fica logo come,

a pena logo se vai...

                Oliveirinha do Vouga

 

As lavadeiras à noite

lavam os seus aventais

pra fazer travesseira

no meio dos areais.

                             Águeda

 

Cana verde, ó cana verde,

cana verde de Ferrães;

ainda não estou casada,

já me dão os parabéns!

                             Fermentelos

 

A entrada desta rua,

logo mesmo à entrada,

está uma pereirinha nova,

qu'inda não foi abanada...

                     Assequins, Águeda

 

Abaixa-te, ó Paradela,

que eu quero ver Oliveira;

quero ver minha madrinha,

a Senhora a Amoreira,

             Casal d'Álvaro, Águeda

 

Venho mesmo admirada

do preço que os homens têm;

inda agora me ofereceram

catorze por um vintém...

                             Aveiro

A Senhora da Saúde

prometeu, e há-de dar,

raminhos pra fazer sombra,

rapazes pra namorar.

          Macieira de Alcoba, Águeda

 

'Stamos a chegar ao Bico,

à terra do bragagão;

os rapazes mais bonitos

é os filhos do Galvão.

                             Murtosa

 

Quatro coisas quer o amo

do criado que o serve:

deitar tarde e erguer cedo,

comer pouco e andar alegre!

                             Aveiro

 

Viva a malta, viva a malta,

viva a malta, trema a terra;

que venham cá os de Aveiro,

que esta malta não se arreda!

                             Águeda

 

Estudante deixa as aulas

e vem para o meu jardim;

mais vale um ano de amor

do que sete de latim.

                             Aveiro

 

Os teus olhos, ó Maria,

quando se encontram cos meus,

dizem coisas, dizem coisas,

ai Jesus! Valha-me Deus!...

                             Águeda

 

Estou rouca, enrouqueci,

mal haja a rouquidão,

que não me deixa cantar

à minha satisfação.

                             Aveiro

 
   

Compilação de M. Berta

 
 

páginas 58 a 62

Menu de opções

Página anterior

Página seguinte