Introdução
A publicação deste trabalho
preocupa-me, com grande receio de ter incorrido em erros que, aliás,
não pude evitar.
As informações que consegui colher
foram insuficientes, estão muito dispersas e incompletas,
assentando, muitas vezes, em meras conjecturas, quando não se
entregam à fantasia de ousados narradores.
Muito tive que procurar em terras
quase «hermas», como antigamente se classificavam as que estavam
despovoadas, reduzidas a mato, tornadas em solidão ou não
cultivadas, como as definiu Santa Rosa de Viterbo, no seu
Elucidário das palavras, termos e frases (Vol. 2.º, fls. 313).
Limito o estudo à freguesia de S.
Nicolau da Vila da Feira, dada a impossibilidade que tenho, por
agora, de o alargar às outras freguesias do concelho, como era meu
desejo.
Espero que, em cada uma delas, surja
quem se encarregue desse trabalho, esperança do no concurso daqueles
que, pela sua cultura, garantam a justificada esperança de um bom
êxito de modo a, dentro de anos, fazer-se um trabalho de conjunto
que dê a devida cobertura a todo o concelho, – uma monografia bem
original.
*
Pela afinidade espiritual dos
motivos englobo, no mesmo estudo, as Capelas, Oratórios, Alminhas,
Cruzeiros, Vias Sacras e Passos, temas que despertam o mesmo
sentimento de fé e procuram atingir o mesmo e altíssimo fim – o da
salvação das almas sob o signo da Cruz. Outros Padrões.
Além deste intróito, finalizo com
uma conclusão.
Antecedo, cada um dos capítulos, de
um breve estudo, para que, em limitada explicação, se possa
abranger, no seu conjunto, toda a matéria versada, facilitando a
marcha nas estradas, tão pouco iluminadas, de penetração em tantos
séculos passados.
*
Foi muito penoso o arrolamento de
tudo que me foi possível encontrar disperso em livros, jornais,
revistas e outras formas de divulgação escrita, ao que associei o
que se mantém na tradição oral e o mais que consegui apreender pela
voz dos monumentos e dos outros bens que ainda perduram.
Para dar seriedade a este trabalho,
procurei seleccionar – apartando o trigo do joio – dando àquele as
condições necessárias para uma boa germinação, convertendo-o em
alimento sadio da investigação que procuro alcançar.
Todos os que se dedicam a estes
estudos sabem quantas surpresas nos reserva a descoberta de
documentos e a permanente evolução de conceitos já formados – o que
nos leva a ver, muitas vezes, como mau o que consagrados já
consideraram como bom.
Depois de registar, seleccionar e
sistematizar, tentei, na medida das minhas possibilidades, juntar
harmónica e lógica mente, o que me pareceu válido e de interesse
para o efeito, dando vulto e continuidade a uma história que se
prolonga – na possibilidade dos elementos
/ 64 /
encontrados – desde tempos muito recuados até ao dia de hoje.
Infelizmente, na maioria dos casos,
tive que trabalhar entre ruínas, entre inúmeras dúvidas e
contradições, sempre na legítima aspiração de ir cada vez mais
longe, sem desprezar a verdade,
*
Não quero impor o meu raciocínio,
nem sujeitar os outros ao critério da minha interpretação: por isso,
transcrevo grande parte dos textos onde me informei, para que todos
os possam ler e interpretar com o seu próprio sentimento e
inteligência.
No mesmo propósito alarguei a
documentação gráfica, contributo de uma valiosa presença.
*
Não preciso encarecer o valor que um
estudo desta natureza representa para a história local, falada e
ensinada através de pedras, peças e motivos, que formam padrões que
faço correr diante dos vossos olhos – mais dos da alma do que dos do
corpo -, símbolos de épocas mais ou menos remotas e lembranças dos
que os ergueram e ampararam, vivendo à sua sombra.
Tomei a voz dos antepassados para a
transmitir aos vindouros, através do presente, voz que, em pouco
tempo, pertencerá também ao passado.
*
Reservo para estudo autónomo a
história da Igreja da Misericórdia que, embora não seja matriz, é
nomeada tradicionalmente por aquele distinguido título.
Também ficará, para outra
oportunidade, o estudo do templo que está a ser levantado, no lugar
da Cruz, pelos P. P. Passionistas a par do edifício do seu semi.
nário, já em adiantado estado de construção,
*
Lamento não ter chegado mais cedo, a
tempo de colher notícias que já se perderam com a morte de tantos
que, na sua memória, retinham elementos preciosos pelo que viram e
ouviram em dilatadas vidas.
Se me acuso, também lamento que os
do meu tempo e os que pertenceram a tantas gerações que me
antecederam, não tenham tido a feliz iniciativa de abrir o caminho,
de modo a, agora, apenas me competir continuar e reparar, à sombra
de novas e sempre necessárias investigações.
Estamos sempre a tempo de salvar
muito, embora cada vez menos.
Exorto, por isso, o que faço em
apêlo renovado, os meus compatrícios a lançarem-se no caminho da
investigação, enriquecendo a história da nossa terra em múlt;plos
aspectos ainda tão esquecidos.
Por minha parte, enquanto não me
faltarem as forças, continuarei a trabalhar, arando o terreno «hermo»,
cultivando-o com a melhor semente que me for possível encontrar.
Contento-me, quanto ao particular
deste estudo, que ele baste como alicerce que possa suportar obra
que sirva de apoio e de ponto de partida.
Lanço este trabalho à publicidade –
como um tímido esboço – para ser completado por aqueles que quiserem
dedicar-se a estes estudos: daqui os incito e saúdo com votos de
muitas felicidades.
CAPITULO I
CAPELAS
Começo por lembrar uma distinção que
convém ter presente, referente ao significado de «capela».
Além do que resulta de «simples
oratória, igreja de uma comunidade isenta, altar colocado dentro e
em volta da igreja, em espaço maior ou menor com disposição especial
e templo filial da igreja matriz», também por ela se designavam os
«bens onerados perpetuamente, tendo encargo de missas ou doutros
ofícios religiosos, por intenção com o fim de sufragar a alma do
fundador» (O Cabido da Sé do Porto – pelo cónego António Ferreira
Pinto – Capítulo VI – Capelas e Morgados – a fls. 43).
Gama Barros, na «História da
Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV (2.ª edição –
fls. 223), nas suas considerações sobre «capelas e morgados»,
diz-nos quanto à propriedade vinculada perpetuamente: «Estabelece-se
o vínculo quer fosse quando o instituidor destinava os bens
principalmente a obras pias, indicando porém a ordem a seguir na
sucessão ou administração delas (capelas), quer o fim principal da
instituição, posto que onerada com encargos pios, fosse imobilizar
os bens em determinada família para ela manter para sempre o seu
estado e condição (morgados). Mas nos documentos, como veremos,
designou-se muitas
/ 65 / vezes ambas as fundações com
qualquer desses nomes, e a característica legal, que as distinguia,
só foi formulada no primeiro quartel do século XVI, nas Ordenações
Manuelinas».
Estas (L. I. T. 62 § 63),
reproduzidas nas Filipinas, dispuseram que «por não vir em dúvida
qual he Morgado, ou Capela: Declaramos ser Morgado se na Instituição
que dos bens os defuntos fizerão, for conteudo, que os
Administradores, e possuidores dos ditos bens cumprão certas Missas,
ou encargos, e o que mais renderem hajão para si; ou que os
Instituidores lhe deixarão os ditos bens com certos encargos de
Missas, ou de outras obras pias. E se nas Instituições for conteudo,
que os Administradores hajão certa cousa, ou certa quota de rendas,
que os bens renderem, assim como terço, quarto ou quinto e o que
sobejar se gaste em Missas, ou em outras obras pias: em este caso
declaramos não ser Morgado, senão Capella. E nestas taes
Instituições, e similhantes, pode e deve entender o Provedor, posto
que nas Instituições se diga que faz Morgado, ou que faz Capella,
porque as similhantes palavras não haverão respeito, somente à forma
dos encariagos».
Para melhor elucidação sobre a
matéria pode-se ler «Tratado prático de Morgados por Manuel de
Almeida e Sousa de Lobão» – 2.ª edição correcta e adicionada pelo
autor –Capítulo X – fls. 148 e seguintes, de onde extratei aquele
trecho das ordenações.
A fls. 470, em adições,
sintetiza: «Neste reino já havia o que hoje chamamos Capelas, que
erão imposições de Missas e Encargos Pios, com que se oneravão os
prédios; e isto ia pelos anos de 1314, 1347, 1392, como vêmos no
Elucidário de Fr. Joaquim de Santa Rosa debaixo das palavras =
Testamento, Missas públicas – Encixamento.
Como adiante referirei, já em 2 de
Setembro da era de 1343 (ano de 1305) o rei D. Dinis doou a «Capela
de Santa Maria do Campo» (que entendo ser «instituição» e não
edifício) à Igreja de S. Nicolau da Feira.
Por «capela» também se chamaram os
«ornamentos, peças, trastes de altar e tudo que serve à liturgia»,
bem como a «todas as alfaias, ornamentos, livros, peças que se
costumam empregar na celebração dos diversos ofícios e tremendo
sacrifício do altar» (cit. ob. de Viterbo – Vol. 2.0, fls. 68).
*
O presente estudo dirige-se às
capelas – edifícios ou seja às que se incorporam no primeiro
conceito, embora mereçam especial referência as que como
capelas-instituições, se fundaram naquelas, como sucedeu na velha
capela de N. Senhora de Campos.
Outras, e foram muitas, serão
referidas quando me dedicar ao estudo da Igreja do Convento do
Espírito Santo, desta vila.
As capelas, no seu primeiro
significado, são para uma localidade, o que a pedra de armas
representa para uma família.
Cada uma delas associa-se à história
e grandeza do brasão da terra onde foram implantadas.
Pertencem muito a um passado que não
podemos deixar em sossego: temos que o agitar a cada passo e
momento, exigindo-lhe informações e respostas.
É o que passo a fazer.
*
Além de outros livros, que nomearei
oportunamente, encontrei muita utilidade na consulta dos que passo a
enumerar, onde, as capelas e ermidas desta freguesia de S. Nicolau,
foram inventariadas.
– Catálogo dos Bispos do Porto – por
D. Rodrigo da Cunha, 1623:
«O Mosteiro do Espírito Santo esta
na Vila do Feira junto do Castelo, he de Religiosos de Santo Eloy,
tem quatro Frades. Ermidas, S. Nicolao, N. S. de Campos, N. Senhora
do Castelo, São Francisco, Santo André, Santa Margarida, Santa
Luzia».
Este descritivo consta da parte II –
pág. 247 sob o capítulo «Das Igrejas da comarca da Feira, suas
Ermidas, fregueses e rendimentos» – da 2.ª edição publicada em 1742,
adicionada por António Cerqueira Pinto.
Como este não introduziu qualquer
adicionamento na parte II, como declarou no prólogo da edição de
1742 e exactamente nesta parte é que se faz referência às ermidas
(Capítulo XXXIV), temos que aceitar as informações como reportadas
ao ano em que o livro foi ao prelo, pela primeira vez, ou seja em
1623.
O autor ao anotar a ermida de S.
Nicolau deve referir-se à que estava junto à demolida igreja de S.
Nicolau, isto é, a que foi exceptuada no contrato de transferência
da sede da freguesia da antiga igreja do mesmo nome para a do
Convento do Espírito Santo, desta vila, datado de 17 de Dezembro de
1566.
Parece-me evidente que não se refere
à nova igreja, como se deduz da prática usada com outros conventos.
Assim, quando se refere ao de
Pedroso diz «Mosteiro de S. Pedro de Pedroso, que foi dos Padres de
S. Bento» e a seguir indica as ermidas existentes, no número das
quais não figura a igreja daquele mosteiro.
– O «Episcopológio», de Manuel
Pereira de Novais, concluído em 1690 e editado por José Pereira de
Sampaio
/ 66 / (Bruno) apenas cita, como ermidas da Vila da
Feira, as de S. Nicolau, Nossa Senhora do Castelo, de S. Francisco,
de S. André, Santa Margarida, Santa Luzia e Nossa Senhora de Campos.
Vê-se, assim, que se mantiveram
todas as ermidas enunciadas em 1623, sem qualquer acréscimo.
– O «Ceo aberto na terra», do padre
Francisco de Santa Maria – 1697 – informa (L II, Cap. XLI, pág.
533-537): «Tem mais esta Igreja sette Ermidas: a primeira de N. S.
da Encarnação, sita no Castelo, a qual reedificou à sua custa a
excelentíssima senhora D. Joana Forjaz Pereira Meneses e Silva, he
toda de cantaria sextavada, cousa perfeitíssima. Nella se guardão
notáveis relíquias de Sãtos: a segunda he de S. tuzia Virgê e Martyr:
a terceira he do Archãjo S. Miguel: a quarta he de todos os Santos:
a quinta do patriarca S. Francisco, q se edificou no lugar onde
esteve a matriz: a sexta de N. S. da Piedade; a sétima de Santo
André.»
Deste texto vê-se que em 1697 e em
relação a 1690 – não há referência à ermida de S. Nicolau, à de
Campos (o que deve resultar de lapso pois sabemos que ainda existiam
em 1707) e à de Santa Margarida: acrescentaram-se a do «Arcanjo S.
Miguel», a de «Todos os Santos» e a da «Piedade» (Ver Memórias e
datas para a história de Ovar – por João Frederico Teixeira de
Pinho).
– «Corografia Portuguesa e descrição
topografica do famoso reino de Portugal, com as notícias das
fundações das Cidades, Vilas e Lugares que contem varões ilustres,
genealogias das Rainhas Nobres: fundamentos de Conventos, Catálogos
dos Bispos, antiguidades maravilhosas da natureza, edifícios e
outras curiosas observações» – 1707 – pelo padre António Carvalho da
Costa, clérigo do hábito de S. Pedro e matemático, natural de
Lisboa.
As respectivas licenças do Santo
Ofício e do Ordinário são, respectivamente, de 7 e 26 de Janeiro de
1707 e os demais vistos de 4 e 5 de Dezembro de 1708.
Por isso, o seu texto data, pelo
menos, de 1707.
Referindo-se à freguesia desta vila,
que é a do «Convento dos Cónegos Seculares da Congregação de S. João
Evangelista» diz:
«Tem Casa de Misericórdia, Hospital
e estas Ermidas: São Nicolao, que era antigamente a Matriz, N.
Senhora de Campos, N. Senhora da Encarnação situada no Castelo (cuja
Ermida he toda de cantaria sextavada, e tem notáveis relíquias de
Santos), São Francisco, Santo André, Santa Margarida, Santa luzia, o
Archanjo São Miguel; e outra de todos os Santos» (fls. 107).
Assim, mantêm-se as ermidas
mencionadas em 1690, renovando-se a referência às de S. Nicolau,
Campos e Santo André, excluindo-se (o que se deve o lapso) a da
Piedade.
Deve haver equívoco quando se diz
que «São NicoIao era a antiga matriz porque menciona-se esta e a de
S. Francisco.
Tendo esta sido implantada onde
esteve a de S. Nicolau (como se diz no já referido «Ceo Aberto na
Terra» e o mesmo se diz pela pena do vigário Quintela), temos que
concluir que a de S. Nicolau devia corresponder à velha ermida de S.
Nicolau que foi exceptuada no aludido contrato de 1566.
Pela forma como está redigido aquele
texto vê-se claramente que coexistiam em 1707 e anos anteriores
(pois o autor diz no prólogo que «para esta obra trabalhou muitos
anos nos mais antigos arquivos destes reinos»), a igreja paroquial
de S. Nicolau, no convento e as ermidas de S. Nicolau e de
S. Francisco no lugar da Misericórdia.
Num artigo publicado no jornal «O
Povo Feirense» de 3 de Dezembro de 1938, assinado por V, este afirma
que encontrou um exemplar daquela «Geografia» tendo à margem da
referência àquelas capelas, uma anotação inventariando outras nos
termos seguintes:
«E outra da Piedade, outra de S.
Sebastião, capela de Dionísio Pereira homem principal: outra de
Santo António na Praça da vila, pequena, para os presos ouvirem
missa, a qual mandou fazer o Campelo. É hoje seu capelão o P.
Baltazar Joaquim Pereira. Hoje 6 de Junho de 1742.»
Esta informação está errada, em
parte, porque a capela de Dionísio Pereira tinha a invocação de S.
Miguel e não de S. Sebastião; esta e a da Piedade já tinham sido
mencionadas em 1697 no «Ceo aberto na terra», do padre Francisco de
Santa Maria.
– Dicionário Geográfico de Portugal,
no tocante à freguesia de S. Nicolau, desta vila, segundo as
respostas dadas, em 1758, às perguntas do respectivo questionário,
pelo vigário da mesma freguesia – padre José de São Pedro Quintela,
cónego de S. João Evangelista no Mosteiro da Feira, manuscrito que
está guardado na Torre do Tombo (vol. XV, fls. 195 e segt.es): «11.º
e 12.º – No lugar em que estava a freguesia de São Nicolau e depois
ficou a Capela de São Francisco, se vê hoje a Misericórdia.
13.º – Tem mais esta freguesia oito
capelas que são – Nossa Senhora da Incarnação sita no Castelo a qual
reedificou à sua custa a Excelentíssima Senhora Dona Joana Forjaz
Pereira Menezes e Silva da
/ 67 /
nobilissima casa dos Condes desta vila, he toda de cantaria
sextavada cousa perfeita, nella se guardão notaveis reliquias de
santos das quais muitas pelo decurso do tempo tem levado descaminho;
tem esta capela trez altares, em hum dos quais esta novamente
colocada a Imagem de Santa Luzia por se ter arruinado a capela da
dita Santa que estava extra muros do mesmo Castelo sem romagem. A
segunda he do archanjo S. Miguel sita no lugar de Fijo, he vínculo
com obrigação de algumas missas que hoje pertence a Manoel de
Gouveia desta freguesia. A terceira é de São Bento sita no mesmo
lugar que dizem ser vínculo de Manoel Pereira falcão desta
freguesia. A quarta é de todos os santos no lugar de Justas, foi
vínculo que finalizou e hoje pertence, por comprar o dito vínculo a
Dionísio Ferreira desta freguesia. A quinta he de Nossa Senhora da
Piedade Imagem muito milagrosa porem sem romagem pertence ao Povo. A
sexta he a de São José sita no lugar da Velha que pertense a José de
Freitas desta freguesia. A setima, a de Santo André, sita
extra-muros da quinta de Santo André pertence ao Povo. A oitava he a
de Nossa Senhora de Campos que foi antigamente freguesia da qual
fizemos mensão supra está sita no Lugar de Campos e pertensse ao
Povo. Todas estas capelas não tem romagem só a da Senhora da
Incarnação como abaixo dizemos: ha mais na prassa desta vila
defronte da cadea, e caza da camera della um oratório da Invocação
de Santo António para se dizer missa aos Prezos. Todas as sobreditas
Capelas e oratória, estão subordinadas a jurisdição Parochial do
Vigario desta freguesia.
19.º... Todos os anos no dia vinte e
cinco de Março he outra Feira extra muros do Castelo ao pé da
Senhora da Incarnação a que nesta terra chama o vulgo a Senhora de
Março e por concorrer a esta Capela romagem: neste dia se faz no
circuito huma Feira por todo o dia franca.»
