A iniciativa – e não importa se
vinha a gerescer de há mais tempo, informe e informulada, em
caldeados sentimentos recíprocos de simpatia – deve-se a um homem.
Dele brotou e irradiou. E cresceu como a bola de neve, por aderência
e avultamento. Esse homem inspirado, intérprete de generalizados
sentimentos, que lançou a chispa, de luz e lume, a uma
ideia-fogueira latente, foi o então Prefeito de Santa Maria de Belém
de Grão Pará – o Dr. Stélio de Mendonça Maroja.
O Dr. Leandro Tocantis, Adido à
Embaixada do Brasil em Lisboa, em representação do Encarregado de
Negócios, descerra a lápide com o nome de «Rua de Belém do Pará -
Cidade Irmã».
A missão dos políticos, como a dos
artistas, é ver para além do presente. É antecipar-se ao homem
comum, e rasgar horizontes para o futuro. Stélio Maroja,
impulsionador do progresso da capital amazónica e do seu alfoz –
todo um mundo de grandezas e potencialidades
/ 4 / – lançou a
semente da fraternidade especificadamente belemita-aveirense, no
quadro lato da comunidade luso-brasileira. Lançou a semente e cuidou
porque afundasse raízes firmes e frutificasse. E de uma ideia
simpática e aliciante fez uma concreta realidade afectiva. Enlaçou,
com as adesões, lá e cá, entusiástica, diríamos alvoroçadamente
despertadas, as duas cidades Belém do Pará e Aveiro.
Classificou-se de geminação o pacto
de fraternidade, firmado, solenemente, firme como uma escritura, na
pujante capital paraense, em doze de Janeiro. Seja geminação ou
conúbio. Conúbio das duas urbes, irmanação dos filhos de ambas as
duas.
No fundamento desta matrimoniação
belemense-talabrigense há como que um Sant' Antoninho casamenteiro,
e um Santo António taumaturgo, que descobriu os noivos predestinados
e lhes abriu caminhos de futuro risonho. Pois fixemos como autor da
iniciativa vinculadora e dela concretizador, o seu nome,
louvemos-lha e agradeçamo-la cativadamente. E, quando outras
cidades, cimentando novos padrões de luso-brasileirismo, calcarem as
pisadas das pioneiras não olvidem, ao fim e ao cabo quem, fulcrou
que se juntassem, com anelou outros mais elos, indissoluvelmente,
como os sacramentos.
O pacto de fraternidade, como
oficial e oficiosamente se vem denominando, e todos tomamos como um
assento, desses que registam e atestam para a vida e para a morte,
com genitura e paraninfos, e firmas firmes, garantes dos lavados
propósitos e da lealdade impoluta, pelos Drs. Artur Alves Moreira,
presidente da edilidade, e David Cristo, em realçante representação
da Comissão Municipal de Cultura, e por Carlos Alberto Soares
Machado, presidente da Comissão Municipal de Turismo. E, a par da
representação oficial, a do Grémio do Comércio local, com
credenciada qualificação confiada ao respectivo presidente, Carlos
Mendes. E, no acaso da designação dos que no momento foram
embaixadores e intérpretes da comunidade aveirense – e de Aveiro,
«Iatu-sensu», cabeça de um aro de largo raio, um aro que o mar
quebra em semicírculo, e se estende até às serras de todos os
colaterais do leste – calhou, para maior fidelidade, que cada um
fosse nado em uma das três freguesias onde se vem ao mundo
«cagaréu». A da Glória, a da Vera-Cruz – que tanto sugere Brasil – e
a de Esgueira, a incorporada, antiga vila ajustada à cidade, como o
Vouga se integra na ria, e nela se confunde. Foi, assim, mais
inteiro o simbolismo.
Por Belém, não curamos de saber,
quem apôs a assinatura – brasileiros nados ou de adopção e irmanação
de radicados esforços e simpatias. Ao certo sabemos, que à frente de
todos, o governador e o prefeito, que a todos ao cabo representavam,
subscreveram com punho seguro e indelével tinta esse documento que
cativa e obriga. Ao Governador, Tenente-Coronel Alacid da Silva
Nunes, há que fixar também o nome, a par do Professor Doutor Stélio
Maroja, que é o autor da ideia, e do Dr. Augusto Ebrermar de Bastos
Meira que redigiu e também assinou a acta – e lhe transmitiu todo o
exaltante fervor do seu desbordante luso-brasileirismo.
