A actual igreja de Nossa Senhora da
Apresentação, em Aveiro, concluída pouco tempo depois do ano de
1606, teve inicialmente a denominação de igreja de Nossa Senhora das
Candeias e também a de São Gonçalo, e as mesmas invocações tinha a
freguesia criada em 1572 e de que esta igreja veio a ser matriz, em
substituição da antiga ermida de São Gonçalo, muito próxima da rua
de São Roque.
Diz o sr. coronel Diamantino Antunes
do Amaral (1)
que viu pela primeira vez as designações «freguesia de Nossa Senhora
da Apresentação e igreja de Nossa Senhora da Apresentação» no termo
de abertura do «Livro 2 dos Bautizados», começado em 5 de Julho de
1624, tendo sido feito este termo pelo vigário frei Jerónimo Galvão
e este livro assim designado:
Livro de Bautizados desta igreja
de Nossa Senhora da Apresentação da vila de Aveiro
Afirma também que a referida
freguesia começou a ter esta denominação a partir de 1624. Diz, no
entanto, que a actual igreja de Nossa Senhora da Apresentação ou de
São Gonçalo, que substituiu a velha ermida de São Gonçalo nas suas
funções paroquiais, foi concluída em 1627 e só neste ano começou a
ser utilizada neste serviço.
(2)
Contestei estas duas afirmações,
apresentando as razões que me levaram a admitir que a nova igreja
tinha sido concluída em 1516, e que as suas funções de igreja matriz
tinham começado no ano de 1617.
(3)
O sr. coronel Antunes Ammal não
aceitou as minhas conclusões e insistiu na sua opinião de que a
igreja de Nossa Senhora da Apresentação foi concluída e posta ao
serviço paroquial em 1627, baseando-se em assentos de óbitos e
principalmente no de 16 de Setembro de 1627, no qual se menciona
pela primeira vez a Igreja Nova.
Reproduzo estes assentos tais como o
sr. coronel Amaral os extractou do Livro de defuntos iniciado em
1624: (4)
Isabel, solteira, que faleceu em 6
de Julho de 1624, e foi sepultada na Ermida de S. Gonçalo que é
anexa desta igreja de Nossa Senhora da Apresentação.
Em 25 de Agosto de 1624, faleceu
Mateus André. Está sepultado na Ermida de S. Gonçalo que é anexa
desta igreja de Nossa Senhora da Apresentação.
Em 9 de Setembro de 624, faleceu
Margarida Gonçalves. Está sepultada nesta Igreja.
Em 21 de Julho de 1625, faleceu
Domingos, solteira. Está sepultada na ermida de S. Gonçalo.
Em 1 de Agosto de 625 faleceu Inês,
solteira. Está sepultada na ermida de S. Gonçalo.
Em 1 de Agosto de 1625, faleceu
André Lopes. Está sepultado na igreja de S. Gonçalo.
Em 1 de Agosto de 1625 faleceu
Maria. Está enterrada na igreja de S. Gonçalo, desta freguesia.
Em 9 de Outubro de 1625, faleceu
Diogo Gonçalves. Está na igreja de Nossa Senhora da Apresentação.
Em 20 de Janeiro de 1626, faleceu
Afonsina Jorge. Está enterrada na igreja de Nossa Senhora das
Candeias. Em 27 de Março de 1626 faleceu um filho de Roque André.
Sepultado na igreja de Nossa Senhora da Apresentação.
«Em 16 de Setembro de 627 faleceu
Maria Pinheiro, mulher do vianês. Está sepultada em a igreja Nova,
morreu abintestada. Em fé do que fiz este termo dia, mês e ano ut
supra».
/ 50 / Os assentos de
óbitos provam que a igreja de Nossa Senhora da Apresentação já tinha
serviço de culto em 1624.