Devo notar que este vigário Quintela
não era muito cuidadoso na recolha das informações históricas,
aceitando-as sem procurar a sua verdadeira justificação, ou copiando
de outros que, menos escrupulosos, a tantos induziram em erro.
Assim e com verdade se diz, na nota
lançada a fls. 4 v do exemplar que tenho daquele livro: «Foi tal a
fúria com que o P. José de São Pedro Quintela desatou a copiar o que
o p.e Francisco de St.ª Maria escreveu na chronica das Congregações
de Cónegos Seculares de S. João Evangelista (L. II, Cap. XLI, pag.
533 e seg. – ed. de Lisboa 1697) a respeito da villa da Feira que
não obstante ser Cónego Secular e Vigário da Paroquia de S. Nicolau
(egreja Matriz da referida Villa) não se deu ao trabalho de
verificar no mesmo templo a exactidão das informações do p.e
Francisco de St.ª Maria e transcreveu ipsis verbis o epitáfio do
Conde D. Manoel Pereira, que o p.e Fr.º de St.ª Maria descreve,
quando a verdade é que o mencionado epitáfio qual se encontra na
Egreja Matriz é totalmente diverso. O seu verdadeiro teor é este –
Aqui jaz o muito ilustre S.or Dom Manoel Pr.ª Conde da Feira..,.
Os lugares das sepulturas, como os
errou o p.e Fr. de St.ª Maria, também os errou o p.e Quintela. As
descritas por ambos, são todas razas e situadas no pavimento da
Egreja.»
A este indesculpável erro se refere,
comentando, o Dr. Aguiar Cardoso em «Migalhas de História do
Concelho da Feira», no jornal «Vila da Feira», número 54 de 12 de
Maio de 1921.
No estudo detalhado de cada uma
destas ermidas terei ocasião de me referir, comentando, a todo
aquele descritivo do vigário Quintela.
*
Consegui tomar conhecimento das
seguintes capelas e ermidas, nesta freguesia de S. Nicolau da Feira,
que relaciono tendo em consideração as respectivas localidades, que
enumero pela sua ordem alfabética: todas as conhecidas foram
implantadas na área da vila.
|
Lugar de Campos |
A |
–– |
Nossa Senhora de Campos |
Lugar do Castelo |
B |
–– |
Nossa Senhora da Encarnação |
C |
–– |
Ermida de Santa Luzia |
D |
–– |
Nossa Senhora de Monserrate |
Lugar de Fijô |
E |
–– |
S. Miguel |
F |
–– |
S. Bento e S. José |
Lugar da Igreja |
G |
–– |
Ermida do Espírito Santo |
Lugar de Justas |
H |
–– |
Todos os Santos |
Lugar da Misericórdia |
I |
–– |
S. Nicolau |
J |
–– |
S. Francisco |
Lugar da Piedade |
K |
–– |
Nossa Senhora da Piedade |
Praça Velha (do Dr. Gaspar Moreira) |
L |
–– |
S. António
/ 68 / |
Lugar de Santo André |
M |
–– |
S. André |
Lugar da Velha |
N |
–– |
S. José |
Não localizada (1) |
O |
–– |
St.ª Margarida |
|
|
(1) -
Só esta não me foi possível
localizar: a última referência que tenho dela consta da «Corografia
Portuguesa», do padre Costa – 1707.
*
Do estudo feito posso concluir:
Quanto à sua existência:
Já não existem
– A, C, F, G, I, J, L, N, O
Existem, mas profanadas
– E, H
Existem abertas ao culto
– B, D, K, M
Quanto à sua natureza:
Públicas
– A, B, C, G, I, J, K, L, M, O
De administração particular
– D, E, F, H, Não
Quanto à O, nada se pode dizer,
pelas razões já invocadas.
As invocações escolhidas para
aquelas diversas capelas e ermidas podem agrupar-se pela forma
seguinte:
|
a – Espírito Santo |
b – Nossa Senhora |
Campos
Encarnação
Monserrate
Piedade |
c – Santos |
Santa Luzia
S. Miguel
S. Bento e S. José
Todos os Santos
S. Nicolau
S. Francisco
S. António
S. André
S. José
S. Margarida |
|
|
Na conclusão final, além do mais,
farei uma resenha da antiguidade de cada uma das mencionadas capelas
e ermidas e das datas, por vezes prováveis, do seu desaparecimento,
o que reservo para então, para englobar essa matéria no estudo
conjunto de toda a versada nos diversos capítulos.
Notas diversas
Parte das ditas capelas foram
inspeccionadas, pelo menos, entre os anos de 1726 a 1886, como
consta do livro das «Visitações à Igreja de S. Nicolau da Feira»,
que teve o seu início em 26 de Outubro daquele ano e tem o seu termo
de nova abertura datado de 9 de Agosto de 1834 (época em que foram
confiscados os bens do convento).
Este livro, a que faltam as páginas
finais (68 a 78 inclusive), ainda existe na igreja.
Foi antecedido, pelo menos, por
outro, pois sabe-se pelo livro do padre Jorge de S. Paulo – «Livro e
memorial da fazenda deste concelho para se dar princípio ao tombo
tão necessário para sua aumentação», muito citado neste trabalho
(transcrito, em parte, pelo Dr. Vaz Ferreira, no seu artigo sobre «O
Convento da Feira», publicado no Arquivo do Distrito de Aveiro,
números 63, 64 e 65), que a nossa igreja foi «visitada» em: 1634
(fls. 36), entre 1649-1660 (fI. 281) e 26 de Setembro de 1705 (fI.
282 v.).
A nossa diocese também foi
«visitada» pelo Bispo do Porto (dentre elas algumas deveriam caber à
nossa igreja de S. Nicolau e, assim, é possível que se tivessem
alargado a algumas das nossas capelas): em 1538, por D. Fr. Baltasar
Limpo, entre 1603-1607 por D. Gonçalo de Morais, entre 1619 a 1627
por D. Rodrigo da Cunha, entre 1684 e 1696 pelo Dr. João de Almeida
Ribeiro, abade de S. Miguel da Gandra, que foi governador do Bispado
e visitador na comarca da Feira por D. João de Sousa e arcebispo
eleito de Braga.
Tudo refiro, neste momento, para
abrir caminho à necessária investigação sobre aquelas «visitas» que
muito interessam ao estudo das capelas e oratórios, como bem serviu
aquele livro que ainda se conserva na nossa igreja.
O livro, ou livros, de «visitas»,
anteriores a este último, deve ter sido confiscado juntamente com o
arquivo do Convento do Espírito Santo, desta vila, em 1834,
desaparecendo a partir de então, como aconteceu à maior parte desse
arquivo que escapou às invasões francesas.
O que ainda existe livrou-se da
sorte dos demais, naturalmente por ser o corrente à data daquela
abusiva confiscação.
/ 69 /
Daquele arquivo apenas conheço – por
informação do cónego António Ferreira Pinto, que foi distinto
professor e reitor do Seminário do Porto, o que diz no seu estudo
sobre a «Colegiada ou Colégio do Espírito Santo na Vila da Feira»
(cit. Arquivo do Distrito de Aveiro – Vol. 4.º, fI. 81) e ainda os
tombos do convento existentes na Biblioteca Municipal desta vila.
Um, formado por 10 livros (com falta
do 6.º) e o «Tombo Velho da Igreja de S. Nicolau da Vila da Feira»,
que abrange o do Mosteiro (Igreja de S. Nicolau) e o da «Igreja de
S. Cristóvão de Nogueira da Regedoura anexa ao Convento de S. João
Evangelista».
*
Segundo o edital do Bispado do Porto
de 6 de Maio de 1785, em conformidade com a providência da rainha D.
Maria I – de 16 de Novembro de 1784, foi proibido que «antes de
nascer o Sol e meia hora depois delle posto esteja mais algüa Igreja
deste nosso Bispado aberta ou Capela» (Copiado no citado livro de
«Visitações» em 30 de Março de 1785, pelo vigário António de Pádua
Corrêa e Silva – fls. 69 v. a 70 v.).
*
Nos anos santos eram nomeados, para
a visitação, para alcançar o jubileo nesta freguesia da Feira, a
igreja matriz e algumas das capelas, entre as já referidas.
Assim, tomei conhecimento das
seguintes:
a) Pastoral do Bispo do Porto (Dom
Frei José Maria da Fonseca e Évora) de 4 de Junho de 1751, segundo o
breve do Pontífice Bento XIV de 25 de Dezembro de 1750, remetida com
data do 1.º ano de 1751. Em conformidade com estes diplomas o
vigário da freguesia de S. Nicolau da Feira – José do Nascimento
nomeou para a «visitação das Igr.as qe serão
de visitar para alcansar o jubileo nesta freguesia em pr.º lugar
esta Igra Matriz e a segda a Igrª da Misericórdia – a 3.ª
a Capela de S. Miguel Archanjo sita em Fijô e a 4.ª a Capela de
Nossa Senhora de Campos» (fls. 24 a 28 cit..º das Vis.).
b) Edital do Bispo do Porto – Dom
Frey João Rafael de Mendonça, Monge de São Jerónimo, de 5 de Outubro
de 1776 em que se mandou publicar a extenção do jubileo do ano
santo, por virtude do qual o vigário desta freguesia – Tomaz de S.
José do Nascimento nomeou para «a vesitação das Igrejas que se hão
de vesitar para alcançar o Jubileo nesta freguezia em primeiro lugar
esta Igreja; a segunda a Igreja da Misericórdia; a terceira a capela
de Nossa Senhora de Campos e a quarta a capela de Santo André...»
(fls. 56 a 58 – cit. L. das Vis.).
*
No mencionado livro das «Visitações»
encontram-se outras disposições referentes a capelas que julgo
conveniente divulgar neste trabalho.
a) «...e na observância de tudo
encarrego muito a consciência o Reverendo Parocho como também que
não fassa a missa que pessoa alguma se confeçe em Ermidas e capelas
desta freguesia excepto nas ocasions declaradas em a Constituição
deste Bispo e só nestes podera sêr confessada e no Adro da Igr.ª
alguma mulher velha e mouca no caso em que na Igrª haia começo de
gente (visitação de 26 de Outubro 1726 fls. 2 v.);
b) «...por sêr informado de que
muitos sacerdotes Parochianos desta Igreja dão comunhão a varias
pessoas nas Capelas da fregª sem licença do Verº Parocho delle sem
que este seja sabedor do referido. Mando que aqui em diante nenhum
dos ditos sacerdotes de a comunhão nas das Capelas sem Licª do mesmo
Rev.º Parocho sob pena de suspensão (visitação de 10 de Maio 1746 –
fls. 18);
c) foi determinado que o Rdo
Pároco fizesse guardar a custódia da Igrª e vasos sagrados por
pessoas «não só de intra confidencia e probavelide...» e que «seja o
todas havidas por legitimos christãos velhos e com as mesmas
qualidades e lhe recomenda admita na sua Igrª os sacristaes e o mmo
observara nas Capelas desta fregª e concentindo o contr.º se lhe
extranhara gravemente» (visitação de 25 de Junho de 1769 – fls. 47);
d) em algumas visitações, há
recomendações por vezes muito duras, sobre o estado em que foram
encontradas as capelas e suas alfaias: darei nota enquadrando-as no
estudo da capela a que respeitarem.
Por ser de ordem geral transcrevo,
agora, apenas, o que sobre a matéria consta da visitação de 23 de
Junho de 1754, a fls. 30 V. e 31.
«Mandamos que as capas dos calices
assim da Capela da Snrª da Piedade como das mais capelas da fregª se
dourem as capas pela pte de dentro e tambem as patenas no
trº de seis meses e passados elles se assim se não fizer co isso
ficara suspenso todo o sacerdote, que com eles celebrar e tambem se
encaixarão nas taboas dos Altares todas as pedras de Ara, que o não
estiverem.»
*
Finalmente, desejo dar conhecimento
da legenda que consta do índice do tombo do convento do Espírito
Santo, desta vila, referente ao Livro 6.º, letra C – «Sençª dos Pes
contra o Pe José Soares desta villa nos impugnavão a
Jurisdição das Cappas desta freguezia em 1730 – fls.
174». /
70 /
Este livro 6.º é o que falta na
colecção depositada na Biblioteca Municipal desta vila.
O título é muito sugestivo: talvez
pela leitura daquela sentença seja possível colher novos e
proveitosos conhecimentos sobre as capelas da época.
Aguardemos que apareça aquele volume
ou colecção onde ele esteja integrado.
LUGAR DE CAMPOS
A
CAPELA DE NOSSA SENHORA DE CAMPOS
1
Descrição
Esta capela, na sua última
estrutura, era muito simples, como se vê da fotografia que se
publica.
Situava-se no lugar de Campos, num
terreno murado com acesso pela antiga estrada que ligava o lugar do
Montinho ao da Cruz.
Estava encimada por um triângulo,
tendo no vértice superior uma cruz e nos dos lados, sobre os cunhais
da frente, pirâmides, tudo em pedra.
A porta principal, ladeada por
janelas com grades de ferro, tinha um motivo sobre a sua padieira, a
qual era sobreposta por um óculo, tudo também em granito.
O seu adro tinha árvores.
Ultimamente, sobre o seu muro
frontal, havia uma vedação com grade e portão de ferro.
Hoje está demolida, jazendo as suas
pedras abandonadas no terreiro onde ela outrora se erguia.
2
História
A capela de Campos foi uma das mais
antigas, se não a mais antiga da Vila da Feira.
Para nós, só tem passado.
Felizmente, alguns documentos ainda
restam, que nos permitem dar alguns passos na sua história.
Os mais antigos, estão insertos no «Censual
do Cabido da Sé do Porto»:
a) «Doaçom que fez el Rey da Capela
de santa Maria do Campo aa Igreia de sam Nicolao da feira» – 2 de
Setembro da era de 1343 (ano de 1305) – fls. 288.
b) «Carta dei Rey que mandou
desenbargar todaIas erdades da Capela de santa Maria de Campos a sam
Nicolao» – 7 de Setembro da era de 1346 (ano de 1308), fls. 289.
Naquele título, o rei D. Dinis faz
saber «que como os Reis que foram ante mim e eu fezemos manteer a
serviço de deus e da ssa madre santa Maria hua capella na Eigreia
que chamam santa Maria de Campo na fregesia da Eigreia de sam
Nicholao da Ffeyra de terra de santa Maria no Bispado do Porto e
dessem os Ihi herdamentos pera dizer hy missa cada dia huum Capellam
da dicta capella por que achey que non cantavam hi missa aas vezes
nem deziam hi oras com outorgamento da Raynha domna Isabel mha
molher e de meu filho Inffante dom Afonso primeyro herdeyro».
|
|
Capela de N.ª Sr.ª de Campos (1890) |
Em seguida doa à igreja de S.
Nicolau, desta vila, «todos os herdamentos e possisoens e de todas
as outras coussas que forom dadas pera mantimento da dicta Capella
em tal maneyra que a dicta Eigreia de sam Nicholao aia e possoya
livremente pera todo sempre todas as coussas de susso dictas e os
Rectores que hi pelo tempo fforem seiam obrigados a theudos a ffazer
hy dizer cada dia hua missa naquela maneyra que ata aquy se soya
(costumava) a dizere a manteer hua lampada na dicta Eigreia de santa
Maria do campo todo o assim de noyte».
/ 71 /
Outrosim o rei dispôs na mesma
doação – «E o clerigo que ouver a dizer a missa em essa Eigreia do
Campo diga as horas canonicas com os outros na dicta Eigreia de sam
Nicholao Et mais em dia de santa Maria daGosto uaam hy cada anno os
clerigos de som Nicholao a dizer todas as horas Canonicas E pera
conprirsse todo esto. Rogo ao Onrrado padre dom Giraldo Bispo do
Porto assi como ordinayro e dom loahanne Bispo de Lixboa assi como
padrom (padroeiro) da dicta Eigreia em sam Nicholao a que ende eu
dey o padroado nom come a bispo de Lisboa. Mais come a loham martinz
per rrazon da sa pessoa que Conçença em estas cousas e as afirme de
guysa que a dicta Eigreia de sam Nicholão e os Rectores que hy
fforem seiam teudos por sempre para conprir todos estes carregos de
susso dictos...»
Seguem-se as aceitações, terminando:
«Em testimonho desto eu sobredicto Rey mandey en fazer tres cartas
seeladas do meu seelo e que tenha ende eu a hua e o dicto padrom
outra e a dicta Eigreia de sam Nicholao outra. E nos sobredictos
bispos fezemos poer nossos seelos nas dictas cartas em testimunho de
verdade. Dada em Lixboa dous dias de Setembro – EI Rey o mandou pelo
Arcebispo de Bragaa – Affonso Reymondo a ffez – Era de Mil e
Trezentos e quarenta e Tres anos. Nos Arcebispo a uimos. EI Rey a
uyo».
Deste importante documento
conclui-se que:
a) em tempo muito anterior a D.
Dinis, um rei de Portugal instituiu uma capela (instituição, nos
termos já explicados, e não edifício) na igreja de Santa Maria do
Campo;
b) que esta, em 1305, lá estava
integrada na freguesia da «Igreja de S. Nicolau da Feira» e, por
isso, não encabeçava freguesia diferente desta;
c) a designação que se lhe dá de
Igreja, pode bem significar que lhe ficara por tradição, do tempo em
que fora a igreja da freguesia autónoma do seu nome;
d) a capela instituída deve ser
muito antiga pois já decorrera o tempo necessário para,
naturalmente, se aviltar o cumprimento de obrigações contraídas;
e) os benefícios reais de que gozava
essa capela e património que lhe foi doado, foram transmitidos com
as respeetivas obrigações, por meio de doação, nesse ano de 1305,
para a igreja de S. Nicolau da Vila da Feira.
Pelo segundo título apontado vê-se
que, depois de feita esta doação, da «capela» instituída na «Igreja»
de Santa Maria do Campo, à «Igreja de S. Nicolau» da Feira, o mesmo
rei, por carta de 7 de Setembro do ano de Cristo de 1308, mandou «desenbargar
todalas erdades da Capela de santa Maria de Campos a san Nicolao», o
que se processou nos seguintes termos:
Começa o documento por lembrar que
ele dera e doara «a mha capella de santa Maria de Campos com seus
dereytos e com ssas pertenças aa Eigreia de sam Nicholao da feira em
cuya ffreygesia ela sta, assim come conteudo mais compridamente en a
carta da doaçom que ende eu ffiz aa dicta Eigreia».
E explica, em seguida, que João
Moniz que fora capelão da dita capela, conforme fora devidamente
averiguado tinha feito nos bens delas muitas benfeitorias e
acrescentamentos na «dicta vinha assi como logo devissarom per dante
eles chantando (plantando) dela per ppe e dela acrescentando em
prouageens e que tirara huum terreo (baldio, terra livre, inculta)
de Mato e que fezere hy huum pumar».
E porque ele não quisera levantar
essas benfeitorias, antes «lhi ffezesse o Prior da dicta Eigreia (de
S. Nicolau da Feira) algua coussa aguissada (justa, conveniente)
pola bemfeitoria que el hy fezera», o rei declarou as benfeitorias
como feitas e que todas as herdades que pertencessem à mesma
«Capela» ficassem desembargadas, com a obrigação imposta ao prior de
dar ao João Moniz em cada «huum anno em dias de ssa vida por dia de
sam Miguel de Setembro quinze libras pelos bens da dicta Eigreia de
sam Nicholao da Feira».
