Há verdades, embora cristalinas, que
não conseguem impor-se com a agudeza que merecem, talvez por muito
repetidas. E mesmo quando são graves, chegam a não ter eco nem criam
impacto. Dizem-se e redizem-se sem se negarem, todos as reconhecem
até sob diversas formas, com maior ou menor amplitude, mas
estranhamente parece que não despertam interesse.
Porquê, esta anomalia? Será um caso
de insensibilidade de consciência ou de qualquer outro estado
patológico que conduz a um amortecimento colectivo da inteligência e
da vontade? Será antes a existência de outras motivações mais fortes
que imanizam o pensamento das pessoas? Alguns filiam-na num processo
que tem as suas raízes na psicologia das massas, e então afirmam-nos
que será antes a sociedade, na sua evolução de parafuso, que não
terá atingido ainda o grau de razão propício à reacção conveniente.
Seja esta ou qualquer outra a razão,
não desanimamos em apresentar aqui uma dessas verdades – a crise
da Lavoura; justifica-o a gravidade com que se apresenta e o
sentido fortemente frenador que imprime no desenvolvimento da
economia nacional, e a necessidade de alertar os responsáveis
para uma urgente e autêntica política agrária, que se impõe,
sob pena da evolução de parafuso se poder transformar em evolução de
prego e martelo, com todos os riscos que comporta para a vida da
nação.
Governar é prever, e prever sem
remédio ou recorrendo a paliativos, pode ser irresponsabilidade, se
não mesmo crime de lesa-pátria.
1 – ANÁLISE SUMÁRIA DA EVOLUÇÃO
DA AGRICULTURA, NOS DOIS ÚLTIMOS SÉCULOS
1) Na Europa
A Revolução Industrial, que eclodiu
na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, constitui um marco
inapagável na História da Humanidade.
Em consequência da descoberta dos
teares mecânicos e desde que a máquina foi posta ao serviço da
produção e a indústria assumiu lugar predominante na vida económica
das nações, a sociedade humana sofreu transformações extensas e
profundas. Nenhum ponto da Terra deixou de sentir os seus efeitos;
todas as nações foram impelidas para alterações radicais, porque,
entretanto, havia de mudar o homem, a técnica, a sociedade e até
mesmo a concepção do mundo. Mudou mais o homem e a sociedade nestes
últimos dois séculos, do que no longo período que se estende desde a
primeira civilização conhecida, do distante Povo Sânscrito, até à
Revolução Inglesa. E essa mudança não pára e até continua cada vez
mais aceleradamente, porque o espírito de insatisfação natural do
homem encontra resposta fácil e pronta numa evolução prodigiosa da
técnica, nos seus mais variados aspectos.
Propriamente no que respeita à
sociedade, as suas alterações sucederam-se espectacularmente no
sentido de um predomínio crescente de uma civilização tipo urbana.
Os grandes aglomerados populacionais, atraídos por uma maior sedução
proporcionada pela concentração industrial, foram constituindo
cidades com novas concepções de vida. Nasceu a classe média, tipo
burguês, com todas as suas implicâncias sociais, e o mundo do
trabalho teve aí o seu ponto de partida para uma maior dignificação
do homem. As correntes de pensamento foram-se visionando
progressivamente no sentido das massas e o factor económico tomou
cada vez maior pujança até constituir hoje a primeira coordenada de
vida das sociedades modernas e das nações.
E seria então a forte dinamização
económica que a indústria haveria de propiciar, a partir de lucros
mais ou menos avultados auferidos com uma rapidez aliciante, seriam
também razões políticas determinadas pela força das massas, que
haveriam de levar os mentores dos povos a canalizarem ou
centralizarem os seus pensamentos na urbe, porque desta forma se
entenderia
/ 26 / até mais fácil a promoção humana
e mais projectiva a vida das nações.
É neste contexto de evolução social
que devemos enquadrar toda a sorte ou destino da agricultura
inevitável ponto de apoio dessas transformações humanas, e também,
por impreparação, sector abalado nas suas estruturas tradicionais e
seculares, custando a encontrar o norte e segurança do seu labor,
ora mergulhada na decadência e até no caos, ora arrastada pelo
secundário para posições adaptadas a novos condicionalismos.
E então, por natureza mais lenta nos
processos de transformação, a agricultura deixou de prender o homem
à terra, pela insegurança que proporcionava e pela índole dura do
seu trabalho, e foi perdendo lugar e importância na competição com a
indústria. Daí o êxodo dos meios rurais para a cidade, que a
sociedade de consumo, o turismo interno e externo e o fluxo
migratório mais exacerbariam, por infundirem na pessoa humana uma
maior consciencialização da sua dignidade e de justiça dos seus
direitos na conquista de melhores níveis de vida.
Entretanto, o homem que não desistiu
de viver no campo, viu-se cada vez mais isolado e mais distante das
outras classes sociais; ficou, de princípio, impotente, por preso às
estruturas arcaicas da produção; deixou-se arrastar para uma
passividade comprometedora; e sentiu-se abúlico, confuso e
incompreendido a orbitar em torno de interesses mais poderosos.
Fechado na sua aldeia, que era o seu mundo, e com uma preparação
profissional precaríssima, sem orientação definida a encaminhá-lo
para horizontes mais seguros e risonhos, viu-se incapaz de elevar a
agricultura a um estádio compatível com o sector secundário, porque
não soube aplicar à exploração das suas terras a evolução
progressiva e complexa da técnica. Daí o estado de desconfiança e de
desânimo que perante o agricultor se apresentava o tipo de sociedade
urbana e industrial, que contrastava cada vez mais com o seu, de
nítido nível da vida mais baixo.
Foi na agricultura que a indústria
se apoiou para arrancar e expandir-se. Se lhe havia de servir de
primeiro mercado para os seus produtos manufacturados e ser fonte
fácil de mão-de-obra e de matéria-prima, foi a agricultura também a
grande sacrificada na venda dos seus produtos, num mercado de
auto-subsistência em que importava satisfazer as exigências
primárias da alimentação das massas populacionais concentradas nos
pólos industriais.
Mas o lavrador europeu
principalmente o empresário agrícola, também haveria ao longo do
tempo de tomar consciência da sua precária situação, e começaria
lentamente a ter mais força a partir de uma mentalização para a
formação de espírito grupo e de classe, porque entendia ter também
direito a um lugar ao sol.
E então seria a necessidade – mãe do
engenho – que o estimulou na busca de soluções adequadas e
eficientes, capazes de arrancar a agricultura do abismo em que
mergulhava, trazendo-a para uma situação de mais equilíbrio perante
os outros sectores económicos. Foi e é uma luta contínua e afanosa
que não esmorece, porque é difícil atingi-lo. Para isso,
mobilizam-se os meios e aperfeiçoam-se as estratégias, porque há
mais consciência dos problemas e a inteligência julga com mais
realismo.
Com efeito, há hoje uma maior visão
empresarial do meio rural, traduzida na busca da dimensão da
exploração agrícola economicamente viável, que se conquista à custa
de fórmulas de associativismo livre, ou, nos países para além da
cortina de ferro, a partir do colectivismo imposto e orientado. E é
também toda a técnica em franco progresso que acorre a apoiar a
gestão das empresas, como é a procura de uma maior rentabilidade que
promova, sem ofensa de uma sã política de preços, o equilíbrio
económico com as outras classes; é igualmente uma interessada
formação profissional, como ainda a obtenção de garantias e
benefícios sociais, a humanização do trabalho, etc.,etc.
