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N.º 11

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

Junho de 1971 

EDUARDO CERQUEIRA

É O NOVO PRESIDENTE DA JUNTA

AUTÓNOMA DO PORTO DE AVEIRO

 

No passado dia 15 de Março, Eduardo Cerqueira, notável polígrafo aveirense, assumiu as funções de Presidente da Junta Autónoma do Porto de Aveiro.

Ao concorrido acto que se realizou no Salão Nobre da Junta Distrital presidiu o Governador Civil, Dr. Francisco do Vale Guimarães.

Ladearam o primeiro Magistrado Administrativo do Distrito, os Senhores Conselheiro Albino dos Reis, Governador Civil do Distrito de Viseu e Presidente da Acção Nacional Popular de Viseu, além das mais destacadas entidades do Distrito Aveirense.

A presença de tão alta representação viseense certamente traduz a inteligente certeza de que o Porto de Aveiro, virado ao Atlântico, será a via mais certa para a promoção das riquezas beirãs.

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Após o Chefe do Distrito ter recordado a satisfação inesquecível de ter empossado durante o seu primeiro mandato, o saudoso e insigne aveirense, Dr. Alberto Souto, como Presidente do Município de Aveiro, salientou o júbilo que de novo agora sentia em conferir a posse da presidência da Junta Autónoma a Eduardo Cerqueira.

Referiu depois o Chefe do Distrito traduzir a presença de tão numerosa e qualificada assistência «acto de consideração pelo empossado, inteiramente devido aos seus méritos intelectuais, à sua extrema dedicação a Aveiro e respectivo distrito, à rectidão das suas atitudes, à sua independência, ao seu civismo».

Todos quiseram manifestar – disse – com a sua presença o interesse por tudo quanto ao porto do mar respeita. Nesse interesse comungam as actividades económicas de outras regiões do norte e centro do País, com particular relevo para Viseu, a lutar pela legítima aspiração com entusiasmo perfilhado por Aveiro, de ver construída a via rodoviária que possibilite o acesso rápido e fácil ao litoral aveirense e, consequentemente, ao seu porto de mar.

Frisou o Dr. Vale Guimarães ser Aveiro o maior porto bacalhoeira do País, já utilizado, também pelas frotas de arrasto costeiro. Assinala-se-Ihe hoje papel de relevo como porto de comércio, cujo crescimento tem sido espectacular, pois atingiu a taxa de 20 %, média dos últimos cinco anos. A previsão de um porto de comércio para movimentar 100 mil toneladas está de longe ultrapassada. Em 1970 o tráfego foi já perto de 250 mil.

Disse o Governador Civil que mais se acentuará esse crescimento logo que sejam ampliados os cais de acostagem e completado o seu apetrechamento. E maior será ainda – acentuou – quando for mais regular e eficaz a defesa da barra contra o assoreamento.

O Governador Civil acrescentou ter o Governo procedido com acerto ao consignar no terceiro Plano de Fomento prioridade para o porto de Aveiro.

O Governo de Marcelo Caetano reconhece competir a este porto papel relevante na economia nacional e daí ter inscrito no orçamento do ano em curso verbas apreciáveis destinadas ao começo de obras de prolongamento dos cais e ao seu indispensável apetrechamento.

Afirmou, depois, que apesar do dinamismo, do poder de decidir e da larga visão do Ministro Rui Sanches, nem tudo se consegue realizar com a brevidade desejada, especialmente quando faltam estudos e projectos.

É um sério problema – acrescentou – este de se encontrar quem estude e projecte em traços convenientes.

A propósito declarou ser devido a essas dificuldades que determinadas obras de interesse vital para o desenvolvimento da cidade e sua região ainda não / 41 / foram iniciadas, citando entre outras o dique estrada para a Murtosa, os acessos à cidade, a nova ponte da Barra e a ligação por «ferry-boats» para S. Jacinto. Afirmou, depois, encontrarem-se vencidas as maiores dificuldades pelo que não será preciso esperar muito mais tempo para se verem lançados empreendimentos susceptíveis de transformar a pequena cidade num grande centro urbano.

A finalizar, o Dr. Vale Guimarães falou acerca da acção que alguns industriais estão a desenvolver no sentido de construir, no Porto de Aveiro, um terminal para contentores de carga seca. Mais um elemento a demonstrar ter este porto possibilidades imensas cujo aproveitamento não exige investimentos de grande volume.