Determina, logo em seguida, que
«estes dinheiros lhe devem a dar ata que aia alguum benefficio ou
ata que aia a Eigreia de santandre de Perzelhi (hoje de Mosteirô) em
que diz que for confirmado».
Foi «dada em Coymbra sete dias de
Setembro – el Rey o mandou pelo Bispo de Lisboa – Martim anes a ffez
– Era de Mil e Trezentos e Quareenta e seis Annos (1308 de Cristo) –
Episcopus Vlixbonensis».
Neste documento a redacção é mais
imprecisa do que a usada no primeiro, pois diz-se «como eu desse e
doasse a mha capella de Santa Maria de Campos com seus dereytos e
com ssas pertenças aa Eigreia de sam Nicholao da ffeyra em cuja
ffreygesia ela sta».
O confronto deste documento com o
anterior de 1305, porém, não deixa dúvida que se trata da
capela-instituição e não da capela-edifício e que «Campo» e «Campos»
se equivalem.
Confirma-se que esta estava
implantada na freguesia de S. Nicolau da Feira, o que exclui a
/ 72 /
existência, então, de duas freguesias distintas: aquela e a de Santa
Maria de Campos.
João Pedro Ribeiro catalogou aquela
carta de doação de 1343 (1305) e a de desembargo de 7 de Setembro de
1346 (1308) com as suas respectivas súmuIas (Dissertações, Vol. V,
fls. 52).
Do «Livro das Igrejas e Capelas do
Padroado dos Reis de Portugal» – 1574, com introdução de Joaquim
Veríssimo Serrão, em «Título dalguuas capelas, que se acharão
instituidas por alguns reis, iffantes e rainhas, com certos
encargos», consta a fls. 54:
– «EI Rei dom Afonso o 4.º instituio
huua capella na hermida q chamão santa Maria de Campos, a qual
leixou certos Casais na terra de Santa Maria» (fls. 46).
– São obrigados os Reitores q pelo
tempo forem da igreja de sancto Niculao da Feira de Sta Maria a
fazer dizer na ditta igreja cada dia huua missa, e manter huua
lampada na igreja de Sta Maria do Campo por certas leiras q lhe
foram leixadas e herdamentos» (fls. 46).
O mesmo livro, a fls. 91, acrescenta
sobre «Título das Cartas de Administrações de Capellas q forão
apresentadas per EIRei Dom Afonso o 5.º «= A Aluaro Afonso escudeiro
de Fernão Pireira a administração dhua capella qe Elrei
dom dom Afonso o 4.º, instituio na hermida qe chamão
santa maria de Campos, a qual deixou certos Casaes na terra de santa
Maria, e el rei dom Affonso 5.º depois deu a administraçam desta
capela» (fls. 91).
Lembro que D. Afonso V reinou desde
9 de Setembro de 1438 até 28 de Agosto de 1481.
A segunda notícia já referida, dada
a fls. 54, condiz com tudo quanto foi descrito.
Outro tanto parece não suceder com a
primeira, também de fls. 54, em relação ao que consta na de fls. 91.
Na verdade, não é fácil compreender
que Afonso IV, filho de D. Dinis, instituísse «hua capella na
hermida que chamão Santa Maria de Campos», a não ser que se tratasse
de outra «Capela-instituição», diferente da que seu pai doara em
1305 à igreja de S. Nicolau da Feira.
Naturalmente foi o que sucedeu, o
que justifica a clara referência feita no período inserto a fls. 91.
O referido livro das Igrejas e
Capelas do Padroado dos Reis de Portugal» – 1574 – foi publicado em
1971, na cidade de Paris, pelo «Centro Cultural Português» da
Fundação Calouste Gulbenkian, com introdução do director deste
centro, Joaquim Veríssimo Serrão.
É a transcrição do manuscrito
daquele «Livro», segundo a cópia existente no Museu Britânico.
Segundo o prefácio, elaborado por
aquele director do Centro, o códice foi redigido entre Julho de 1578
e Março do ano imediato, sob a direcção do Dr. António de Castilho,
guarda-mor da Torre do Tombo.
Mais desconcertante é a ordem de
sequestro que se passou do juízo das «Capelas da Casa Real sobre a
Capela da Snr.ª de Campos», expedida em nome do rei D. João 5.º em
25 de Março de 1717 – cuja cópia consta do tombo do Mosteiro do
Espírito Santo da Vila da Feira – Vol. V, fls. 242 (Tombo novo).
Por ela comunica-se «ao provedor da
comarca do Porto e a todas as justiças da terra da Feira e a todos
os mais distritos destes meus reinos e senhorios de Portugal», para
devido cumprimento, que «no livro das Capellas da minha Croa se acha
o assento do Theor seguinte = Assento de EI Rei D. Afonso o 4º
edificou a ermida de Sta Maria de Campos com certos cazais em terra
da Feira qe se apossarão os clerigos da Feira athe lha
tirar Alvaro Affonso dessa administração de o ano de mil
quatrocentos e sincoenta e hu por carta de EI Rei D. Affonso quinto
por sua vida por so assim E escudeiro de Fernão Pereira...»
Em consequência e porque não se
sabia, então, quem possuía os bens da referida capela «nem se estes
andão alheados ou aforados nem qtº rendem cada hu anno, nem outrosim
se os emcargos delle se satisfazem», ordena que se averigue «qe
bens, propriadades ou foros pertencem a esta Capela com quem partem,
confrontão e qto rendem cada hu anno livre dos encargos e
se estes se satisfazem e não estando satisfeito os fareis satisfazer
e em tudo qe logo achares logo mandareis fazer sequestro
qe não sera levantado sem ordem spicial deste Juizo das
Capellas da Coroa Real».
Seguem-se as instruções e ordens
necessárias para a execução da ordem dada distinguindo-se, entre
elas, o que evidencia bem a dificuldade encontrada no êxito da
diligência, que «mandareis por Editais nos lugares públicos delle
declarando em como eu faço merce della a pessoa que ir delatada
neste Juizo dentro do termo de 4 meses qe se contarão do
dia do dito Edital ainda qe seja o mesmo possuidor
intruso como assim tenho mandado por decreto meu de 5 de Novembro de
706...».
/ 73 /
Para que este texto possa ser
aceite, exprimindo a realidade que aparenta, embora controversa,
temos que admitir que a «capela-edifício» foi reedificada e não
edificada por Afonso IV: edificar, porém, deve corresponder a
fundar, instituir, acrescer.
Ao redigir o referido tombo surgiu a
mesma dúvida pois no seu índice – letra C – Vol V diz-se, na súmula
do mesmo documento: «Copia da Ordem de Sequestro qe se
passou do Juizo das Capelas da Coroa Real sobre a Capela da Snrª de
Campos qe se dizia que el Rey D. Afonso 4.º
Reedificara ou edificara a da CapelIa ou Ermida com
sertos casais em terra da Frª...» (o sublinhado é meu).
A congregação do Convento reagiu,
porquanto do mesmo tombo e volume consta, como lembrança a fls. 246
v. – em comentário aquela ordem de 1717: «A Capella de Campos foy
erecta pelos fregueses sem obrigação algua. Dionizio Prª qdo
foy Juiz do concelho teve a ordem retro e informandoce achou ser a
Capela qe se procurava a de N. S. de Campos cita na frego
de S. Martª de Argoncil de Grijó e qe esta informação
remetera tres vesas pª o Juizo das Capellas a Lisboaª. os Campos
junto à Capela erão passais da Igrª».
Esta informação repete-se no volume
10 do mesmo tombo – a fls. 285.
No estudo da capela de S. Miguel,
direi quem foi Dionísio Pereira, proprietário dessa capela e da casa
de Fijô, onde ela estava situada.
Aquela explicação merece estudo: a
instituição (que chamam edificar) da capela de Campos dizia respeito
a uma em S. Martinho de Argoncilhe e não à da nossa vila.
Para averiguar.
Na verdade, na freguesia de
Argoncilhe, deste concelho, há uma capela da invocação de Nossa
Senhora do Campo, já referida no Santuário Mariano, em texto que
deve reportar-se a 1721.
Aí se afirma que o «devoto Santuário
de Nossa Senhora do Campo, chamada assim vulgarmente desde os
princípios e antiguidade, que é muita, porque se não acha memória
nem tradição em todos os moradores daquele campo, de onde tomou o
nome, porque a ter outro título, de algum mistério seu sempre se
conservava na memória dos velhos, e também lhe chamam Nossa Senhora
Aparecida, de onde se confirma este nosso discurso em que se
manifestou naquele campo».
... ... ...
... ... ... ... ...
... ... ... ... ...
... ... ... ... ...
... ... ... ... ...
...
«Porém o nome mais próprio da
Senhora é o da Sr.ª Gloriosa Assunção, o que se confirma por
memórias antigas daquele Convento de Grijó, e nesse dia é obrigado o
Pároco da freguesia a celebrar Missa aos seus fregueses, por ser
esta festa certamente o seu Orago, e também porque ali teve os seus
princípios a primeira paróquia. E consta do arquivo do Mosteiro que
já o era no ano de 1686, como se vê de uma doação que naquele ano se
fez na mesma Igreja e declara estava ali fundada por estas palavras:
«Fundata in Exirtus vilae de Arguncili» que é o mesmo sítio em que
se vê hoje a Ermida da Senhora».
|
A propósito desta Capela ver o
artigo de F. R. – «Capela de Nossa Senhora do Campo» em «Abraço» –
jornal da Paróquia de Argoncilhe – que tem a feição de uma
monografia.
São bem diferentes, uma da outra, as
invocações de Nossa Senhora do Campo e de Nossa Senhora dos Campos
ou de Campos.
Muitas vezes estabelece-se confusão
entre uma e outra, quer por deficiência do escriba, quer por erro do
copista, que é o que sucede no caso presente em que a nossa capela
de Campos foi chamada do «Campo», na falada doação de 2 de Setembro
de 1305, e de «Campos» nos demais títulos citados.
|
Por isso, não nos podemos firmar,
naquela distinção, para tirar conclusões.
A fls. 243 e seguintes do mencionado
Tombo do Convento, sob o título de «Lembranças» e em apoio da
afirmação de pertencerem ao convento aqueles bens da capela,
cita-se:
a) o emprasamento feito por Dom Frei
Pedro Soares «Religioso da ordem de São Domingos que por dispensação
apostólica hera actualmente prior desta Igreja Paroquial de São
Nicolau»;
b) outro em 1538 (no índice do tombo
diz-se 1537) a Luiz Soares e a sua mulher Madalena Dias, do Cazal
de Campos, «dizendo he da dita sua Igreia e foi escrito na
Cidade do Porto prollu notário João denis aos 11 do sobredito anno
por ordem do vigario geral de porto».
Este emprazamento está transcrito a
fls. 222 do referido tombo e vol. e ainda a fls. 173 do L. 4.º do
mesmo tombo, abrangendo as seguintes terras: – «Casas, Palheiro,
quatro currais de gado, pumar, curtinha, chão de penedo, Chão do
Agro e hua Lavoura do Reboleiro, da quinta de Rolaens, e mais outra
leira no Reboleiro, da quinta de Rolaens, do Chão do Castanheira
/ 74 /
de Madre e hua Leira ao Largo do do Chão, os Chãos de bayxo do
rego».
Tudo se transcreve para um possível
confronto em documento que porventura, se venha a encontrar sobre os
bens que compunham a «capela».
A fls. 17 e 227 do mesmo tombo e vol.
transcreve-se o traslado da sentença do «Breve de Confirmação»
(concedido pelo Núncio Apostólico cardeal João Sepontino – com
poderes de Legado – à látere, no tempo do Papa Júlio 3.º) daquele
emprazamento feito em 1539 – o que também é referido naquelas
lembranças, com a indicação do encargo enfitêutico e a indicação de
que o mesmo casal já está mencionado a fls. 33 do Tombo Velho (que
também existe na Biblioteca da Câmara Municipal da Feira) com a
diminuta pensão de «meio tostão».
Fui conferir e, na verdade, assim é.
A fI. 246 do mesmo tombo, em
«lembranças», insiste-se no direito do convento à posse daquelas
terras, contestada na dita carta de 25 de Março de 1717, nos termos
que se reproduzem em fotocópia para melhor conhecimento e para
facilitar melhor interpretação.
/ 75 /
A fls. 232 do mesmo tombo (o novo)
está copiado o traslado da sentença e arrematação do Casal de
Campos, a requerimento dos P.es contra Antº Jorge de
Campos, por não pagar rendas decursas em 1576.
Nas referidas «Iembranças»
acrescenta-se que a demanda também teve por fundamento aquele
António Jorge se ter investido na posse do referido casal sem título
válido, esclarecendo que os padres tomaram posse do casal a 9 de
Abril daquele ano.
É duvidoso que este casal seja o
mesmo que foi referido como emprazado a Luís Tavares, pois no índice
do mesmo tombo (novo), Letra C, Vol. 8.º, fls. I consta «Descambio
que fez Diogo Tavares com os P.es em qe elle
deo ao Mostº o Casal de Campos e o Mosteiro deo ao do Diogo Tavares
os Casais, de Nadais, por escritura, em 1572».
Muitos outros emprazamentos e
referências se encontram no mesmo tombo, do Casal de Campos,
outorgados pelos padres da Congregação do Convento, como seja em
1598 (L. 4.º, fls. 369), 1623 (L. 1.º, fls. 291), (carta de
levantamento de sequestro) 1630 (L. 3.º, fls. 418), (arrendamento do
casal), 1642 (L. 5.º, fls. 213) e 1737 (L. 1.º, fls. 160) – o que
tudo pode servir de elemento de estudo para a história da capela.
A esta capela de Campos já se
referiu o «Catálogo dos Bispos do Porto» (1623), chamando-lhe ermida
de N. Senhora de Campos e o «Episcopológio» de Pereira de Novais
(1690), chamando-lhe, também, ermida, e com a mesma designação.
«O Ceo aberto na terra» (1697) do
padre Francisco de Santa Maria, por equívoco, não a menciona entre
as ermidas existentes, ao tempo, nesta vila.
A «Corografia Portuguesa», do padre
António Carvalho da Costa (1707), chama-a de N. Senhora de Campos e
o vigário Quintela também a menciona nas suas respostas ao inquérito
feito para a elaboração do «Dicionário Geográfico de Portugal»
(1758) – «A oitava he a de Nossa Senhora de Campos que foi
antigamente freguesia da qual fazemos mensão supra esta no lugar de
Campos e pertence ao Povo».
Este vigário Quintela diz nas suas
respostas, referindo-se à igreja conventual de S. Nicolau desta
vila: «era esta freguesia só a que chamam freguesia de cima, sem o
lugar de Campos, que hoje se chama freguesia de Baixo, a qual depois
se uniu por imposição dos Condes ao Cardeal João Sepontino que era
naquele tempo o Nuncio em Portugal. Com os poderes de Legado obteve,
e depois se ratificou esta união por uma Bulla de Júlio III, que se
guarda no Cartório deste Convento. Da mesma forma a Igreja de S.
Mamede de Travanca era anexa in perpetuum a esta freguesia de São
Nicolao, como consta dos manuscritos do sobredito cartório».
Não conheço esta Bula de Júlio III,
que Quintela diz estar guardada no Convento: a informação merece
estudo.
Consultei o índice do tombo deste
convento e não a encontrei aí mencionada.
Encontrei o que está registado no
Livro 10, Letra S, fls. 44 com a seguinte rubrica «Suplica ao Papa
pela Camara e Povo desta vila, a respeito da união desta Igreja e
haver vigário na mesma ordem – 1566».
A deterioração do papel torna
difícil a leitura do texto: porém, no verso lê-se distintamente «Pera
aver Rtor neste Mosteiro em 30 de Abril de 1566 – Gaveta
4 n.º 30».
Aquela súmula e esta anotação
mostram-nos que a súplica diz respeito ao contrato que veio a
efectuar-se, por escritura de 17 de Dezembro desse ano, entre os
freguezes de S. Nicolau e os padres Loios da congregação de S. João
Evangelista desta vila, em ordem a mudar-se a sede da freguesia da
velha Igreja, sita na Misericórdia, para a do convento desta
congregação.
Em 1566 era Papa S. Pio IV,
mantendo-se, ainda, como «Legado à Latere» o Cardeal J. Sepontino.
No mesmo tombo também encontrei
referência a bulas do papa Júlio 3.º sobre o nosso mosteiro, a nossa
freguesia de S. Nicolau e sua anexa de Travanca, mas não deparei com
qualquer que ordenasse a união da «freguesia de Baixo» – Campos, à
de Cima.
A ser verdadeira aquela informação
do vigário Quintela, a capela de Campos, encabeçou uma paróquia
diferente da de S. Nicolau, em época que se situou entre os reinados
de D. Dinis e D. Afonso IV – e o de D. João III (1521 a 1557).
De todo o exposto, salvo melhor
opinião que convença, por sua merecida justificação, creio que:
a) a fundação da «capela de Campos»
antecede, em muito, o reinado de D. Dinis que afirmou, como
dissemos: «faço saber como os reis que foram ante mim e eu
fesemos manteer a serviço de deus e da ssa madre santa Maria
hua capella na Igreja que chamam santa Maria de Campo...»;
/ 76 /
b) naturalmente foi erecta pelo povo
e não por qualquer dos nossos reis pois de contrário não se
compreende que estes nela criassem «capelas» ou «capelas-instituições»
(capelania);
c) o rei D. Dinis doou a capela que
tinha na de Campos, com o seu respectivo património, à Igreja de S.
Nicolau da Feira;
d) D. Afonso IV engrandeceu aquela
«capela», ou acresceu-a com outra;
f) D. Afonso IV não podia, pelo
exposto, ter erguido a capela de Campos no seu sentido originário,
admitindo-se apenas a vaga hipótese de uma reconstrução, para o que
não temos elementos suficientes para um juízo de certeza;
g) não se pode afirmar que ela
tivesse sido sede de freguesia, quer antecedendo, quer coexistindo
com a de S. Nicolau;
h) é possível que, uma ou ambos
destas hipóteses, se tenham verificado, até sucessivamente, dado o
nome de «igreja» que lhe foi atribuído no tempo de D. Afonso IV
(embora a declarasse incorporada na freguesia de S. Nicolau), no que
se pode ver (o que não é obrigatório concluir em face do que já se
expôs) o reconhecimento de uma situação de facto anterior, lembrada
através dos tempos pela distinção que tal título conferia;
i) esta possibilidade resulta do
facto do rei D. Dinis ter doado à Igreja de S. Nicolau, em
referência à mencionada capelania de Nossa Senhora de Campos «Todos
os herdamentos e possisões e de todas as outras cousas que foram
dadas para mantimento da dita Capela», proporcionando, assim, a
criação de uma nova capelania por parte de D. Afonso IV na mesma
capela de Campos e, ainda, do que nos diz o vigário Quintela.
A este rosário de dúvidas pode-se
acrescentar uma grande interrogação:
Porque escolheram os reis de
Portugal esta capelão de Campos para a ligarem às suas capelanias?
Quais os fundamentos históricos que
motivaram tal distinção ou justificaram tão importante apoio
económico à velha ermida?
Nada posso esclarecer.