Depois de uma longa época de
entorpecimento, a luta, que tantas vezes é reivindicativa,
desencadeou-se afoitamente, conseguiu vencer a inércia, continuará e
não mais terá fim, porque empurra o homem a permanente insatisfação
que está na sua própria natureza.
2) Em Portugal
Aquele foi o condicionalismo
económico-social existente em toda a Europa, depois da Revolução
Industrial, a que Portugal não podia escapar.
Todavia, principalmente pela sua
posição geográfica, haveria o nosso país de ser mais tardiamente
influenciado pelos seus reflexos. Em contrapartida, também atraso
mantém hoje em relação aos outros países da Europa, na curva
ascendente de recuperação a que estes estão votados.
E assim é que, em Portugal, se
assiste no meio rural a uma compulsiva e confusa transformação
social, que agora é mais rápida e, por isso, muitas vezes dura,
quando não mesmo agressiva; é um salto gigantesco, em boa verdade
para novas e melhores fórmulas de vida, que não se alcançarão sem o
sacrifício de muitos que, infelizmente, ficam cilindrados pelo
caminho, a cujos escolhos e espinhos não conseguem adaptar-se.
E estes são tais e tantos que
provocam uma ambiência económica e social inquietante, tanto maior
quanto mais falta uma política adequada, amortecedora de
/ 27 /
choques e simultaneamente orientadora e incentivadora de progresso
por linhas de rumo seguras.
De facto, se quisermos ser
realistas, havemos corajosamente de afirmar, sem hesitação mas com
lealdade, que não temes em Portugal uma Política Agrária idónea. É
inegável que muitas decisões têm sido legisladas para acorrer à
resolução de situações anómalas de interesse imediato; mas inegável
é também que não são medidas esporádicas e desgarradas de um
contexto global, que alguma vez haja sido bem estudado e objectivado
dentro de coordenadas impostas pelas realidades nacionais e
conjuntura internacional, que nos permitirá honestamente afirmar que
temos de verdade uma orientação clara e segura susceptível de
merecer o nome de Política Agrária. Regra geral, o agricultor está
dependente de alguns decretos, num ou noutro dos seus sectores de
actividade, de muitos despachos e de poucas portarias.
Sem querer diminuir o esforço que
superiormente se tem feito, o que é certo é que se procura, regra
geral, atacar os problemas de momento mais agudos e que possam estar
sob pressão política, económica ou social; aparecem de quando em
quando orientações específicas, como se fossem pequenas parcelas de
um todo que afinal não existe, muitas vezes sem aplicação imediata
ou mesmo mediata, por serem alvo de contestação e se falhar na
transposição do legislativo para o executivo, e outras sem
continuação persistente de acção, caracterizando-se por uma
efemeridade que tem derivado de uma inconsistência doutrinária,
porque é menos do Governo, e mais resultado de sucessão de equipas
no mesmo Ministério; surgem mesmo ideias arrojadas tendo a estranja
por figurino, mas que se condenam a fracasso, a breve trecho, porque
não encontram aqui as estruturas humanas e técnicas que lhe garantam
êxito.
É verdade que alguma coisa se tem
evoluído. É indiscutível que assim é: existem indicadores económicos
que o atestam, não obstante se deva reconhecer ser uma evolução
tímida e até frágil. Mas o que acontece deriva menos da influência
das tais medidas esporádicas, e mais do impulso natural e
espasmódico adquirido por força de circunstancialismos estranhos,
onde destacamos o factor poderoso da emigração e o incitamento
provocado pelo desenvolvimento mais célere da indústria, que
consegue arrastar a agricultura na sua marcha.
De algum modo, está em curso a
formação de uma nova mentalidade que ajuda o sector primário a
adaptar-se a novos condicionalismos, onde a competição é factor
comum e determinante; que procura mais ousadamente empresas
dimensionadas, onde o fenómeno cooperativo começa a ter expressão;
que promove a participação nos mecanismos da vida económica,
repartindo o valor da produção agrícola pelos de outros sectores,
fornecendo-lhe bens e serviços, cujos encargos figuram nos custos de
produção ou nos investimentos.
Luta constante esta, em que se joga
a todo o momento a sorte de muitos, com os seus problemas humanos
minimizados ou postergados pela frieza impiedosa de uma onda
materializadora da vida. Apesar de todos os desânimos e de um mar de
ilusões desfeitas, não há tréguas nem esmorecimentos na busca
difícil do equilíbrio económico – geralmente tão longe ainda – com
os outros sectores. E ainda bem que assim é, porque se a expansão
industrial depende em alto grau da transformação das estruturas e da
técnica agrícola, na medida em que deste mecanismo se proporciona o
alargamento dos mercados de bens de equipamento e de consumo, também
mais qualquer atraso na agricultura, mercê de uma política económica
menos cuidadosa ou desajustada das realidades, que não respeite uma
intervenção prioritária, pode provocar um bloqueamento que afectará
toda a economia.
Em toda esta transformação, que não
deixa de conter em si um sentido evolutivo, embora com carácter
pouco definido e cheio de incertezas, uma palavra ainda será de
dizer quanto à posição do Governo perante o sector primário.
Independentemente dos aspectos da
sua actuação desprogramada atrás focados, temos a referir, mau grado
nosso, a descoordenação, muitas vezes aflitiva, com que se apresenta
na lavoura.
Talvez porque falta uma Política
Agrária, vários Ministérios actuam sem ligação, e dentre do próprio
Ministério da Economia, são todos os seus serviços, das suas três
secretarias de Estado, que intervêm desgarradamente, dentro de
ópticas diferentes, tantas vezes reivindicando competências.
Problema que surja, e nem sempre é fácil ao lavrador saber quem é e
serviço próprio que dele trata, porque às vezes até é mais do que
um. Para dar um exemplo do que se afirma, bastará referir o que se
passa no sector do leite e lacticínios.
Para além do Ministério das
Corporações, Previdência Social e Saúde, intervém ainda, como é
óbvio, o Ministério da Economia, através das suas três Secretarias
de Estado, com os seus serviços que são:
Secretaria de Estado da Agricultura:
– Direcção-Geral dos Serviços
Agrícolas
– Direcção-Geral dos Serviços
pecuários
– Junta de Colonização Interna;
Secretaria de Estado do Comércio:
– Junta Nacional dos Produtos
Pecuários
– Funde de Abastecimento
/ 28 /
– Coordenação económica;
Secretaria de Estado da Indústria:
– Direcção-Geral dos Serviços
Industriais.
Gostaríamos de ver um denominador
comum na actuação de todos estes Serviços. Talvez com essa intenção,
apareceu a constituição de uma «Comissão de Abastecimento de Leite»,
criada em 1967 pelo Decreto-Lei n.º 47710, onde aparecem mais
elementos representantes da Direcção-Geral de Saúde e das
Corporações da Lavoura, do Comércio e da Indústria.
Mas o que é certo é que a
coordenação continua a falhar, chegando a surgir em Serviços que,
por determinação em simples despacho, desautorizam a actuação de
outros em assuntos que lhe são cometidos por Decreto; e também
Serviços que chegam a discutir subsídios que haviam merecido
despacho favorável do próprio membro do Governo.
Estas, como outras mais, são
situações que desprestigiam o Governo, não ajudam em nada a Lavoura
e desautorizam e roubam eficiência aos Serviços.