De seguida falou Eduardo Cerqueira, que agradeceu as palavras com que o Governador Civil o distinguiu e o amparo e estímulo que lhe trouxeram as individualidades presentes, de entre as quais destacou o chefe do Distrito de Viseu.

Em palavra sentida, evocou homens e fados relacionados com a história do porto de Aveiro, tendo depois lido o seu magnífico trabalho.

«Aveiro e o seu Distrito», que por inúmeras vezes tem sido honrada com a pena inconfundível de Eduardo Cerqueira, aqui deixa arquivado o memorável discurso do ilustre escritor e jornalista aveirense, formulando os mais sinceros desejos pelos melhores resultados no exercício do seu mandato.

 *

*  *

Quando, aí pelos finais do primeiro quartel deste nosso século de celeridades e insatisfações, comecei a atentar nos problemas desta terra, a que um artista, pensador e homem público de dilatada projecção nacional, com inteira propriedade, chamou anfíbia, reavivava-se o anelo de fazer ressurgir o seu porto de mar.

Mais que um sentimento, uma incentivadora convicção alentava os espíritos mais esclarecidos para o recomeço de uma luta e para uma vitória. Fundamentavam-se numa longa história, com uma fase de crescente prosperidade e um momento de esplendor, e um

arrastado e desesperador período de decadência, e, a par dessa lição de evidências estimuladoras, em virtualidades flagrantes.

Aveiro – e quem refere Aveiro, engloba uma região ampla e rica, conglomeração de diversidades numa unidade cada dia mais significativa, operosa e fecunda – só retomaria o caminho do florescimento das suas capacidades, que o mar lhe propiciava e ao mesmo tempo negaceava, pelo combate.

Na ordem técnica, opondo resistência bastante ao que o mar propiciatório, e o seu vai-e-vem – e a sua inquietação, e o seu prometer e furtar-se, ora era oferta e germe de iniciativa, ora um fermento de desesperanças – e fixando uma barra com folgado passe. Garantindo uma comunicação permanente e sem escolhos que separassem e tolhessem. Reatando, em corrente franca e leal, o fluxo inalienável da protecção que o progenitor deve ao ente que engendrou – já que a Ria é filha, umbilicalmente ligada, e indispensavelmente, ao mar de onde proveio.

No domínio da persuasão, uma pugna persistente se impunha, e através dela irrefragavelmente demonstrar que o porto, rudimentar e precário, podia – podia e devia – voltar a exercer a sua função de fomento. E, nesse campo, tornava-se imperativo abalar ideias contumazes de abandono dos pequenos portos, então as dominantes em altas esferas responsáveis, que tomavam os investimentos neles realizados como despiciendos, ainda quando alcançassem êxito.

No aspecto de criação de receitas que dessem viabilidade a um plano de acção e melhoramento sucessivo, houve que vencer resistências e critérios estabelecidos.

Foi necessário convencer incrédulos, desfazer cépticas dúvidas, enfrentar interesses escondidos por detrás de um pseudo zelo público e malquerenças sub-reptícias; arvorar uma bandeira e brandir um gládio; usar de todos os recursos da dialéctica, por vezes acerada; clamar, com voz forte e clara, e porventura rude, as razões irrefragáveis, a que a rotina, a mesquinhez de aspirações e algumas dominantes ideias da época – que afinal, foi ainda ontem – se mostravam pouco permeáveis.

Foi preciso combater. Para convencer e para aliciar. Para esclarecer e para empolgar. E Aveiro, como em épocas pretéritas – o capitão-mor João de Sousa Ribeiro, ou José Estêvão, Gustavo Ferreira Pinto e quantos da sua geração o acompanharam – teve os homens necessários, esforçados e lúcidos para abraçarem e advogarem, com fé e denodo, o problema magno, e o tomarem vigorosamente como uma causa vital da cidade e da região, e lhe determinarem as coordenadas que o situassem no amplo âmbito do interesse nacional.

Alberto Souto e Rocha e Cunha, dois dos expoentes cimeiros do pensamento aveirense e do largo bairrismo congregador e proliferador, formularam a ideia latente, articularam-na, lançaram o fermento e conferiram-lhe a funcional orgânica. Homem Cristo, tão ardoroso como / 42 / esclarecido, lutador desbordante de energia, doutrinador comunicativo e de penetrante visão antecipadora, numa campanha estrénua – catalizadora e impulsionadora – infunde nos espíritos incrédulos a convicção de que o porto de Aveiro se deve tornar um factor ponderoso de fomento económico de dimensão nacional.

