LUGAR DE JUSTAS
H
CAPELA DE TODOS OS SANTOS
1
Descrição
Para nascente do terreno onde está
implantado o edifício que serviu de cadeia comarcã, há um pequeno
caminho que liga a rua do Dr. Santos Carneiro com o lado nascente do
cemitério local.
A faceá-lo pelo poente e a pouca
distância desta rua existem os restos desta velha capela, que foi
convertida em habitação de caseiros e presentemente, serve de
arrecadação de produtos agrícolas.
O seu passado está atestado na
frontaria.
O portal de entrada está trabalhado
ao sabor da cantaria das janelas da casa do capelão, sobre a
sacristia da capela de Nossa Senhora da Encarnação, junto ao
castelo, reconstruída pela condessa da Feira, D. Joana Forjaz
Pereira de Meneses, em 1656 e da janela que se abre na torre sul da
igreja matriz, ainda em construção no meado do século XVIII, o que
tudo
/ 56 /
corresponde a um período
compreendido entre os meados do século XVII e os meados do século
XVIII e convém considerar no estudo da história desta capela e casa
de Justas.
O mesmo pormenor foi aproveitado
para a cantaria das janelas do edifício do tribunal, quando há anos
foram reconstruídas as suas paredes.
Capela de Todos os Santos, em Justas.
Capela de Todos os Santos, em Justas. O
Brasão
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Esta capela está encimada por uma
cruz, hoje partida, sobre um plinto, na convergência de dois panos
de cantaria que descem até às suas paredes laterais.
Sobre aquele portal de entrada está
aplicada uma pedra de armas, onde estão representadas, no primeiro e
quarto quartéis, as dos Leitões e, no segundo e terceiro, as dos
Coelhos, motivos de muito interesse para este estudo.
Esta pedra de armas é simples e não
tem elmo, nem timbre, terminando, em cima, em ponta formada por duas
curvas reentrantes.
Para sul, desenvolve-se a casa,
formada de rés-do-chão e primeiro piso, este servido por um portal
que deita para uma velha escadaria que a separa da capela.
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Está arruinada mas ainda tem sinais
da sua antiguidade, como sejam este portal, duas janelas com
varandas (hoje transformadas em simples janelas) voltadas para
nascente e uma outra voltada para sul, (prejudicada pelo seu
estreitamento), todas do mesmo estilo e trabalhadas como aquele
portal de entrada da capela.
Ainda se encontram velhos degraus
muito consumidos e um portal a sul que parece ter pertencido ao
pátio ou a dependências exteriores da casa, além de outras pedras
aparelhadas.
A casa destina-se a habitação e
serve terrenos destinados à agricultura, cultivados pelos caseiros
que lá vivem.
As fotografias que se publicam dão
maior clareza à narração.
Na parte traseira da capela (para
poente) há uma escada para o exterior, que me parece ser
relativamente moderna (posterior à profanação da capela), pois o
interior da parede, onde está aberta, devia ter sido ocupado pelo
altar.
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Capela de Todos os Santos e casa, em
Justas.
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2
História
Como geralmente sucede, em casos
similares, a história desta capela está intimamente ligada à da casa
de que faz parte e à da família a que pertencia.
Os conhecimentos que temos dela são
escassos, fragmentados e sem a necessária continuidade, pelo que
tenho que me socorrer de pequenas notícias, de factos
/ 57 /
ligados à vida dos seus
diversos proprietários e outros elementos de diversa ordem, como
quem está a recolher cacos de uma peça desmantelada, que se procura
reconstituir.
Para isso, passo a destacar pessoas
e acontecimentos que interessam a este trabalho, integrando-os, o
mais aproximadamente possível, nas épocas a que, respectivamente,
respeitem, para depois tirar conclusões que, quando se não possam
fundamentar em juízo de certeza, ao menos o possam ser no de uma
aproximação e verosimilhança aceitáveis, o que será oferecido à
consideração do leitor.
*
* *
Para o descritivo da linha de
sucessão tomo, como ponto de partida, Gaspar Leitão Coelho (pai),
filho de Feliciana Coelho Campos e de seu marido João Soares Leitão,
por aquele ser o primeiro da família que, em si, reuniu o ramo dos
«Coelhos» ao dos «Leitões», cujas armas ornam o brasão da capela.
Casa de Justas – Frente nascente
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Casou, pela primeira vez, com
Cecília Pinto de Melo, filha de Pedro Melo Soares, o do púcaro e de
sua mulher Briolanja Pereira e, pela segunda vez, em 1586, com Eva
Machado, filha de Sebastião Lopes e de Joana Fogaça, conforme data
referida pelo Dr. Vaz Ferreira no seu estudo sobre a Feira, ainda
inédito, existente na Biblioteca Municipal da Feira.
Por morte deste Sebastião Lopes, em
1590, partilharam-se os seus bens e a viúva doou, à filha Eva e ao
genro Gaspar Leitão Coelho (pai), a sua parte nas propriedades em
Gaiate e Cesar:
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«Casou 2.ª vez com Eva Machado f.ª
de Sebastião Lopes Pacheco, com a qual lhe derão em dote a q.ta
de Cesar e Gaiate a qual lhe deixou seu sogro pelo t.º do ano de
1590 com certos encargos e por esta m.er forão seus
descendentes Sr.es de Gayate» (Felg. Gaio – cit. ob. tomo
XI, pág. 195).
Casa de Justas – Frente nascente.
Antigas sacadas.
Sobre este Gaspar Leitão Coelho e
sua família falou o Dr. Vaz Ferreira não só naquele seu estudo, mas
ainda em outros que intitulou «O Marquês de Pombal oriundo da Feira»
e «Brasão de Justas, D. Inez de Castro e Calendário Romano»,
publicados no «Arq. Dist. de Aveiro», respectivamente no vol. XI –
pág. 174 e vol. XIII – pág. 114.
Convém esclarecer que, em seu dizer,
estes trabalhos, em parte, fundamentam-se em conhecimentos
/ 58 /
que colheu em detalhe, por
notas manuscritas de ignoto informador, à margem do exemplar do «Theatro
Genealógico», arquivado na Biblioteca Municipal da Feira.
Este livro, a que adiante me refiro,
foi oferecido ao Dr. António Augusto de Aguiar Cardoso pelo seu
primo Carlos Américo de Aguiar, genro do Dr. José Henriques
Pinheiro, a quem parece que ele pertenceu.
O Dr. Vaz Ferreira ainda informa que
quase todos os exemplares existentes deste livro «se encontram
anotados e acrescidos com indicações por vezes muito interessantes».
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Casa de Justas – Escadas |
Casa de Justas – Frente sul. Antiga
varanda e portal do pátio.
O que possuo não tem qualquer
anotação.
Seria conveniente comparar as
anotações dos diversos exemplares a fim de se poder alcançar
elementos que nos pudessem ajudar na averiguação da veracidade dos
seus dizeres e da autenticidade das fontes de onde emanam.
Carta genealógica da Família
Leitão-Coelho
Até lá temos que as olhar com a
devida reserva, sempre sujeitas à confirmação por Melo de texto ou
notícia que, por sua natureza, mereçam confiança.
O Dr. Vaz Ferreira, no citado
«Arquivo», no artigo «O Marquês de Pombal oriundo da Feira», diz a
pág. 174 e 175: «A D. Cecília morreu deixando o viúvo e filho, ambos
Gaspar Leitão Coelho, a viverem em Arrifana, freguesia do concelho
da Feira, à borda da estrada de Lisboa ao Porto e confinante com S.
João da Madeira».
No dizer de Felg. Gaio, cit. ob.
tomo IX – pág. 126, este Gaspar Leitão Coelho (pai) era «senhor de
Cesar e Gaiate e pessoa de respeito na terra da Feira, acrescentando
no tomo XI – pág. 194,: «...pelos anos de 1551 e vivia como Fidalgo
segundo se mostrou na causa de Monte Alvão que seus descendentes
correram com Gonçalo Cristóvão, Sr. da Casa de Sergude, e naquela
vila teve um of.º de T.am de Notas q naquele tempo
exercião pessoas de qualidade...»
Segundo o Dr. Vaz Ferreira, como
adiante me refiro, ele faleceu em 1598.
Foi «enqueredor», contador e
escrivão na comarca da Feira.