II – ASPECTOS FUNDAMENTAIS DE UMA POLÍTICA AGRÁRIA
O que se vai seguir não pretende
invalidar nem sequer quererá diminuir o valor das medidas já
promulgadas num ou noutro aspecto, que possam ajudar à definição de
uma política. Apenas terá o mérito – se mérito efectivamente tiver –
de focar aspectos que se nos afiguram dever merecer, dos
responsáveis, doutrina objectiva e atitudes claras e mesmo
corajosas, que encaminha o nosso sector primário para estádios
sucessivamente mais dignos e prestimosos, susceptíveis de o fazer
ombrear com a panorâmica agrária europeia.
Mal avisados andaríamos se assim o
não fizéssemos, porque, como país da Europa, haveremos de entrar,
mais tarde ou mais cedo, no jogo duro do Marcado Comum.
Marcada que está esta posição,
referir-se-á agora, sucintamente, os aspectos fundamentais de uma
política agrária, para nos demorarmos mais depois na análise de um
deles – o Cooperativismo agrícola.
Antes do mais, porém, importará
ainda dizer que consideramos fundamental preceder a aplicação de
doutrina tão importante e complexa, de um indispensável estudo
sério, ponderado e objectivo, feito com a participação das cabeças
válidas do sector e também aberto à consideração dos directamente
interessados. Quer isto dizer que num problema de tanta magnitude,
que tem o âmbito nacional, nos parece útil ouvir os homens da terra,
porque até entendemos que é mesmo condição de êxito que as soluções
não apareçam impostas e antes brotem num clima de abertura e sem
desconsideração da classe, para uma sua mais fácil adesão às tarefas
que venham a ser planeadas.
De qualquer forma, afigura-se-nos
que uma Política Agrária se deve orientar para um aumento de
produtividade e para uma maior dignificação do homem que trabalha e
vive da agricultura. Ora, correspondendo a produtividade à relação
entre o valor da produção e as unidades-homem-trabalho, temos, para
já, a necessidade de tocar aspectos inerentes ao aumento de produção
e política de preços por um lado, e conveniente dimensionamento das
explorações, por outro, para uma mecanização racional que conduza à
diminuição do denominador da fracção. Por isso, temos:
1) Estruturação Agrária
Se é certo que defendemos
justificadamente o direito de propriedade privada, como um direito
fundamental do homem, intimamente ligado ao desenvolvimento da
pessoa e à garantia da sua liberdade, temos que reconhecer, em boa
doutrina, que o seu exercício não deve ser absoluto, pela implícita
obrigação de estar condicionado pela função social dos bens
materiais. O conceito de propriedade deve pressupor, assim, a
obrigatoriedade de exploração.
Dentro deste princípio, importa
determinar – porque ainda hoje não sabemos – a dimensão conveniente
para uma exploração economicamente viável no norte, centro e sul do
país e adoptar medidas que facilitem o respectivo processo de
estruturação. A título de exemplo, lembram-se as dificuldades que
normalmente se encontram ao nível das Conservatórias do Registo
Predial e nas Repartições de Finanças, que urge sejam removidas de
forma a não constituírem estorvo na concretização destas
iniciativas.
E, em resultado da concretização
deste aspecto fundamental, será então mais fácil atacar de frente,
com possibilidades de maior êxito, a tão apregoada e indispensável
2) Reconversão Agrária
Com ela se pretende acabar com os
artificialismos culturais, sempre caros e muitas vezes fonte de
desilusões, e consequente aproveitamento dos terrenos segundo as
suas aptidões naturais.
Qualquer orientação séria sobre esta
matéria, porém, tem que ser bem ponderada e imbuída até ao âmago do
realismo da vida económico-social do nosso meio rural. É fácil ou
relativamente fácil, desde que se tenham elementos específicos
esclarecedores, planear à volta de uma mesa e dizer como é; mas
ficará ameaçada de estrondoso fracasso toda e qualquer ideia ou
teoria, por mais perfeita, que esqueça os
/ 29 /
condicionalismos humanos, porque bem poderá encontrar sérias
dificuldades e mesmo impedimentos na sua transposição para a
prática.
Por isso, pensamos que se a
emigração tem lentamente vindo a ajudar a objectivação desta ideia,
porque a falta de mão-de-obra rural resultante origina já o abandono
de cultivo das terras, que amanhã podem vir a ser reconvertidas em
explorações dimensionadas, também outras medidas importantes,
directas e indirectas deverão ser convergentemente utilizadas, não
só na reconversão como na estruturação das explorações, de que
destacamos a
3) Política de crédito
Por esta via, pretende-se
possibilitar, em termos realistas, o melhoramento das técnicas de
produção agrícola, já que produzir alimentos é obrigatoriedade que a
sociedade impõe e para os Governos é fonte de preocupação constante,
porque é condição de vida dos povos. Dentro desta óptica, há-de ser
a sociedade que terá de fornecer os meios indispensáveis para o
efeito, não obstante tenha também direito a que os Governos, através
de esquema próprio, garantam a rentabilidade do seu sacrifício. E
quanto maior for a necessidade de produzir, mais larga deve ser a
participação directa ou indirecta da sociedade, como maior deve
também ser a atenção e controle dos responsáveis.
É dentro deste pensamento que se nos
afigura, para as actuais condições de vida da nossa agricultura,
devermos caminhar para um tipo de crédito dinâmico e selectivo, que
encare, por um lado, a abolição de hipoteca e seja rápido nos casos
em que se pretenda uma valorização e apoio efectivo do empresário
válido e, por seu turno, incentive a estruturação e reconversão
agrária, com recusa corajosa de financiamentos para todos os casos
que sejam de reprovar.
No aspecto do fomento e
desenvolvimento do associativismo, entendemos que todo o
financiamento devia ser visto, não com carácter individual ou
restritivo a cada caso, mas dentro de um plano geral estudado que
contemple os interesses nacionais, e a sua concessão importava que
ficasse dependente da participação efectiva dos interessados na
iniciativa. Por outro lado, não se devia esquecer a necessidade
fundamental da concessão de fundos de maneio em condições favoráveis
para as associações válidas da Lavoura, a fim de promover e
facilitar a indispensável integração vertical do sector primário.
Igualmente tinha o maior interesse
que houvesse uma política especial de crédito, em condições ainda
mais favoráveis, que aliciasse o jovem, com reconhecidas qualidades
técnicas e administrativas, a fixar-se na terra.
Simultaneamente, não se dispensa um
aparelho eficiente de fiscalização estatal, que impeça ou detecte e
elimine abusos e determine em cada momento a economicidade das
empresas e a rentabilidade dos dinheiros que a sociedade, pelo
Governo, lhes concedeu.
4) Capital fundiário e rendas
É um paradoxo o que se passa no
nosso país no que respeita ao valor venal dos terrenos de cultura.
Por um lado, sabe-se que a agricultura é uma actividade deprimida,
de grandes riscos e de uma maneira geral com uma rentabilidade pouco
sedutora e tantas vezes problemática e, em contra partida, temos
muitas vezes elevados preços de venda para os terrenos, que chegam a
ser três vezes maiores que na França, mais ou menos em igualdade de
condições.
Ora, porque este factor, para além
de afectar seriamente a economicidade das empresas agrícolas, é
também fortemente limitativo da estruturação agrária, julga-se
indispensável a existência de uma política objectiva que saneie este
estado de coisas. E, ligado com este aspecto, supomos que igualmente
haverá necessidade de aplicação rígida de uma orientação que vise a
regularização das rendas. Na verdade, se a maior oferta hoje de
terrenos determina já condicionalismos mais propícios a uma
remodelação de estruturas, casos existem em que se torna exigível a
abolição de abusos, que são autênticas especulações, impeditivas do
progresso agrícola. Importa a instituição da chamada renda justa,
como meio indiscutível de saneamento.