Quanto à designação que lhe foi dada
de igreja: daí não se conclui à evidência, ela ter sido sede
de freguesia.
Segundo Viterbo – no seu Elucidário
(Vol. 2.º, fls. 320 e 321) a palavra igreja – comportou
muitos significados, além de outros, de uma pequena porção de um
bispado, «governada por um pároco, ou pastor a que chamamos
paróquia ou igreja paroquial», e ainda «se tomou
igreja por um edifício separado de tudo o que era indecente e
profano e particularmente consagrado para tributar religiosos cultos
ao verdadeiro Deus». E acrescenta, o que merece especial atenção
pelo significado ainda hoje abraçado – «...o tempo introduziu
chamarem-se matrizes às igrejas paroquiais, não só quando
chegaram a ter outras anexas, obediências, subalares, sucursais e
dependentes mas ainda quando só tinham algumas capelas,
oratórios rurais, em que os montanheses e distantes recebiam
alguns dos sacramentos».
V, no já referido artigo sobre Santa
Maria de Campos – (Povo Feirense de 3 de Dezembro de 1938), diz: «D.
Dinis chamava-lhe «igreja» título de categoria que em recuadas eras
se dava a certos templos mesmo não paroquiais. Eram as tais igrejas
«simples» como ainda hoje o são a dos Clérigos, dos Congregados e a
nossa «igreja» da Misericórdia».
Aquelas e outras congéneres, por
certo, receberam a designação de igrejas, por serem os templos de
congregações religiosas, do mesmo modo que foram designados os
templos das Misericórdias.
Devo lembrar que, em muitos
documentos antigos, se designavam por «igrejas» templos modestos, ao
contrário do conceito majestoso e de distinção que hoje é,
vulgarmente, atribuido àquela palavra.
Convém lembrar, novamente, que as
afirmações feitas pelo Vigário Quintela, nas suas respostas ao
questionário, nem sempre foram escrupulosamente estudadas, como
aconteceu com as referências erradas que fez às inscrições dos
túmulos dos Condes da Feira, apesar de dizerem respeito à sua
própria igreja.
Do mesmo modo podia ter laborado em
erro quando falou da freguesia de Nossa Senhora de Campos, tanto
mais que referiu facto que, para ele, já era muito remoto.
No mesmo artigo sobre Santa Maria de
Campos – III (Povo Feirense, número 33 de 10 de Dezembro de 1938
publicado em continuação daquele do dia 3) V desenvolve o seu
raciocínio, sobre a matéria, nos seguintes termos:
«assim não era em tempo de EI-Rei D.
Dinis que se expressou (vid. supra): «Igreja de Santa Maria do Campo
na freguesia da Igreja de S. Nicolau da Feira» E nem no Rol das
Igrejas da Terra de Santa Maria de 1320, nem nas Inquirições dos
monarcas da primeira dinastia, nem nos mais antigos censos da
população do paiz se encontra a menor prova do asserto que nunca
logramos respigos em centenas de documentos que nos têm passado
/ 77 /
pelos olhos. As designações «freguesia de baixo» e «freguesia
de cima» devem ser puramente diferenciativas ou então referência a
Travanca que durante séculos foi simples «capela» ou curato anexo à
igreja de S. Nicolau, cujo pároco eclesiasticamente a governava por
intermédio de um cura ou vigário de sua nomeação. Quanto a Santa
Maria de Campos haver sido a primitiva sede da paróquia da Feira, é
conjectura provável e inteiramente admissível. Porquanto, muito
antes da actual organização e circunscrição das paróquias (cit. Povo Feirense, número 30 de 20 de Novembro de 1938) que deve remontar aos
fins do século 12.º ou começos do 13.º, já os povos se aglomeravam
em torno de suas igrejas ou ermidas com ministros especialmente
deputados ao culto delas pelos respectivos padroeiros ou entidades
de direito».
V., no seu citado estudo, chega a
fantasiar quando afirma «por demonstração sem réplica»!) que
esta capela deu o «nome de Santa Maria ao primitivo núcleo junto às
margens do rio Caster».
Ainda encontramos várias referências
a esta capela no mencionado livro das «Visitações» à Igreja de S.
Nicolau da Feira. Na de 10 de Maio de 1746: – «E por não ter
tempo de visitar pessoalmente a CapelIa da Sr.ª de Campos foi
visitada de minha comissão pelo Rdo Vigário desta Igrª e
por achar não tinha pedra de Ara e opas mando se lhe ponha huma Logo
e no entanto que se não poser nella se não diga missa»;
8 Agosto 1805:
– «A Capela da Senhora de Campos, precisa de reparos, tanto no
Frontespício, telhados, forro e solho do pavimento e necessitada dos
paramentos precisos para a decente celebração do Santo Sacrifício da
Missa à excepção do Calix, Corporaes e bolça dos mesmos, toalhas do
altar e Sanguineos: pello que enquanto se não concertar o material
da dita Capella e provêr de paramentos a suspendo e só será
permitido celebrar nella para Sacramentar se algum infermo ou no dia
de sua Festividade, levando-se os Paramentos competentes da Igreja e
se deve também compôr o Missal: e a Pedra dAra: e sendo-me zelado,
que alguns moradores vizinhos da mesma Capella se tem servido della
para usos profanos, o Rdo Párocho fara chamar a si a
chave da dita Capella e conservara em seu poder não a dando senão
para o fim a que he dedicada»;
2 de Novembro de 1813
«...e logo que a Capella de Nossa Senhora de Campos esteja
decentemente provida do necessário para a Celebração do Santo
Sacrifício da Missa, o mesmo Rdo Párocho poderá permitir
que nella possa celebrar qualquer sacerdote e ainda antes,
levando-se os Paramentos competentes à Cor do dia, no que encarrego
a sua consciência».
13 Outubro de 1840
– «Que sendo muito conveniente que as CapelIas de N. Snr.ª de Campos
e Santo André d'Arrifaninha se ponhão em estado de celebrar com
decencia o St.º Sacrificio da Missa para maior comodidade dos Povos,
ordeno que pellos meios competentes se ponhão no referido estado de
nelas se celebrar» (a esta Visitação chama Revista).
Do mesmo livro das Visitações
consta, em conformidade com a Pastoral do Bispado do Porto de 4 de
Junho de 1751 (com breve do Papa Bento XIV) que, para a extensão do
jubileu do ano Santo, o vigário nomeou para a visitação das igrejas
que se deviam visitar para alcançar aquele jubileu nesta freguesia
de S. Nicolau «em 4.º lugar, a Capela de Nossa Senhora de Campos» e,
conforme o edital de 5 de Outubro de 1776, «em 3.º lugar a mesma
Capela de Nossa Senhora de Campos».
A capela foi decaindo com o andar do
tempo, apesar de diversas reparações que se tornaram insuficientes
para a sua sobrevivência.
Às ordens impostas nas visitações
sucederam-se apelos, mas tudo veio a ser em vão: atrasou-se, o que
já foi muito, a sua demolição.
Entre as principais obras de
restauro conta-se a feita, na segunda metade de 1905, por uma
comissão de feirenses, composta pelo pároco da vila, o padre Manuel
André Boturão, Manuel Maria Correia de Sá, (escrivão-notário), Dr.
António Joaquim de Andrade (advogado) e Manuel José da Cunha Sampaio
(industrial): importaram em quantia superior a 300.000 reis. Estavam
concluídas em Novembro, constando de reboco das paredes, novo
telhado, pintura de portas, com restauro do altar que foi prateado.
Foi também reconstruído o muro que
vedava o pequeno largo fronteiro, sendo colocado, sobre ele, um
gradil de ferro com o respectivo portão.
Em 1916 recebeu outro grande
restauro, sendo restituída ao culto em Dezembro desse ano.
As obras devem-se a um grupo de
senhoras desta vila sob a direcção de D. Dores Menéres (mulher de
Fortunato da Fonseca Menéres) e D. Maria do Carmo Cardoso (mulher do
Dr. António Augusto de Aguiar Cardoso) com a cooperação deste grande
feirense e do padre Tomaz Fernandes Pinto (que veio a ser cónego e
secretário do Bispo-Conde de Coimbra).
Importaram em 205.450 reis; os
restantes – 50 000 reis – que conseguiram angariar foram entregues à
Cruz Vermelha Portuguesa.
A década de 40 foi funesta para a
velha capela.
Já em Março de 1941, o «Correio da
Feira» levantava o grito para a sua salvação por meio de obras
urgentes: o mesmo jornal, em Novembro de 1946, levantou
/ 78 /
de novo o alarme informando que a parede do nascente se tinha
desnivelado estando prestes a desmoronar-se e a arrastar, na sua
queda, o resto da edificação.
Em 1947 foi mandada apear a capela
por uma comissão presidida pelo pároco da nossa freguesia, padre
Pinho Nunes o que, em repetição do que este anunciara na igreja, foi
divulgado pelo comunicado que ele publicou no dito jornal, número
2578 de 1 de Maio desse ano: «Esta Comissão procedeu à demolição da
Capela depois que ela principiou a cair e por julgar, perante a
ruína total, que era a única forma de aproveitar os materiais».
Este jornal, no seu número 2525 de
19 de Abril desse ano, protestando contra o método adoptado para a
sua demolição, observa, com louvável grito, em memória da capela de
Santa Maria de Campos, de tradições tão antigas: «Já não existe a
velhinha. Existe, sim, o esqueleto desmontado, fragmentado, frontal
para ali, parietal para acolá, clavículas mais além, tudo numa
amálgama censurável: isto é portaes, cruzes, esquadria, pedras, tudo
num montão de pedreira e o que era madeiramento foi levado para o
lume. Até a porta da frente, presumida de castanho, desapareceu
ignorando-se se foi aquecer também algum forno de padeiro...».
Decorridos tantos anos as suas
ruínas ainda se encontram no mesmo estado de abandono à espera do
dia da sua ressurreição, justamente deseiado por muitos.
3
DIVERSOS
a
Património
Imóveis
Já disse que na ermida de Santa
Maria de Campos foi instituída uma ou mais capelas reais com doação
de bens imóveis entre os quais se contava o já falado «Casal de
Campos» e creio que o «Serrado de Campos», «junto a Campos»,
mencionados pelo P.e Jorge de S. Paulo no seu referido
«Livro e memorial da fazenda deste convento...» e em muitos passos
do tombo deste convento, o do Espírito Santo, desta Vila da Feira.
Árvores
O antigo adro da capela, em tempos
idos, foi bem arborizado como se conclui do mesmo «Livro e
memorial... a fls. Z77:
«Lembrança a respeito das árvores do
Adro da Snr.ª de Campos: «Aos 22 dias do mes de Junho de 1793 foi
trazido para esta casa, como pertencendo a ella – hum cedro que
tinha aparecido cortado no Adro da Snr.ª de Campos, de cuja condução
forão testemunhas de vista Joaquim Rebelo e seu filho Pedro, Manuel
Ferreira do Casal, João Ferreira do Seixo, Manuel José da Costa
Berlengas do Montinho, Antónia Gomes da Costa Catarino, Francisco
Ribeiro, seu f.º Teodózio e António Ferreira todos de Campos e
muitas mais pessoas do mesmo lugar. E para a todo o tempo constar, e
os moradores do mesmo lugar, e mordomos futuros não se apegarem as
mais árvores q.e se achem ou houverem de existir no Adro
da Capela fiz esta clareza e a declaração eu M.el da
Cunha Teix.ra e Andr.de».
E ainda a fls. 287:
«No dt.º anno (1725) mandou plantar
os castanh.os novos q.e estão no adro da
capp.ª de N. Sr.ª de Campos e no dt.º a mandou arrancar hum carv.º o
qual serve hoje de feixo do lagar; e de torão outro, qe a
lenha veyo p.ª este convt.º :e já no tempo do Pe R. Bras
da Purificação se mandou arrancar no mesmo sittio outro carv.º de
que se fez hum tonel, q.e hoje ha na casa».
Bens mobiliários
Também possuía bens mobiliários,
como é natural. Destes apenas conheço o que diz o padre Jorge de S.
Paulo – no seu referido «Livro e memorial deste convento... (o de S.
João Evangelista desta vila).
A fls. 51 – depois de ter
relacionado os «ornamentos» – no inventário da sacristia do
Convento: «Esta mais hua vestimenta nova que he da hermida de Nossa
Snr.ª de Campos que se fez à conta dos quarenta mil rs que deixou G.ar
Lopes, como adiante diremos».
|
A seguir, a fls. 52: «outro calix
com o pé de Iatão que foi o que nos deram os fregueses que fizeram o
contrato de mudança da freguesia (à margem) «está em Campos» (cit.
Arq. D. Av. – Vol XXVII, fls. 46).
§ 7.º «Gaspar Lopes, de Campos que
morreu na India mandou quarenta mil reis para a senhora condeça (D.
Maria de Gusmão, viúva do Conde D. João) os gastasse em alguma obra
da ermida de Nossa Senhora de Campos: destes 40$000 reis se fizeram
dois castiçais compridos lisos, e um calix pequeno de prata com sua
patena e as galhetas de prata pequenas com seu prato, e um frontal
de chamalote de lã e uma vestimenta da catalufa sem alva nem amicto.
Tudo isto se deu no meu último ano que foi 1638».
|
Imagem da Nossa Senhora de Campos,
que foi transportada para a Igreja Matriz, quando a capela foi
demolida. |
«O P.e Manuel da
Purificação sendo reitor desta casa no 2.º ano que foi o de 1669
achou dois calix de prata na sacristia um que era de Nossa Senhora
de / 79
/ Campos muito pequeno e quebrado por quatro partes na
copa e outro pouco maior e muito delgado que parecia de folha de
Flandres, e um vaso do Sr. sem cobertura. Achou por mais acertado
fundir esta prata e mandou fazer três cálices que não pôde doirar
por lhe faltar dinheiro e fez a cobertura do vaso do Snr. de uma
patena que não tinha serventia e o mandou dourar: e fez um vaso
grande de lavatório para a comunhão, para quinta feira maior quando
andavam dando lavatório por um púcaro de barro» (cit. Arq. Dist.
Av., Vol XVII, fls. 49).
|
|
Imagem de S. José que pertenceu à
Capela de Nossa Senhora de Campos e está depositada na sacristia
da Igreja Matriz. |
O referido Gaspar Lopes, de Campos,
que mandou os 40$000 à Condessa D. Maria de Gusmão e morreu nas
partes da Índia «era filho de Pero Lopes, de Campos; deixou em seu
testamento, que se comprasse fazenda para todos os sábados se disser
uma missa em Nossa Senhora de Campos pelas almas de seus pais e avós
e por sua tenção, o que consta de seu testamento que está em poder
da senhora condessa D. Maria de Gusmão. Este legado ainda não está
aceite em capítulo nem em visitação» – fls. 260 (Cit. livro do P.e
Jorge de S. Paulo – no Arq. Dist. Av., Vol. XVII, fls. 56).
Quando foi demolida a capela,
transitaram para a igreja matriz a imagem de Nossa Senhora de
Campos, que está no altar de S. Francisco e uma de S. José que está
na sacristia, ambas de madeira, que se reproduzem em fotografia.
B
Confraria de Nossa Senhora do Campo
Do referido livro do padre Jorge de
S. Paulo consta: «§ 12 – no campo que nos deu António Rodrigues para
a cerra tinha parte nele a confraria de Nossa Senhora de Campos
e se pagava de foro à dita confraria, meio tostão.
No ano de 1568 comprou o padre
reitor Francisco de Sam Tiago (1568-69) este foro à dita confraria
por dois mil e quinhentos reis, o que consta do livro 6.º, fls. 30
(cit. Arq. Dist. Av., Vol XVII, fls. 52).
Ainda do mesmo livro do P. Jorge a
fls. 36, verso (§ 6.º): – «Quando nesta casa (convento) se faz algum
officio da confraria de Campos manda o tesoureiro vinho para as
missas e pelas hostias que lhe damos nos dá o dito tesoureiro pelo
Sam Miguel hua quarta de trigo q he Couza bem limitada».
A esta Confraria também se faz
referência no Tombo Novo do Convento de S. João Evangelista, desta
vila – índice – Letra C, Vol. 3.º, Petição do P.e Reitor
à Confraria da Sr.ª de Campos – fls. 292».
Encontrei outra referência no mesmo
tombo (a fls. 101 v.) – «No Montinho – Campo junto das Casas
/ 80 /
em que vive Manuel da Costa... confronta norte com a estrada
e o Montinho e com terra que possue Domingos Ferreiro de que he
senhorio a Confraria de Campos...» Reconhecimento feito por aquele
Costa ao Convento dos Loios em 8 de Agosto de 1705.
c
Festa de Campos
Durante anos e desde tempos muito
antigos realizavam-se festejos na capela de Campos e junto a ela.
Neste século tiveram lugar, segundo
apurei, em 17 e 18 de Outubro de 1903 – «festividade em devoção da
Senhora da Saúde, Sant’Ana e S. José tocando, no local, duas bandas
de música e em 27 e 28 de Julho de 1907 com «músico, arraial e fogo
hoje (27) e missa solene, sermão e procissão amanhã (28). Nossa
Senhora de Campos, Sant’Ana e S. José» tocando as filarmónicas de
Souto e de Arrifana («Correio da Feira», respectivamente, de 10 de
Outubro de 1903 e 27 de Julho de 1907).
Por estas referências tomamos
conhecimento das imagens que existiam na capela e da veneração que
lhes dedicavam.
Como já referi ainda axistemas
imagens de Nossa Senhora de Campos e a de S. José.
d
Administrador da Capelania
Apenas consegui identificar Alvaro
Afonso, do tempo de D. Afonso V, escudeiro de Fernão Pereira,
primeiro senhor do Castelo da Feira (1448) e terceiro das Terras de
Santa Maria (1453), pai do primeiro conde da Feira – Ruy Vaz
Pereira.
e
Capelão
Tenho conhecimento de um.
João Moniz que exercia este cargo em
1305, como consta da carta de 7 de Setembro de 1308, em que D. Dinis
mandou «desenbargar todas as herdades da capela a S. Nicolau», como
já referi.
LUGAR DO CASTELO
B
CAPELA DE NOSSA SENHORA DA ENCARNAÇÃO
I
Descrição
Muito próximo do castelo da Feira,
quase pegada à sua muralha poente, existe, desde tempo imemorial,
uma capela, da invocação de Nossa Senhora da Encarnação que, além
deste nome, já havia recebido o de «Santa Maria do Castelo» e veio a
ter, também, o de «Santa Luzia» e o de «Senhora de Março».
O Dr. Vaz Ferreira, no seu «Ferro
Velho» – Descrição oficial do Castelo da Feira – I, II, III
(«Correio da Feira» de 20 de Dezembro de 1952, 3 e 10 de Janeiro de
1953), transcreve as informações que deu para a elaboração do
«Cadastro dos bens do domínio público» no tocante ao castelo, sua
capela, sacristia e casa do capelão ou do guarda.
Nesse estudo descreve,
pormenorizadamente, tudo quanto passo a referir.
«Capela da Senhora de Março da
invocação de Nossa Senhora da Encarnação.
