Os cancioneiros permitem o
aprofundar dos diferentes problemas que servem para uma justa
compreensão das multidões ignoradas, tornando-se um testemunho com
voz própria, cuja presença será imprescindível para que se pautem
afirmações em relação a cada povo.
Deste modo se sentirá como tarefa de
um alcance altamente nacional a imediata e urgente recolha de todos
os cancioneiros, não só nas suas expressões de lirismo, como também
naquelas outras de diferente qualidade poética, mas que condensam,
de igual modo, atitudes, observações e experiências do quotidiano.
Para um tal objectivo se deveriam
interessar os estudantes nos períodos de férias, as agremiações de
recreio e cultura, os grupos campistas e os intelectuais, todos
submetidos à superior orientação de uma equipa conscienciosa de
etnólogos, filósofos e especialistas da ciência sociológica, à qual
competiria reunir, classificar e distribuir, para estudos mais
atentos, o rico manancial de toda a espécie que anda por aí disperso
e se vai perder irremediavelmente.
Alves Redol
«Cancioneiro do Ribatejo», 1950
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Senhores, não se admirem
deste meu fraco cantar;
sou filha dum pescador,
como cabras ò jantar!
Aveiro
Sou pequenina mas tenho
um lenço de cor de rosa,
que me deu o meu amor
quando veio da Murtosa.
Águeda
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Sim, senhora; não, senhora
– foi a minha criação;
Quem quiser ser estimado
há-de dar a estimação.
Aveiro
Hei-de casar na Gafanha,
hei-de ser um gafanhão,
para vender as batatas
às meninas de Alqueidão.
Gafanha
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Monumento a Manuel Alves, no
Vale do Boi – Anadia. Confirmando uma tese do eminente Ramón
Menéndez Pidal, diversas quadras do popular poeta bairradino
passaram a fazer parte do cancioneiro do povo português. |
Deste-me uma pera verde
para eu amadurar;
pera verde ou verde pera,
não me queiras enganar.
Mourisca do Vouga
Quem vai ò Senhor da Serra
e num vai ò Corredor
é como quem vai ao céu
e num vê Nosso Senhor!
Cabomonte, Feira
Santos Mártires de Marrocos
consolai a triste mãe;
livrai-lhe o filho das sortes,
pra não ir servir o rei.
Águeda
Quem tem telhados de vidro
que ande muito direitinho;
macaco, olha o teu rabo,
deixa o rabo do vizinho.
Estarreja
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Sei que andas de ml comigo
por causa das embrulhadas;
se tens dor de cotovelo,
deita-lhe urtigas pisadas...
Águeda
S. Gonçalo do Bunheiro,
S. Mateus de Madail,
cortai os dentes às pulgas,
que não me deixam dormir...
Murtosa
Não quero saia de chita,
podem chamar-me senhora;
quero saia de mandil,
que é trajo de lavradora.
Assequins, Águeda
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Ó pedras desta calçada,
levantai-vos e dizei
quem vos passeia de noite,
que eu de dia bem sei!...
Oliveira do Bairro
Que vale o dinheiro ò rico,
Para o ter amontoado?!
Se quem o tem é feliz,
quem o adora é desgraçado.
Aveiro
Ó meu rico S. Gonçalo,
costas viradas ao Norte,
se me chegar a casar,
não me dês nenhum calote...
Pardelhas
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S. Pedro foi pescador,
as redes ao mar lançou;
o S. Paio da Torreira
também as redes puxou.
Murtosa
Para a tua rouquidão
eu remédio te vou dar:
aguardente e açúcar,
quando te fores deitar.
Águeda
Ó senhor arrais do barco,
salte fora, venha ver,
venha ver a sua filha,
que se vai arreceber.
Aveiro
O Senhor da Serra é meu,
que o ganhei ao serão,
a fiar na minha roca,
no mais fino algodão!
Vale d'Aquele, Águeda
O meu coração é terra
hei-de mandá-lo lavrar,
p’ra semear os desejos
que tenho de te falar!
Macieira de Alcoba
– Minha mãe, quero casar.
– Ó filha, diz-me com quem.
– Minha mãe, cum alfaiate.
– Ó filha, alfaiata-o bem...
Aveiro
Eu hei-de ir ao S. Geraldo
com a minha carapuça;
quem tem raiva que enraiveça,
quem tem catarro que tussa.
Águeda
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Lá vem um barco à vela,
lá vem a sardinha fresca,
lá vem o meu amorzinho
sentadinho numa cesta.