Essa convicção criei, nesse período heróico de luta. Mantive-a e fortaleci-a, nos contactos que generosamente me proporcionaram os seus sucessores na fase, que se seguiu, de realizações, a viver com vivida solicitude, e entusiasmo, e apaixonado desígnio de servir os problemas que brotam em cadeia das primeiras soluções almejadas – o Coronel Gaspar Ferreira, que até exaurir as energias, tão intensa e proficuamente, tão silenciosa, mas tão esforçada e clarividentemente, fundiu a sua com a vida da Junta Autónoma; e o meu antecessor e benévolo amigo Engenheiro Carlos Gamelas Gomes Teixeira que consubstanciou prestante e fervidamente esta genérica ambição de lídimo aveirismo e de cidadania de dotar a sua terra do porto que um conjunto de condições irrefutáveis pode proporcionar ao País.

Mantive e fortaleci essa convicção, nos resultados que já hoje se patenteiam como consequência das obras de melhoramento da barra, iniciadas há cerca de quatro decénios, quase timidamente – e a respeito das quais, não devo esquecer técnicos de alto merecimento e governantes que compreenderam acima dos nossos sentimentos, as nossas positivas razões.

Nos tempos já longínquos em que essas razões pareciam ainda fantasias, eram modestas as perspectivas. Evitava-se que nos espíritos rotineiros e sem rasgo de anseio e previsão, se considerasse mais que uma pequena cifra, como uma ambição de desmesurado bairrismo.

Situava-se então a meta dos desejos aveirenses na doméstica centena de milhares de toneladas de tráfego comercial.

Não havia restrições no anelo, mas uma cautelosa táctica no apresentar de uma reivindicação a que faltava ainda um ambiente francamente propício.

Um porto é um órgão em si mesmo portador do germe de crescimento – uma força vitalizadora essencialmente dinamizadora e expansiva. Sabia-se, já então, compenetradamente, e calava-se, porque a ambição demasiada – ou apenas aparentemente excessiva – faz perder as empresas. Dar um passo com segurança, medi-lo e assentá-lo, é, avançar. Tentar um salto pode ser cair num abismo.

Seguiu-se a esse primeiro, outro passo, ainda lá fora na barra. Outros se sucederam a configurar e a estruturar o porto em progressivo desenvolvimento, e sob renovados auspícios de expansão.

Aquela pseudo meta do nosso comedimento no pedir foi alcançado há apenas cinco anos. Foi já dobrada em 1969. E já as nossas insatisfações – legítimas e fundamentadas, creio bem –; e a experiência colhida; e as convicções nesse lapso de tempo firmadas, e as necessidades que se conhecem e pressentem; e os ritmos de crescimento dos nossos dias, que todos ambicionamos ainda acelerar, fazem redobrar as ambições e previsões.

O porto que se desejava uma válida, mas restrita parcela do fomento económico nacional, ultrapassou-se, neste lapso de tempo – tão curto e, ao fim tão longo para as nossas pretensões. Vem requerendo já, patentemente uma posição mais significativa no conjunto das actividades comerciais-marítimas do País.

E já, não como uma reserva supletiva, mas como um elemento com valia própria. Não suplente e suplementar, mas de efectiva e autónoma personalidade, com o seu âmbito próprio, de cada vez mais dilatado, de influência e penetração e escoamento.

Os nossos pressentimentos e prognósticos de há meio século e os que o tempo confirmou ou veio a provocar, poderiam considerar-se eivados de parcialidade bairrista, de amplificados por um afecto que perdera o sentido das proporções e da objectividade. Mas as perspectivas de um porvir de horizontes rasgados não constituem imaginação com ânsias desmedidas dos naturais.

Técnicos franceses encarregados oficialmente de se pronunciar, no aspecto económico e demográfico sobre as provindouras possibilidades da região, e de definir um objectivo do seu desenvolvimento, a prazo largo, que habilitasse a fundamentar o plano regional insuspeitamente, despidos de todo o sentimentalismo que possa criar ilusões aos naturais, revelaram-nos cifras que, nem a nossa sóbria modéstia nem a nossa audácia de desejar, nunca haviam imaginado.

Na frieza dos cálculos, admitem possibilidades futuras para a cobertura, num quadrilátero delimitado pelo Forte da Barra, Aveiro, a Ilha da Testada e a desembocadura do Vouga na Ria, de instalações portuárias e industriais, numa área de 4000 hectares. E concluem, considerando possível nessa zona um tráfego teórico de 40 milhões de toneladas de mercadorias diversas. Remotamente julgam mesmo verosímil, que esse número surpreendente possa ser excedido.