Para melhor entendimento, publico
uma carta genealógica desta família, de onde facilmente se poderão
conhecer as relações de parentesco entre as várias pessoas referidas
neste estudo, dispensando-me, assim, de fazer referência especial a
todos os seus membros.
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Destacarei, contudo, alguns
deles pelo interesse que isso merece.
A autenticidade de alguns desta
genealogia está contrariada na «História Genealógica Portuguesa» –
Livro 3.º – n.º 22, pág. 10.
A que coligimos neste trabalho
merece-nos plena preferência.
*
* *
Quanto aos ascendentes de Gaspar
Leitão Coelho (pai), posso esclarecer o que passo a expor.
Seu pai – João Gomes Leitão,
foi escrivão da Câmara Municipal de Pinhel, como refere Felg. Gaio,
na cit. ob. – tomo XVII – pág. 41 – e sua mãe – Feliciana Coelho
Campos – descendia, em linha recta e varonil, de Pedro Coelho, um
dos assassinos de Inez de Castro, a quem o rei D. Pedro mandou
arrancar o coração pelas costas.
João e Feliciana ainda viviam em
1586 (Arq. Dist. Aveiro – vol. XVI – pág. 211).
Estes tiveram, como filho mais
velho, o Dr. Lourenço Coelho Leitão – Desembargador da Relação do
Porto (Felg. Gaio – cit. obra – tomo XI – pág. 182).
Pedro Coelho casou com Aldonça
Vasques, filha de Vasco Pereira e de Inez Lourenço da Cunha, ele
filho de D. Gonçalo Pereira e de Urraca Vasques que, além daquele
Vasco, tiveram outro de igual nome, que foi o pai de D. Álvaro
Pereira que, por sua vez, foi pai de D. Nuno Álvares Pereira.
Assim, o Vasco – pai de D. Aldonça –
era irmão do célebre Gonçalo Pereira, que começou a sua vida pública
como prior desta freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira, em 1296,
sendo, depois, deão da Sé do Porto, bispo eleito de Évora, bispo de
Lisboa (em 21 de Agosto de 1322) e arcebispo de Braga.
Morreu a 3 de Março de 1358.
Em 1336 comparticipou na derrota do
exército castelhano de D. Fernando Rui de Castro, quando invadiu
Portugal, tomou parte na batalha do Salado em 30 de Outubro de 1340
e foi medianeiro nas pazes feitas entre D. Afonso IV e seu filho D.
Pedro I.
Pedro de Melo Soares (pai da
primeira mulher de Gaspar Leitão Coelho – pai –, de nome Cecília
Pinto de Melo) passou à história com a alcunha de «o do púcaro»: foi
Alcaide-Mor de Pinhel, Comendador-Mor de Avis e instituidor do
morgado de S. Paulo e criado de D. João II (Crónica de D. João II –
Garcia de Resende – Cap. 86, fIs. 58).
O Dr. Vaz Ferreira diz-nos no citado
estudo – «Brasão de Justas...» (Arq. vol. XIII – pág. 114), o que o
visconde Júlio Castilho refere na sua «Lisboa antiga», tomo III da
2.ª parte, pág. 20, quanto a este Soares:
«Como se sabe, serviam à mesa dos
monarcas os primeiros senhores da corte. Estava uma vez de serviço
Pedro de Melo (filho do 7.º senhor de Melo, Martim Afonso de Melo e
de Brites de Sousa). Quando atravessava a sala desequilibra-se,
talvez por dar nalgum tapete, inclina a salva e deixa cair ao chão,
fazendo-lhe em estilhas, o malfadado púcaro que el-rei pedira e
esperava. Riso geral nos circunstantes: confusão indizível no
acabrunhado servidor. Então el-rei (alma grande! nas pequenas coisas
é que elas se mostram!) franzindo o sobrolho, com um franzir que ele
sabia, que era de fazer estremecer as carnes, exclamou firme e
severo com seu modo vagaroso e no tom nasalado que lhe atribui
Resende: – A que vem tanto riso? Caiu sim, o púcaro da mão de Pedro
de Melo, mas isso que mostra? Nunca lhe caiu do punho a sua valente
espada: essa não.
Basta às vezes um dito assim para
ressuscitar um morto. Daí avante, ficou ao Melo a invejável alcunha
de «o do púcaro» e por ela é conhecido».
Este Pedro Melo Soares foi casado
com Briolanja Pereira.
O padre frei João da M.ª de Deus,
diz que sua mulher se chamava Briolanja Andorinho, filha de Fernão
Pinto, da quinta de Real e de sua mulher Brites Lopes Andorinho.
Felg. Gaio, na cit ob. – tomo XVIII, pág. 152, § 29, n.º 11, remete
para t.º de Pintos § 44, mas entende que a filiação mais certa, não
é esta mas a que refiro na carta genealógica da «Família
Leitão-Coelho».
*
* *
Quanto à descendência do Gaspar
Leitão Coelho (pai).
Do seu casamento com Eva Machado não
teve filhos, mas de sua primeira mulher Cecília teve, pelo menos
dois: um de igual nome que casou com Joana de Mesquita e outro –
António Soares Coelho, casado com Brites Viveiros da Costa.
A este Gaspar Leitão Coelho (filho),
licenciado em Direito que veio a ser desembargador, o pai Gaspar e
sua segunda mulher Eva, deixaram, em «testamento eadem carta» ou de
«mão comum», aqueles bens de Gaiate e Cesar, com encargo de missas
por alma de ambos na igreja de Arrifana.
/ 60 /
Casou com Joana de Mesquita, filha
de Sebastião Sucena de Azevedo e de Jerónima de Mesquita.
O Dr. Vaz Ferreira, no seu
mencionado artigo «O Marquês de Pombal oriundo da Feira» diz que
este Gaspar, depois de casar «passa a residir na Casa de Justas,
onde lhes nasceu uma filha D. Luísa».
Não sei onde encontrou esta notícia:
por certo foi nas anotações ao citado livro «Theatro Genealógico».
Com respeito a este Gaspar Coelho
diz, ainda, em «Brasão de Justas...»:
«Dele só averiguei ter sido um dos
signatários do acordão de 23 de agosto de 1607, absolvendo uma
Antónia da Costa de ter dado uma tremenda bofetada num alcaide que
lhe levantara as saias, com o pretexto de verificar qualquer
infracção das leis reguladoras do luxo dos vestidos. Conta o caso
Ribeiro Guimarães no «Sumário de Vária História».
Comenta, em seguida: «Este segundo
Gaspar não posso afirmar que nascesse na Casa de Justas: mas é
possível que o pai Gaspar lá vivesse no tempo da primeira mulher e
antes de ir morar na freguesia de Arrifana».
Aquela D. Luísa – Luísa de Melo –
casou com Sebastião de Carvalho, filho de outro Sebastião de
Carvalho, que foi desembargador do Paço em 1554 (Felg. Gaio – cit.
obra, tomo IX, pág. 126) e de sua mulher D. Maria de Braga de
Figueiredo.
Luísa de Melo trouxe ao casal os
referidos bens de Gaiate e de Cesar e, deste modo, o marido,
desembargador como o pai, passou a intitular-se senhor da «honra de
Gaiate» e da «torre de Cesar», trazidas ao casal por cabeça de sua
mulher e acrescentasse o Melo nobilitante ao nome do filho de ambos»
(Dr. Vaz Ferreira, cit. artigo sobre o Marquês de Pombal).
«Este filho» diz respeito a
Sebastião de Carvalho e Melo que teve de sua mulher D. Leonor Maria
de Ataíde – Manuel de Carvalho e Ataíde, que casou com Teresa Luísa
de Mendonça e foram os pais do primeiro Marquês de Pombal –
Sebastião José de Carvalho e Melo.
O Dr. Vaz Ferreira, depois de supor
que aquele Sebastião de Carvalho e Melo tinha nascido na Casa de
Justas – afirma, ainda, quanto a ele: «O certo é que ele veio à
Feira em 1660 inquirir testemunhas no pleito para haver uns morgados
na posse dos herdeiros de Martim Teixeira Coelho de Melo, senhor da
vila da Teixeira e Sergude...»
Mais adiante diz: «no articulado que
li, impresso, dessa questão se alega – que o Suplicado (Sebastião de
Carvalho e Melo) se fazia natural da Vila da Feira, onde foram
avaliar os bens que ficaram de D. Luísa de Melo, e que esta
naturalidade tinha o suplicado justificado e que nele se fundava»
(cit. trabalho inédito).