O sr. coronel Antunes Amaral,
comentando estes assentos de óbitos, diz que há uma igreja que o
vigário frei Jerónimo Galvão em 1624, 1625 e 1626, designou por «igreja
de Nossa Senhora da Apresentação»; e que há outra igreja que o
mesmo vigário, em 1627, designa por «igreja nova»,
mantendo-se esta designação até 1633.
E inteiramente dominado por esta
designação, o sr. coronel Amaral conclui:
«Assim, torna-se evidente que a
designação de «Igreja de Nossa Senhora da Apresentação»
adoptada pelo vigário frei Jerónimo Galvão até 1627, queria
significar, não a actual igreja, porque essa passou a designá-Ia
desde 1627 até 1633, por «Igreja Nova», mas a antiga Ermida
de Nossa Senhora das Candeias, ou de S. Gonçalo».
(5)
E o vigário assim a designou «desde
o dia em que pôde, pela primeira vez, ali realizar serviço
paroquial, pelo menos enterramentos».
Mas como os assentos de óbitos
mencionam alguns enterramentos feitos na igreja de Nossa Senhora da
Apresentação antes de 1627, o sr. coronel Amaral viu-se obrigado a
identificar a igreja com a ermida de São Gonçalo, o que por forma
nenhuma podia fazer, porque a ermida nunca teve a invocação da Nossa
Senhora da Apresentação, e por a tal se oporem terminantemente os
dois primeiros assentos de óbitos que mencionou, um de Julho e outro
de Agosto de 1624.
Com efeito, eles dizem que se
fizeram enterramentos na ermida, e que a ermida de São Gonçalo é
anexa desta igreja de Nossa Senhora da Apresentação.
Daqui se conclui que em 1624 existia
a ermida de São Gonçalo, e já existia a igreja de Nossa Senhora da
Apresentação em serviço paroquial. A ermida tinha deixado de servir
de igreja matriz, e era agora anexa desta igreja, isto é, estava sob
a jurisdição da igreja de Nossa Senhora da Apresentação. E faziam-se
enterramentos simultaneamente na igreja e na ermida.
A igreja de Nossa Senhora da
Apresentação não foi, portanto, inaugurada em 1627, como afirmou o
sr. coronel Antunes Amaral, mas foi inaugurada antes de 1624.
Prova-se pelo Livro das
Visitações que a igreja nova de São Gonçalo já era a igreja matriz
da freguesia no ano de 1624.
A carta de visitação da igreja de
São Gonçalo da vila de Aveiro, de 15 de Novembro de 1624 prova
inteiramente que a velha ermida de Nossa Senhora das Candeias, ou de
São Gonçalo, já não servia de igreja matriz no ano de 1627, e que
neste ano já servia de igreja matriz a nova igreja de São Gonçalo ou
de Nossa Senhora da Apresentação.
Neste ano de 1624 tinha entrado como
novo vigário da freguesia de São Gonçalo frei Jerónimo Galvão, cargo
que exerceu até 1634.
É de notar que as cartas das
visitações feitas até o ano de 1634 mencionavam sempre a igreja com
a invocação de São Gonçalo, e uma ou outra vez com a de Nossa
Senhora das Candeias, mas o vigário Galvão, nos seus certificados de
publicação das ditas visitações, intitula-se sempre vigário na
igreja de Nossa Senhora da Apresentação.
A visitação anual à igreja e
freguesia de São Gonçalo da vila de Aveiro no dia 15 de Novembro do
ano de 1624 foi feita pelo Ldo. Simão Pinto, cónego na Sé de
Coimbra, mas esta visitação serviu também para 1625. Não havia então
bispo em Coimbra.
Ele examinou a igreja, notou as
faltas que nela havia tanto no espiritual como no temporal, recebeu
as informações e queixas que lhe foram apresentadas a respeito do
serviço paroquial, e fez lavrar a respectiva carta de visitação no
Livro das Visitações, do qual traslado o início da carta:
O Ldo. Symão pinto Conego na sé
de Coimbra e Visitador pellos siíes Deam dignidades Conegos e Cabido
da dita Cidade sé vacante etc. Aos que esta minha Carta de Visitação
virem saude em nosso sõr Jesu xpo. Faço saber que visitando eu esta
igreja de são Gcº. da Villa de Aurº. em prezença do Rdo. Vig.ro e
parte dos freguezes della, ordenei pera serviço de nosso sõr as
cousas seguintes.
