Apesar de desaparecida do número dos
vivos há longos anos, a «Senhora Teresinha» de Vilar, ridente
subúrbio de Oliveira de Azeméis, continua presente na memória de
muitos: dos mais velhos, porque dela escutaram descrições
encantadoras das terras de França, nos tempos em que se contavam
pelos dedos os que teriam atravessado Os Pirinéus; dos mais novos,
porque a cada passo ouvem referências saudosas à veneranda velhinha
que falava francês e que fora ama dos filhos de um homem importante
que escrevera muitos livros.
Teresa da Costa se chamou a
senhora oliveirense que foi ama de alguns dos filhos de Eça de
Queirós, e principalmente da Senhora D. Maria de Eça de Queirós
de Castro, falecida recentemente. Aliás, a fotografia que
ilustra estes apontamentos, e que muito gentilmente me
facultaram os familiares da «Senhora Teresinha», foi oferecida à
ama dedicada por aquela ilustre filha do autor de «A Cidade e as
Serras». Testemunha a oferta o autógrafo ainda bem visível.
Teresa da Costa acompanhou, ao
que consta, a família de Eça de Queirós quando este, em 1889,
foi para Paris em missão diplomática; antes estivera já ao
serviço dos seus amos em Londres e Bristol. |
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Foto
oferecida pela Sr.ª D. Maria Eça de Queirós a sua ama, a Sr.ª
Teresinha do Vilar (1908) |
E mesmo após a sua morte, ocorrida
na residência de Neully, no ano de 1900, continuou, durante alguns
anos, ao serviço da família. Mais tarde foi para o Brasil, chamada
por uns parentes, vindo a terminar a sua existência em Vilar, onde
tinha nascido.
Como teria surgido o contacto
inicial entre a família de Eça de Queirós e a «Senhora Teresinha»,
foi interrogação posta a si próprio, quantas vezes, pelo autor
destes apontamentos. A resposta viria a dar-ma o opúsculo publicado
pelo investigador Alberto Couto, que em Oliveira de Azeméis passou
longos anos da sua vida de exemplar funcionário e criou profundas
amizades e simpatias.
Nesse opúsculo, com o título «Eça de
Queirós e Oliveira de Azeméis, escreve a certa altura Alberto Couto:
«Embora não me fosse dado encontrar documentos que falem da
permanência de Eça de Queirós em Oliveira de Azeméis, tenho como
prova respeitável – e suficiente – o testemunho solene da tradição
oral, que conta ter sido o autor de «O Primo Basílio» visita assídua
do solar do Côvo, a pouco mais de um quilómetro da vila, à margem
esquerda da estrada que segue até Vale de Cambra».
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«Nos agitados tempos da mocidade,
foi companheiro de Eça, na histórica viagem ao Oriente, D. Luís de
Castro PampIona, conde de Resende, e tal viagem é deveras
elucidativa quanto à cordial amizade que os ligava. Acontece, ainda,
que o conde de Resende mantinha as melhores relações de amizade com
seus primos D. Gaspar Maria de Castro Lemos Magalhães e Meneses
Pamplona, conde do Côvo, e seu irmão, D. António de Castro e Meneses
Pamplona. (...) A condessa do Côvo, D. Sofia Adelaide Ferreira Alves
de Castro Lemos, esposa de D. Gaspar, havia de ser, mais tarde, uma
das testemunhas do matrimónio de José Maria Eça de Queirós com D.
Emília de Castro Pamplona, irmã do conde de Resende.»
«Há, pois, sobejas razões para
acreditar na assiduidade de Eça em visitar o nobre solar do Côvo,
que, nem sei porquê, me arrasta o pensamento para o paço de Santa
Ireneia, a ilustre casa de Ramires... Destas relações, resultou uma
viva simpatia, logo transformada em amizade, entre Eça e o irmão do
conde do Côvo, D. António de Castro.»
Continuando a estabelecer traços de
ligação entre Eça e Oliveira de Azeméis, Alberto Couto refere-se
então a personagens, cenas e paisagens de «A Ilustre Casa de
Ramires» e de «A Capital»:
«Atingindo este ponto, compete-me
revelar que a tradição assevera ter Eça aproveitado a figura de D.
António de Castro para criar uma das personagens mais humanas da sua
galeria famosa: D. António de Villalobos, o possante amigo de
Gonçalo Mendes Ramires. E não é só o que conta a roda de
oliveirenses mais apegados a estes assuntos de belas-letras. Diz-me
o actual senhor das terras do Côvo que já os antepassadas murmuravam
a quase certeza de que o D. António de Villalobos era, nem mais nem
menos, que seu tio D. António de Castro, invocando de início, a
portentosa razão que vem da coincidência de a personagem de Eça ter
o apodo de «Titó», enquanto o fidalgo do Côvo era conhecido, entre a
gente da casa, por «Pitó». Convenhamos em que a coincidência é
extraordinária e faz admitir, plenamente, as mais ousadas
convicções».
Depois de, referindo várias citações
de Eça, estabelecer «evidentes aproximações físicas e psicológicas»
entre D. António de Villalobos e D. António de Castro, Alberto Couto
volta-se para «A Capital» e escreve:
«Tão depressa foi lançada à
voracidade do público a edição de «A Capital», logo os oliveirenses
descobriram, ou julgavam descobrir, sob a figura de Vasco Pedroso, a
personalidade inconfundível e popularíssima de Joaquim Ferreira de
Araújo e Silva, o «Joaquim da Botica», estabelecido que fora numa
casa já demolida e que existiu no local onde hoje está uma loja de
ourives, à esquina da estrada para a estação do caminho de ferro. O
estabelecimento do «Joaquim da Botica» era muito frequentado pela
rapaziada estudiosa da Universidade de Coimbra que por ali se
demorava, em tempo de férias, a manter dois dedos de conversa com
fidalgos da região ou desfrutar o proverbial mau génio do velho
boticário com partidas sem conta. É inteiramente crível, portanto,
que Eça tenha conhecido o «Joaquim da Botica», pois que D. António
de Castro também emparceirava na tertúlia.»
Muitos outros traços de união
estabelece Alberto Couto, mas as limitações de espaço não me
permitem a sua transcrição; repare-se finalmente, nas referências de
«A Capital» (pág. 46) à maravilha da «fábrica de vidro» e as visitas
de Corvelo «à fábrica de vidro do Côvo» – a fábrica onde pontificava
D. António de Castro, que se esmerara na composição de fórmulas
vidreiras.
Parece, de facto, não restarem
dúvidas das visitas de Eça de Queirós ao solar do Côvo; e porque do
Côvo a Vilar distam umas escassas centenas de metros, facilmente se
descobre por que razão foi ama da filha de Eça a «senhora Teresinha»
de Vilar, hoje figura quase lendária. |