E acrescenta, insistindo: «A D.
Luísa de Melo não há dúvida de que era da Feira e filha do
licenciado Gaspar Leitão Coelho, desembargador e de sua mulher D.
Joana de Mesquita. Viviam na casa de Justas e aí teria nascido a D.
Luísa e até o filho desta, avô do grande marquês».
O Dr. Vaz Ferreira torna-se
peremptório no seu referido artigo sobre o «Brasão de Justas» quando
afirma: «A filha do desembargador Gaspar, D. Luísa de Melo e o filho
desta, Sebastião de Carvalho e Melo é que com certeza viveram ali
naquele solar».
O Sebastião de Carvalho e Melo foi o
que iniciou o grande pleito, já referido, que se denominou «demanda
de Monte Alvão», contra Martim Teixeira Coelho de Melo, senhor da
Vila de Teixeira e de Sergude, para se apossar de certos morgados,
com o fundamento de lhe pertencerem na qualidade de bisneto do
falado Gaspar Leitão Coelho (pai) para o que dava, falsamente, como
filho de Gonçalo Pires Coelho, donatário de Felgueiras e de Vieira e
de sua mulher D. Violante de Magalhães.
Este pleito teve um curso
prolongado, acabando pela improcedência da acção.
O Carvalho e Melo chegou a esmorecer
na sua combatividade e vendeu os bens de Gaiate e Cesar ao fidalgo
do Côvo – António de Magalhães e Meneses, mas seu filho, o referido
Manuel de Carvalho e Ataíde, pai do Marquês, redobrou de energia e
deu novo e vigoroso impulso ao pleito.
O procedimento dos Carvalhos foi
sempre muito censurado, nomeadamente no tocante a este Ataíde que
foi acusado de ser o autor do já mencionado livro «Theatro
Genealógico» que contém as «arvores de costados das principais
famílias do Reino de Portugal, e suas conquistas» com a inscrição de
uma falsa autoria atribuída, em fantasia, a «D. Tivisco de Nasao
Zarco, y Colona» e de uma não menos falsa referência ao lugar e data
da emissão: «Nápoles. Por Novelo de Bonus. Ano MCXII».
Neste livro já se inclui o nome do
Marquês.
Felg. Gaio, na cit. obra – tomo IX –
pág. 126 e 127, informa: «Alguns quiseram que estes Carvalhos, como
eram muito ardilosos antes de moverem aquela cauza de Monte Alvão
andaram por casa de alguns genealógicos mostrando alguns
instrumentos em pergaminho antigo por eles mesmos fabricados os
quais instrumentos os mesmos genealógicos lançaram em seus livros,
de que depois se tiraram certidões, e ainda que eles
/ 61 /
juraram que o que tinham
escrito fora pelos papeis que aqueles lhe tinham mostrado e que nos
seus livros antes de se lhe mostrarem aqueles pergaminhos não
constava a tal ascendência da casa de Sergude...»
Este autor não alinha pelas
falsificações atribuídas a uma e outra parte.
Também se opinou que aquele livro do
Carvalho e Ataíde teve por fim – com seus erros – iludir e
influenciar a justiça quando a causa já estava – quanto à sua tese –
a resvalar por um plano muito inclinado.
Este livro foi apreendido em Agosto
de 1703 e não em 1713 como, por equívoco, se afirma no volume quinto
do «Dicionário Bibliográfico» de Inocêncio Francisco da Silva.
O Dr. Vaz Ferreira, além de dar esta
informação no seu aludido estudo ainda inédito, nele comenta quanto
ao desfecho do pleito: «Desenvencilhou-se a meada e veio a pôr-se a
claro que o Gaspar Leitão Coelho primitivo em vez de entroncar nessa
nobre ascendência (de Diogo de Melo Pereira), era um fidalgote
provinciano decaído em escrivão de serventia, enqueredor e
distribuidor na comarca da Feira e residente em Arrifana. Devia ser
da família da Casa de Justas e talvez tivesse lá nascido porque os
senhores dela eram Coelhos, sem dúvida alguma e os descendentes do
escrivão aí voltaram a residir. Veio o ex-escrivão a morrer em 1598
e só então os bens de Cesare Gaiate, provenientes da segunda mulher,
dele passaram para o filho da sua primeira esposa. Não era possível,
portanto, que os bens de Gaiate e Cesar fossem de outro Gaspar
diverso e fidalgo nem que o marido da Eva fosse outra pessoa
separada do marido da D. Cecília Pinto: porque do pai da Eva
passaram os bens – a honra e a torre, para o filho da D. Cecília.
Lá fidalgo era o escrivão de
serventia por porvir da família de Justas e mesmo por ser corrente
nesses tempos darem-se os ofícios de Justiça aos filhos segundos de
casas nobres e aos fidalgos decaídos de fortuna...»
Depois de referir que o Manuel de
Carvalho e Ataíde se fez linhagista e escritor «para sustentação do
seu inventado direito», esclarece que o Marquês seu neto, «usando o
apelido Melo do bisavô feirense ainda por largo tempo continuou os
recursos contra os Coelhos de Melo...»
Informa ainda: «Resa a crónica
verbal cá da terra que o Manuel de Carvalho de Ataíde esteve
hospedado (o sublinhado é meu) na Casa de Justas quando veio
assistir a uma inquirição de testemunhas na sua demanda».
*
* *
Voltando, agora, ao outro ramo que
proveio de Gaspar Leitão Coelho: o do outro seu filho.
António Soares Coelho.
Casou com Brites Viveiros da Costa e
«justificou na Vila da Feira sendo juiz Pedro Borges, ser irmão de
Diogo de Melo (Felg. Gaio – cit. obra – tomo XI – pág. 195»), o que
faz crer, com visos de verdade, a sua residência nesta vila.
Daquele casamento nasceu Estêvão
Leitão Coelho, que foi tabelião na Vila da Feira e casou com Inez
Godinho de Andrade Freire.
Conheço escrituras em que ele
interveio como tabelião desde 1608 a 1632 (cit. tombo de Huete
Bacelar fls. 522, 490 e 523 v.): em 26 de Março deste último ano
lavrou a escritura de compra que a «Santa Casa da Misericórdia» fez
a Pedro Lopes, (arquivo desta Santa Casa).
Foi um dos ascendentes de Bernardo
Moreira de Vasconcelos, senhor e proprietário da «Casa da Praça» que
esteve implantada imediatamente para norte do edifício dos Paços do
concelho (meu citado estudo «Quatro Séculos de História...» –,
publicado em «Aveiro e o seu Distrito» e divulgado em separata –
pág. 295 e árvore genealógica n.º 1).
Estêvão Coelho é referido por Felg.
Gaio na sua mencionada obra – tomo XI, pág. 195 e tomo XXI, pág.
56).
Naquele tombo XI esclarece que
«Domingos Soares f.º de Lopo Soares – n.º 5 –, casou com D. Maria
Andre f.ª de Estevão Leitão Coelho da Feira e D. Ignez Godinho».
Daqui se vê que ele viveu na Feira.
Não é de admitir que fosse
proprietário daquela «Casa da Praça», pois ela veio ao Bernardo pela
linha de seu pai – Diogo Moreira de Vasconcelos – e não de sua mãe
Inez Andrade de Vasconcelos, que era a descendente do Estêvão.
A sua residência na Vila da Feira
deve estar ligada à de proprietário da casa de Justas.
Do casamento de Estêvão Coelho com
esta Inez Godinho de Andrade Freire nasceu Feliciano Leitão
Coelho.
Dele diz o cit. Gaio, no seu
referido trabalho – tomo XI – pág. 195: «§ 45 ... 27. Feliciano
Leitão Coelho f.º de Estêvão Leitão Coelho – n.º 26 – viveu na
qt.ª de Justas no tr.º da Feira (o sublinhado é meu) casou com
D. M.ª Coutinho de Almeida f.ª de Bartolomeu Pinto Gramacho e sua m.er
Franc.ca de Almeida».
/ 62 /
É bem manifesta a afirmação da
propriedade da Casa de Justas na mão de Feliciano Coelho.