5) Trabalho e formação
profissional
Num mercado competitivo, onde domina
essencialmente a lei da oferta e da procura, o valor da produção é
fortemente limitado pela inviabilidade do consumidor adquirir mais
do que as suas habituais necessidades. Na verdade, neste aspecto, a
venda dos produtos agrícolas é restritiva à capacidade alimentar dos
homens, ao contrário do que acontece com outros bens de consumo,
cuja venda pode ser progressiva e atingir cifras elevadas por
adequada técnica de vendas.
Nestas condições, o aumento de
produtividade mais eficaz é o que deriva da diminuição de
unidades-homem-trabalho que se consegue à custa do dimensionamento
das explorações, e sua conveniente mecanização racional. Desta
forma, será possível, depois de diminuir na empresa agrícola o
número de trabalhadores, pagar até mais justamente aos que ficam, se
devidamente preparados e mais produtivos, colocando-os em condições
idênticas aos que trabalham no sector secundário.
/ 30 /
For outro lado, nós todos sabemos
que toda a tendência da Europa é para a constituição de explorações
agrícolas com cunho empresarial. Nós, também, embora muito
lentamente, caminhamos nesse sentido, quanto mais não seja porque
somos impelidos por circunstancialismos vários, do que salientamos a
necessidade de sobreviver. Mas, para a obtenção do êxito que esta
transformação nos proporciona, é fundamental e urgente promover, em
larga escala, a formação base e de empresa para o homem e mulher do
campo, ligada aos aspectos técnico, social e profissional.
6) Política de preços dos
produtos agrícolas
Se é justo que se oriente uma
política económica no sentido de garantir os preços dos produtos de
primeira necessidade de forma a ficarem ao alcance do conjunto -dos
consumidores, não pode, porque é injusto, tal política existir à
custa do sacrifício de toda a classe rural. Ofende a justiça social
a disparidade existente entre o valor dos produtos agrícolas e os
bens de consumo e os factores de produção e dificilmente se aceita
um estado de permanente inferioridade económica e social do sector
primário, que vive privado dos meios indispensáveis para que tenha
um nível de vida decente, só porque impavidamente se consente um
contínuo aumento de preços dos factores de produção e a um
simultâneo estrangulamento, maior ou menor, dos produtos agrícolas.
Para atenuar este desequilíbrio,
afigura-se-nos que será sempre de encarar, no contexto da economia
nacional, o binómio agricultura-indústria, de forma a que, pelo
sistema de vasos comunicantes, e utilizando os múltiplos recursos
que para este problema são sugeridos pela técnica económica, possa
haver disciplina, propiciadora de harmonia e de equilíbrio entre
estes dois sectores. Em boa verdade, há interligação íntima entre
eles, não só porque a agricultura produz os alimentos de que
necessitamos, como também porque um agricultor próspero contribui em
larga medida para o aumento de clientela dos produtos industriais.
7) Seguros sociais
Independentemente da necessidade
indiscutível que há em promover a adopção de medidas com vista a
salvaguardar o presente e o futuro das gentes ligadas ao sector
primário, condicionadas, embora, pelas maiores ou menores
possibilidades da economia nacional, é imperioso, para não se tornar
ofensivo de uma sã justiça social, que o trabalho do campo esteja em
igualdade de condições, possuindo as mesmas regalias e benefícios,
usufruindo os mesmos direitos que os dos outros sectores.
E importará também que se promovam
condições favoráveis que permitam o seguro das culturas e dos
produtos agrícolas.
8) Extensão agrícola
A partir de equipas de técnicos
espalhadas pelos concelhos, pretende-se uma assistência efectiva e
profícua virada às explorações agrícolas. Sendo um meio poderoso de
promoção, pede técnicos bem preparados e medidas governamentais
seguras e meios suficientes para que possibilite uma acção completa,
persistente e eficaz.
Por seu turno, será mais incisiva se
assentar num planeamento regional, que lhe imprima maior dinamismo,
não obstante enquadrado também num planeamento nacional; mas, sendo
basicamente uma gestão das explorações, deve apoiar-se no ensino, na
investigação e na experimentação e, para que seja eficiente nos seus
objectivos, exige explorações economicamente viáveis e empresários
agrícolas esclareci das e evolui dos.
Dada, todavia, a nossa actual
situação de atraso e até de impreparação para a adopção de algumas
medidas com vista à obtenção de uma agricultura moderna, supomos
aconselhável que em zona ou zonas restritas se promovesse uma
assistência profunda, com características piloto, onde se aplicassem
os princípios considerados fundamentais à sua evolução. Seria uma
fonte preciosa de colheita de elementos de estudo e uma escola
prestimosíssima para a preparação de técnicos e de empresários
agrícolas.
9) Associação agrícola
Como em qualquer outro sector da
produção, a associação é uma exigência vital. Através dela,
nomeadamente pelo cooperativismo, por todo o mundo desenvolvido e
até mesmo subdesenvolvido, onde se verifica a sua adopção, é mais
fácil o progresso, porque se possibilita uma maior garantia de
rentabilidade, e porque é mais viável conseguir um plano de
igualdade de condições de vida perante as outras classes,
normalmente mais bem organizadas.
Sobre o cooperativismo agrícola
debruçar-nos-emos mais desenvolvidamente no capítulo seguinte.
III – COOPERATIVISMO AGRÍCOLA
«...uma Cooperativa não é um
edifício, nem é uma sociedade de capitais transformados em
equipamento por simples favor da Administração Pública.
Uma Cooperativa é um grupo de homens
livres, livremente reunidos por um
/ 31 /
objectivo comum; é um impulso de convicções firmes, um feixe de
lúcidas vontades.
Protegê-las é obra de Administração,
mas criá-las é muito mais do que isso: é obra de Educação.»
Prof. Eng.º Agr.º. Eugénio de
Castro Caldas
1) Breve história
Há palavras que, por pouco
melodiosas ou por circunstâncias que se desconhecem mas que
inexplicavelmente inspiram dúvida, são marcadas logo à nascença e
não conseguem livrar-se, pelo tempo fora, do ferrete que as macula e
as tornam menos simpáticas, quando não mesmo repulsivas; e outras
há, pelo contrário, que, muitas vezes também sem explicação,
depressa encontram aceitação geral, talvez por infundirem simpatia e
encontrarem eco nas massas, e são mesmo capazes de se constituírem
em símbolo e arrastarem multidões, mesmo inconscientemente.
A esta – Cooperativismo –, supomos
que ninguém lhe nega a magia de ter conquistado e continuar a
conquistar o mundo, em todas as suas formas de desenvolvimento. Rios
de tinta têm corrido a escrever-se sobre ele, desde os primeiros
pensadores que se preocuparam com a sua doutrina – Robert Owen e
Charles Fourier –, passando pelas experiências iniciais, como a dos
Pioneiros de Rocchdale, até às múltiplas e variadas fórmulas criadas
num afã contínuo de adaptar o fenómeno cooperativo às exigências
impostas pelas circunstâncias, nos sectores da vida económica em que
as cooperativas haveriam de nascer e proliferar e desenvolver-se.