E indica as várias providências que
era necessário tomar, «para serviço de Nosso Senhor».
Nesta carta de visitação em 1624 há
a prova indubitável de que a igreja paroquial de São Gonçalo, ou de
Nossa Senhora da Apresentação em serviço nesta data, era a igreja
nova, isto é, a que tinha sido começada em 1606, (ou talvez antes) e
já estava praticamente concluída em 1613.
Com efeito, o visitador diz na sua
carta que na ermida de São Gonçalo se enterravam muitas pessoas da
freguesia e nela faziam a sua sepultura, mas que o procurador da
igreja queria que as esmolas das covas da ermida fossem aplicadas na
fábrica da igreja e não na da ermida.
/ 51 /
O visitador, cónego Simão Pinto, não
concordou com esta proposta do procurador e ordenou que as ditas
esmolas fossem gastas na conservação da ermida de São Gonçalo, visto
que muitas pessoas tinham devoção de nela se mandarem enterrar
por ter sido já matriz desta freguesia.
Vou transcrever da carta de
visitação de 1624 o passo referente a este assunto:
«Fui informado que na hirmida de
São G.lo se enterrão muitas pessoas desta freg.ª e nella fazem sua
sepultura, e que as esmolas das couas queria o procurador da igreja
aplicalas a fabrica della, o que me parece sem razão, pello que
prouendo nisto mando que as ditas esmolas se apliquem pera ajuda da
fabrica da dita hirmida pera que sempre esteja com o concerto
necessario pois nella tem m.tas pessoas deuação de mandar enterrar
pois foi ia matris desta freg.ª, e se sobre isto ha algü mandado em
contrario de superior, antes que dee a execução este cap.lo mo
mostrarão pera fazer o que me parecer justiça e em quanto o não
ouver ficara este cap.lo em seu vigor».
A igreja de Nossa Senhora da
Apresentação não foi, pois, inaugurada em 1627, visto que ela já
estava em pleno serviço paroquial em 1624, como mais uma vez provei
com o documento coevo de que transcrevi a parte que mais interessava
ao assunto em causa.
O mesmo documento nos prova que,
mesmo depois da transferência das funções paroquiais da ermida de
São Gonçalo para a nova igreja matriz, ainda continuaram a fazer-se
enterramentos na ermida, simultaneamente com os que passaram a
fazer-se na igreja da Nossa Senhora da Apresentação ou de São
Gonçalo. E podemos afirmar que houve enterramentos na ermida de São
Gonçalo até o ano de 1670.
Certificado da visitação de 1624
Enquanto foi vigário da freguesia de
S. Gonçalo (1624-1634) frei Jerónimo Galvão, em discordância com a
invocação tradicional da freguesia e igreja, denomina esta de Nossa
Senhora da Apresentação, talvez porque tivesse sido determinado que
a padroeira da igreja nova fosse Nossa Senhora da Apresentação que
lá tinha, e ainda tem hoje, o seu altar com uma bela imagem.
Vejamos o termo da visitação à
igreja de... em 1624 que ele lançou no livro das visitações, e
análogo a todos os outros que fez:
«Certifico eu frei Hieronimo
Galvam freire conventual do Conv.to de Sam Bento de Auys, e Vig.ro
na Ig.ª de Nossa S.ra da Aprezentassão desta Villa d Aueiro q passa
na verdade q eu publiquei a Vizitassão atraz na forma q nella se
contem em fee do q fiz este termo em 10 de Dezembro de 624 annos.
Hieronymo Galvam
Frei Jerónimo Galvão ainda publicou
o certificado da visitação de 17 de Julho de 1634.