Este, em 20 de Janeiro de 1707,
assinou a entrega dum traslado da escritura de 17 de Dezembro de
1566 que titulou o contrato feito entre os fregueses de S. Nicolau
da Feira e os religiosos do convento dos Loios, da congregação do
Espírito Santo, desta vila, para a transferência da sede da
freguesia da antiga igreja, no lugar da Misericórdia, para a do
mesmo convento.
Feliciano e Maria Coutinho tiveram
uma filha – Ana Maria de Viveiros que teve, do último conde –
donatário da Feira – D. Fernando Forjaz Pereira, falecido em 1700,
os seguintes filhos:
a) D. Fernando Forjaz Pereira.
b) Joaquina Maria de Meneses, casada
com Jorge Cabedo de Vasconcelos e Cunha.
c) Maria de Gusmão, casada com
António Barreto de Meneses.
d) Joana e Mécia, ambas freiras em
Arouca.
Ana Maria de Viveiros também era
conhecida por Ana Vicência Freire (Felg. Gaio – cit. ob. - Tomo XXII
– § 2.º – n.º 24, pág. 174).
Nas «Habilitações do Santo Ofício no
Distrito de Aveiro», da autoria do Dr. Jorge Hugo Pires de Lima
(cit. Arq. Dist. – Aveiro – vol. XXV, pág. 78) a propósito de
António Barreto de Meneses, fidalgo da Casa Real, cavaleiro professo
da Ordem de Cristo, diz-se: «ajustado para cazar com D. Maria de
Gusmão de Meneses, nascida na Quinta de Justas, freg. de S. Nicolau
da Vila da Feira, educando no Mosteiro de Santa Maria de Celas,
filha natural do 8.º Conde da Feira, D. Fernando Maria Forjaz de
Meneses Pimentel e de D. Ana Maria Viveiros Freire... e (neta)
materna de Feliciano Leitão Coelho e de D. Maria Coutinho, naturais
e moradores na Quinta de Justas (1699 – Foram aprovadas estas
diligências, mas não consta a data da concessão da Carta de Familiar
– António m. 37 n.º 902»).
Desconhece-se a que filho de Ana
Maria de Viveiros ficou a pertencer a Casa de Justas se, porventura,
não foi alienada por esta.
Feliciano Leitão Coelho e sua dita
mulher tiveram, ainda, outro filho – Sebastião Leitão Coelho que
ainda vivia em 1717, casado com D. Teresa..., referido no Arq. Dist.
Aveiro (vol. XVII – pág. 54), por ter sido demandado, por rendas em
dívida, pelo reitor do convento da Feira – Manoel dos Anjos (1715-17
e 1722).
*
* *
Como já afirmei, o referido Gaspar
Leitão Coelho foi senhor de propriedades em Gaiate e Cesar, formando
um grande e honroso património, sendo de admitir que tivesse sido
senhor da casa de Justas, onde, possivelmente, viveu, o que é de
crer, tendo em consideração o exercício da sua profissão nesta vila
– «enqueredor, contador e escrivão na Comarca da Feira».
Por sua vez, sabemos que ele deixou
dois filhos. Um, de igual nome – Gaspar Leitão Coelho, a quem coube,
em sucessão, o referido património de Gaiate e Cesar que, assim,
seguiu a linha deste, até que foi alienada por seu neto Sebastião de
Carvalho e Melo.
Outro, de nome António Soares
Coelho, que teve como descendentes sucessivos – Estêvão Leitão
Coelho, Feliciano Leitão Coelho e Ana Maria Viveiros, todos
residentes na Feira, estando bem esclarecido que esta e seu pai
Feliciano viveram na quinta de Justas.
Também sabemos, de certeza, quanto à
filha de Ana Maria Viveiros, de nome Maria de Gusmão, que nasceu na
quinta de Justas, como consta da «Carta de Familiar» do que foi seu
marido, António Barreto de Meneses – cujas diligências para a sua
concessão tiveram lugar em 1699.
Tudo isto me leva a crer que, do
mesmo modo como a casa de Gaiate e Cesar seguiu a linha de Gaspar
Leitão Coelho (filho), a de Justas seguiu a de seu irmão António
Soares Coelho.
Contraria este raciocínio o facto
alegado pelo Dr. Vaz Ferreira de aquele Gaspar (filho) ter vivido na
casa de Justas e aí terem nascido a filha D. Luísa e o seu filho
Sebastião Carvalho de Melo.
Estas afirmações não criam
dificuldades porque não assentam em qualquer facto averiguado.
Como já disse, não sei onde ele se
fundamenta para dar como certo o nascimento de Luísa de Melo na Casa
de Justas e outro tanto quanto ao nascimento aí "do Sebastião
Carvalho de Melo.
Por isso, não posso fundamentar
qualquer contestação, mas também não me vejo obrigado a aceitar a
tese enquanto não me for possível apreciar a verdade da sua fonte.
Admitindo, porém, que seja verdade,
assim como a vivência na mesma casa, várias hipóteses se podem dar,
que a terem-se verificado não tiram mérito à minha tese: terem,
aquelas ocorrências, tido lugar ainda em vida do Gaspar (pai), o que
não é provável, ou enquanto
/ 63 /
a herança, por morte deste,
ainda se encontrava indivisa.
O que é certo é que o próprio Dr.
Vaz Ferreira, no seu aludido trabalho inédito diz «na Casa de Justas
continuou a família representada por António Soares Coelho, irmão do
licenciado e desembargador Gaspar Leitão Coelho e filho, como já
disse, do escrivão de serventia e de Cecília Pinto».
*
* *
De todo o exposta convenço-me de que
a casa de Justas já devia pertencer à família em vida do Gaspar
Leitão Coelho (pai) que «vivia na terra da Feira, pelos anos de
1551, como Fidalgo» (Gaio, cit. obra – tomo XI – pág. 194) e faleceu
em 1598 reunindo, em si, os ramos de Leitões e de Coelhos.
Daqui é de concluir que a capela não
foi erecta antes desta união de famílias, pelo que nos diz o brasão,
embora seja de admitir que este fosse oposto na capela depois de ela
construída.
Outro elemento que nos pode elucidar
sobre a idade da capela é o já falado ornamento, de pedra lavrada,
do seu portal de entrada e nas três sacadas (hoje convertidas em
janelas) e portal da casa de habitação que, como já referi, é do
mesmo gosto e forma dos da casa do capelão junto à capela do Castelo
e da janela da torre (lado sul) da igreja matriz, do antigo convento
dos Loios, da congregação do Espírito Santo, desta vila, torre que,
como também já disse, ainda estava em construção no meado do século
XVIII (cit. ob. da P.e Jorge de S. Paulo, fls. 290 v.).
É natural que os referidos ornatos
da casa e capela de Justas se tivessem inspirado em qualquer destes
que acabo de mencionar e, presumivelmente, nos da casa do capelão.
Como a capela do Castelo foi
reconstruída em 1656 temos em jogo duas datas correspondentes aos
meados do século XVII e aos do século XVIII, mas não devemos
esquecer que a construção da torre deve ter decorrido por longos
anos e que a citada janela está na sua parte inferior.
Do «Catálogo dos Bispos do Porto» –
de D. Rodrigo da Cunha, de 1623, não consta, na relação das ermidas
desta vila, a de «Todos os Santos».
Não é para estranhar que na edição
de 1742, que se lhe seguiu, adicionada por António Cerqueira Pinto,
ainda ela não seja referida pois, como já disse, nesta edição a
segunda parte (de onde consta aquela relação) não recebeu novas
adições, por este Cerqueira Pinto, como afirmou no prólogo,
reserva-Ios para «tomo à parte».
Ajuda-nos, para ao fim desejado, o
facto de no «Episcopológio» de Pereira de Novais, concluído em 1690,
se não incluir, entre as ermidas da vila da Feira, a de «Todos os
Santos» e o de o padre Francisco de Santa Maria, no seu já falado «O
Céu Aberto na Terra» (L. II, Capo XLI – pág. 533-537), de 1697, já a
incluir entre as mesmas ermidas: «a quarta é a de todos os Santos»
Podemos, assim, situar a construção
da capela entre 1690 e 1697 e, dada a semelhança dos referidos
ornatos de pedra que se verificam entre esta e a casa, também se
pode admitir que a casa tivesse sido reconstruída ou recebido
grandes modificações nesta data.