«Fenómeno cooperativo», «Movimento
cooperativo», «Doutrina cooperativa», «Teoria económica de
cooperação» ou ainda «Cooperação como Ciência Económica» – são
expressões genéricas que se objectivam na base de um princípio de
organização e de um espírito próprio subjacente às suas diversas
manifestações.
Como nasceu? Como foi aceite? Como
se desenvolveu?
A resposta à primeira pergunta é
fácil: encontramo-la na sua história, que é recente. Na verdade, a
cooperação surge integrada no movimento de reacção contra os efeitos
do liberalismo económico que se esboçou no século XVII e que teve a
sua expansão e consolidação nos séculos XVIII e XIX. A liberdade
consentida às forças económicas originou, ao contrário do que se
supunha ou previa, um estado de desequilíbrio, que não permitiu
benefícios em proporções uniformes aos participantes na produção e
no crescimento.
O Cooperativismo nasce então como
hipótese de solução para as deficiências do sistema.
Mas como foi aceite? Como se
desenvolveu?
Teria sido por então negar a empresa
e a economia capitalista liberal, e verificar-se que, com o recurso
à associação, se permitia ao homem subsistir, escapando à miséria?
Teria sido por se apresentar como
arma disponível aos indivíduos economicamente débeis, que procuravam
elevar-se na sua condição e desejavam fugir à dependência e
subordinação económica?
Teria sido por representar um ideal
humano, que importava atingir e defender?
Teria sido por representar um
princípio de organização económica iniciada a nível da produção,
apoiando-se na iniciativa e colaboração activa dos próprios
interessados, que se dispunham e dispõem a utilizar os meios em
conjunto para satisfazer colectivamente as necessidades comuns?
Certamente que tudo concorreu para
que o cooperativismo tivesse merecido a simpatia e fosse aceite
pelas massas populacionais em ritmo espantosamente crescente, não
sendo alheio a isso a chama da esperança que dele emana e que tão
preciosa é à insatisfação humana, alimentada pelos frutos de
exemplos, conhecidos aqui e além, e que beberam a sua doutrina.
A terapêutica generaliza-se. Com
efeito, a partir dos fins do século XIX, a cooperação invade os
domínios rurais, como meio de defender e elevar uma lavoura
desprotegida e pobre, ao mesmo tempo que são também pequenos
comerciantes que a ela recorrem: a França é invadida, depois da
primeira Grande Guerra, pelas cooperativas de habitação, como
solução de tantos que não podiam suportar a subida das rendas ou
construir casa própria; as cooperativas de consumo generalizaram-se
velozmente entre os funcionários de magros proventos, chefes de
família com pesados encargos, reformados e pensionistas do Estado; e
os meios piscatórios também lhe abrem os braços.
Neste particular aspecto, haverá que
referir a existência curiosa em Portugal dos chamados compromissos
marítimos, regulamentados por D. Manuel I, de conteúdo cooperativa
ligado à produção, no domínio das armações de pesca, sobretudo no
Algarve.
E, nos tempos modernos, se o
desenvolvimento do cooperativismo se pode considerar como índice da
evolução dos povos, na medida em que atinge a sua maior expressão
nos mais adiantados, também nos países subdesenvolvidos a sua
praticabilidade é já vista como solução para o desenvolvimento das
suas economias, de forma a poderem fugir à dependência atrofiadora
exercida pela acção económica e política de países mais fortes.
É no sector agrícola onde, na
Europa, ele atinge maior expressão. Para fazermos uma ideia do seu
desenvolvimento actual, damos aqui pequenas notas do que se observa
em alguns países.
/ 32 /
Na França, é desde o século XIX que
o cooperativismo começa a dominar o espírito dos lavradores, e
aparece como medida adequada para enfrentar circunstâncias
económicas ingratas. Foi instrumento de defesa dos seus interesses e
também do ideal humano.
Hoje cobre todos os sectores da
actividade agrícola, quer no campo de produção, quer no de
abastecimento das explorações ou ainda no dos serviços, num total
que ronda as 25000, com particular relevância nos sectores da
mecanização, do leite e do vinho.
Na Suíça, onde apareceriam outros
motivadores da cooperação, como sejam as grandes dificuldades
climáticas e as próprias do abastecimento em país tão acidentado, o
cooperativismo agrícola assume hoje importância considerável,
traduzido em 22000 organizações.
Na Dinamarca, o movimento
cooperativo partiu da produção e foi-se alargando progressivamente,
de sector em sector, até dominar todos os circuitos dos principais
produtos até à colocação destes nos mercados interno e externo.
País de reduzida superfície, o
cooperativismo assume importância de relevo nos sectores da produção
leiteira e da dos suínos.
Através da influência da Escola
Primária Superior, que formou caracteres e instruiu um grande número
de agricultores na gestão das suas empresas, houve um autêntico
despertar dos meios rurais para uma adaptação das suas explorações
aos condicionalismos económicos dos tempos, e nessa permanente
evolução e cooperativismo haveria de ser a principal arma utilizada.
Com uma área de cerca de 1/12 da da
França, possui cerca de 1 300 cooperativas de leite e
aproximadamente 65 matadouros cooperativos. À parte isso, há uma
cobertura cooperativa completa em todos os ramos da produção, que se
estende depois aos sectores do abastecimento das explorações, dos
serviços e do comércio e interno e externo. Autêntica fundação
popular, inclui também nos seus objectivos uma estrutura de crédito,
com a existência de cooperativas específicas, Caixas cooperativas e
até um Banco.
Na Itália, o número de cooperativas
agrícolas ascende a perto de 17000, abrangendo a produção,
abastecimento e serviços e também o crédito, apontando-se como o
principal factor da sua expansão a dependência do processo produtivo
para com o mercado, no que respeita ao uso dos factores produtivos.
2) O Cooperativismo Agrícola em
Portugal
2.1) Representatividade do
movimento
A legislação portuguesa que rege as
Cooperativas foi iniciada em 1867, mas só a partir de 1936 o
movimento começa a ter expressão.
O número de Cooperativas existentes
e em funcionamento, ao longo do tempo, num total de 428, pode assim
definir-se:
De 1894 a 1925 ____________________
8
De 1926 a 1935
____________________
40
De 1936 a 1960
____________________
286
De 1960 a 1967
____________________
28
De 1968 a 1972
____________________
66
E a sua diversificação actual é a
seguinte:
|
Adegas Cooperativas |
|
97 |
|
|
|
|
|
Leite e lacticínios: |
|
|
|
– Continente |
28 |
|
|
– Ilhas |
53 |
81 |
|
Mistas |
|
66 |
|
Olivicultura |
|
61 |
|
Máquinas |
|
32 |
|
Compra e venda |
|
18 |
|
Frutas |
|
14 |
|
Ovinicultura |
|
11 |
|
Avicultura |
|
7 |
|
Batata de semente |
|
6 |
|
Agro-pecuária |
|
5 |
|
Rega |
|
5 |
|
Cerealicultura |
|
2 |
|
Destilarias |
|
2 |
|
Floresta |
|
2 |
|
Lúpulo |
|
1 |
|
Cânhamo |
|
1 |
|
Apicultura |
|
1 |
412 |
Uniões |
|
|
16 |
|
|
|
|
|
|
|
428 |
|
|
Como ajuda a este movimento, o
Estado, através de diversos dos seus departamentos, mobilizou
investimentos que ascendem a dois milhões e quatrocentos mil contos,
que representam, sem dúvida, esforço notável.