Foi reconstruída em 1656 pela
condessa D. Joana. É hexagonal, medindo, cada uma das seis faces
externas, 7, 7,5 a 7,95 metros e é toda construída em alvenaria no
exterior, com cunhais, frisos e cimalha de granito, tendo seis
pirâmides com seus pedestais, tudo de granito, pousadas sobre os
cunhais. À cobertura de cimento para vedação falta sobrepor o
telhado (foi posta a telha nova em Agosto de 1945). A porta
principal é artisticamente ornada com pilastras bem trabalhadas e
entabelamento de granito. Por cima e igualmente ornada há uma
rosácea octogonal com vitral representando a cruz dos Pereiras,
posto em Agosto de 1938 pela Comissão de Vigilância.
Antigas fotografia da Capela de Nossa Senhora da Encarnação, com a
casa que a faceava pelo norte.
Na face seguinte, para o norte, tem
outra porta lateral, simples. No interior é toda revestida e
abobadada de cantaria simples mas bem lavrada. Nos ângulos sobre os
frisos estão seis figuras de pedra, de tosca escultura, simulando
animais que sustentam escudetes. Tem três altares e nas outras faces
três tribunas com balaustres de pau preto. Às duas, sobranceiras às
portas para o exterior, dão acesso escadas de pedra estreitas e
cavadas na grossura das paredes. A sobre a porta da sacristia
comunica com a casa antigamente do capelão e hoje do guarda.
Os três altares são ornados de talha
em madeira, de grande relevo, com as pilastras artisticamente
idênticas,
/ 81 / às da porta principal e estão
douradas excepto o 3.º. O altar do meio, em frente da porta
principal, é de Nossa Senhora da Encarnação com sua imagem de
madeira bem esculpida e encarnada. Tem por cima, entre a talha, uma
tela pintada representando a Anunciação. No altar ao norte do
anterior há entre as pilastras telas pintadas representando Santa
Luzia e a Rainha Santa Isabel. Está nele a imagem pequena de pedra,
com encarnação antiga, da Santa Luzia, dantes pertencente à capela
de Santa Luzia perto da tenalha e que ruiu entre 1741 e 1758. Fôra
recolhida por vizinhos e o seu possuidor Henrique Brandão
restituiu-a ao culto, entregando-a à capela actual em 1893.
O terceiro altar, para o sul do
principal, teve de ser restaurado e conserva-se no preparo branco
sem douradura. Tem, entre as pilastras, duas telas representando
Santos. Está nele a imagem da Santa Luzia, do mesmo tamanho e feitio
da da Nossa Senhora da Encarnação, que a Condessa D. Joana colocou
no altar a ela destinada e foi substituída pela antiga em 1893.
Serve para o andor na festividade de 25 de Março, restaurada há dois
anos.
Entre o altar de Santa Luzia e a
porta lateral há um púlpito com balaustres de pau preto sustentado
por um suporte de granito esculpido. É pertença do Castelo da Feira.
Casa do guarda, antigamente
chamada casa do capelão. Adquirida pela Comissão de Vigilância em 12 de Novembro de 1927. O
quintal referido na matriz predial era um logradouro incultivável
sobre rocha.
Foi em 1940, entregue à Câmara
Municipal para isolamento do castelo e abertura da estrada
envolvente. Tem o cunhal único ao oeste-sul de cantaria encimado por
uma pirâmide ornamental como as da capela.
Sobre o telhado, pousada na
frontaria e sobre duas varandas, está a sineira de cantaria. Tem no
rés-do-chão a sacristia da capela com uma porta para esta e outra
para o exterior, à frente e dois postigos.
Esta sacristia foi há meses
restituída à sua função, deslocando-se um armário que tapava a porta
do lado da capela e desemparedando-a do outro. Ao lado da sacristia
e com outro postigo há uma parte aterrada quase até ao tecto. No
andar superior tem varandas para a frente e, para o sul, a porta com
escada exterior de pedra encostada à frente do cubelo da entrada e à
barbacã. Está dividida em duas salas à frente e outros comodos
atrás, onde há uma chaminé com lareira. Uma das salas tem porta para
a tribuna referida.
Capela de Nossa Senhora da Encarnação: – arco do altar do centro,
encimado pelo brazão dos Condes da Feira (Pereiras); tela
representando a Anunciação; nos ângulos, sobre os frisos, as figuras
de animais com escudetes.
É pertença do Castelo da Feira.»
O mesmo Dr. Vaz Ferreira, no seu
estudo «Castelo da Feira – onde nasceu Portugal» – publicado no cit.
Arquivo do Distrito de Aveiro, Vol. lV e V (1939) pormenoriza este
descritivo dizendo «Ladeiam a porta lindas pilastras lavradas
semelhantes às da talha branca e dourada que guarnecem, no interior,
os altares. Desenvolvem-se em duas volutas partindo-se entre elas o
perfil com graciosa reentrância e prolongando-se na face pendente da
de cima o relevo duma folha de acanto. Parecem-se muito com as que
existem na sacristia
/ 83 / da igreja
de S. Francisco em Guimarães. Sobre o entablamento da porta outras
iguais pilastras, sobrepujadas por frontão curvo interrompido,
enquadram o odógono da rosácea que foi, este ano, guarnecido com um
vitral representando a cruz branca floreada e aberta no campo
vermelho dos Pereiras, a expensas da Comissão de Vigilância, que
também reparou o altar de Nossa Senhora, o púlpito e todas as
balaustradas de pau preto.»
Na generalidade podem-se aceitar,
como actualizadas, estas descrições.
Juntam-se fotocópias de plantas da
capela, sacristia e casa do guarda, que, com outras, documentam os
números 37 e 38 (o Castelo da Feira), do Boletim da Direcção-Geral
dos Edifícios e Monumentos Nacionais – Monumentos – e, em parte,
foram fornecidos à Câmara Municipal da Feira.
A Comissão de Vigilância projecta,
em breve, aproveitar a sacristia, dividindo-a, para a construção de
sanitários, com seu vestíbulo e de um compartimento para
arrecadações em benefício da casa do guarda que, também será
valorizada com uma casa de banho: reserva-se espaço suficiente para
a sacristia.
Castelo da Feira, capela da Nossa Senhora da Encarnação, sacristia e
casa do guarda (vista aérea). .
Para evitar repetições, conforme se
for desenvolvendo o trabalho, vou comentando alguns passos daquela
descrição. Porém, desde já lembro que, como adiante procuro
justificar, a ermida de Santa Luzia deve ter caído entre 1755 e 1758
(e possivelmente de 1755 a 1756) e esclareço que os dois altares
laterais são encimados por óculos para serventia de luz e ainda que
a sacristia tem outra porta que deita para as traseiras, voltada
para a muralha do castelo.
Ao contrário do que anteriormente se
disse, verifica-se que o altar da direita está pintado, em parte.
Também esclareço, como adiante
refiro, que no actual cadastro dos «Próprios Nacionais», o registo
da capela está feito em termos semelhantes aos apontados, embora não
iguais.
Sobre o arco central que guarnece o
altar do meio, encontram-se as armas com o brasão dos Pereiras.
Não encontrei na Repartição de
Finanças o livro de cadastro com a descrição referida.
Encontrei, porém, no arquivo da
«Comissão de Vigilância pela Guarda e Conservação do Castelo da
Feira», um modelo n.º 568 – Cadastro dos Bens do Domínio Público –
datado de 31 de Dezembro de 1940, escrito pelo próprio punho do Dr.
Vaz Ferreira e por si assinado como presidente da aludida «Comissão
de Vigilância», em que tudo se descreve como consta dos mencionados
«Ferro Velho».
Postal com a vista aérea do Castelo da Feira e capela da Nossa
Senhora da Encarnação.
Este documento está transcrito no
livro II do «Registo de documentos oficiais antigos e modernos da
mesma Comissão, com o seguinte averbamento – «Nota no fim da 1.ª
página 4119/4 – aposta na Repartição do Património».
*
Esta capela, nos séculos XVI e XVII,
era conhecida por «Nossa Senhora do Castelo».
Assim a chamam no foral concedido
por D. Manuel I à «Vila da Feira e Terra de Santa Maria» em 1514,
pelo P.e Jorge de S. Paulo, no seu «Livro e memorial da
fazenda...», do Convento do Espírito Santo, da vila da Feira, de
1616, por D. Rodrigo da Cunha em «Catálogo dos Bispos do Porto»,
1623 e por Pereira de Novais no Anacrisis Historial (Episcopológio),
de 1690.
/ 84 /
No fim do século XVII já era
conhecida por «Nossa Senhora da Encarnação», como se vê no trabalho
do padre Francisco de Santa Maria em «O Ceo aberto na terra», 1697.
Deste modo foi designada nos séculos
seguintes, como se vê do tombo da Casa e Estado do Infantado, em
1703, pelo padre António Carvalho da Costa, na «Corografia
Portuguesa», em 1708, pelo padre José de S. Pedro Quintela, na
resposta ao questionário para a elaboração do Dicionário Geográfico
– 1758 e em muitos outros autores.
No tombo da mesma Casa, feito em
1755, ainda a denominam por «Nossa Senhora do Castelo».
O Dr. Vicente Carlos de Sousa
Brandão em artigo que, em 1841, publicou no Panorama (Vol. 5.º, pág.
370) disse, referindo-se à vila da Feira «foi reputada cidade e eram
suas armas a imagem de N. Senhora com o menino nos braços sobre uma
nuvem pousada num castelo, à qual depois se chamou a Senhora do
Castelo Velho».
Na capela ainda existe uma velha
imagem com esta invocação. É possível que a designação de «Nossa
Senhora da Encarnação remonte à reconstrução da capela pela condessa
D. Joana, em 1656, que mandou colocar nela a imagem daquela Nossa
Senhora.
Em diversos textos também lhe
chamaram capela de Santa Luzia, como seja na acta da sessão da
Câmara Municipal da Feira, de 25 de Janeiro de 1843 e no livro de
arrematações desta Câmara (fls. 14 de 29 de Janeiro de 1871), «auto
de arrematação da obra do muro e rampa de pedra no adro da capela de
Santa Luzia e na frente do Castelo desta vila».
Popularmente a capela foi e ainda é
conhecida por «Senhora de Março», ou «do Castelo».
2
História
Desconhece-se a data da sua fundação
e são poucas as notícias que dela temos até à sua reconstrução em
1656.
A informação mais antiga é-nos dada
pelo referido foral concedido por D. Manuel I, à «Vila da Feira e
Terra de Santa Maria», em 10 de Fevereiro de 1514.
«E outras defesas que traz o Castelo
– a saber
...E outra junto deste E outra de
santa Maria do Castelo (fls. I j).
... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ...
... ... ... ... ...
... ... ... ... ...
...
E paga sse mais polla capella de
samta maria do Castello aa Coroa Real a saber. pollo cazal que for
de Lourenço do Castello e pollos filhos de Jorge martiz seus
herdeiros pollas Remdas e herdades da capella o que se segue. a
saber. de trigo seis alqueires e de çevada sete alqueires e meio. E
de milho seis alqueires da qual paga vem aos filhos de Jorge estevez
isto. a saber. de trigo dous alqueires. E de çevada dous alqueires e
quarta. E de milho hum alqueire e meo e os quaes paga pedro eanes.
E paga sse mais per outro casal que
for de pero martiz que he todo da dita capella de trigo çinquo
alqueires e quarta de çevada e outros çinquo alqueires e quarta de
milho seis alqueires.
Paga mais gonçallo eanes de Villa
boa polla Vynha da capella que estaa açima dos pellames de Vynho
molle quatro almudes. E ssoya de pagar o manystrador desta capella
polla vinha das eiras junto de Vasquo Fernandes huu puçal de Vynho o
qual se ora nam paga porque nam he já Vynha. E a terra delle fica
foreira a nos no foro que se der per quem os direitos Reaaes da dita
terra tiver. E paga aluaro pirez por pero de aragam que for de
fernando eanes de Vynho molle quatro almudes (fls. IIIj vº).
E paga mais Joham da ponte pollas
Redas de santa maria do Castello e nos cincoenta e quatro Reaaes E
pero de aragam polla mesma capella de çevada çinquo alqueires e
quarta.
E as outras rendas e foros da dita
capella posto que atee quy andassem nos tombos da dita terra
mjsticamete com as outras Rendas nossas Ouvemos por bem de as
apartar deste tombo nosso E pagaram
/ 85 /
porem aa capella os direitos a ella obrigados e os foros que sempre
pagaram ou per direito deverê de pagar.
(Forais do Distrito de Aveiro –
Foral da Feira por Dr. Rocha Madail, no Arquivo do Distrito de
Aveiro – Vol. V, pag 19).
Estes preciosos textos dão-nos, além
da certeza da existência da capela – a que chamam de Santa Maria do
Castelo – em 1514, a justificada presunção de uma maior e prolongada
existência, como claramente se deduz da expressão «muito detraz» e
da frase «e pagarãm porem aa capella os direitos a ella obrigados e
os foros que sempre pagaram ou per direito deverã de pagar».
Nas inquirições de D. Afonso II, de
2 de Agosto de 1220 (ver «Inquirições de D. Afonso II na Terra de
Santa Maria» pelo padre Miguel de Oliveira – Arq. Dist. de Aveiro,
Vol. II, pág. 71 e 74) e nas de 1253 ordenadas por D. Afonso III
para averiguação dos seus direitos, quer de reguengos, quer de
domínio enfiteutico («Inquirições de D. Afonso III na Terra de Santa
Maria», pelo mesmo padre Miguel de Oliveira – em Lusitânia Sacra –
tomo VII, págs. 95 – 133), não há qualquer referência à capela, o
que não é de estranhar, nem tem significado para o efeito que
procuramos dada a natureza sumária daqueles inquéritos sobre os
referidos bens e direitos.
O Dr. Vaz Ferreira dedicou um número
do seu «Ferro Velho» à capela, intitulando-a «A capela do Castelo»
(Correio da Feira, número 2669 de 18 de Fevereiro de 1950).
Referindo-se à imagem de Nossa
Senhora do Castelo Velho, comenta:
«E tinha uma imagem de Nossa Senhora
(ainda hoje existente na sacristia), a que chamavam a Senhora do
Castelo Velho. Ora o Castelo Velho devia ser o anterior à
remodelação da torre de menagem feita no fim da idade média, a
seguir a ser doado o castelo a Fernão Pereira em 19 de Novembro de
1448, mais de meio século antes do foral».
É uma hipótese verosímil, mas à face
dos documentos de que dispomos não tem a necessária consistência.
Na verdade essa imagem, que esteve
na sacristia da capela e hoje está depositada no altar lateral da
direita, foi chamada, como já disse, nossa Senhora do Castelo Velho
pelo Dr. Vicente Carlos de Sousa Brandão, no citado artigo que, em
1841, publicou no Panorama.
Daí o supor-se que há uma referência
ao castelo, anterior à reforma que sofreu nos meados do século XV,
parece-me muito ousado, pois bastava o tempo decorrido após esta
reforma para, mais tarde, o chamarem velho.
Demais, aquela imagem tanto podia
ter estado na ermida como na capela.
O articulista, continuando, afirma
com maior certeza: «Está na praça de armas o túmulo em que Gonçalo
de Figueiredo foi sepultado na Capela do Castelo, tendo sido alcaide
desde 29 de Junho de 1357 até à sua morte em 1378. Disto se vê que
já no século XIV existia a capela da Senhora do Castelo Velho».
Não sei onde ele colheu esta
informação.
Sem querer arvorar em «cardeal
diabo», lembro que se o túmulo tivesse repousado na antiga capela, a
condessa D. Joana, a quando da sua reconstrução, teria respeitado
tal jazida e ainda que o túmulo em referência foi encontrado num
desaterro feito para reconstruir uma muralha do castelo (a do
nascente) nas traseiras do Paço dos Condes que foi demolido. (D.
Fernando Tavares e Távora – «O Castelo da Feira, fls. 16).
Sobre este túmulo ouvi, em tempos, o
Dr. Augusto Soares de Sousa Baptista, que foi de opinião ele ser do
século XI ou XII: a averiguar.
Porque não teria ele estado na velha
ermida de Santa Luzia, junto ao Castelo, uma vez que não sabemos a
data da sua construção, nem mesmo se precedeu a capela do Castelo?
Se assim aconteceu, já é fácil
admitir que ele fosse deslocado quando a mesma ermida ruiu.
Desde aquela data de 1514, em que
foi concedido o foral, só de 1616 voltamos a ter uma referência
autêntica à capela, a propósito dos objectos do culto da «Hermida de
Nossa Snr.ª do Castello», a fls. 51 do já referido livro do padre
Jorge de S. Paulo «Livro e memorial da fazenda deste convento...»,
reportado ao convento desta vila, a que chama do «Espírito Santo da
Congregação de São João Evangelista».
A fls. 51 v., fala de objectos de
prata pertencentes à capela de «Nossa Senhora do Castelo», o que
adiante merecerá maior referência.
Em seguida, temos a notícia dada no
«Catálogo dos Bispos do Porto», da autoria de D. Rodrigo da Cunha –
1623, fazendo incluir, nas ermidas de S. Nicolau da Feira a de «N.
Senhora do Castelo».
/ 86 /
Em 1656 foi reedificado por D. Joana
Forjaz Pereira de Meneses, 6.ª condessa da Feira.
Assim se diz na inscrição esculpida
sobre o pórtico principal
ESTA CAPELA MANDOV FAZER A CONDEÇA
DA FEIRA D. JOANNA FORJAZ PEREIRA DE MENEZES & SILVA =1656
Ao tempo, D. Joana já era viúva de
D. Manuel Forjaz Pimentel, de quem teve D. João Forjaz Pereira e D.
Fernanda Forjaz Pereira Pimentel, respectivamente, sétimo e oitavo
condes da Feira.
No «Anacrisis Historial (Episcopológia»)
de Manuel Pereira de Novais, concluido em 1690 e editado por José
Pereira de Sampaio (Bruno), cita-se esta capela por «Ermida do
Castelo».
Na edição de 1912-1918, chama-lhe «Nuestra
Senõra do Castello».
Passados anos, em 1697, o padre
Francisco de Santa Maria, reitor do Convento de Santo Eloi de
Lisboa, no chamado «o Ceo aberto na terra» (História das Sagradas
Congregações dos Cónegos Seculares de S. Jorge em Alga de Veneza e
de S. João Evangelista em Portugal), quando se refere à igreja de S.
Nicolau do convento de S. João Evangelista, desta vila, diz: «Tem
mais esta Igreja sete ermidas: a primeira de N. S. da Encarnação,
sita no Castelo, a qual reedificou á sua custa a excelentíssima
senhora D. Joana Forjaz Pereira Menezes e Silva, e toda de cantaria,
sextavada, coisa perfeitíssima. Nela se guardam notáveis relíquias
de Santos:...».
Em 1700, com a morte do referido 8.o
conde da Feira, D. Fernando, o castelo, capela e todos os bens da
coroa de que era donatária a Casa da Feira, da ilustre estirpe dos
Pereiras, reverteram para a «Casa e Estado do Infantado».
A 3 de Maio de 1703, veio ao
castelo, onde estava o palácio do condado, o Doutor António da Rocha
Manrique, juiz do tombo daquela Casa para lhe dar princípio,
verificando-se, na descrição da propriedade que abrangia o castelo,
o seguinte passo: «tem de fora da muralha e entrada huma Capella que
he de Nossa Senhora da Encarnação sextavada de pedraria e abobadada
com tribunas e sacristia que fica a parte da poente...».
Em 1707, o padre António Carvalho da
Costa editou o 2.º volume da sua «Corografia Portuguesa».