Isto é, tudo se deve ter passado no
tempo da Ana Maria de Viveiros, hipótese que se ajusta às suposições
atrás apontadas e justifica a aposição da referida pedra de armas, o
que deveria ser muito grato aos sentimentos de nobreza do conde D.
Fernando que talvez tivesse suportado, em grande parte, se não na
totalidade, o custo das obras.
É este o nosso conhecimento até ao
fim do século XVII.
*
* *
Vejamos, agora, o que consegui
apurar desde então até hoje, que possa interessar à história desta
casa e capela.
Dois autores a ela se referem:
a) O padre António Carvalho da
Costa, na «Corografia Portuguesa», 1707 (VoI. II, pág. 107), onde
afirma existir, entre as ermidas que enuncia: «e outra de todos os
Santos»;
b) O vigário Quintela, já várias
vezes citado, em 1758, nas «respostas ao questionário para a
formação do «Dicionário Geográfico», onde diz, referindo-se às
"capelas da vila: «A quarta é de todos os Santos sita no lugar de
Justas, foi vínculo que finalizou e hoje pertence, por comprar o
dito vinculo, a Dionisio Ferreira, desta freguesia».
Este deve ser o tabelião da Feira –
Dionísio Ferreira da Silva.
Em 28 de Setembro de 1738 deu posse,
a António José Saraiva Castelo Branco, da quinta das Ribas, no lugar
do Castelo e de outras fazendas desta Vila da Feira.
/ 64 /
Entre outras escrituras
lavrou uma em 24 de Fevereiro e outra em 4 de Junho de 1739 (cit.
tombo de Huete Bacelar – fls. 82 e 231 v.).
Do já citado tombo da «Casa e Estado
do Infantado» tomamos conhecimento da residência do Dionísio
Ferreira da Silva em Justas e mesmo do seu direito de propriedade
sobre a quinta:
a) A fls. 41 v., referido a 23 de
Julho de 1753, no auto de medição de quinta do Castelo;
b) A fls. 630, com data de 2 de
Novembro de 1754 consta o «Reconhecimento do portado de uma galinha
sem ovos que fez Dionísio Ferreira da Silva e sua mulher, moradores
na sua quinta de Justas (o sublinhado é meu);
h) em 15 de Dezembro de 1755 assina,
como testemunha, no reconhecimento feito por Aires José Leitão de
Andrade da obrigação de pagamento por possuir propriedade em terras
de Senhorinha Anes, em Fijô; é dado como «de Justas».
Ficamos, assim, a saber que já em
1753 ele era senhor da casa de Justas.
Do já citado livro de visitações à
Igreja de S. Nicolau da Feira, do convento dos Lóios, consta:
a) 23 de Junho de 1754:
«Mandamos que o Administrador da Capela de todos os Santos no tempo
de seis meses para reformar o tecto da dita Capela que está
ameaçando ruina o qual mandara engessar e revocar, e caiar as
paredes, e mandara fazer uma vestimenta branca com sebartes
vermelhos, dourar a copa do calix pela p.te de dentro e
também a patena e encaixar no altar a pedra de Ara, e se assim o não
fizer o R.do Parocho debaixo da pena de suspensão passado
o dito termo pora sequestro nos bens hipotecados e pertencentes a
fabrica dela»;
b) 24 de Junho 1762 – «A
capela de Todos os Santos fique suspensa ate que se reforme
decentemente o que se fara no termo de dous meses passados os quais
o Rev.do Paroco fara sequestro nos bens aonde esta a
Capela e nela, anexos que remetera a Juizo com a relação do que lhe
e m.º, e todas as mais obras se farão no mesmo termo de tres mezes
dando o Rev.do Paroco parte a quem respeitarem do que
passara p.º Juizo Certidão e ele mesmo podera proceder contra quem
lhes impedir alguma acção paroquial e propria do seu ofício nas
mesmas Capelas com a multa de cem reis».
São estas as notícias que tenho
referentes ao século XVIII.
Estou convencido de que, quando a
capela foi construída ou pouco tempo depois, foi instituído nela um
vínculo, possivelmente pela Ana Maria de Viveiros, ou algum dos seus
descendentes que, porventura, tivesse ficado herdeiro da casa e da
capela.
Tomando em consideração o que nos
diz o vigário Quintela e sabendo-se que o Dionísio Ferreira já era
proprietário da quinta de Justas em 1753, concluo que o vínculo se
extinguiu neste ano ou anteriormente por falta de quem lhe pudesse
suceder legalmente.
Dos dizeres daquela Visitação de
1754 destaca-se o estado ruinoso em que se encontrava o tecto da
capela e o desgaste dos seus ornamentos, o que justifica, pelo tempo
decorrido, que ela tivesse sido construída há mais de meio século e
faz supor a falta de uso, talvez por ausência dos seus donos, o que
deve ter motivado a venda.
Em 1762 ainda a capela se mantinha
em péssimas condições de conservação pois nesse ano ficou suspensa,
«ate que se reforme decentemente».
Isto denota que, passados 8 anos
sobre aquela anterior visita, a capela ainda não tinha recebido os
necessários reparos.
O padre Quintela, ao mencionar – em
1758 – a extinção do vínculo, parece que quis referir-se a
ocorrência que, então se afigurava relativamente recente, outro
tanto sucedendo quanto à venda ao Dionísio Ferreira.
Este facto deve estar intimamente
relacionado com aquele, pois os administradores dum vínculo não
podiam vender os bens a ele sujeitos enquanto ele subsistisse, o que
pode explicar a indiferença com que encaravam o estado ruinoso da
capela e, porventura, da casa.
Não lhes interessava fazer obras e
não podiam livrar-se do encargo da administração; uma vez vencido
este obstáculo estava aberto o caminho para a venda desfazendo-se,
assim, de um património que não lhes convinha possuir, dada a sua
residência fora desta vila e a dificuldade de administração.
Tomo, agora, como ponto de partida,
1758, sabendo que a capela, então, pertencia aquele Dionísio
Ferreiro.
*
* *
A primeira notícia que tenho, do
século XIX, reporta-se ao testamento de 12 de Janeiro de 1849, com
que faleceu a senhora da casa de Justas, D. Brízida Barbosa de
Magalhães, pelo qual legou, aos seus sobrinhos, filhos de sua irmã
D. Maria Ana de Magalhães e a seu marido, da casa de Paçô, em S.
João de Vêr, 400 000 réis
/ 65 /
e a sua sobrinha D. Brízida
Benedita Augusta de Magalhães 6000 cruzados e a propriedade dos
Gavinhos, na Vila da Feira (hoje agregada à quinta de Fijô, dos
condes do mesmo nome) e instituiu universal herdeira, do
remanescente da sua herança, sua sobrinha D. Emília Eleana de
MagaIhães, na qual se compreendeu a casa de Justas.
A D. Brízida Benedita ainda vivia em
25 de Julho de 1888, pois o Dr. António de Castro (que veio a ser o
primeiro Conde de Fijô), quando fez descrever, nessa data, a sua
quinta de Fijô, na Conservatória do registo predial desta comarca,
indicou-a como confrontante pelo poente.
Aquela D. Emília Eleana era filha do
Dr. José Maria Gomes de Magalhães Souto, da casa do Buraco e de sua
mulher Ana Miquelina Games de Magalhães Sauto, ele filha de Jaãa
Ferreira Souta e de sua mulher, de quem a D. Emília herdou aquela
casa do Buraco, em Couto de Cucujães, por seu pai haver falecido
antes de seus avós.
Uma irmã deste Dr. José Maria, de
nome D. Maria Ana de Magalhães casou, na casa de Paçô, com Romão
José da Silva Varela Falcão Soutomaior, ligando-se, assim, às casas
de Paçô e de Justas.
Na já mencionada matriz provisória
de 1854, actualizada até 1859, está registada, como sendo da D.
Emília Heleana de Magalhães, uma propriedade formada de casa com sua
quinta pegada, sita em Justas, composta de terra de lavradio,
devesas, mato e árvores de vinho e fruta (8-3), o que deve
corresponder à casa e quinta de Justas.
Em nome de José Joaquim de Oliveira
(que era da família dos do Monte, a que pertenceu Alfredo Machado de
Oliveira, do Cavaco e Joaquim Pinto de Oliveira, de Sanfins), figura
um prédio formado de «uma morada de casas de sobrado com quintal
chamado da capela» (número 145): é de crer que este quintal tenha
pertencido à antiga casa de Justas.