2.2) Justificação da situação
actual
A situação geográfica de Portugal na
Europa havia-lhe de determinar condicionalismos económicos e sociais
diferentes dos restantes. Com efeito, separados pela Espanha,
através de um longo muro de 600 kms., não fomos submetidos às mesmas
pressões sócio-económicas dos países do centro; vivemos muito tempo
isolados dos problemas com uns que os afectaram e só de longe em
longe tínhamos conhecimento do que lá se passava, contentando-nos
então a visualizar o pensamento pelo caso francês, sempre mais da
nossa simpatia. Daí nasciam ideias e planos, às vezes
/ 33 /
entusiásticos, mas desgarrados de um todo, que nem sempre tinham
aplicação prática porque a vida e os homens eram e são diferentes.
Por outro lado, no período das
últimas 4 décadas, correspondente às grandes modificações do mundo
rural europeu, a nossa agricultura não sentiu verdadeira necessidade
de se entregar a grandes transformações, porque foi então protegida
por um paternalismo estatal que lhe dirigia a economia e de alguma
forma resolvia os problemas.
Esta doce vida, carecida de
motivação evolutiva, havia de provocar um atraso aflitivo do nosso
sector primário, em confronto com a dinâmica sempre crescente e
irreversível observada na Europa, que mais ainda acelerou o passo
depois da última grande guerra.
Ora a grande arma, utilizada em toda
a parte, quer no mundo capitalista, quer no socialista, para levar a
agricultura a uma actualização de processos capazes de lhe imprimir
características de competição com os outros sectores de actividade,
haveria de ser o cooperativismo. E então assistiu-se a uma expansão
do movimento em todos os quadrantes do globo, quer na livre América
e Europa, quer ainda nos países para além da cortina de ferro e
mesmo nos integrados no âmbito do chamado terceiro mundo.
Neste contexto, quase mundial, a
posição de Portugal não é prestimosa e até custa ser lembrada ao
nosso brio de portugueses.
Depois de um longo período de
dormência, de condicionalismo pouco animadores e de iniciativas
dispersas e tímidas, devemos reconhecer que só nos últimos 7 ou 8
anos começou a haver maior consciencialização em Portugal do
fenómeno cooperativo. E, não obstante ainda muito precário e
receoso, pode dizer-se que se expandiu aí de forma irreversível.
Na verdade, se, por um lado, os
tempos que vivemos são outros diferentes daqueles em que se selavam
cooperativas de índole económica, se assistia impotente à oposição
arbitrária movida abertamente contra elas, até mesmo por alguns
sectores oficiais, e se se procurava inclusivamente eliminar a acção
de uns tantos que teimosamente e com coragem por elas lutaram e se
sacrificaram, sem medo de ameaças e de manobras concretizadas na
transposição do tema para o campo político, a que não faltaria o
estigma de comunista com que alguns foram apelidados; também, por
seu turno, se pensa que a maior consciencialização que as camadas
populacionais economicamente débeis vão tendo do que são e do que
valem quando actuam ou se apresentam em grupo, alimentada ou
revigorada pelo substrato da instrução, hoje em -ritmo acelerado,
permitirá ao homem português, através da via cooperativa, já em
desenvolvimento, maiores êxitos no confronto com o poder económico e
estádios sociais mais equilibrados e de mais justa repartição.
2.3) Factores frenadores do
movimento cooperativo
Todavia, nem tudo correrá de feição
ao movimento cooperativo agrícola português; algumas condicionantes
hoje existem que podem ainda limitar ou frenar o seu
desenvolvimento, constituindo até causa de fracasso, num ou noutro
caso. Vejamos algumas:
a)
A legislação que regula a formação e vida das Cooperativas tem um
sentido demasiadamente liberal, que lhe imprime insegurança e não
atende à necessidade de renovação do elenco directivo.
Na verdade, ao contrário do que
acontece lá fora, onde um lavrador que adere a uma Cooperativa, ou
uma Cooperativa que adere a uma União, não saem facilmente porque
assumiram à entrada compromissos de que é difícil desfazerem-se, no
nosso país entra-se e sai-se de uma Cooperativa e esta de uma União,
com a maior das facilidades.
Este é um condicionalismo
preocupante, porque não se coaduna com as responsabilidades de uma
Cooperativa que, por ser empresa económica, necessita de aval
seguro, tanto mais reforçado quanto maior for a sua dimensão.
Por seu turno, para uma maior
acutilância das suas administrações, as Direcções das Cooperativas
deviam ser periodicamente renovadas em parte do seu elenco, de forma
a haver sempre espírito novo e novas perspectivas nos domínios do
económico e do social.
b)
Em resultado da falta de uma Política Agrária definida e ausência de
coordenação e mesmo divergência dos Serviços tem havido hesitação no
campo das competências da Organização Corporativa e do movimento
Cooperativo. Embora se afirme, no âmbito do Governo, que a primeira
tem a função de representação e a segunda atribuições económicas,
certo é que o pensamento do Governo não tem sido transposto para a
prática, de que resulta uma luta que hoje é aberta e cada vez mais
acérrima, o que não favorece nem a Organização Cooperativa, nem as
Cooperativas, nem - o que é pior - o própria Lavoura.
c)
Tem faltado uma estrutura ao movimento Cooperativo, que lhe dê
coesão e mais força através de agrupamentos homogéneos de
cooperativas em Uniões e destas em Federações. Daqui deriva a
constituição de Cooperativas às vezes com poucas possibilidades
económicas, ou então muito grandes, com afectação dos contactos
entre eles e a massa associativa, ou ainda de Uniões com
Cooperativas de dimensão ou força muito heterogénea, provocando
perigo de ruptura de unidade.
/ 34 /
d)
Entendemos também que na base da cooperativismo está o cooperador, e
com ele, o espírito, intenções, vontade e consciência com que adere
à associação.
O Cooperativismo, se é uma doutrina,
é também uma vivência, porque obriga a uma conduta especial do
indivíduo em grupo: é livre e abraça princípios democráticos, que
pressupõe, todavia, a obrigatoriedade de limitar a sua liberdade por
respeito indiscutível da liberdade dos outros, e, se é naturalmente
cioso dos seus direitos individuais, não deve fugir nem discute os
direitos da colectividade, de que dimanam deveres fundamentais para
a defesa dos interesses comuns.
Até que ponto teremos nós atingido
este estádio? Sem querermos considerar mesmo a fase de perfeição
absoluta, que seria utópica em termos humanos, em que medida se
situa o nível médio do cooperador português? Consentirá ele uma
evolução franca do Cooperativismo, ou antes o limita ou mesmo
estrangula?
Supomos que não se ofenderão
connosco se aqui afirmarmos que, em Portugal, na generalidade, temos
Cooperativas – e já algumas – mas não temos cooperadores, pelo menos
em número que seja significativo e capaz de imprimir carácter ao
movimento. Na maior parte dos casos o agricultor adere ao
cooperativismo sem consciência da sua doutrina e da força que
possibilita a unidade de acção, apoiada no grupo. Em vez de procurar
reforçar a unidade, como seu elemento operoso, trabalhando no seu
interior para o projectar no exterior com mais valimento, é
frequente vê-lo antes numa acção externa, como se fosse alheio ao
grupo, minando e promovendo a desagregação do edifício, ao qual
pertence. Parece paradoxo, mas é verdade incontestável.
Sendo assim, também se poderá
perguntar: se não temos cooperadores, como é possível termos
Cooperativas?