Em 1635 já não era vigário da igreja
de Nossa Senhora da Apresentação.
A partir de 1656 o vigário foi André
Rodrigues.
A visitação da igreja de São
Gonçalo, de Aveiro, em 1626
Não houve visitação à igreja de São
Gonçalo ou de Nossa Senhora da Apresentação no ano de 1625 porque os
efeitos da tardia visitação de 1624 estendiam-se ao ano de 1625.
Vou dar uma breve informação
respeitante à visitação de 1626, para se saber como decorriam os
serviços paroquiais, na igreja matriz, nesta data.
Visitou a igreia o novo bispo de
Coimbra D. João Manuel, (1625-1633) no dia 12 de Junho de 1626.
Transcrevo do Livro das Visitações a
parte inicial da carta de visitação de 1626:
Dom João Manuel por mercê de Deus
e da Santa Sé Apostólica Bispo deste Bispado de Coimbra, conde de
Arganil e do Conselho de S. Majestade etc.:
Fazemos saber que visitando nós
pessoalmente a igreja de S. Gonçalo desta vila de Aveiro presente o
reverendo Vigário, e grande parte dos fregueses depois de andar em
procissão sobre os defuntos e visitar o Santíssimo Sacramento, pia
baptismal, e os Santos óleos, nos pareceu que para o bem espiritual
e temporal desta igreja deviamos prover o seguinte:...
Continua a carta com a enumeração
das providências que o bispo entendeu serem necessárias ao serviço
paroquial.
Encontrou a igreja ainda sem sinos e
o adro por concluir, e por isso ordenou que este concluísse em termo
de três meses, e que os fregueses da igreja pusessem nela um sino
pequeno.
O serviço paroquial na igreja de
Nossa Senhora da Apresentação começou alguns anos antes de 1624.
Vimos que a nova igreja matriz de
São Gonçalo já estava em pleno serviço no ano de 1624, e por isso é
inadmissível que tenha sido inaugurada em 1627.
/ 52 /
O serviço paroquial foi estabelecido
na dita igreja alguns anos antes de 1624, e admiti por várias razões
que foi estabelecido no ano de 1617. Mas há ainda motivos que levam
a admitir que a igreja nova tenha entrado em serviço do culto por
volta de 1615, como se vê pelas seguintes notas extraídas do Livro
das Visitações:
1613 - A igreja estava, nesta data,
a bem dizer, construída, pois o visitador mandou acabar de todo a
Igreja.
1614 - O visitador mandou comprar um
missal grande e um manual.
1615 - A igreja ainda não tinha
sino; e por isso o visitador ordenou ao procurador da igreja que
comprasse uma campainha grande e a pusesse no campanário, para dar
sinal da hora a que o vigário entra para a missa, enquanto não for
possível fundir um sino para a Igrela.
Diz a carta de visitação de 1615:
«E porque esta freguesia é grande e
tem necessidade de saber as horas a que o vigário entra à missa,
terá cuidado o dito procurador da igreja de comprar uma campaínha de
tamanha quantidade que posta no campanário se possa ouvir, e dar
sinal a que a gente acuda enquanto não há possibilidade para se
fundir o sino, o que cumprirá dentro de dois meses por ser muito
necessário, sob pena de dois mil reis».
1616 - O visitador renova a ordem
para os vereadores mandarem acabar de todo o igreja, dentro de breve
prazo.
1617 - O visitador mandou encadernar
o missal grande, e comprar um livro de quatro mãos de papel para
assentar os nomes dos baptizados, casados e defuntos.
1618 - O visitador ordena que sejam
feitos os sinos para a igreja.
__________________________
(1)
– Aveiro e o seu Distrito, n.º 4, pág. 36.
(2)
– Idem, n.º 1, pág. 32.
(3)
– Idem, n.º 3, pág. 18.
(4)
– Idem, n.º 4, pág. 37.
(5)
– Aveiro e o seu Distrito, n.º 4, pág, 37. |