D. Emília casou-se, a 25 de Outubro
de 1824, com Alexandre Luciano Soares de Albergaria, de quem teve
três filhos:
a) D. Maria José Soares de
Albergaria Tavares, que foi casada com o Dr. José Pessoa da Silva
Pinheiro Arnaut, que foram os pais de D. Maria da Assunção Soares de
Albergaria Tavares, casada com o Dr. José de Castro Falcão Pinto
Guedes Corte-Real (conde de Fijô);
b) Dr. Alexandre Soares de
Albergaria;
c) Padre João Maria Soares de
Albergaria, que foi o senhor da casa com capela, da Velha, como
adiante se verá.
Aquele Alexandre Luciano de
Albergaria Tavares, que foi senhor da casa de Refojos, em Vale de
Cambra, alcançou brasão de armas por carta de 10 de Setembro de
1827.
Nela se diz ser filho de Manoel
Benardo Soares de Albergaria, monteiro mór do concelho de Cambra e
senhor daquela casa de Refojos e de sua mulher D. Luísa Clara Soares
de Albergaria, neta paterna do capitão-mor Alexandre Bernardo Soares
de Albergaria e materno do capitão Manuel Soares Homem e de sua
mulher D. Maria Tavares.
Sobre a genealogia desta família ver
– «Soares de Albergaria (subsídios para a sua história) por Manuel
Soares de Albergaria Paes de Melo – pág. 259.
*
* *
Anoto que, como se vê da árvore
genealógica que se junta, o Alexandre Luciano de Albergaria Tavares
era descendente do já falado Lopo Soares de Albergaria e de João
Soares Homem, que foram ascendentes dos senhores de uma das casas
«da Praça» desta vila e senhores da casa de Tarei, em Travanca,
deste concelho. (Ver o meu livro já citado «Quatro Séculos de
História...» e «ainda a Praça Velha», separatas da revista «Aveiro e
o seu distrito».
Ainda quanto a estes João Soares
Homem de Albergaria e Pedro Soares de Albergaria, que damos como
filhos de Lopo Soares de Albergaria e de sua primeira mulher Leonar
de Meireles, assim o confirma o já citado Manuel Soares de
Albergaria Paes de Melo, no seu livro «Soares de Albergaria» quando
diz a pág. 252, depois de lhes dar esta maternidade: «de quem teve
os filhos que aqui lhe damos depois de termos feito um aturado
estudo comparativo dos documentos dos arquivos particulares da Casa
Soares de Albergaria, de vila da Mata e do nosso própria arquivo e
outros, com o caos genealógico em que nos lançam os diversos
genealogistas nos seus nobiliários».
Felg. Gaia, no seu cit. Nob. (tomo
XXVII – pág. 110), dá o João Soares Homem de Albergaria, como filho
do Lopo Soares de Albergaria e de Branca Coelho e, no mesmo livro e
tomo a pág. 113, menciona o Pedro Soares de Albergaria, que foi
casado com Felipa de Pinho, como bisneto e não como irmão, daquele
João Soares (ver citados livros, onde se desenvolve a respectiva
genealogia).
*
* *
Carta genealógica da Família Soares de
Albergaria.
/ 67 /
Do casamento da D. Maria José
com o Dr. José Pessoa, nasceram duas filhas:
a) D. Maria Emília Soares de
Albergaria Pessoa, que casou com o Dr. Carlos Sacadura Bote Pinto de
Mascarenhas Castelo Branco, senhor da casa da Rua Nova, na Lousã;
b) D. Maria da Assumpção Soares de
Albergaria Tavares, que casou com o conde de Fijô, Dr. José de
Castro Falcão Pinto Guedes Corte Real.
D. Maria José deixou a casa e capela
de Justas, em usufruto a esta sua filha D. Maria da Assumpção e, em
propriedade, a seu neto mais velho, filho deste conde de Fijô, de
nome Dr. José de Castro Falcão Soares de Albergaria Corte Real, que
casou com D. Leopoldina de Lemos Teixeira de Lima, já falados na
história da casa e capela de S. Bento, em Fijô, desta vila.
Por morte deste Dr. José de Castro
ficou a pertencer a seus filhos, aí mencionados, que são hoje seus
proprietários.
*
* *
Por escritura de 31 de Dezembro de
1941, os Condes de Fijô (Dr. José de Castro Falcão Pinto Guedes
Corte Real e mulher) venderam, à Câmara Municipal, uma parte da
quinta de Justas, a facear com a estrada nacional (rua Dr. José
Carneiro) para a construção da cadeia (como de facto aí se
construiu) e respectivo logradouro, inscrito na matriz rústica no
artigo 1370.
Em 16 de Agosto de 1971, a parte
rústica foi registada, na Conservatória do registo predial desta
comarca da Feira, a favor daquele Dr. José de Castro Falcão Soares
de Albergaria Corte Real como «prédio rústico composto pelos campos
da Cerejeira, da Ribeira, Lameiro, Carrapateira, Devesa, Ameia,
Matos de Cima da linha férrea, denominado Quinta de Justas, sito no
lugar de Justas, freguesia da Feira, a confrontar do nascente com o
Dr. José de Castro Falcão Soares de Albergaria Corte Real, do poente
com a avenida Dr. Santos Carneiro e caminho, do norte com Cândido
Gomes de Lima, Paulo Grau e caminho e do sul com o Dr. Vasco Tavares
Pereira de Castro Corte Real» (número 73495, a folhas 157 v do L. B.
188, com inscrição, na matriz, nos artigos 1244, 1247, 1249 e 1250).
LUGAR DA MISERICÓRDIA
I
ERMIDA DE S. NICOLAU
Havia, no outeiro onde hoje está
construída a Igreja da Misericórdia, uma ermida que julgo ter-se
chamado de S. Nicolau, pelo que passo a expor.
Por escritura de 17 de Dezembro de
1566, celebrada entre os procuradores dos fregueses da
freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira e em representação desta –
Diogo Tavares e Amador Nunes –, por um lado e os «Reverendos Padres
Loios da Congregação de São João Evangelista desta Vila da Feira»,
por outro lado, foi contratada a transferência da freguesia, da
velha igreja que estava naquele outeiro da Misericórdia, para a
igreja deste «Mosteiro Novo», onde ainda hoje se encontra, como
matriz.
Estipulou-se, entre as suas
cláusulas: «que por bem desta escritura ficaria trespassada na dita
Igreja nova e Mosteiro e Ordem e Religião todos os encargos que athe
qui carregavão sobre os fregueses e carregareriam ao diante acerca
do Repairo da dita Igreja e todos os outros encargos e vezitaçõens e
gastos que os fregueses custumavão a fazer nela como atraz fica
declarado sem serem obrigados os ditos fregueses a pôr sera em tempo
algum na dita lgreja sem se fintarem pera Couza que pertensa a dita
sera e lume da dita Igreja como a couza nenhuma que a ela pertença
por resão deste contrato os ditos fregueses se obrigavão eles em
seus nomes como de todos assim dos prezentes como dos vindouros em
nome de toda a freguezia de dar ao dito Mosteiro Igreja nova e
Religiam sessenta mil reis em dinheiro pagos em três anos os quaes
se gastarão no forro e cobertura da dita Igreja nova que ora se faz
eles fregueses ordenarão pessoas que tera o dito dinheiro pelos
freguezes aos tempos ordenados e o entregarão a ele Reitor e
Mosteiro e mais disserão que avião por bem dare entregar ao dito
mosteiro e Religião todo o ouro prata e ornamentos e signos de pedra
madeira e telha que hora tem a dita Igreja de S. Nicolao assim e de
maneira que pertence aos ditos fregueses para se mudar ao dito
Mosteiro novo salvo porem o que pertencer às confrarias que ora
estão Instituidas na dita Igreja ou se ao diante instituirem no dito
mosteiro pelos fregueses usarão delas como até aqui uzarão e he
costume de se uzar na Igreja Velha ficara huma ermida pequena per
resêio dos defuntos que ahi estão que o dito Mosteiro sara obrigado
a ter sempre reparada de tudo que fôr necessário (o sublinhado é
meu) sem os fregueses em tempo algum serem obrigados a ela por via
nenhuma e quanto
/ 63 /
às missas ordinárias dos
fregueses...»: (existe traslado desta escritura, em avulso, no já
mencionado livro das «Visitações» da Igreja de S. Nicolau da Vila da
Feira).