A resposta está no critério de
actuação usado. Se tivéssemos que esperar pela existência de
cooperadores, não sabemos se alguma vez teríamos Cooperativas, e, se
as viéssemos a ter, o atraso seria seguramente tão grande que nos
arriscaríamos a uma posição altamente comprometedora, perante uma
competição acesa que já nem é europeia, mas mundial, onde os
alicerces rurais se fundamentam e têm o cooperativismo como
denominador comum. Por tal razão, parece ter-se preferido a adopção
do critério da constituição das cooperativas, mesmo com o risco de
não haverem cooperadores, por se pensar poder assim obterem-se
resultados mais rápidos, e também porque seriam as próprias
Cooperativas existentes a fazerem escola e a ajudarem no progresso
do movimento.
De qualquer modo, não pode
descurar-se a preparação do cooperador. Muito embora pensemos que há
defeitos no indivíduo que, talvez por razões genéticas, não mudam,
por mais aprimorada que tenha sido a sua educação e a sua formação
cultural (sobejam exemplos desses), seria estultícia não
considerarmos a educação como indispensável para levarmos o homem à
condição de cidadão consciente de uma sociedade cooperativa. Se
ainda assim não conseguirmos deixar de ter água no leite ou evitar a
entrada de uvas fracas ou podres nas Adegas Cooperativas, porque as
boas ficaram em casa de cada um, seguramente que haverá muito menos
água no leite e melhores vinhos através daquelas.
e)
Se permitem a nossa modesta opinião, o cooperativismo português está
na fase de arranque, que, em alguns sectores, poderá ser tomado já
como expressivo. Qualquer que seja, porém, o seu estádio de
desenvolvimento, seguramente que atravessa um período de maior ou
menor perturbação, certamente produto de uma crise de crescimento
que, à parte os aspectos negativistas que a informam, não deixa de
ser útil pela purificação de ideias que proporciona e pela revisão
de métodos de trabalho a que obriga.
E uma das características
predominantes de que ainda se não viu livre é o amadorismo de que
está impregnado. Sem querer ferir o espírito de carolice de uns
tantos a quem se ficou a dever – pode dizer-se – a sua existência, e
a quem não nos cansamos de render as nossas efusivas e justas
homenagens de muito respeito e admiração, o que é certo é que o
movimento cooperativo, depois de ultrapassar o estádio inicial em
que se poderia justificar o regime de «meia bola e força» deveria
consciencializar-se no sentido de se estruturar em moldes que
permitissem garantia no embate competitivo que o aguardava e que já
se sabia ser cada vez mais duro. Por amor da verdade, temos que
afirmar que alguns sectores houve que assim fizeram, constituindo
hoje empresas cooperativas válidas, com capacidade para exercerem a
sua nobre e útil missão; mas também manda o mesmo amor pela verdade
dizer que muitas outras houve que se quedaram num passivismo
comprometedor, sem vida prestimosa ou com uma actividade precária
que, de índole cooperativa, só tem o nome.
Ora, não haverá quem friamente não
reconheça que este condicionalismo é defeituoso, diremos mesmo que é
pernicioso, porque trava seriamente o desenvolvimento do fenómeno
cooperativo no país.
f)
Todavia, enquanto aquele condicionalismo defeituoso e pernicioso,
que atrás se referiu, continuar a existir, tudo é possível
acontecer: coisas boas e coisas más. São pretensões de cooperativas,
sem qualquer hipótese de vida económica, mas que servem para fazer
barulho; é a falta de compreensão e consequente dissociação e
conflitos entre as direcções e os membros das cooperativas e entre
estes e os das suas Uniões; é o alheamento dos associados em relação
ao funcionamento
/ 35 / da empresa cooperativa, de que
deriva, tantas vezes, a falta de representatividade nas Assembleias
Gerais; é a concentração da decisão pelo esquecimento da massa
associativa, aumentando-se assim a distância entre o cooperador e a
Direcção da Cooperativa, com as consequentes dificuldades em manter
a harmonia entre as exigências do crescimento da empresa e o seu
conteúdo humano; é a dificuldade nas Uniões de Cooperativas, em ter
pessoal qualificado, que a sua gestão impõe, por se regatear a
concessão de vencimentos de certo nível, que a sua competência
exige; é mesmo a dificuldade em se conseguirem funcionários
qualificados que se disponham a aceitar a falta de compreensão e as
contingências dos cooperadores mal esclarecidos e que, com e sem
razão, tudo discutem, etc., etc.
Muitos mais exemplos podíamos citar,
ditados pela experiência do dia-a-dia. Mas se julgam não serem
suficientes, podemos ainda citar mais um caso, que, aliás, reputamos
da maior importância entre os que travam ou prejudicam a evolução do
fenómeno cooperativo: é o aparecimento, de quando em vez, de pessoas
inexperientes, mas que declaram tudo saber e querem passar por
génios inconformistas, para fugir à rotina e servirem talvez de
paradigmas. Regra geral, porque são narcisados e não sabem ouvir,
quando actuam (e não lhes falta coragem para isso), sai asneira
quase sempre. E o pior é que também, a maior parte das vezes, não
reconhecem o erro, e logo se aprontam para cair e fazer cair noutra
os que dizem defender. Advogam pela palavra uma doutrina, que é
parente directa da democracia, mas na prática actuam com um
individualismo feroz, com nítido desprezo pela opinião dos seus
comparsas.
g)
À medida que o cooperativismo evolui, a partir da evolução das suas
células, vai sendo cada vez mais exigente a qualificação dos
dirigentes e das gerências. E no nosso mundo rural, com uma
capacidade de promoção tão relativa, tão falha de sedução que
tem levado à fuga maciça das suas
gentes, onde se incluem as mais válidas e que mais poderiam lutar
pelo sector primário, é cada vez mais difícil conseguirem-se
individualidades que sirvam funções directivas e de gerência e
queiram despir-se de individualismos para abraçar a difícil tarefa
de trabalhar pelo bem comum, que bem pode não coincidir com o deles
em especial.
h)
Regra geral é notória a falta de acutilância da empresa cooperativa,
na parte final da comercialização, em confronto com a empresa
privada. Não é mal só nosso, porque é geral e atinge os países mais
evoluídos, como na própria América do Norte.
É defeito sério, este, no movimento
cooperativo, porque o afecta no cerne. Precisa de ser atacado de
frente. Talvez por sua causa surgiu recentemente legislação adequada
que permite, dentro de condições que salvaguardam a posição das
cooperativas, a formação de sociedades entre elas e as empresas
privadas.
IV – CONCLUSÕES
De toda a matéria exposta neste
trabalho, duas conclusões se destacam pela sua importância:
1) Política Agrária
Podemos deduzir, do que atrás foi
dito, que a agricultura não tem sido objecto de tratamento adequado
da parte do Governo. Não há uma orientação definida que imprima
segurança à produção, como também não se tem olhado a sério para a
sua industrialização, nem tão pouco se têm criado condições na
comercialização que possibilitem uma rentabilidade estimuladora e
própria de uma actividade económica que precisa de revigoramento. É
certo que aparecem muitas vezes, por despacho, medidas destinadas a
amparar ou fomentar isoladamente este ou aquele sector; mas não raro
também acontece, como, por exemplo, no ramo pecuário, a tais medidas
faltar continuidade e persistência, e a breve trecho serem
substituídas por outras, com gravames sérios para largos capitais
investidos cujo rendimento fica comprometido por falta de tempo
indispensável para que se tornassem produtivos.