Bem notamos que esta estimativa alude a um tráfego teórico. Também nós o colocamos no domínio estrito dos cálculos matemáticos, das hipóteses construídas racionalmente, e abstraindo de incontroversos condicionalismos da mais diversa ordem. Todavia, este depoimento isento de falseamento sentimental, persuade-nos, mais firmemente, de que as aspirações que Aveiro formula, parcimoniosas, mas crescentes, se revestem de fundamentada legitimidade. E de que, quando / 43 / as exprimimos, não apresentamos uma reivindicação local, mas pedimos para o País, e para a comum prosperidade.

Abandonemos, porém, um futuro sem prazo, ainda do domínio das conjecturas, plausíveis, mas longínquo. Temos problemas reais imediatos a formular – do dia de hoje, para preparar um amanhã próximo, que satisfaça as precisões de uma região em plena progressão e com índices de crescimento dos mais elevados do País – e quiçá de outras, limítrofes ou geograficamente mais distantes, mas também com suas potencialidades e que aqui venham a encontrar o mais acessível polo de comunicação oceânica.

Chego à Junta Autónoma com tarefas aplanadas, por esforços persistentes de estudo, ordenação e proposição dos temas essenciais. Enunciarei alguns dos de importância primordial e que continuarão necessariamente a constituir as mais instantes preocupações do Organismo em que imprevistamente sobre mim veio impender uma quota parte ponderosa de responsabilidade.

Cabe a lógica primazia ao melhoramento da barra – da barra já melhorada, consideravelmente, mas na qual se continuam a verificar fenómenos perniciosos de assoreamento. Há que buscar um meio eficiente de eliminação desse pertinaz e tolhedor assoreamento, e, ao mesmo tempo, rápido e económico, para a transposição das areias acumuladas a norte para as praias do sul onde o cordão litoral mingua.

A par desse meio preconiza-se o prolongamento do actual molhe central. Dessa obra se antevê uma melhoria apreciável dos factores hidráulicos, com efeito na desobstrução da barra, mas também uma mais volumosa deposição de areias na Praia do Farol, e uma mais concreta protecção consequente do edifício onde o mesmo farol se encontra instalado.

Seguindo o caminho das águas provindas do mar, impõe-se à atenção de quem sobre os problemas portuários se debruce, o conveniente aproveitamento da Ilha da Mó do Meio, onde se implanta como determinante caracterizadora e toponímica o chamado Forte da Barra. Aí ressalta a necessidade de se estudarem, com vista a um provir, que supomos não muito distanciado, obras acostáveis, a executar por fases, ao passo que as circunstâncias as vão requerendo. Visar-se-ia propiciar a implantação de novas instalações e condicionalismos mais aliciadores, vantajosos e práticos à navegação do comércio. O futuro, nos nossos dias, chega mais depressa do que nunca. Pensemos nele antes que nos ultrapasse.

Prosseguindo para o interior da laguna, ressaltam as conveniências de promover o gradual melhoramento do porto bacalhoeiro. Simultaneamente convém acompanhar o desenvolvimento da frota local, com tão acentuados reflexos na economia da região aveirense, e ir preparando, com espírito de previsão, este sector portuário para outras actividades relacionadas com as pescas longínquas.

Segue-se, pela sua situação, o porto comercial. Está no início e constitui uma valiosa realidade. Foi uma confirmação e um dealbar de auspícios. Foi a satisfação de uma fase de progressão e um gerador de ambições. Em brevíssimos anos, demonstrou-se a imperativa necessidade da sua expansão, já construindo um novo troço de cais acostável, já através de um apetrechamento cada vez mais completo e eficiente. O crescente interesse que este sector portuário revela para as actividades regionais – e eventualmente vem despertando para além desta circunscrita zona do País – recomenda inequivocamente que procure corresponder-se-lhes com as condições que naturalmente pretendem encontrar. Importa proporcionar as condições, não aguardar que se lhes sinta a precariedade, captar e não descoroçoar.

Também no porto de pesca costeira se verifica clara necessidade de ampliação. O incremento que se vem registando no arrasto costeiro, suprindo o decréscimo acusado por outros sistemas de pesca, e tendendo a sobrepujar os montantes dos movimentos de pescado anteriores, trazem essa ampliação para o número dos problemas a encarar com brevidade.