Nela publica a parte referente à
«Comarca e ouvidoria da Feyra», que, pelo seu texto, se vê estar
escrito em 1706: aí indica, entre as ermidas existentes na vila, a
de «N. Senhora da Encarnação, sita no Castelo (cuja Ermida he toda
de cantaria sextavada, e tem notáveis relíquias de santas)».
Vê-se que o autor colheu esta
informação no «Ceo aberto na terra» do padre Francisco de Santa
Maria.
Do auto de posse do castelo da
Feira, conferido a D. Francisco, irmão do rei D. João V, consta
quanta à capela:
«Como também entrou na capela de
Nossa Senhora da Encarnação, que he do dito Palacio e na casa da
sacristia e tribuna e serventias que para ella vão, abrindo e
fechando o Missal e pondo as mãos pelos altares, que tem, que são
três: abrindo e fechando as portas, e tomando as chaves».
A reprodução mais antiga da capela
de «Nossa Senhora da Encarnação» só chegou ao nosso conhecimento em
1940, pela publicação que a revista «Portucale» (XIII, número 73 de
Janeiro-Fevereiro desse ano, fls. 17) fez de um «desenho com aguadas
a nanquim, de João Glama Stroberle (século XVIII) – de um álbum
pertencente ao Sr. Almirante Carlos Braga».
Este desenho, cuja fotografia se
publica, deu-nos, também, conhecimento da verdadeira localização da
ermida de Santa Luzia.
Embora a reprodução não esteja muito
clara, pode-se ver que, na generalidade, a estrutura exterior da
capela e casa anexa é sensivelmente igual à de hoje, verificando-se
que aquela está encimada, no seu tapo mais alto, por um motivo que
me parece semelhante àquele que ainda existia na primeira década
deste século, como se vê das fotografias que se publicam.
Tem duas pirâmides nos topos
superiores dos cunhais da sua face poente, onde está praticada a
porta de entrada, como ainda hoje se verifica.
A casa anexa, da sacristia e andar
superior, também se apresentam com estrutura semelhante à de hoje.
No desenho não vejo reproduzida a
escadaria de acesso àquele andar, hoje habitação da guarda,
parecendo que a parte da muralha, onde ela hoje encosta, está livre.
A omissão pode ser atribuida ao
pintor, mas também se pode admitir, para não falar de defeito de
fotografia, que o acesso à parte superior se fizesse interiormente a
partir da sacristia, ou pela parte traseira, do que ainda há
vestígios.
/ 87 /
O espaço livre, entre a porta de
entrada do castelo e a parede desta habitação, deixando bem à vista
a muralha, convence que não havia escada.
Foi muito precioso o conhecimento
desta primeira visão da capela.
Desenho de João Glama.
Quanto ao ano a que se reporta
aquele desenho do século XVIII, apenas conheço o que nos informa o
Dr. Vaz Ferreira no seu artigo «Santo Luzia do Castelo da Feira»,
publicado no mencionado Arq. do Dist. de Aveiro, VoI. VIII (Março de
1942) a fls. 7.
«Possui o Sr. Almirante Carlos
Braga, do Porto, uns álbuns ou, melhor direi, cadernos, de desenhos
dum estudante de pintura em Roma, como se vê dos dizeres do
frontespício dum deles. No caderno datado de 1741 encontram-se
reproduções de monumentos italianos, quase todos de Roma, e nas
quatro últimas folhas vêem-se representados: o convento de S.
Francisco de Vinhais, pormenores de figura do mesmo convento, a
ponte de Murça e numa sanguínea, o Castelo da Feira. Nas páginas
anteriores aos desenhos de Vinhais e de Murça está escrito por mão
do desenhista a nota do que representam. Mas na página anterior ao
desenho do Castelo da Feira não há nota nenhuma. Parece que o autor
sabia bem o que reproduzira, sem necessidade de pôr-lhe a indicação.
Por três maneiras escreve o seu nome
este artista: – «João Esterbele», no referido frontespício (talvez
italianizando o apelido alemão) – «João Stroberle» e depois «João
Glama» – explica uma nota escrita com a sua própria letra...».
Não diz onde e como colheu estas
informações, sistema sempre de lamentar.
Deve ter visto o original e colhido,
do seu possuidor, informações detalhadas.
Quanto à data: pelo que se afirma,
não é forçoso concluir que o desenho reproduzisse a existência em
1741, mas faz presumir que diga respeito a uma data, pelo menos,
aproximada a este ano.
Em 23 de Julho de 1753, o Doutor
José dos Santos Ramalho, juiz do tombo dos bens e rendas
pertencentes à aludida «Casa e Estado do Infantado», desta vila,
deferindo ao que lhe foi requerido pelo licenciado Manuel de Pinho,
procurador do mesmo tombo, mandou que o «escrivão desse fé do estado
e forma em que de presente se achava o Palácio e o Castelo e qtas
casas tinha para assim de presente e com clareza ficar metido no
tombo...».
Depois de descrever o monumento
acrescenta:
«e da parte de fora dos muros e
Castelo logo a entrada destes para a parte do norte hua boa Capela
com a imagem de Nossa Senhora da Encarnação sextavada de boa
pedraria e abobadada com tres tribunas e huma Sacristia que fica
pegada na mesma Capela para a parte do sul e por cima desta huma com
janelas rasgadas para a parte do Mar», seguindo-se a «Medição da
quinta pertencente a Casa que anda por conta desta» e do «Rocio que
fica fora dos portas do Castelo que he onde se faz a feira de Março
e principiando a medição da Capela de Santa Luzia que esta no mesmo
terreiro direita ao norte pelo meio
/ 88 /
tem oitenta e seis varas e na do norte acaba em ponta aguda».
A requerimento do mencionado
procurador procedeu-se, então, ao «inventário das peças que de
presente se achavão pertencentes a Capela da Casa...», ao que me
referirei mais adiante, quando me ocupar dos bens móveis da mesma
capela.
O tombo, prosseguindo arrolou os
direitos de portado e dominicais a que a «Casa» tinha direito, na
vila.
Do mesmo tombo – que está depositado
na Biblioteca Municipal desta vila – ha várias referências à mesma
capela, quer a propósito de confrontações de prédios foreiros, quer
motivado pelos encargos enfitêuticos do seu administrador.
Destaca-se o «titulo de
reconhecimento de tresentos e setenta reis que em cada hum ano he
obrigado, a Casa deste Condado, o administrador da Capela do
Castelo» – lavrado em 20 de Dezembro de 1755.
É do teor seguinte:
«Pelo Procurador do tombo –
Licenciado Manoel de Pinho foi dito – que Dom Joseph de Alem Castro,
fidalgo da Casa de Sua Majestade, comendador das Comendas de São
João de Trancoso e outras e administrador da Capela de Nossa Senhora
do Castello era obrigado a pagar em cada hum anno a dita Casa deste
Condado pellas terras da quinta que possue no fora desta villa por
nascente do seu Morgado de Villa Maior tresentos e setenta reis como
consta dos livros de cobrança e sempre paga o dito foro de que pedia
a mim escrivão e como se não achava reconhecido no tombo para se
reconhecer e lançar no mesmo tirara relatório geral para o dito
comendador administrador da dita Capella ser citado para vir ou
mandar seu procurador Bastante reconhecer neste Juizo com o dito
foro».
Seguem-se os termos de ordenamento e
de apegoação, datados daquele dia 20 de Dezembro de 1755 e de «recusacão»,
donde se houve por reconhecido à revelia, com data de 23 seguinte.
O padre José de S. Pedro Quintela,
vigário da igreja de S. Nicolau, desta vila – na resposta ao
questionário expedido pelo Marquês de Pombal (conhecido por
Dicionário Geográfico), de 30 de Abril de 1758, diz:
«Tem mais esta freguesia oito
capelas que são: Nossa Senhora da Encarnação do Castelo a qual
reedificou a sua custa a excelentissima senhora D. Joana Forjaz
Pereira Meneses e Silva da nobilissima casa dos condes desta vila; e
toda de cantaria, sextavada, coisa perfeita, nela se guardam
notaveis reliquias de santos das quais muitas pelo curso do tempo
teem levado descaminho; tem esta capela três altares, em um dos
quais esta novamente colocada a imagem de Santa Luzia por se ter
arruinado a capela da dita Santa que estava extra muros do mesmo
Castelo, sem romagem...».
*
Em 1834, depois da vitória da causa
liberal, o edifício da sacristia e a chamada casa do capelão, hoje
ocupda pelo guarda, foram usurpados pelo marechal de campo graduado
Joaquim José da Silva Pereira, que os integrou no seu património.
*
Veio para esta vila em 1824, por ter
sido transferido do «Batalhão de Caçadores n.º 12» para o de
«Caçadores n.º 11», aqui aquartelado.
Nesta vila casou com D. Maria
Eduarda Bacelar Huete vindo, assim, a ser senhor da «Casa da Praça»,
que topava com a face norte do edifício dos Paços do Concelho, assim
como da que hoje pertence aos herdeiros de José Soares de Sá, sitas
na chamada «Praça Velha», hoje do Dr. Gaspar Moreira.
Deste seu casamento teve uma filha,
D. Maria José Huete Bacelar da Silva Pereira que, em 1855, casou com
o conselheiro Dr. Francisco de Castro Matoso da Silva (irmão do
conselheiro José Luciano de Castro), que ascendeu a juiz conselheiro
do Supremo Tribunal de Justiça e faleceu em Agosto de 1905: ambos
foram senhores da referida «Casa da Praça», sucedendo-lhes seus
únicos filhos – Francisco e Fernando, que faleceram sem
descendência.
O marechal, que sempre levou uma
vida sossegada e regalada em quartéis e salões, era irmão do Conde
das Antas: foi administrador geral substituto de Aveiro e deputado
de 1834 a 1842 e de 1851 a 1856, o que tudo lhe permitiu, pela
influência de que dispunha, grande benefício para o seu património,
com manifesto escândalo público, como passo a dar notícia, no que
interfere no objecto do meu estudo.
Num folheto intitulado «Brados ao
Ceo contra a Sacrilega e perjura alienaçam do mais antigo raro e
sublime monumento da glória nacional – o Castelo da Feira», escrito
por J. P. M. Virtumilem 1841 (que parece ser José Pinto da Mota, de
Vila Boa), aquele marechal é acusado, além do mais, de se locupletar
à custa do património nacional – do Castelo e de outros bens a ele
pertencentes.
Deste livro é conhecido um exemplar
que está na mão de Francisco Vicente da Costa Neves e serviu para a
transcrição que o Dr. Aguiar Cardoso dele fez no
/ 89 /
jornal «Vila da Feira», no número de 21 de Julho de 1921 e nos
seguintes.
Contém duas cartas assinadas por
Henrique Vicente da Costa Neves (avô do referido Francisco Neves),
que era escrivão da administração do concelho: uma de 19 de Maio de
1840 e outra de 2 de Junho seguinte.
Demolição do muro que faceava, pelo
norte, o carreiro junto à capela e de outras construções quando, em
1939, se deu início ao arruamento envolvente do castelo.
Naquela, conta que, nesta
repartição, se recebera uma ordem para serem avaliadas umas casas
que existiam dentro das muralhas do castelo, visto estarem omissas
na avaliação dos bens nacionais, o que cumpriu com repugnância,
depois de repetida a mesma ordem, por calcular o fim que se
procurava atingir e o prejuizo que se queria dar à Fazenda Nacional.
Da diligência resultou uma dessas
casas, o antigo palácio dos Condes, ser estimada em 1020$000 rs.,
outra, o celeiro, em 520$000 rs.
Mais informa que o referido
marechal, que as pretendia pelo preço da chuva e que, para tanto,
insistia, na sombra, pela sua inscrição e valorização no património
nacional para as poder comprar, ficou exasperado com o resultado da
avaliação e que, valendo-se da sua posição de administrador geral,
«mandou aqui o administrador do concelho de Ovar com uns homens
dali, a quem dava o título de avaliadores e sem que dessem cavaco à
autoridade desta terra fingirão uma avaliação nova e passados poucos
tempos aparece um edital da Junta do Crédito Público anunciando a
venda de ambas as casas por 400 e tal mil reis! E que no dia 14 de
Outubro de 1839 fora recebido um ofício do administrador geral de
Aveiro mandando dar posse ao mesmo José Joaquim da Silva Pereira das
casas que havia arrematado perante a Junta do Crédito Público em 13
de Setembro de 1839, pela quantia de 410$000 rs.
Capela de Nossa Senhora da Encarnação e
casa do guarda com seu andar: campanário sobre a capela.
Conclui «com efeito, como nessa
ocasião eu estivesse a banhos foi-lhe dada a posse e com ellas
ficou».
É oportuno, agora, transcrever do
«Notícias da Feira» (número de 12 de Agosto de 1909) o que sobre a
matéria, em 1899, disse o conselheiro Francisco de Paula Azeredo (Samodães),
ao tempo tenente de engenharia, na memória que escreveu sobre o
castelo da Feira, elaborada por ordem do Comando Geral.
«Lote n.º 532 – Arrematação perante
a Junta de Crédito Público no dia 13 de Setembro próximo futuro...
Distrito do Porto – Bens da extinta Caza do Infantado – N.º 3342 –
Umas casas arruinadas, juntas ao Castelo da Feira da parte do norte,
com dois pequenos terrenos a ellas adjunctas e confrontam do
nascente com a quinta do Castelo, poente com o pateo, sul com o
Castelo e norte com as casas da Capela... 208$400 n.º 3343: umas
casas de celeiro junto ao dito castelo e a propriedade antecedente (excluido
o pateo por ser serventia do Castelo) que por bem conhecidas se não
confrontam – 200$000».
Recorda-se que os dois prédios foram
licitados por 410$000 rs (sendo o palácio dos Condes por 209$000 e o
outro por 201$000), ou seja mais 1$600 rs do que a avaliação, que já
fora feita por preço aviltante.
Na mesma, continua a dizer Costa
Neves – «5.ª Havendo, como se sabia, no Castelo desta Vila uma
Capela e dum lado e doutra uma pequena morada de casas, a ambição do
roubo foi acometido pelo desejo de ficar igualmente com casas,
capela e se necessário fosse até com os santos que adornão; e
mandão-se avaliar, cuja avaliação foi para Aveiro; mas como houvesse
mudanças de Ministério e de Administrações ladras, nenhum êxito
teve. Porem assim mesmo por ordem do Sr. José Joaquim foi mandada
romper uma parede que se comunicava para um quarto das casas da
Capela, e tomou posse clandestinamente dele, a título de que lhe
pertencia...».
Seguem-se outras acusações que não
interessam a este trabalho.
O Dr. Aguiar Cardoso, comentando os
passos desta carta no citado jornal «Vila da Feira» (de 4 de Agosto
de 1921), referindo-se ao mesmo marechal, disse: «E ocupava ainda o
cargo (administrador geral do distrito) quando promoveu a venda de
anexos do Castelo com o intuito de ele próprio os arrematar, como
arrematou a vil preço, apossando-se ainda indevidamente da casa do
capelão, cujos baixos eram a sacristia da capela, como ainda hoje se
pode ver.
O signatário da carta publicada
refere desassombradamente que ele rompera uma parede das casas que
arrematara para se apossar dum quarto da casa do capelão, que não
tinha entrado em arrematação. Esse fora o primeiro acto surripiante
parcial; porque em breve se apossou do total, vindo a fazer-lhe um
desgracioso segundo andar que em favor da estética, bem precisa de
desaparecer».
Estas notícias dão-nos a certeza de
que a capela, confinava pelo norte com casas que lhe estavam
pegadas, estando, assim, ladeada por estas e pela chamada «casa do
capelão», com a sacristia por baixo e que o andar sobreposto a esta
casa, como se vê na fotografia que se publica, fora mandado
construir pelo marechal, que veio a apossar-se de todo o edifício
onde estava esta casa.
Na 2.ª carta, a 2 de Junho de 1840,
o Neves esclarece que «em meu poder existe uma avaliação da Quinta
do Castelo, feita a 29 de Janeiro de 1836 nos termos seguintes...
Terrado da Devesa 500$000, terrado do lavradio junto ao Quintal do
capelão 140$000 (cujo
/ 90 / quintal o Capelão já não possue
porque de tudo tomou conta o sr José Joaquim...: e hoje nada existe
da Nação se não as Casas junto à Capela e Castelo – o mais, como já
disse, ele arrematou».
Na avaliação, o que se reflectiu na
arrematação, houve deficiente e confusa descriminação de
confrontações, e até ausência delas, como aconteceu com as casas do
«celeiro» que, como já disse, receberam para esclarecimento dos seus
limites a simples indicação de que «por bem conhecidas se não
confrontam», o que veio a favorecer a usurpação.
Casa do guarda com o andar e com o
campanário: muro lateral à escada de acesso.
Virtumil, depois de argumentar que a
venda fora ilegal por falta da designação dos limites legais das
«novas desmembrações» conclui: «quando no caso dos Bens do Castelo
concorre a gravidade de circunstâncias acessórias como a
interceptação d'intradas e sahidas pelo Postigo d'arco e o terreno
ao Sul da Cidade, comunicação com o Pardieiro, excavação da Muralha
e outros males resultantes desta falta d’essencial Requisito e
observancia da lei que o exige necessária e indispensavelmente».
Acrescenta mais adiante – «16.
Finalmente as obmissoens de Declarações requesitos sobretudo
confinação e confrontação incluindo no labradio o Quintal do Capelão
por meio de equivoca expressão – junto a – sem ser avaloado».
Virtumil diz, ainda, comentando as
confrontações dadas ao palácio dos condes, no aludido aviso de
arrematação «...3.º com dous pequenos terrenos a ellas adjunctos =
Alcunhando terrenos naturais os artificiaes terraplenos terraços e
c. das obras dos reparos e subterraneos do Recinto do Monumento...
7.º E Norte com casas da capela = A pequena Casa da capela ao Sul
desta, incosta pelo Poente à Muralha do Forontespício ao Poente: mas
já a parte da Casa que fica ao Norte da Capela bem como esta, dista
da mesma Muralha do lado do Norte sobre cujo Reparo no angulo do
encontro com o lado nascente se acha o Palacio; e quando
confrontasse pelo Norte e a Muralha com os terrenos exteriores entre
ela e a capela Casas do Inclino e Pardieiro».
Vê-se, assim, que o marechal podia
alcançar a casa do capelão partindo de qualquer dos prédios
arrematados: o palácio ou o celeiro.
Como já disse, o Dr. Aguiar Cardoso,
interpretando as palavras de Virtumil, afirmou que este «refere
desassombradamente que ele rompera uma parede das casas que
arrematara para se apossar dum quarto da casa da Capela».
Penso que este ilustre comentador
não interpretou bem o que o Neves referiu, pois ele limitou-se a
dizer que o marechal mandou «romper uma parede que se comunicava
para um quarto das casas da capela e tomou posse dela, a titulo que
lhe pertencia».
Entendo que esta parede era a da
própria casa violada, que nada tinha que ver com qualquer construção
urbana pertencente ao usurpador.
Para a alcançar deve-se ter servido
do quintal dessa casa do capelão, de que se apossara como já referi,
ou partindo do palácio (através do «pequeno terreno», ou seja, o
terrapleno que separava o palácio da muralha), abrindo fenda na
muralha do castelo, se porventura esta não estava desmoronada, ou
alcançando a mesma muralha pelo prédio do celeiro.