O que motivou respeitar-se «a
ermida», pelos motivos invocados foi, certamente, por aí estarem
sepultados os pais do fundador do convento (D. Diogo Forjaz Pereira
– 4.º Conde da Feira) –, D. Manuel Pereira (3.º Conde da Feira,
falecido em 4 de Outubro de 1552) e sua primeira mulher D. Isabel de
Castro (pais daquele conde fundador), cujos restos mortais foram
trasladados para a igreja do mesmo convento, quando foi construída a
capela-mor, onde jazem do lado do Evangelho.
No já referido «Livro memorial da
Fazenda deste Convento (o da Feira)...» do padre mestre Jorge de São
Paulo, cujo início deve remontar a 1636-38, anos em que foi reitor
do nosso convento, com o título de administrador das obras e foi
concluído em 1649, como ele afirma a fls. 41 verso daquele trabalho,
diz-se quanto a esta ermida (fls. 34):
«§ 7.º Disseram mais que deixariam
uma ermida na igreja velha por respeito dos defuntos que lá estavam
e fabricariamos à nossa custa;
No ano de 1638 a Senhora Condessa D.
Maria de Gusmão (viúva do 5.º Conde da Feira – D. João Forjaz
Pereira) por sua devoção e por fazer esmola a este convento a mandou
reparar e custou alguns dez ou doze mil reis, de modo que os 60$ que
os fregueses deram nos três anos entendo que nem para a fábrica da
ermida bastavam quanto mais para ficarem livres e isentos de
concorrerem para os encargos da igreja velha. Enfim ainda naquele
tempo reinava a bondade do título dos homens bons de Vilar. Tudo
isto consta do contrato que está na gaveta 4.ª n.º 8».
«§ 9.º. A ermida acima e § 20 (deve
ler-se 7.º) mandou derrubar o licenciado Rui Nogueira vigário geral
do Porto por muitos e justos respeitos, estando informado que nela
se cometiam graves insultos de pouco serviço de Deus; e se pôs em
seu lugar um padrão: esta visita foi no ano de 1581. Depois
visitando o bispo D. Marcos a mandou alevantar outra vez: vieram os
padres com embargos, mas parece que não pegaram (no verso da folha
34) pois está outra vez alevantada: tudo consta do maço que está na
gaveta n.º 6 e 7. Esta ermida esta de novo concertada por mandado da
senhora condessa por sua devoção (palavras riscadas, tendo em cima
na estrelinha e com diversa letra): «e por ver que estava ja caindo,
e dizem gastou nela alguns doze mil escudos no ano de 1638» («O
Convento da Feira» por Dr. Vaz Ferreira – Arq. Dist. Av. – Vol XVI –
fls. 267 e 268).
Pelo que transcrevi, vê-se que o
padre mestre, assim como os demais do convento, não se conformava
com os termos do referido contrato, que levou a diversas
confrontações entre o convento e os fregueses.
Assim aconteceu quando os frades
deduziram embargos às determinações feitas em «Visitações» à Igreja
de S. Nicolau, para que se fizesse, de novo, a cruz da freguesia,
por estar incapaz a que estava a ser usada:
«da dita cruz de que mandava aos
ditos religiosos fizessem de novo provimento sendo de bastante
grandeza e de bona prata que não desmerecesse as das freguesias
vizinhas em razão de aquela Igreja ser a principal e a cruz nas
procissões ter o primeiro lugar», pleito que acabou por transacção,
em 1711, da qual resultou os frades assumirem a obrigação de dar a
cruz (o traslado está, em avulso, no citado livro das «Visitações»).
Esclareço que D. Marcos foi Bispo do
Porto de 1581 a 1591 e, assim, se encontra o período dentro do qual
ele mandou levantar a ermida, em substituição da antiga.
Verifica-se, pelo exposto, que a
ermida ainda existia em 1649, o que é confirmado no referido
«Catálogo dos Bispos do Porto» – de D. Rodrigo da Cunha, atribuído a
1623.
Aí menciona-se, entre as ermidas,
então existentes, a de S. Nicolau.
Esta ermida que subsistiu, através
de todas aquelas vicissitudes, perto (ou junto) da antiga igreja de
S. Nicolau, foi decerto a que manteve a invocação deste santo,
depois desta igreja ser demolida, no todo ou em parte.
Como já anotei e procurei justificar
no princípio deste trabalho, a coexistência, durante muitas dezenas
de anos, de uma ermida de S. Nicolau e da capela de S. Francisco
construída, ou instalada com maior ou menor reformas, naquela antiga
igreja de S. Nicolau, justifica a minha tese e a classificação, como
autónomas dentro de si – aquela ermida e esta capela.
Na verdade, aquela coexistência
deduz-se do que se diz naquele «Catálogo» (1623), do «Episcopológio»
(1690) e da «Corografia Portuguesa» (1707) e até se confirma pelo
facto de a condessa da Feira D. Maria de Gusmão ter reparado a
ermida e reformado a capela (cit. livro do padre mestre Jorge de S.
Paulo).
Esclareço que a referência à
reparação da ermida e à reforma da capela reportam-se a 1638 (cit.
Arq. Dist. Av. – respectivamente vol. XVI – pág. 267 e vol. XVII –
pág. 48).
Como já disse e comentei, o autor
daquela «Corografia» ao referir-se à ermida de S. Nicolau diz «que
era antigamente a Matriz».
/ 69 /
Possivelmente assim se exprimiu por
a ermida ter feito parte do conjunto de edificações que formava a
velha igreja de S. Nicolau, como parece deduzir dos termos do
contrato de 17 de Dezembro de 1566, atrás transcrito.
Pelo exposto e em resumo, a ermida
de S. Nicolau:
a) existia em 1566 e, já então, era
muito antiga;
foi
b) demolida em 1581;
c) reconstruída entre 1581-1591;
d) reparada em 1638, por estar a
cair;
e
e) coexistiu com a vizinha capela de
S. Francisco, conforme referências atribuídas, pelo menos, a 1623,
1638, 1690 e 1707.
LUGAR DA MISERICÓRDIA
J
CAPELA DE S. FRANCISCO
Já era falada em 1623 no «Catálogo
dos Bispos do Porto», sabendo-se que em 1638 foi reparada pela
condessa da Feira – D. Maria de Gusmão.
No citado livro do padre Jorge de
São Paulo, a fls. 51 v diz-se que a senhora condessa D. Maria de
Gusmão «...§ 3.º reformou a ermida de São Francisco e estofou o
mesmo santo que custou tudo alguns doze mil reis» (Arq. Dist. Av.,
vol. XVII, pág. 47).
Ainda no mesmo livro se informa,
quando se apreciam as dúvidas levantadas sobre o local onde se devia
construir o convento: os padres (da congregação) sempre forão de
parecer que se fundasse na mesma Igreja Velha de São Nicolau (que
agora ficou com o título de Sam Francisco) por ter largos passais
para a cerca e ser sítio largo fora da vila e mais acomodado para os
fregueses continuarem os ofícios divinos que com menos fabrico se
podia principiar., (cit. Arq. e vol. XVI – pág. 196).
Em seguida, diz ainda: «§ 10 – Da
ermida de S. Francisco e do Santo custou a reparação mais de dez mil
reis; e reformou-se no meu 3.º ano de 1638 (à margem e por outra
letra) «à custa da senhora condessa» – (citado trabalho no Arq. vol.
XVII, pág. 48).
Aquela expressão – «que agora ficou
com o título de Sam Francisco» convence que a velha igreja de S.
Nicolau não chegou a ser demolida (pelo menos, não totalmente),
tomando o templo o nome de capela de S. Francisco.
O padre Quintela repetiu-o em 1758,
nas já aludidas respostas para o grande «Dicionário Geográfico de
Portugal», dizendo que a antiga igreja de S. Nicolau «ficou sendo
Capela de São Francisco e hoje e a Misericordia desta vila estava
eminente a ela da parte do norte...».
Aceitando estas informações, que não
repugna admitir, temos que concluir que ou a antiga igreja de S.