Assunto que há alguns anos vem merecendo zelosa atenção da Junta e que com o tempo vai recrudescendo de acuidade e premência é o de dotar o porto de uma doca-seca. Constitui uma compreensível aspiração – para com mais propriedade exprimirmos esse compreensível anseio, digamos mesmo, uma instante e óbvia necessidade – dos armadores da frota aveirense de pesca longínqua.

E, naturalmente, para regular o funcionamento do porto, que se deseja e prevê com ascendente movimento, considero – todos consideramos – indispensável a melhoria das condições de navegabilidade dos canais principais, pelo prosseguimento de sistemáticas dragagens que lhes confiram maior largura e as refundam.

A jurisdição da Junta, todavia, não se confina propriamente ao porto de mar. A seu cargo encontra-se também a ria, que é paisagem singular, um acidente geográfico único na Península, lugar de êxtase e com inúmeros motivos de pitoresco, mas um valor económico

não menos digno de realce. As circunstâncias modificaram-se. Já hoje, com a camionagem, os adubos químicos e outros factores, a sua fisionomia é diferente da de há um quarto de século. Rareiam os moliceiros, na própria feição humana se vem descaracterizando, e / 44 / como via de transporte foi declinando de importância. Não movimenta já, como então, mais de quinhentas mil toneladas de materiais e produtos. Talvez pobres, mas num total de meio milhão de toneladas. Pelos seus esteiros e pelas muitas dezenas de cais ribeirinhas as cargas e descargas orçarão porém pelas suas duzentas mil – mais do que a generalidade dos pequenos portos nacionais.

Merecerão pois esses veios de água e os cais de que dispõem a constante atenção da Junta, e o seu carinho. A ria é bela, mas é útil.

Aliás, se a valia económica da ria em certos aspectos declinou, noutro, pouco mais que inexplorado ainda, tem ampla compensação. O lençol de águas plácidas, a luz vivíssima que nelas se espelha esplendorosa, a sua afinidade com o mar que o gerou e alimenta, e, pela barra, lhe dá a mão que alenta e dinamiza, a brisa que enfuna as velas, o peixe que o frequenta e as aves que a ela se acolhem nas suas migrações, tornam-na o lugar sumamente atraente e aprazível. A nova indústria que é o turismo encontra vasto campo neste acidente marítimo sem par. Há uma nova fase da história da ria a explorar criteriosa e sistematicamente. Destipificou-se, porventura nos aspectos transitórios das actividades humanas. Mas os seus valores permanentes criam novas suscitações de interesse: mirar a paisagem, o recreio da pesca, da caça e do navegar na laguna mansa, levado pelo vento e com a propulsão de um veloz motor. A ria continuará também a ser um centro de trabalho graças aos que nela procurem, nalgum ócio, o descanso reparador.

A Junta dedicará todo o seu interesse aos assuntos que este moderno aspecto da vida da ria tende a tomar cada vez com maior intensidade. E, no que estiver ao seu alcance patrocinará e auxiliará a criação de pequenos portos especificamente destinados à navegação de recreio e desporto, em vários locais da ria.

Aliás procurará, como sempre, que esse complexo aparelho hidráulico, tentacular e tão extenso, protele esses fenómenos de envelhecimento que, porventura, desde o nascer manifesta. É esse o seu dever e a sua devoção. Procurará cumpri-la, na senda que traz bem aberta. Dizendo-o, eu, que agora a ela chego, creio poder afirmá-lo em relação aos seus demais membros, que com zelo, dedicação e entusiasmo tão utilmente têm sabido servi-la.

O sucinto enunciado dos pontos de mais saliente importância dão a medida do peso que sinto recair sobre os meus ombros débeis, em preocupações, em partilha de esforços para a busca das soluções mais breves e fecundas, no alcançar dos melhoramentos que para a nossa unilateralidade de função ou mero sentimento serão os que mais merecem efectivação, e mais próxima e mais impositiva, e é necessário fazer avultar no conjunto; no ter de preterir o pormenor, por vezes tão visível e justificável tão no pendor das próprias deferências, pelo que deve ter prioridades cronológicas e de verbas.

Constituem estas as sofredoras peias, repartidas por tabiques orçamentais, na compensação que se julgue a adequada. O orçamento pressupõe uma área com fundo e regra, e atento zelo, rigores não isentos de maleabilidade, um jogar com possibilidades que não corte os voos e o desapontamento dos limites de elasticidade, por mais que o calor da vontade acalente e impulsione e dilate.