Sem dúvida que é urgente a definição
clara e objectiva de uma política agrária, a partir da qual seja
possível termos no nosso país uma agricultura actualizada, com uma
representação condigna na vertical, constituindo um sector de
actividade economicamente equilibrado com os outros. É todo o país
que precisa dessa política, porque todo o cidadão não pode viver sem
a agricultura.
E não pode esquecer-se que não será
válida qualquer política Agrária sem que primeiro se crie um sistema
realista e eficaz que elimine radicalmente a descoordenação hoje
existente entre Ministérios e entre os Serviços do mesmo Ministério
que actuam na agricultura num jogo de competências que tornam o
aparelho executivo altamente ineficiente.
Acreditamos que é difícil e até
muito precária a posição de qualquer responsável governamental pela
pasta da Agricultura dentro do actual condicionalismo, que actua sem
uma planificação básica orientadora dos seus destinos, que encontra
o seu domínio submetido a diversas influências, com risco inevitável
de fraqueza e quebra de objectividade, e que se vê inseguro por um
apoio vacilante ou frágil num executivo desarticulado.
/ 36 /
2) Cooperativismo
No longo caminho que nos falta
percorrer para chegarmos a um nível europeu, não restam dúvidas que
se reconhece dever nacional acelerar o passo e tomar medidas sérias
e claras, que dinamizem o sector primário, projectando-o numa
integração vertical. É que a agricultura não é só produção:
pretende-se, porque é fundamental, que vá cada vez mais para a
industrialização e comercialização em termos competitivos.
Para este efeito, o cooperativismo
será, porque já o é em toda a Europa e em grande parte do mundo, a
grande arma que se nos apresenta e a que urge lançar mão com
afoiteza. Através dele, encontrar-se-á certamente a solução adequada
para muitos problemas da vida rural, como são, por exemplo, os de
maior magnitude, relacionados com a estruturação e reconversão
agrária.
Mas não tenhamos dúvidas: para que o
Cooperativismo possa vir a dar os frutos que dele é lícito
esperar-se, é indispensável que ele se enquadre no contexto global
de uma Política Agrária.
Para já, supomos que para além de
todo um trabalho generalizado e persistente de consciencialização da
doutrina cooperativa no meio rural, é indispensável o apoio e
acompanhamento de perto da vida das Cooperativas e suas Uniões
existentes e a funcionar, de forma a possibilitar-lhes condições de
estabilidade e de segurança. Os largos financiamentos e subsídios
estatais já investidos no movimento, obrigam, quanto a nós, a uma
atenção profunda e controle da sua rentabilidade, não se perdendo de
vista uma indispensável dinamização do crédito nos casos futuros – e
só nesses – que se enquadrem dentro de uma planificação regional e
nacional.
Todavia, o Cooperativismo agrícola,
se precisa de uma orientação segura, apoiada numa Política Agrária
idónea, necessita também de medidas específicas que respondam ao
dinamismo que o deve caracterizar e às exigências de adaptação aos
circunstancialismos de cada momento. Citamos algumas, que
consideramos principais:
a)
Actualização da sua legislação, de forma a introduzir mais
responsabilidade e disciplina no movimento e a combater o estatismo
por um esquema que permita a obrigatoriedade de renovação periódica
do elenco directivo.
b)
Estruturação indispensável, desde as
cooperativas de primeiro grau, de dimensão conveniente – nem muito
pequenas, nem muito grandes – para poderem ser válidas no aspecto de
contacto e utilidade efectiva com as aderentes, até ao seu
agrupamento estudado e planeado em Uniões, já com envergadura
empresarial, porque têm função eminentemente económica, e à junção
destas em Federações, de enorme conveniência, principalmente para
tratarem dos problemas de comercialização, quer a nível interno quer
externo.
c)
A fim de evitar duplicação inútil de
esforços e despesas, e com o intento de tornar mais acutilante e
eficiente o movimento cooperativo, para um maior desenvolvimento e
projecção da economia nacional, afigura-se-nos dever enquadrá-lo
dentro de uma planificação económica a nível regional, não obstante
não esqueça as linhas mestras de uma planificação nacional.
Julgamos fundamental esta
descentralização, para um maior realismo de actuação e obtenção de
maior celeridade processual da estrutura cooperativa, dentro da
geografia sócio-económica do país.
Na verdade, dentro das linhas gerais
que mergulham as suas raízes na doutrina cooperativa, e que norteiam
estrategicamente uma planificação global, há pormenores
diferenciados regionais que a experiência nos aconselha a ponderar e
que obrigam a adopção de tácticas diferentes, para uma melhor
praticabilidade das ideias que nos animam.
Por outro lado, parece-nos da maior
importância que se visualize e encaminhe a rede de estruturas das
cooperativas base dentro das reais possibilidades naturais de cada
região, sem artificialismos, sempre caros e tantas vezes fonte de
fracassos, e com uma orientação que vise à maior uniformidade
possível, para se evitarem, dentro do mesmo movimento, discrepâncias
de forças que o possam comprometer.
d)
Independentemente do processo acelerado de mentalização a levar a
efeito no meio rural para o cooperativismo, parece-nos que seria
também de encarar a educação e instrução cooperativa dos jovens nas
escolas, a começar na primária, e cursos de formação acelerada para
os adultos, com vista à gestão das explorações e seu enquadramento
em fórmulas associativas.
e)
Cursos de preparação – teóricos e práticos de dirigentes,
devidamente programados nos aspectos que interessam ao conhecimento
da doutrina cooperativa, à psicologia de grupo e à gestão das
empresas, extensíveis às gerências das Uniões. E para as pessoas já
lançadas na gestão das cooperativas e suas Uniões, são ainda da
maior utilidade cursos periódicos de reciclagem, que permita uma
permanente actualização de métodos de trabalho.
f)
Estamos convencidos que a coordenação de Ministérios e de Serviços
Oficiais, que se impõe, facilitará a solução do problema grave das
desinteligências entre a Organização Corporativa e o Movimento
Cooperativo.
Tem tardado, por parte do Governo, o
tratamento adequado deste lastimável estado de coisas, embora
/ 37 /
saibamos existir já um projecto de Decreto que pretende resolver
este diferendum. Com base constitucional, dá a representação, à
Organização Corporativa e a competência económica às Cooperativas.
Por seu turno, para que a primeira possa ter o atributo de autêntica
representação, há participação activa das Cooperativas, a nível
regional e nacional, na sua estrutura orgânica.
Pois que num amanhã muito breve ele
apareça e seja o prenúncio de uma efectiva coordenação dos
Ministérios e de Serviços e o primeiro passo da formulação de uma
verdadeira Política Agrária.
*
Depois da leitura desta exposição,
fica-se certamente com uma impressão que não é consoladora.
Quem vive a agricultura e os seus
problemas económicos e sociais, sem esquecer o cunho humano que os
acompanha, raramente tem motivos para euforia.
É uma situação que convida a meditar
e ajuda a um amadurecimento de ideias e a um conhecimento da vida em
termos de realismo; e espevita também o inconformismo, pela ânsia de
querer mais e melhor.
Por isso, neste encadear de
pensamentos, eu sinto satisfação de pertencer a uma geração que vive
esta época de contradições e de luta, porque é nela que nós mais
temos possibilidades de nos realizarmos como homens. E se o queremos
ser, de facto, não podemos desejar uma vida, e no nosso caso
particular uma agricultura, separada do mundo actual, defendendo
princípios e formas de trabalho obsoletos; antes importa ter
esperança e abrir caminho para nos lançarmos num futuro melhor. |