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N.º 20

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Dezembro de 1975 

Nota de Abertura

Publicamos hoje na secção VÁRIA o projecto de regionalização administrativa elaborado pelo MAl. Sobre ele entendemos oportuno adiantar desde já algumas considerações que poderão ter o mérito de abrir entre os nossos leitores um debate que se gostaria de ver enriquecido e aprofundado.

Regionalizar porquê e para quê? 

O subdesenvolvimento de vastas zonas do país em contraste com outras (poucas) próximas do grau de desenvolvimento médio europeu é, infelizmente, um facto indesmentível a pedir urgente solução.

Terá o projecto do MAI o condão de resolver o problema?

Dentre as causas profundas da situação referida avultam necessariamente, por um lado, a inexistência de um plano sério de desenvolvimento global do país e, por outro, a tendência extremamente centralizadora e autoritária do regime capitalista-fascista, tendência essa aliás inerente à própria essência do sistema.

E se à primeira se pode obviar pela adopção de um programa desenvolvimentista de cariz estritamente tecnocrático – o que seria apenas iludir a questão de fundo – já a segunda só pode ser capazmente ultrapassada se houver a intenção deliberada de lançar uma política descentralizadora de reforço do poder local que assegure aos cidadãos a possibilidade de participar activamente na gestão dos interesses que mais directamente dizem respeito ao seu quotidiano.

Não vemos muito claramente que este último desideratum se alcance no projecto do MAl.

Quer dizer: as causas do subdesenvolvimento de vastas zonas do país não residem na actual divisão administrativa.

Para nós o principal «defeito» do projecto é o de ele surgir como obra acabada – passe a contradição – «esquecendo» todo um trabalho que está por fazer de democratização e dinamização da vida municipal, – isto dando como assente que o concelho, sendo uma realidade sociológica e política profundamente enraizada nas massas, deve ser o pilar fundamental da organização político-administrativa do território.

Assim, democratizar os municípios, conceder-lhes autonomia política e financeira que lhes permitam realizar cabalmente as suas atribuições é para nós a tarefa prioritária a empreender.

E porquê a extinção pura e simples dos distritos? Estará demonstrada irrefutavelmente a sua inadequação à realidade sócio-política do país? Têm eles sido factor de emperramento do desenvolvimento regional ou contribuído para a assimetria e anarquia desse desenvolvimento? São eles circunscrições artificiais ao arrepio do sentir das populações? Não estará o projecto do MAl a «deixar entrar pela porta o que fez sair pela janela», quando preconiza a criação de agrupamentos de concelhos?

Os distritos criados pela lei de 25 de Abril de 1835 têm uma certa tradição no nosso país e quase todos revelaram possuir uma identidade própria, bem caracterizada, razoavelmente adequada aos condicionalismos geográficos, económicos e sociais dos seus territórios. O distrito de Aveiro, por exemplo, pela pujança da sua economia, do seu comércio, da sua indústria, da sua agricultura, pelos seus valores culturais é motivo de orgulho das suas gentes que dificilmente aceitarão a divisão administrativa proposta. E isto não por um bairrismo balofo que nada justifica, mas por corresponder a um sentir colectivo que se crê lúcido e consciente. / 4 /

Tal não significa que não devam ser revistos os órgãos da administração distrital no sentido que se preconiza para os municípios ou até que se alterem eventualmente as actuais delimitações dos distritos de acordo com critérios objectivos e conformes as aspirações profundas dos povos.

No estado em que se encontram os órgãos da administração distrital é que não podem continuar; e pena foi que (em Novembro de 1974) um projecto do Ministério COSTA BRAZ não tivesse vindo a lume. Esse projecto, essencialmente pragmático, mantinha a actual estrutura administrativa do país, procurava dinamizar a administração local e distrital e fazia participar (inovação) nas comissões de planeamento delegados regionais de vários Ministérios com competência e capacidade de decisão equivalentes grosso modo às de Director Geral, estabelecendo ao mesmo tempo a necessária articulação entre os distritos e as comissões regionais de planeamento.

Era um projecto pouco ambicioso com algumas deficiências facilmente corrigíveis, mas que teria o mérito de atempadamente contribuir para a superação rápida de um certo anquilosamento que a administração pública sofreu após o 25 de Abril e do qual ainda não se libertou totalmente.

É natural pois que quem tenha desenvolvido algum esforço na solução casuística dos problemas que diariamente se põem à administração e que quem tenha vivido intensamente as vicissitudes do nosso processo revolucionário se mostre um pouco céptico quanto à adopção de um projecto muito elaborado e ousadamente inovador em detrimento de uma solução mais realista, portanto mais pragmática.

O que se diz não significa de forma alguma que se esteja contra o princípio da regionalização. O que entendemos é que só se deve chegar à região depois de reforçar e reorganizar o poder local e os órgãos intermédios nomeadamente as juntas distritais.

As regiões, de imediato, não deveriam ser mais do que centros de aglutinação de interesses e esforços virados para a planificação do desenvolvimento regional.

Às regiões, como verdadeiras autarquias, se chegará sem marchas forçadas através da discussão pública e participada das populações interessadas e como resultante de uma vontade livre e conscientemente assumida por intermédio dos órgãos populares de base e outros órgãos representativos.

Às palavras desalinhavadas e porventura algo polémicas, que aqui deixamos gostaríamos de ver suceder os depoimentos daqueles que, conhecedores e interessados na realidade sociológica do nosso distrito, desejem participar na discussão de um problema que a todos diz respeito e que pode vir a marcar profundamente as nossas vidas e as vidas dos nossos filhos.

Aqui fica, pois, o convite.

António Neto Brandão

 

páginas 3 e 4

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