Não interessa fazer melhor
averiguação sobre este pormenor: basta saber que assim começou a
abusiva ocupação da casa do capelão.
Esclareço que na matriz provisória
da freguesia da Feira, do ano de 1854 e actualizada até 1859, que
existe na Biblioteca Municipal da Feira, em nome de José Joaquim da
Silva Pereira estão descritas sob número 14 – 3 – «umas casas com
sua quinta chamadas do Castelo, que se compoem de lavradio, mato e
devesas».
Pelo que consta do comtrato de
compra e venda de 15 de Outubro de 1908, adiante referido, as casas
aqui referidas devem ser as da quinta e a que ligava com a capela
pelo lado norte.
Quando a Câmara Municipal adquiriu
em 1939 os terrenos que envolviam o castelo foi derrubado um muro
que separava a quinta do Castelo, vedando-a, dum estreito carreiro
que faceava a capela pelo norte e conduzia às traseiras da casa do
capelão, como se pode ver numa fotografia que se publica, tirada na
ocasião daquela demolição.
Nas traseiras desta casa, onde
reside o guarda do Castelo, ainda há vestígios de um antigo portal,
situado no local onde estão praticados o fogão e a lareira da
cozinha e, assim, afastada do sítio onde a casa topa com a muralha.
Cabe agora lembrar o que está
exarado na acta da Câmara Municipal da Feira, de 25 de Janeiro de
1843: «foi presente outro ofício do mesmo Governo Civil com data de
12 do corrente remetendo por copia a Portaria do Ministério do Reino
deste mez, pela qual sua Magestade a Rainha foi servida mandar-lhe
declarar que pelo Ministério da Fazenda se expediram as ordens
necessárias para ser cometida à Junta da Parochia desta vila a
Conservação e guarda da Capelão
/ 91 /
de Santa Luzia do Castelo, casa contígua. Deliberando sobre o mesmo
assunto assentaram unanimemente que visto a duvida que neste acto
ofereceu o administrador deste concelho em dar posse a mesma junta
da referida Capela e casa contigua se dirigisse a Sua Magestade a
Rainha uma respeitosa Representação pela via competente, a favor da
mesma Augusta Senhora de designar resolver sobre a mesma duvida».
Sente-se, aqui, a influência do
marechal que, havia pouco tempo, completara um longo exercício como
deputado (1834 a 1842), o que repetiu uns anos depois (1851 a 1856),
denunciando o seu poderio político, à sombra do prestígio de seu
irmão – o conde das Antas.
Em 1843, era administrador do
concelho José Correia leite Barbosa (Janeiro de 1842 a Maio de 1845)
e presidente da Câmara Municipal o Dr. Francisco Corrêa de Pinho de
Almeida e lima (11 de Janeiro 1843-1844).
Aquele Leite Barbosa foi um político
muito facioso, que muito se preocupava em satisfazer os interesses
dos seus amigos, como sucedeu com a defesa de Bernardo José Correa
de Sá, no litígio que este manteve com a Câmara Municipal da Feira,
do qual resultou ele apropriar-se da água que alimentava o chafariz
do claustro do Convento do Espírito Santo, desta vila.
A «dúvida» que ele levantou naquela
sessão da Câmara Municipal deve estar relacionada com a posse que
estava a ser exercida pelo marechal que lhe convinha não perturbar.
Encontrei outra notícia na acta da
sessão da mesma Câmara, de 30 de Dezembro de 1843, que deve estar
relacionada com aquela deliberação tomada em 25 de Janeiro.
Trata-se da autorização de
«pagamento de 9410 rs, importe da compostura das portas da Capella
do Castelo desta vila, mudança do campanário do sino (o
sublinhado é meu) e mais despesas feitas na mesma».
Esta deliberação convence-me que o
bravo marechal conseguiu dominar a situação perigosa para os seus
interesses, provocada por aquela portaria, pois já se não fala em
posse da capela e casa contígua por parte da Junta de paróquia, mas
sim à da Câmara Municipal, apenas quanto à capela.
É de crer que a mudança do
companário se fizesse para possibilitar, ao marechal, a construção
do andar sobre a casa do capelão, mas, por certo, foi muito desejada
por ele para que desaparecesse aquele impertinente testemunho da
posse do Estado.
Por isso, vá de o mudar para o
domínio público
/ 92 / (capela) para que este e o
particular ficassem bem diferenciados.
Mais tarde o campanário e sino
voltaram para a cimeira da frontaria poente da casa do guarda, por
cima da porta principal da sacristia, como era de uso, o que teve
lugar depois de demolido aquele andar, quando se restituiu o prédio,
neste particular, à sua antiga traça.
Não conheço qualquer outra
deliberação da Câmara Municipal relativa à aludida portaria da
Rainha.
É de supor que o marechal, tendo
vencido a crise, com o patrocínio do administrador do concelho Leite
Barbosa, tivesse conseguido, em Lisboa, que o respectivo processo
baixasse ao túmulo de uma gaveta fechada.
A casa do guarda sem o muro que ladeava
a sua escadaria de acesso – quando se iniciaram as obras de arranjo
urbanístico em 1939.
Não há conhecimento de qualquer
facto que convença que o marechal tenha adquirido legitimamente o
prédio em causa e não resta qualquer dúvida que dele se apropriou,
pois ocupou-o, administrou-o e usufruiu-o, assim como os seus
descendentes.
Foram deste género as únicas
conquistas que alcançou com o seu engenho militar.
O referido conselheiro Francisco de
Paula de Azeredo (Samodães), que foi ilustre professor da
Universidade do Porto diz, na já citada «Memória»:
«Constou-me que este proprietário (o
Dr. Francisco de Castro Matoso) considerava seu todo o terreno
cingido pelas fortificações, excepto a torre de menagem e o caminho
que a ele conduz. Um pequeno muro de construção recente que esta
tapando a passagem por onde se subia ao adarve de oeste confirma
esta informação. Contudo, é opinião minha que tal muro foi
abusivamente construido».
É verdade, mas o povo
sistematicamente derrubou essa vedação, até que o usurpador desistiu
do seu intento.
/ 93 /
Nesta vila, ao tempo, era voz
corrente que o conselheiro Matoso, quando falava, em Lisboa, do
castelo da Feira, fazia-o de modo a querer convencer que ele era
propiedade sua.
Lembro que este conselheiro Matoso
era o genro do marechal.
*
Vejamos agora a sequência dos factos
que culminaram pelo regresso da casa do capelão e sacristia ao
domínio público.
Começou pela cedência a título
precário, feita pelo conselheiro Matoso, desta casa, para habitação
do guarda do castelo.
A propósito lembro o que o
mencionado Francisco Neves escreveu no «Correio da Feira», número
328 de 20 de Janeiro de 1962, num artigo que intitulou «Recordando –
O Castelo da Feira há meio século e as suas primeiras comissões de
vigilância».
... ... ...
... ... ... ... ...
... ... ...
«A própria cedência da Casa do
Capelão contígua ao Castelo, para residência de um guarda, deveu-se
igualmente à iniciativa do Dr. Vaz Ferreira. Recordemos como foi
obtida essa cedência: Tendo o conselheiro Fernando de Castro Matoso
vindo a esta de visita às suas vastas propriedades, em meados de
Setembro de 1905, o Dr. Vaz Ferreira teve por bem aproveitar a
oportunidade para solicitar do neto do Marechal Silva Pereira,
proprietário da referida casa, a cedência gratuita no que foi
gentilmente atendido. Pouco depois, era a casa ocupada por um
indivíduo de apelido Terra Seca, com a obrigação de exercer a
permanente vigilância do monumento. Como era jornaleiro da Câmara
Municipal, dificilmente podia cumprir a obrigação exigida, e assim
o Castelo continuava ao abandono». (Este conselheiro Fernando era
filho do conselheiro Francisco Matoso).
Mais tarde, em Maio de 1910, a
«Comissão de Vigilância», que se tinha constituido no ano anterior,
passou a utilizar a casa do capelão para residência habitual do
guarda do castelo como ainda hoje sucede, ficando a pagar renda.
Esta Comissão, em 1942, mandou tirar
o emparedamento do portal de acesso da sacristia para a capela, como
o Dr. Vaz Ferreira refere na mencionada descrição da capela,
emparedamento que fora sinal evidente da diferenciação e limitação
dos respectivos domínios.
O já mencionado conselheiro Dr.
Fernando de Castro Matoso e sua mulher D. Alice Martins de Castro
Matoso, por escritura de 15 de Outubro de 1908, lavrada no cartório
do notário de Lisboa, Carlos Augusto Scola, venderam a João António
de Andrade, a quinta do Castelo e a da Cerca (que pertenceram,
respectivamente, à «Casa e Estado do Infantado» e ao «Convento do
Espírito Santo», desta vila), formada, na sua parte urbana, por «uma
casa sobradada com sacadas e uma outra em ruinas, do lado da capela
do Castelo».
Esta casa em ruinas deve ser a que
faceava a capela pelo norte.
Conclui-se, deste modo, que esta
casa, legítima ou abusivamente, estava integrada na parte urbana da
quinta do Castelo, seguindo a sorte desta no domínio da família do
marechal.
Transmitida para o João António de
Andrade pelo referido contrato de compra, operada por escritura de
15 de Outubro de 1908, foi demolida, por aquele, como consta da
«Gazeta Feirense», de 18 de Março de 1909: «Vem agora o sr. Andrade
de demolir a casa que ao lado norte existia contígua à Capela do
Castelo, o que coloca esta vetusta ermida em maior realce sendo,
porém, necessário que a junta da paróquia que della esta na posse
(o sublinhado é meu) faça guarnecer e rebocar a parte agora
desafrontada e isto a tempo, se possível for da, próxima festividade
do dia 25 do corrente».
Por sua vez, por escritura que ainda
não consegui ver, mas que deve ser de época aproximada à da aludida
venda, ao António Andrade, de 15 de Outubro de 1908, o Conselheiro
Fernando Matoso vendeu a este, a António Bernardo Coimbra e a Luís
Cadilon, o palácio dos condes e o celeiro.
Segundo nos diz o Dr. Vaz Ferreira,
em escrito adiante referido, o vendedor quis que a escritura se
/ 94 /
fizesse em Lisboa, prontificando-se a pagar, a estes, as despesas de
deslocação.
Como elas foram feitas pelo Andrade,
o conselheiro cedeu-lhe, em compensação, a casa do capelão.
Sendo assim, é provável que não se
tivesse feito a escritura da transmissão, ou que esta se tivesse
operado por título particular.
Como o João de Andrade morresse em
Junho de 1922, sem se concretizar o desejo da Comissão de adquirir a
casa do guarda, deixando como seu único filho Benjamim Gama de
Andrade, o Dr. Aguiar Cardoso intercedeu junto deste para consentir
nessa transmissão, o que teve lugar em 12 de Novembro de 1927.
Não se fez documento, mas apenas um
título de promessa de venda, por 2000$000 rs, quantia que foi paga:
nele, Manuel Máximo de Aquino Ribeiro declarou, na qualidade de
procurador do Benjamim Gama de Andrade, que havia ajustado com o Dr.
António Augusto de Aguiar Cardoso a venda e por aquela quantia, do
prédio das casas que o vendedor possuia «junto à capela do Castelo,
para a Comissão do Castelo».
Para evitar repetições e melhor
ordenamento da matéria, enquadro o fecho desta notícia, com o relato
dos passos que levaram a integração da casa do guarda e da
sacristia, no estudo, que vou iniciar, sobre a descrição da capela,
casa e sacristia no cadastro do património nacional.
*
O palácio dos condes e o celeiro já
não existem. Aquele foi doado à Câmara Municipal da feira para aí se
alojar uma secção da Guarda Nacional Republicana (ocupação que nunca
se efectivou) e mais tarde, foi demolido: este celeiro foi deitado
abaixo, pelos seus proprietários, para desafrontar a praça de armas
do castelo.
A capela de Nossa Senhora da
Encarnação fez parte do património dos condes-donatários da feira e
depois de 1700 foi integrada, bem como os demais bens do condado, no
do da «Casa e Estado do Infantado», passando ao da Fazenda pública
pela extinção desta Casa em 1834.
Foi, depois, administrada pela
Câmara Municipal da Feira e em seguida, pela Junta de freguesia, até
que essa administração foi atribuida à «Comissão de Vigilância pela
Guarda e Conservação do Castelo da Feira», a princípio em situação
de facto, aliás autorizada e reconhecida oficialmente e depois
titulada, como hoje se mantém.
Para constar, visto tratar-se de
documento de interesse, passo a transcrever o seu texto.
«Auto de entrega: Aos dez
dias de Fevereiro de mil novecentos e trinta e nove na secção de
finanças do concelho da Feira compareceram perante o chefe da mesma
secção Augusto Morais Neves, como representante e outorgante por
parte da Repartição do Património, conforme o ofício n.º 802 de 7 de
Fevereiro de 1939 do Director de Finanças do Distrito de Aveiro os
Excelentissimos Senhores Ângelo Tavares da Silva, capitão de
engenharia, da Direcção dos Serviços das Obras e Propriedades
Militares na Primeira Região Militar, outorgando como representante
e por parte do Ministério da Guerra, como se mostra pelo ofício n.º
333 datado de 30-1-939 e do doutor Henrique Vaz de Andrade Basto
Ferreira, Presidente da Comissão de Vigilância pela Guarda e
Conservação do Castelo da Feira. E pelo primeiro outorgante foi
dito: Que na qualidade que representa e autorizado pelo mencionado
ofício n.º 802 faz a cessão, a título precário, nos termos do artigo
6.º e seguintes do decreto-lei n.º 24489 de 13 de Setembro de 1934,
à Comissão de Vigilância pela Guarda e Conservação do Castelo da
Feira, do mesmo Castelo compreendendo todo o recinto das muralhas,
barbacã, poterna, terraplenos, torre de menagem, cubelo do poço,
caminho coberto, pateo da traição, tenalha, capoeira ou casamata e
todas as demais pertenças do Castelo compreendidas dentro das
muralhas e fora delas, a capela de Nossa Senhora da Encarnação e os
terrenos ou terreno entre a mesma capela e entrada do Castelo e a
estrada municipal, para a dita comissão continuar a sua missão
(o sublinhado é meu), voltando à posse da entidade cedente, por
simples despacho ministerial, se lhe for dada aplicação diversa
daquela para que foi cedido. Que além das condições gerais
constantes daquele diploma a cessão fica sujeita ao seguinte: a
Comissão de vigilância fica com a incumbência de dar conta de tudo o
que se passar digno de interesse para o antigo «Castelo da Feira», o
que carecera de providências especiais, a esta secção de Finanças
que por sua vez o comunicará à Direcção de Finanças do distrito. O
Castelo está sendo restaurado pela Direcção dos Monumentos
Nacionais. Pelo segundo outorgante foi dito que abria mão do aludido
Castelo da Feira que até à presente data estava afecto ao Ministério
da Guerra, que representa, como monumento nacional da arte militar,
mas que passa para a posse da Repartição do Património por virtude
de despacho ministerial de 18 de Janeiro do corrente ano. Apresentou
o mesmo segundo outorgante a planta do Castelo da Feira de 5 de Maio
de 1924 que fica junto a este auto. Finalmente pelo terceiro
outorgante foi dito que, na qualidade de presidente da Comissão de
Vigilância pela Guarda e
/ 95 /
Conservação do Castelo da Feira, aceita, para esta, a cessão do
mesmo Castelo, descrito neste auto, com as condições impostas, que
em nome e representação da mesma Comissão se obriga a cumprir.
Nestes termos, o primeiro outorgante
deu a entrega e cessão por operadas, sem mais formalidades. Foram
testemunhas presentes Francisco Vicente da Costa Neves e Aníbal
Alves Correia, que assinam com os outorgantes, depois de lhes ter
sido lido este auto em voz alta na presença simultânea de todos, por
mim Augusto Morais Neves que o escrevi e assino.
(Seguem-se as assinaturas.)
Em 10 de Fevereiro de 1939, o Dr.
Vaz Ferreira, na mesma qualidade, enviou, por ofício, à
Direcção-Geral da Fazenda Pública, uma exposição fazendo
rectificações e lembrando actualizações a introduzir no tombo do
Castelo como prédio n.º 1 da 1.ª Região Militar (com o carimbo da
Repartição do Património número 962, L.º 41) e na já aludida planta,
levantada pelo então tenente de engenharia José Fernandes de
Carvalho, datada de Coimbra de 5 de Maio de 1924 (em resultado de
obras feitas), peças que se encontram juntas aos mesmos autos.
Nesta exposição lembra, além do mais
respeitante ao castelo, que «numa parte do Noroeste encosta à
muralha e à Capela a casa do guarda adquirida em 1927 por esta C. de
V. (Comissão de Vigilância») e ainda que ela «não menciona na
descrição, como pertença do monumento, a capela hexagonal de linda
arquitectura na sua simplicidade e construída em 1656, com três
altares: um de N.ª S.ª da Encarnação (Senhora de Março) e dois da
Stª Luzia tendo um a velha imagem que veio doutra capela que existiu
mais para sul e deve ter ruido na primeira metade do século XVIII.
Conserva-se ainda lá uma antiga imagem de Nossa Senhora que talvez
seja a que o povo denomine Senhora do Castelo Velho».
Em 22 de Fevereiro de 1939, o Dr.
Vaz Ferreira ainda na mesma qualidade, remeteu à dita
Direcção-Geral, uma cópia da planta do castelo, com as alterações
resultantes das demolições e restauros já então feitos (nos termos
mencionados no dito ofício de 10 de Fevereiro de 1939), que ora se
junta em fotografia, a fim de ser junta «ao p.º n.º 962, Lº 41 da
Repartição do Património para assim ficar existindo no arquivo desse
Ministério uma planta exacta do Monumento.
Em 31 de Dezembro de 1940 – ainda o
Dr. Vaz Ferreira e naquela qualidade, mandou nova exposição à
referida Direcção-Geral (para constar do registo do castelo no
respectivo cadastro dos bens do domínio público – como monumento
nacional), que foi anotado no fim da primeira página 4119/4 pela
Repartição do Património, como já disse.
Dela consta: descrição do Castelo,
confrontações, esclarecimentos históricos, visitas régias e
esclarecimentos arquitectónicos.
Planta (parcial) da capela e casa do
guarda, levantada pelo tenente José Fernandes Carvalho, em 5 de Maio
de 1924,com indicação das obras feitas posteriormente.
Quanto à capela, diz-se no mesmo
cadastro: «Extra muros do Castelo existe uma Capela hexagonal
reconstruida em 1656 pela condessa D. Joana. É pertença do Castelo.
A casa anexa, presbitério e a antiga sacristia, estava talvez
indevidamente, na posse de particulares e foi adquirida pela
Comissão de Vigilância em 1927. Fora do Castelo há um terreno com a
área de 600 metros quadrados que dá acesso ao monumento e é chamado
vulgarmente feira de março».
Em ofício de 11 de Fevereiro de
1942, repetido no de 14 de Março seguinte, o chefe da Repartição do
Património pediu ao presidente da Comissão de Vigilância para o
informar se «a casa inscrita na matriz predial respectiva, sob o n.º
170, anexa ao Castelo da Feira, está afecta a essa Comissão, visto
não ser possível identificá-Ia no respectivo mapa do cadastro.