Desse documento perpetuador do acto
histórico para nos servirmos do qualificativo nele adoptado que
selou solenemente o convénio fraterno entre as duas cidades irmãs,
transcrevemos algumas passagens:
«Aos doze dias do mês de Janeiro do
ano de mil novecentos e setenta, trigésimo quinquagésimo quarto
aniversário da fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do
Grão-Pará, no Salão de Honra do Palácio «António de Lemos» da
Prefeitura de Belém, exactamente às dezassete horas e trinta
minutos, presentes o Exmo Sr. Dr. Stélio de Mendonça Maroja,
digníssimo Prefeito Municipal de Belém, Exmo Sr. Dr. Artur Alves
Moreira, digníssimo Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, em
Portugal, assistidos por numerosas e ilustres autoridades que
assinam esta ata, entre as quais o Exmo Sr. Tenente-Coronel Alacid
da Silva Nunes, digníssimo Governador do Estado do Pará, Senhores,
Senhoras, pessoas gradas de povo /.../ firmaram entre as duas
cidades o honroso e histórico convénio de amizade fraterna, passando
a figurar, a partir desta solenidade pública nos Anais dos dois
países – Brasil e Portugal – como cidades irmãs, nos seus
destinos, no seu futuro, no seu progresso, procurando em todos os
tempos aumentar e consolidar cada vez mais aquela fisionomia lusa
que sempre caracterizou a metrópole paraense, destacando-a na
comunidade Brasileira como a mais portuguesa das cidades do Brasil.
E pelos Exmos Srs. Drs. Stélio de Mendonça Maroja, Prefeito de Belém
de Grão-Pará, e Artur Alves Moreira, Presidente da Câmara Municipal
de Aveiro, foi proclamada esta Aliança de Amizade que, Ad
Perpetuam Rei Memoriam, celebrará a união material, moral e
espiritual das duas cidades...»
Ratificada a geminação, havia que
consagrá-Ia em Aveiro e que belemitas, calcando o nosso solo, e
respirando o nosso ar salino, nesta terra que nasceu do sal da
amizade e do baptismo – encontrassem Aveiro tão aberta de
cordialidade fraterna como é rasgada para os horizontes
desempecilhados e sem limites.
De 9 a 16 de Maio, Aveiro
proporcionou a contra prova da auspiciosa fraternidade das
«cidades-irmãs». As cidades, como os homens, não se medem aos
palmos. Especialmente em sentimentos. E Aveiro mostrou que tinha
Belém do Pará no coração. No coração da gente e no da urbe
milenária. O nome da capital da Amazónia foi integrado na toponímia
local. E no ponto mais simbolicamente significativo. No que,
efectivamente, pode considerar-se o coração citadino. Na artéria que
faceia
/ 5 / a sede
representativa da comunidade aveirense, os Paços do Concelho; e o
«forum» onde se ergue a figura inspiradora de grande tribuno liberal
José Estêvão; e o decano dos teatros locais, cheio de tradições de
arte cénica e musical e de sessões cívicas memoráveis; e um dos
edifícios liceais, o lar disseminador de cultura desde há mais de um
século. Na rua que, passando junto a este, um dia serviu uma das
primeiras obras de assistência da antiga, nobre e notável vila de
Aveiro, a Albergaria de S. Braz, de cujas ruínas o liceu surgiu; e
logo abaixo a casa solarenga dos Sousas, paço dos Latões e
Arronches, onde terá nascido uma graciosa Catarina de Ataíde que
muitos tomaram pela Natércia de Camões. E logo, além, se implantaram
a vetusta matriz de S. Miguel, e o palácio dos Tavares, senhores de
Mira e fruidores dos impostos do pescado – depois Paço Episcopal. E
mais adiante a Misericórdia, com seu templo, de traça terziana ou
não, que foi a primeira Sé aveirense. E os edifícios que por cerca
de quatro centúrias lhe serviram de hospital.
A essa se ficou chamando «Rua de
Belém do Pará – Cidade Irmã» e as lápidas que a indicam foram
festivamente descerrados pelos Drs. Leandro Tocantis, por feliz
casualidade um belemense que ocupa o cargo de adido cultural junto à
Embaixada do Brasil em Lisboa, e que a representava nas solenidades
consagradoras da irmanação, e pelo também historiador Dr. Augusto
Meira, transbordante de comunicabilidade, mestre de afervoramentos
de lusitanismo.
Ao Prof. Dr. Stélio Maroja coube
cimentar – e a ninguém melhor competiria a tarefa – a primeira pedra
para o monumento que enlaçará os brasões das duas urbes e perpetuará
a sua fraternidade.
Sucederam-se sessões, homenagens,
visitas a lugares históricos como a Vila da Feira e o Buçaco, a
pontos turísticos de maior beleza panorâmica, – da ria, a Vale de
Cambra –, a indústrias e museus e templos; homenagens e reiterações
de simpatia. Efectuaram-se romagens à terra de Frei Caetano Brandão,
um inolvidável prelado paraense, e à casa onde nasceu Ferreira de
Castro, o autor aureolado da «Selva», universalizada epopeia da
Amazónia. Recordaram-se melhor laços da união de Aveiro a Belém, um
bispo cheio de piedade nascido a meia légua da cidade – D. Miguel de
BuIhões – e um Governador setecentista de Grão-Pará, natural da
própria cidade – ainda então vila –, João da Maia da Gama, que
deixou memória da sua acção e antes se distinguira por actos de
heroísmo.
Mostramo-nos como somos. Abrimo-nos.
Procuramos merecer a honra cativante da escolha em que fomos
espontaneamente distinguidos. E cremos ter conseguido cingir mais
forte os laços com que voluntária e jubilosamente nos deixamos
prender à «Cidade-Irmã» de Belém, e aos seus Filhos,
irmãos-belemenses.
EDUARDO CERQUEIRA |