Mais que em nenhuma parte, já que as exigências satisfeitas são elas próprias generatrizes de novas necessidades, em todo o serviço para a comunidade, a administração deste Organismo tem feição de um repto. Há que afrontar ainda o mar incerto na sua dádiva, às vezes generosa, e outras tantas adversa, e criar trilhos firmes para uma caminhada longa, debelar sintomas das doenças lagunares, e aviventar, criar, ver antecipadamente, novo e previdente, e dentro da objectividade, saber sonhar.

A faina nesta instituição foi e será um desafio. Em que não se pensa em émulos, mas se têm como certas as dificuldades que se nos antepõem na pugna exigente, e é um desafio para ganhar.

Quiseram os Membros da Junta, com benevolência de avaliação sobrevalorizar o meu nome modesto, sugerindo-o para o lugar em que agora sou investido. Quiseram arrancar-me da posição de espectador interessado, que segue atentamente e aplaude – ou alguma vez discorda – para a acção pública directa. Desvaneceram-me e trouxeram-me um sobressalto.

Veio esse a obter por generosa decisão do Senhor Engenheiro Rui Sanches – a quem competia a escolha definitiva – a concretizadora confirmação do que primeiro fora uma surpresa, com todo o sentido do inesperado, e depois motivo das minhas inquietações. A nomeação, que não cabia nas minhas hipóteses de obrigações cívicas ou de mero aveirismo, fico a devê-Ia a uma sua cativante prova de confiança que, certamente, me sobrestima as capacidades.

Conheço-lhe, todavia, o rasgo de acção dinamizadora, a clarividência, a compreensão que tem dos nossos problemas fundamentais e a boa vontade de os solucionar. Sei – e todos o vimos verificando – do seu espírito renovador, do ritmo que imprime à sua acção, do seu férvido empenho de reconquistar o tempo que protelou.

A Junta, e o Presidente que para ela escolher, a região de Aveiro – e no que ela reside e que dela se reflecte no País, confiam em que supra, com a sua deliberação oportuna e prestimosa, a magreza dos nossos recursos e as nossas carências. Julgamos imprescindível /45 / a justa quota parte que na sua acção de governante conceda aos assuntos que intensamente vivemos.

Dela depende, não o êxito pessoal de uma missão a que circunstâncias alheias à minha vontade, e às minhas predilecções de espírito, me conduziram, porque esse, nem a mim mesmo me importa, mas o alcançar do que convictamente consideramos, como os mais decisivos e reprodutivos benefícios para Aveiro e a Região e a Nação em que a cidade se integra. Contamos, aliás, com a ciência e a consciência, com a boa vontade diligente e prestadia, o detido contacto com os nossos temas e os nossos anelos, dos Serviços Superiores de que a Junta depende ou em volta de cujas atribuições de algum modo gravita e é subsidiária, e em que o eco útil que sempre neles buscamos para as nossas pretensões, nos não faltará, com liberalidade, e cooperador incentivo.

Essa dupla esperança – se não me é lícito dizer essa plena certeza – me anima ao ocupar este cargo, cujas tradições honrosíssimas agora evoco e me pesam a redobrar responsabilidades. Partilharei, assim, animosamente, nesta tarefa de servir Aveiro – a que me sinto tão intimamente apegado – e de lhe advogar os interesses mais Iídimos e, filialmente, lhe dar o que as faculdades me permitam, o que devo à terra mãe – berço onde teria a felicidade de ver a luz mais resplendente e excitante, terra onde os pés se me enterraram como raízes, e sorveram um húmus cheio de água e salino, que não tem obstáculos no horizonte e confere aos espíritos este indeclinável desejo de expansão livre e larga que aqui caracteriza o homem.

Trazer a Aveiro um esforço de cooperação, para qualquer aveirense representa uma restituição afectiva. Também a cidade, ela própria, cumpriu esses deveres filiais. Proveio do mar, e do mar recebeu traços genéticos e, porventura, de psicologia colectiva. Não prescinde das suas bênçãos diárias. Um dia, para que elas lhe não faltassem, como um filho que cede ao pai uma parcela do seu próprio corpo, renunciou às mais significativas pedras – as das muralhas erguidas pelo Infante das Sete Partidas – para assegurar o contacto diário, o ósculo abençoador do oceano que lhe dera a existência. A cidade mutilou-se, em holocausto ao genitor.

O pesado sacrifício que me exigem, ao temperamento, a escassez de tempo, a saúde com claudicações, tendo em mente esse exemplo de despojamento, será ao fim, talvez menos útil do que ardentemente desejaria, mas numa pequena imolação – e, bem o entendo, irrecusavelmente devida.

 

páginas 40 a 45

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