O Dr. Vaz Ferreira, como presidente
da referida Comissão de Vigilância, respondeu a estes ofícios, com o
de 25 de Março do mesmo ano, onde esclarece que «o prédio n.º 170 da
matriz predial (casa do capelão) é contígua à Capela de Nossa
Senhora da Encarnação, junto ao Castelo da Feira e está desde 1927
na posse desta Comissão de Vigilância. Já anteriormente servia e tem
continuado a ser a casa do guarda do Castelo. O terreno entre essa
casa e a muralha norte que constituia pertença dela foi em 1940
entregue à Câmara Municipal para a abertura da estrada envolvente do
Castelo e isolamento deste, pertencendo agora a esta Comissão de
Vigilância somente a casa».
Em 17 de Maio de 1943, foi expedido
um ofício, em nome do Director Geral da Fazenda Pública, dirigido ao
Presidente da mesma Comissão, tomando posição quanto ao direito à
referida casa, nos termos seguintes: «Dos elementos de estudo
reunidos por esta Direcção-Geral acerca da situação jurídica do
prédio n.º 170 da matriz predial, registado a favor dessa Comissão e
que está na posse da mesma desde 1909, resulta o seguinte:
a) Sendo essa Comissão uma entidade
meramente administrativa, não deve possuir património próprio, de
natureza imobiliária;
b) Assim parecem menos regulares os
registos feitos
/ 96 / em nome da
Comissão resultando daí a conveniência de proceder à sua alteração;
c) A solução mais simples no caso
seria a encorporação do referido prédio no Património do Estado a
que pertence, em boa doutrina e a imediata cessão nos condições
habituais a essa Comissão, para o fim a que presentemente está
aplicado. É de esclarecer que se trata duma simples aplicação de
doutrina e que esta Direcção Geral tem por essa Comissão o apreço
merecido pelos seus bons serviços e devoção cívica.»
Este ofício motivou uma carta
dirigido pelo Dr. Vaz Ferreira ao mesmo Director Geral em que
resumiu a história do casa do capelão – «O caso é muito complicado.
A casa do capelão, presbitério ou como melhor se lhe deva chamar,
era uma dependência da capela reedificada em 1656.
Nos baixos é a sacristia e no andar
superior, há porta para uma das tribunas da capela, de onde os
condes ouviam a missa. Quando em 13 de Setembro de 1839 o futuro
marechal José Joaquim da Silva Pereira, irmão do conde das Antas,
arrematou os paços arruinados dos condes e uns celeiros existentes
na praça de armas do Castelo, a lista 342 dos bens nacionais, à
venda, dá a confrontação dos paços pelo «norte com casas da capela».
Portanto estas não foram vendidas, mas o marechal «mandou romper uma
parede que se comunicava para um quarto das casas da capela e tomou
posse clandestinamente dele a título que lhe pertencia», como diz o
secretário da administração desse tempo numa carta publicada. Ora,
deste marechal, era filho o conselheiro Francisco Matoso de Castro
Corte Real. Quando o filho deste vendeu a uns bairristas feirenses o
paço e os celeiros, quis que fossem fazer
/ 97 /
a escritura a Lisboa responsabilizando-se pelas despesas da viagem.
O João António de Andrade que abonou essa despesas, recebeu em paga
as casas da capela em 1914. Morrendo este Andrade, o filho vendeu-as
à Comissão de Vigilância, mediante um simples recibo do preço em
1927. Não há títulos, não há registo. Mas em 18 de Outubro de 1911 a
capela do Castelo foi arrolada pela Comissão Central da Execução da
Lei da Separação. Parece-me que indevidamente; porque era uma capela
já pertencente ao Estado, como anexa ou parte integrante do
monumento nacional. Não virá um dia a Comissão de Separação querer
apossar-se também da casa, como pertença da Capela? O bom seria
arrancar mesmo a capela dessa Comissão visto que pertence
directamente ao Património Nacional.
Quanto à casa pertencer ao Estado
não creio que haja dúvidas. A Comissão de Vigilância está na posse
dela, como está na posse da capela e do castelo, para guardar e
conservar todo o monumento e todas as suas pertenças».
Sugere, em seguida, como solução:
«Talvez simplesmente mandar declarar na matriz predial que o prédio
n.º 170, bem como a capela, são pertenças do Castelo e propriedade
do Estado (como tal a registar no livro competente do cadastro) na
posse, para guarda e conservação, da Comissão de Vigilância».
Em resposta a esta carta, em 25 de
Junho, de 1943, o chefe da Repartição do Património comunicou que se
transmitiram «instruções à Direcção de Finanças de Aveiro, a fim de
a Casa do Guarda e Capela anexa, junto do Castelo da Feira, serem
inscritos como bens do Estado na Matriz Predial e descritos nos
Mapas de Cadastro do Património do Estado, com dispensa de outras
formalidades» visto os elementos fornecidos pelo Dr. Vaz Ferreira.
Em 28 de Junho a Direcção de
Finanças de Aveiro informou o chefe da Secção de Finanças deste
concelho da Feira que a Direcção Geral da Fazenda Pública concluira,
depois do estudo de diversos elementos constantes do processo
existente naquela Direcção, que a «Casa do Guarda» e a capela anexa,
junto do Castelo desta vila, se deviam considerar como propriedade
do Estado, determinando, em consequência, que se procedesse «à
inscrição dos referidos bens na matriz predial e à descrição dos
mesmos nos Mapas de Cadastro do Património do Estado».
Em 2 de Julho seguinte, o chefe da
Secção de Finanças, informou o seu director, de Aveiro, que «a casa
do guarda está inscrita no artigo 170 da matriz predial urbana da
Feira, como «casa de sobrado, sita no Castelo, de construção antiga,
superfície coberta 72 m2, quintal-área 30 m2,
com o número de polícia 854».
A capela está descrita na mesma
matriz no artigo 171, assim: «Capela de Santa Luzia, sita no
Castelo, com a superfície coberta de 266 m2.»
Ambas estão inscritas em nome do
Estado.
Em 7 de Julho de 1943, o mesmo
Director de Finanças de Aveiro ordenou, em repetição de uma ordem já
anteriormente dada, que fosse incluída nos mapas de Cadastro do
Património do Estado, a enviar em Janeiro seguinte, a «Casa do
Guarda» e a capela anexa.
Em 12 deste mês o Dr. Vaz Ferreira,
como presidente da Comissão de Vigilância, remeteu para constar do
registo no livro do Património o estudo, que já transcrevi no início
deste trabalho, sobre a capela, estudo que está anotado naquele
registo na 1.ª página.
Presentemente (1972) o castelo,
capela e casa do guarda estão registados no livro modelo 26 –
Próprios Nacionais – 2.ª parte, copiado do mapa n.º 1 do cadastro
dos bens do domínio público de 30 de Julho de 1938.
«= 25.º – Um castelo, construido
todo a granito, denominado «Castelo da Feira» cuja notícia mais
remota vem do século XI. É de tipo ogival constituido por uma torre
de menagem quadrangular e flanqueado por cubelos terminados por
coberturas de formas cónicas.
Esta torre é rodeada de terraplanos
em variados níveis, limitados por espessas muralhas perfuradas de
torneiras e seteiras em que predominam as cruciformes. Além disto
possui galerias subterrâneas uma das quais vai dar à casamata e
outra ao páteo onde se abre a porta da traição; possui ainda um
profundo poço que serve para dar luz através de oito janelas
dispostas verticalmente e uma escada de caracol que mergulha no solo
até ao fundo desse poço, ignorando-se ainda o intuito desta original
construção.
Encontra-se ainda e dentro dessas
muralhas as ruinas das alcáçovas que foi moradia dos Condes da
Feira, das estirpes dos Pereiras, senhores das Terras de Santa Maria
da Feira e seu castelo de jure e herdade.
Extra-muros do Castelo existe uma
capela de certo merecimento arquitectónico e do tipo renascença
encostada à fortificação e pertença sua, pois foi construida pela
condessa da Feira D. Joana Forjaz Pereira de Menezes, sua donatária,
em 1656. Mas a casa da Capela que foi anexa e que comporta a
sacristia, foi particular, hoje pertença do Castelo (deve-se
intercalar por ter havido erro de cópia... Fora do Castelo)
há um terreno
/ 98 / com a área de 600 metros o qual
dá acesso ao mesmo. A parte do Castelo que se mantém apresenta-se em
bom estado de conservação.
É considerado Monumento Nacional.»
Tem à margem – «Por despacho
ministerial de 18 de Janeiro de 1939, e sob proposta da Direcção
Geral da Fazenda Pública, autorizada a devolução à posse do
Ministério das Finanças, o antigo prédio militar, denominado Castelo
da Feira, sendo o auto de entrega lavrado em 10 de Fevereiro de
1939, ficando sob a administração da Comissão de Vigilância pela
Guarda do Castelo. Ofício n.º 802 de 7 de Fevereiro de 1939 da
Direcção de Finanças de Aveiro».
Na matriz urbana verificam-se as
inscrições nos seguintes artigos:
171 – Capela de Santa luzia, com a
superfície de 266 m2;
172 – Castelo;
1065 – (antigo 170) – Casa de
sobrado, habitação do guarda do Castelo, com três divisões, área
coberta 80 m2, a confinar do norte com a capela de St.ª
Luzia, do sul e nascente com o Castelo e do poente com terreno
público.
Fui informado que houve, em tempos,
na Repartição de Finanças, um livro de cadastro do património
nacional (livro 22, se não estou em erro) de onde constava a
descrição do castelo e da capela.
Este livro desapareceu devido a um
conluio entre um antigo proprietário da quinta do Castelo e um
funcionário da mesma repartição, ambos já falecidos, de modo àquele
subtrair-se ao encargo do pagamento de foros à Igreja de Fornos.
Foi organizado um outro livro com
base numa informação prestada pelo Dr. Aguiar Cardoso, sendo
remetida uma cópia para Aveiro. Quando, há anos, se venderam papéis
da mesma repartição, julgados inúteis, o encarregado da sua
apartação, por lapso, incluiu neles aquele livro 22, o que se
verificou quando aqui se procedeu a uma inspecção de Finanças.
Ainda se tentou reavê-lo do
industrial da fábrica de papel que o havia comprado, mas foi tarde:
já estava triturado...
Tirou-se cópia do de Aveiro.
Não a encontrei no arquivo da
Repartição de Finanças.
A actual descrição no cadastro dos
«Próprios Nacionais» tem por base, como disse, a que serviu para
preencher o mapa n.º 1 do cadastro dos bens do domínio público de 30
de Julho de 1938 que, embora comporte situações de facto já muito
ultrapassadas então, tal como existiram em vida do Dr. Aguiar
Cardoso (como seja a referência às ruínas da alcáçova) encara outras
posteriores à morte deste ilustre investigador (quando se diz que a
«casa da capela, que foi anexa e que comporta a sacristia, foi
particular, hoje pertença do Castelo»).
Isto torna evidente que o cadastro
não corresponde ao que foi copiado do existente na Direcção de
Finanças de Aveiro.
Nesta Direcção, o castelo e capela
estão descritos no modelo 26, em livro cujo termo de abertura é
datado de 2 de Abril de 1922, de modo muito sucinto: «n.º 25 – Um
castelo construído a granito, denominado Castelo da Feira com sua
esplanada e capela, sito no lugar do Castelo, freguesia e concelho
de Vila da Feira».
Há um complemento à descrição, que
se prevê ter sido feito em 1938 ou 1939, segundo a letra do
funcionário que o escreveu: diz respeito, já com desenvolvimento,
apenas ao castelo.
Entre os anos de 1940 a 1943 recebeu
nova anotação em «observações», do seguinte teor: «O Castelo da
Feira está descrito na matriz urbana da Feira sob o artigo n.º 172.
Anexa ao «Castelo» está a «casa do guarda», que está inscrita na
referida matriz sob o artigo 170 com a seguinte descrição: «Casa de
sobrado, sita no Castelo, de construção antiga, com o número de
polícia 854; tem de superfície coberta 72 m2 e um quintal
com a área de 30 m2. Ainda anexa ao «Castelo» encontra-se
a Capela, descrita na matriz em referência sob o artigo n.º 171 da
seguinte maneira: «Capela de Santa luzia, sita no Castelo, com a
superfície coberta de 266 m2».
Assim e em conclusão:
a) A capela de Nossa Senhora da
Encarnação é antiquíssima, de época anterior a 1514: no parecer do
Dr. Vaz Ferreira, já devia existir no século XIV;
b) foi reedificada em 1656 pela
condessa da Feira, D. Joana Forjaz Pereira de Menezes e Silva;
c) está ladeada, pelo sul, pela
sacristia que tem um andar onde vive o guarda, casa que antigamente
era conhecida pela «do capelão»;
d) houve, em tempos, outra casa que
a ela estava ligada, para norte;
e) a capela e referidas casas
pertenceram à Casa dos Condes da Feira» e, depois da extinção desta,
por / 99
/ falecimento do Conde D. Fernando, passaram para a
«Casa e Estado do Infantado»;
f) depois da implantação do regime
liberal, pela extinção desta Casa, passaram para o Estado, mas o
marechal de campo graduado José Joaquim da Silva Pereira,
apossou-se, ilegitimamente, da casa do capelão e da sacristia;
g) seu neto, o conselheiro Fernando
de Castro Matoso transmitiu esta casa para João António de Andrade;
h) A casa para norte da capela foi
incorporada na quinta do Castelo, que fora adquirida pelo marechal e
foi vendida, por aquele conselheiro Fernando Castro Matoso, ao mesmo
Andrade que a mandou demolir em 1909;
i) em 1927 o único filho deste,
Benjamim Gama de Andrade, transmitiu a casa do capelão, ou da
guarda, para a Comissão de Vigilância pela Guarda e Conservação do
Castelo da Feira;
j) a capela, depois de extinta a
«Casa e Estado do Infatado», em 1834, sempre se manteve como
propriedade da Fazenda Nacional;
k) conheceu-se na sua administração,
depois daquela Casa, a Câmara Municipal e a Junta de freguesia;
I) hoje, a capela, sacristia e casa
do guarda, estão registadas no cadastro do Património do Estado:
quanto a esta casa, isto só resultou depois de diversas diligências
que tiveram o seu termo em 1943;
m) Presentemente, todos estes bens,
assim como o castelo, estão entregues, oficicialmente, à guarda e
conservação daquela («Comissão de Vigilância»).
*
A capela de N. Senhora da Encarnação
sempre teve, na sua frente poente, um logradouro que se estendia
para norte e sul abrangendo, na sua área o local onde esteve a
ermida de Santa Luzia.
Por isso, quando se fez o referido
tombo da «Casa e Estado do Infantado» ele foi incluido no descritivo
do auto lavrado a 23 de Julho de 1753.
«O Rocio que fica fora das portas do
Castelo que he onde se faz a feira de Março e principiando a medição
da capela de Santa Luzia que esta no mesmo terreno direito ao norte
pelo meio tem oitenta e seis varas e de largo na cabeceira do sul
vinte e nove varas e do norte acaba em ponta aguda.
Ainda no corrente século nele se
fazia, anualmente, uma feira em 25 de Março, que se chamava «de
março» ou «da linhaça», com festividade na capela. Constava esta de
missa solene a grande instrumental, com sermão e procissão que, com
a imagem de Nossa Senhora da Encarnação e incorporação de
Irmandades, percorria todo aquele logradouro quando não ia até à
capela de Nossa Senhora de Monserrate, na vizinha «Casa das Ribas».
Durante muitos anos, na noite de 25
de Março, havia espectáculo no teatro de D. Fernando lI, desta vila.
Penso que as últimas vezes em que se
realizaram foi nos anos de 1898 (com o drama «Anjo Maria» e a
comédia «Audácia numa sala») e de 1901 (com as comédias «Um sujeito
apressado» e «Capitão de Lanceiros»).
Nestas récitas actuaram
actores-amadores locais.
Antigamente, a festividade e a feira
faziam-se com regularidade.
Na primeira década deste século
ainda assim sucedia, senão em todos, ao menos em muitos anos.
Posteriormente tudo foi caindo em
desuso: creio que a última vez que teve lugar, pelo menos quanto à
festividade, foi em 1944.
Ficou na lembrança popular a que se
realizou a 25 de Março de 1893, custeada pelos irmãos Henrique e
Alexandre Brandão, sócios da antiga fábrica de conservas Brandão
Gomes & C.ª, de Espinho, quando aquele ofereceu, à capela de Nossa
Senhora da Encarnação, a velha imagem da Santa Luzia, que estava na
antiga ermida deste nome (Arquivo do Distrito de Aveiro – Vol. VIII,
fls. 5) e a de 1909, com a valiosa ajuda daquele Henrique Brandão.
Há a certeza de a procissão se ter
alongado até à capela de Nossa Senhora de Monserrate em 1911
(«Gazeta Feirense», número 123 de 27 de Março) e 1942 («Tradição»,
número 506 de 21 de Março, onde informou que a procissão já se não
fazia há cerca de quarto de século).
Apesar de estas procissões se terem
realizado durante muitos anos, com base em tradição que desconheço,
nunca a imagem desta capela de Nossa Senhora de Monserrate tinha ido
processionalmente à capela do Castelo.
Porém, em satisfação de um voto que
fiz juntamente com minha mulher, ela teve lugar em 13 de Novembro de
1960, como em pormenor relatarei quando estudar aquela capela de N.
Senhora de Monserrate.
A mais antiga referência àquela
procissão, que se fazia em 25 de Março, encontrei-a a fls. 281 do já
mencionado trabalho do P.e Jorge de S. Paulo [Livro e
memorial da fazenda deste convento (do Espírito Santo da Vila da
Feira)...]:
«No anno de 1660... no Castelo onde
fizerão de novo a procissão pregou hum franciscano não quizerão os
religiosos (os do convento) ir na procissão nem
/ 100 /
quizerão que fosse o St.º Lenho e ouverão de aver des... mas
atalhou-se a isso com levar o P. Vigr.º a reliquia na procissão a
tornar a trazer com authoridade e porqe alegava a Snrª Condeça qe
avia de ir reliquia e qe não avia outra e qe o
parrocho da fregª tinha obrigação de a haver e mostrar resão a que
se satisfez mas ficando queixosa».
E ainda quanto à festividade, do
livro de «Registos da Câmara Municipal» (1827-1834), a fls. 101,
consta que foi determinado superiormente que esta «festividade de
Nossa Senhora da Encarnação do Castelo da Vila da Feira continuasse
a realizar-se no dia 25 de Março na forma do costume.)
Pelo mesmo registo ainda se sabe que
Agostinho de Santa Gertrudes e Sousa, capelão da «Real Capella de
Nossa Senhora da Encarnação do Castelo da Villa da Feira», pediu a
faculdade para poder transferir a festa que anualmente se celebra
ali no dia vinte e cinco de Março para outro qualquer dia, em que
não concorrão os embaraços que o suplicante representou.
Sua Magestade não foi servido
conceder a pretendida mudança e manda que se observe a similhante
respeito o que se acha estabelecido, o que participo a vossas mercês
para sua inteligência e execução... Palácio de Queluz 12 de Setembro
de 1831 – Conde de Basto.»
E assim se manteve.
Todos os anos se reza missa na
capela, no dia de Santa Luzia – 13 de Dezembro. |