Publicamos hoje na secção VÁRIA o
projecto de regionalização administrativa elaborado pelo MAl.
Sobre ele entendemos oportuno adiantar desde já algumas
considerações que poderão ter o mérito de abrir entre os nossos
leitores um debate que se gostaria de ver enriquecido e
aprofundado.
Regionalizar porquê e para quê?
O subdesenvolvimento de vastas
zonas do país em contraste com outras (poucas) próximas do grau de
desenvolvimento médio europeu é, infelizmente, um facto
indesmentível a pedir urgente solução.
Terá o projecto do MAI o condão de
resolver o problema?
Dentre as causas profundas da
situação referida avultam necessariamente, por um lado, a
inexistência de um plano sério de desenvolvimento global do país
e, por outro, a tendência extremamente centralizadora e
autoritária do regime capitalista-fascista, tendência essa aliás
inerente à própria essência do sistema.
E se à primeira se pode obviar
pela adopção de um programa desenvolvimentista de cariz
estritamente tecnocrático – o que seria apenas iludir a questão de
fundo – já a segunda só pode ser capazmente ultrapassada se houver
a intenção deliberada de lançar uma política descentralizadora de
reforço do poder local que assegure aos cidadãos a possibilidade
de participar activamente na gestão dos interesses que mais
directamente dizem respeito ao seu quotidiano.
Não vemos muito claramente que
este último desideratum se alcance no projecto do MAl.
Quer dizer: as causas do
subdesenvolvimento de vastas zonas do país não residem na actual
divisão administrativa.
Para nós o principal «defeito» do
projecto é o de ele surgir como obra acabada – passe a contradição
– «esquecendo» todo um trabalho que está por fazer de
democratização e dinamização da vida municipal, – isto dando como
assente que o concelho, sendo uma realidade sociológica e política
profundamente enraizada nas massas, deve ser o pilar fundamental
da organização político-administrativa do território.
Assim, democratizar os municípios,
conceder-lhes autonomia política e financeira que lhes permitam
realizar cabalmente as suas atribuições é para nós a tarefa
prioritária a empreender.
E porquê a extinção pura e simples
dos distritos? Estará demonstrada irrefutavelmente a sua
inadequação à realidade sócio-política do país? Têm eles sido
factor de emperramento do desenvolvimento regional ou contribuído
para a assimetria e anarquia desse desenvolvimento? São eles
circunscrições artificiais ao arrepio do sentir das populações?
Não estará o projecto do MAl a «deixar entrar pela porta o que fez
sair pela janela», quando preconiza a criação de agrupamentos de
concelhos?
Os distritos criados pela lei de
25 de Abril de 1835 têm uma certa tradição no nosso país e quase
todos revelaram possuir uma identidade própria, bem caracterizada,
razoavelmente adequada aos condicionalismos geográficos,
económicos e sociais dos seus territórios. O distrito de Aveiro,
por exemplo, pela pujança da sua economia, do seu comércio, da sua
indústria, da sua agricultura, pelos seus valores culturais é
motivo de orgulho das suas gentes que dificilmente aceitarão a
divisão administrativa proposta. E isto não por um bairrismo
balofo que nada justifica, mas por corresponder a um sentir
colectivo que se crê lúcido e consciente.
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Tal não significa que não devam ser
revistos os órgãos da administração distrital no sentido que se
preconiza para os municípios ou até que se alterem eventualmente as
actuais delimitações dos distritos de acordo com critérios
objectivos e conformes as aspirações profundas dos povos.
No estado em que se encontram os
órgãos da administração distrital é que não podem continuar; e pena
foi que (em Novembro de 1974) um projecto do Ministério COSTA BRAZ
não tivesse vindo a lume. Esse projecto, essencialmente pragmático,
mantinha a actual estrutura administrativa do país, procurava
dinamizar a administração local e distrital e fazia participar
(inovação) nas comissões de planeamento delegados regionais de
vários Ministérios com competência e capacidade de decisão
equivalentes grosso modo às de Director Geral, estabelecendo ao
mesmo tempo a necessária articulação entre os distritos e as
comissões regionais de planeamento.
Era um projecto pouco ambicioso com
algumas deficiências facilmente corrigíveis, mas que teria o mérito
de atempadamente contribuir para a superação rápida de um certo
anquilosamento que a administração pública sofreu após o 25 de Abril
e do qual ainda não se libertou totalmente.
É natural pois que quem tenha
desenvolvido algum esforço na solução casuística dos problemas que
diariamente se põem à administração e que quem tenha vivido
intensamente as vicissitudes do nosso processo revolucionário se
mostre um pouco céptico quanto à adopção de um projecto muito
elaborado e ousadamente inovador em detrimento de uma solução mais
realista, portanto mais pragmática.
O que se diz não significa de forma
alguma que se esteja contra o princípio da regionalização. O que
entendemos é que só se deve chegar à região depois de reforçar e
reorganizar o poder local e os órgãos intermédios nomeadamente as
juntas distritais.
As regiões, de imediato, não
deveriam ser mais do que centros de aglutinação de interesses e
esforços virados para a planificação do desenvolvimento regional.
Às regiões, como verdadeiras
autarquias, se chegará sem marchas forçadas através da discussão
pública e participada das populações interessadas e como resultante
de uma vontade livre e conscientemente assumida por intermédio dos
órgãos populares de base e outros órgãos representativos.
Às palavras desalinhavadas e
porventura algo polémicas, que aqui deixamos gostaríamos de ver
suceder os depoimentos daqueles que, conhecedores e interessados na
realidade sociológica do nosso distrito, desejem participar na
discussão de um problema que a todos diz respeito e que pode vir a
marcar profundamente as nossas vidas e as vidas dos nossos filhos.
Aqui fica, pois, o convite.
António Neto
Brandão |