Águeda
'Stamos a chegar ò Bico,
à praia dos pescadores;
à semana são mosquitos,
ò domingo só doutores...
Murtosa
Ó moço da calça branca,
erga o pé, que suja a meia;
vá casar à sua terra,
num case na terra alheia.
Cabomonte, Feira
Não me queres por ser pobre,
eu a ti por seres judeu;
olha a diferença que faz
o meu sangue para o teu!
Assequins, Águeda
Moliceiros arrastados,
que andais no rio a fazer?
– Às marés de trinta e cinco,
não ganhais para comer.
Murtosa
O tocador da viola
há-de mister um caldinho;
feito pela mão do gato,
botado num caqueirinho...
Aveiro
Indo eu para o estudo,
atirei co’ livro ao Cais;
namorei-me dos teus olhos,
estudo não quero mais.
Aveiro
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O «Cancioneiro de Águeda» numa
exibição ao ar livre. Aliando à pureza das danças o casticismo
da indumentária e da música genuinamente popular a letra sem
jaça das cantigas, o agrupamento folclórico e etnográfico
aguedense avulta, sem favor, entre os mais categorizados do
País. |
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Adeus, adeus, Costa Nova,
Adeus, ó Ria de Aveiro;
a saúde vai na mesma
e a carteira sem dinheiro...
Águeda
Eu hei-de ir ao S. João,
ao S. João da Bairrada;
hei-de lá dormir um sono
debaixo da ramalhada.
Paredes, Águeda
Das filhas da minha mãe
eu fui a mais infeliz;
as outras todas casaram,
só a mim ninguém me quis.
Aveiro
Do Algarve vem o figo,
de Santarém o azeite,
de Pardilhó vem o trigo,
do Bunheiro vem o leite.
Murtosa
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Adeus terra de Salreu,
com S. Martinho defronte;
as saudades que eu levo
são da Senhora do Monte...
Estarreja
Fui-me confessar ao Carmo,
comungar aos Capuchinhos;
deram-me de penitência
mais abraços que beijinhos...
Aveiro
Adeus cidade do Porto...
Ó rua da Boavista,
onde passa o D. Miguel
mai-Ia tropa realista.
Cabomonte, Feira
Tanto me dói a cabeça
que me quer cair no chão;
dai-me mais uma pinguinha,
quer ela caia quer não...
Fermentelos
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Costa Nova nada vale,
Aveiro vale um vintém;
Ílhavo vale um cruzado
p'las lindas moças que tem.
Ílhavo
Coitadinho de quem morre
se pró Paraíso não vai;
quem cá fica logo come,
a pena logo se vai...
Oliveirinha do Vouga
As lavadeiras à noite
lavam os seus aventais
pra fazer travesseira
no meio dos areais.
Águeda
Cana verde, ó cana verde,
cana verde de Ferrães;
ainda não estou casada,
já me dão os parabéns!
Fermentelos
A entrada desta rua,
logo mesmo à entrada,
está uma pereirinha nova,
qu'inda não foi abanada...
Assequins, Águeda
Abaixa-te, ó Paradela,
que eu quero ver Oliveira;
quero ver minha madrinha,
a Senhora a Amoreira,
Casal d'Álvaro, Águeda
Venho mesmo admirada
do preço que os homens têm;
inda agora me ofereceram
catorze por um vintém...
Aveiro
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A Senhora da Saúde
prometeu, e há-de dar,
raminhos pra fazer sombra,
rapazes pra namorar.
Macieira de Alcoba, Águeda
'Stamos a chegar ao Bico,
à terra do bragagão;
os rapazes mais bonitos
é os filhos do Galvão.
Murtosa
Quatro coisas quer o amo
do criado que o serve:
deitar tarde e erguer cedo,
comer pouco e andar alegre!
Aveiro
Viva a malta, viva a malta,
viva a malta, trema a terra;
que venham cá os de Aveiro,
que esta malta não se arreda!
Águeda
Estudante deixa as aulas
e vem para o meu jardim;
mais vale um ano de amor
do que sete de latim.
Aveiro
Os teus olhos, ó Maria,
quando se encontram cos meus,
dizem coisas, dizem coisas,
ai Jesus! Valha-me Deus!...
Águeda
Estou rouca, enrouqueci,
mal haja a rouquidão,
que não me deixa cantar
à minha satisfação.
Aveiro
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Compilação de M. Berta |
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