Nicolau não chegou a ser demolida totalmente, o que me parece ter
sucedido, ou que sobre as suas ruínas foi reconstruído o edifício
que recebeu o nome de capela de S. Francisco: em qualquer caso, esta
capela situava-se no local da igreja velha de S. Nicolau.
Ainda vemos esta capela mencionada
em 1697, no «Ceo Aberto na Terra»: – «a quinta (ermida), a do
patriarca S. Francisco, que se edificou no logar onde esteve a
matriz» (o sublinhado é meu).
Em 1707, a «Corografia Portuguesa»
do padre António Carvalho da Costa também se refere à ermida de «São
Francisco».
Não conheço qualquer menção à sua
existência depois desta data pelo que, até melhor informação em
futuras investigações, não posso afirmar que ela se tivesse mantido
após aquela época.
O mesmo padre Quintela informou
ainda, nas suas mencionadas respostas, referindo-se à Igreja da
Misericórdia, que «Pelos anos de 1689 ou de 90 se começou a fundar a
nova Igreja por estar a antiga incapaz na Capela de São Francisco a
qual tinha sido freguesia como dissemos».
Consegui colher alguns elementos
esclarecedores no citado tombo do nosso convento.
Assim sucede nos de 8 de Maio de
1679 (livro 7 – fls. 177 e 8 – fls. 146); 7 de Agosto de 1679 (livro
7, fls. 182 e 9 – fls. 146); outro de 1679 (livro 8 – fls. 170) e 8
de Janeiro de 1680 (livro 7 – fls. 193 e 8 – fls. 350).
Porém, no de 25 de Novembro de 1726
(livro 8, fls. 355) já se diz – «junta a Sam Francisco e aonde hoje
esta a Misericordia».
Do mesmo modo se diz no prazo feito
pelo convento a Francisco Gomes, em 1767, de «umas casas e campos
sitos nesta vila junto à ermida de S. Francisco que hoje é
Misericórdia (livro 9.º – fls. 146).
A referida condessa D. Maria de
Gusmão, como já disse, foi casada com o 5.º Conde da Feira – D. João
/ 70 / Forjaz Pereira e, por
isso, era mãe da 6.ª condessa D. Joana Forjaz Pereira.
Morreu em 17 de Novembro de 1649.
D. João faleceu em 15 de Maio de
1618 quando demandava a Índia para onde partira em 29 de Março
anterior para ocupar aí o lugar de Vice-Rei, cargo para que fora
nomeado nesse ano.
De todo o exposto é de concluir que
em 1623 já existia a capela de S. Francisco, que foi edificada onde
existia a antiga igreja de S. Nicolau, talvez demolida, total ou
parcialmente, em 1566, quando a sede da freguesia foi transferida
para a igreja conventual e é de presumir que a igreja da
Misericórdia chegou a estar instalada na capela que ainda existia em
1707 e já estava demolida ou com outro fim em 1726.
Assim se pode encontrar o período
dentro do qual ela ruiu, ou foi inutilizada, 1707-1726.
Houve, nesta vila, uma quinta muito
falada, que se denominou de S. Francisco, «ao pé da Misericórdia da
Vila da Feira», como diz Felg. Gaio – cit. ob. vol. 22, § 82, n.º 5
–, ao referir-se a D. Maria Lobato Godinho, herdeira do Morgado de
S. Martinho de Argoncilhe, dona desta quinta, que foi casada com
Francisco Tavares Pinto da Rocha – que vivia no Porto em 26 de Abril
daquele ano de 1659.
Sucedeu-lhe, como senhor da dita
quinta, seu filho António Tavares Pinto da Rocha, que vivia na Vila
da Feira em 7 de Maio de 1709 (cit. ob. idem n.º 6) e depois e
sucessivamente seu filho único António Pinto Tavares da Rocha (que
obteve carta de brasão em 1727) – (idem n.º 7), José Pereira Tavares
(idem n.º 8), D. Ana Victória de Sá Pereira Coutinho lavares (idem
n.º 9 – única herdeira Sr.ª do Morgado e Torre de Roge e q.tas
de S. Francisco e Arganil, que casou em 28 de Abril de 1763).
De seus filhos apenas um poderia
suceder na casa: – Manuel Pedro de Vabo Pereira Machado (idem n.º
10) que foi vereador em Barcelos no ano do 1799, mas Gaio não o
indica como senhor da quinta de S. Francisco nem de outros bens da
casa de seus pais.
Aquela Maria Lobato Godinho era
filha de Manuel Godinho Homem e de sua mulher Victória Pinto Lobato,
sendo ele filho de Isabel de Carvalhais (filha de Aires Ferreira e
de seu marido Domingos Godinho ou Domingos Godinho Ferreira, da
Feira, instituidor do Morgado de S. Martinho de Argoncilhe (F. Gaio
cit. ob. tomo XII – pág. 42) – (ver meu citado livro «Quatro Séculos
de História...», designadamente a árvore genealógica n.º 3 e
correspondente índice antroponímico).
Noto, ainda, que o Francisco Tavares
Pinto da Rocha, casado com aquela Maria Lobato, era terceiro neto de
Brás Pereira, parente no 4.º grau do 2.º Conde da Feira, D. Diogo
Pereira.
Não consegui apurar referência à
quinta de S. Francisco na ascendência daquela Maria Lobato Pinto, ou
Maria Lobato Godinho.
É possível que haja relação, em
vista do nome escolhido, entre a capela e a quinta, embora aquela
fosse pública e esta particular, sendo até verosímil que a família
dos morgados de Argoncilhe tivesse concorrido, em maior ou menor
amplitude, para a construção da capela a quem, porventura, teriam
dado o nome da sua quinta.
Também é possível que a capela
tivesse entrado em decadência, até à sua total ruína, quando deixou
de ser amparada por aquela família.
Sou levado estas suposições pela
comparação das datas atrás referidas.
Hipóteses estas que se levantam no
intuito de abrir caminho a investigações que nos possam trazer
elementos mais concretos e precisos.
Lembrando que o padre Jorge de São
Paulo, ao referir-se às dúvidas levantadas na escolha do local para
a construção do convento, disse que os padres da congregação
desejavam que ela se fizesse no local da antiga igreja de S. Nicolau
por aí haver largos passais para a cerca, parece-me legítimo supor
que dizia respeito aos da quinta de S. Francisco.
Como a ermida deste nome foi
construída onde estivera aquela antiga igreja de S. Nicolau é de
supor que foi a ermida que deu o nome à quinta.
No caminho que se segue para a «Casa
do Alto», do Dr. Eduardo Sebastião Vaz de Oliveira, lado esquerdo
para quem sobe, há um portal que dá acesso a terra hoje pertencente
à Santa Casa da Misericórdia, desta vila, em cuja padieira se
encontra a seguinte inscrição «I M 1 – 1751 A» que interpreto como –
«Jesus Maria José – 1751 Anos».
É muito provável que este portão,
assim como outro que estava construído a vedar uma propriedade
particular, a facear com um pequeno largo fronteiro à Igreja da
Misericórdia, retirado para aí dar lugar a um arruamento, tivessem
pertencido à falada Quinta de S. Francisco, o que me convenço pelo
espírito religioso que determinou aquela inscrição e pela relativa
proximidade do local onde está implantado o referido portal e a
cerca da mesma Igreja.
Devo o conhecimento desta pedra e a
sua inscrição ao ilustre advogado desta vila senhor Dr. Fernando
/ 71 / Ferreira Soares, o que
muito me apraz registar aqui, com o meu agradecimento.
Penso que devo concluir que:
a) a antiga igreja matriz, no lugar
da Misericórdia, recebeu o nome de ermida ou capela de S. Francisco,
que nela se instalou, como se vê do livro do padre mestre Jorge de
São Paulo, em meados do século XVII e das respostas dadas pelo
vigário padre Quintela, para o «Grande Dicionário Geográfico», em
1758;
b) o edifício da capela de S.
Francisco ainda existia em 1679 e 1680 e ainda é referido como
ermida em 1707;
c) em 1689 ou 90, se fundou a igreja
da Misericórdia por «estar a antiga (o sublinhado é meu)
incapaz na capela de S. Francisco»;
d) em 1726 já não existia esta
capela que fora substituída pela nova igreja «junto a S. Francisco,
aonde hoje e Misericordia», dizeres que se repetiram em 1767, o que
tudo se vê através do tombo do nosso convento.
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