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ADENDA
GUILHERME BRAGA
Por lapso deixei de me referir a um
episódio que ligou o nome do poeta a esta Vila.
Como é bem sabido, a divulgação de
«Os Falsos Apóstolos» provocou reacção no país criando-lhe muitos
opositores.
À imitação do que fizera o cónego de
Lamego, António Lopes Roseira, um farmacêutico desta Vila queimou,
aqui, um exemplar daquela obra.
Um tal José das Chagas, em
correspondência que publicou no «Diário da Tarde» de 25 de Setembro
de 1871 (pág. 2), diz que o autor dos «Falsos Apóstolos» reagiu
atirando ao farmacêutico «quatro quadras com quatro flechas eivadas».
Heliodoro Salgado, no prefácio da
2.ª edição daquele livro apenas publicou três daquelas quadras,
omitindo a segunda.
No único exemplar daquele jornal que
existe na Biblioteca Nacional de Lisboa está recortado o lugar onde
os versos foram publicados.
Tu, bom homem, que sabes o mistério,
Torvo e fatal, das abortivas
plantas,
Por um morto credor do cemitério,
Credor da igreja por mil coisas
santas;
... ... ... ... ... ... ... ... ...
...
Tu queimaste na sombra o rude canto
Que ardente me inspirava a nova
ideia,
Face a face com Deus no templo santo
Do eterno azul que sobre nós se
arqueia!
Tu, de meus versos dispersaste ao
vento
Desfeita em cinza a multidão
sombria?!
Dalguém, dalguém talvez, nesse
momento,
Ria a caveira, sob a lajem fria...
O Dr. Vaz Ferreira no seu
«Ferro-Velho» (Correio da Feira, número 2310 de 7 de Novembro de
1942), comentando este acontecimento, pergunta: – «Como é que o sr.
José Chagas dizendo que as quadras são quatro, nos apresenta três?
Qual era o veneno que as ervava? Seria o das plantas abortivas que
fez o Sr. José Chagas não dar à luz a segunda quadra e substituí-la
por pontinhos?»
Registo, mas não sei dar a resposta.
No mesmo artigo o Dr. Vaz Ferreira
narra:
«O Guilherme Braga ainda esteve na
Feira, hospedado na quinta das Ribas, em Fevereiro de 1874, quando
escreveu um folhetim a respeito das quatro «soirées masquées»: as
primeiras em casa do Dr. Manuel Bandeira, onde compôs as quadras
«Rosas e ortigas», a terceira em casa do António Augusto Duarte
Silva e a quarta no bonito palacete ocupado pelo Joaquim Eduardo de
Almeida Teixeira, à esquina da praça do Dr. Roberto Alves, dono em
seguida desse prédio, onde habita o volumoso tesoureiro de
finanças».
A tudo isto tenho que comentar.
Não conheço aquele folhetim, apenas
estou informado de uma «soirée masquês» em casa do Dr. Manuel
Bandeira, assim como nunca ouvi referir as outras duas últimas.
A casa habitada pelo tesoureiro de
Finanças (Felisberto Bordalo de Vilhena) não está situada na esquina
da praça do Dr. Roberto Alves, mas na esquina da rua deste nome com
a praça do Dr. Gaspar Moreira.
Finalmente, quero mencionar o que a
respeito do poeta disse «O Primeiro de Janeiro» de 7 de Novembro do
ano findo (1971).
Por ocasião da eleição da Madre
Abadessa do Mosteiro de Avé Maria, que se elevava onde hoje está a
estação de S. Bento, no Porto, realizavam-se aí festas denominadas
outeiros, que ficaram célebres com o nome de abadessados.
A elas acorriam os mais afamados
poetas repentistas «para recitar as suas poesias, glosando os motes
que lhes davam freiras ou seculares».
Nas últimas que nele se realizaram,
entre os doces, vinhos finos e licores que foram servidos, glosaram,
além de outros, Guilherme Braga, Guerra Junqueiro e Manuel Vieira de
Andrade.
Creio que o nosso poeta se sentiu
bem naquele meio monástico, propício à inspiração do seu
temperamento lírico.
Vila da Feira – Casa das Ribas
1971
– 1972 |