A existência duma Diocese na zona
geográfica de Aveiro, cuja sede é esta cidade, constitui
necessariamente um factor de incremento religioso, moral,
formativo e ainda material. O conhecido jornalista Homem Cristo já
assim pensava, ao escrever em 1933 sobre a possível restauração do
Bispado, por cuja causa nunca escondeu a sua simpatia: – «Estou
convencido, e não costumo enganar-me, de que Aveiro não vai ganhar
somente pelo lado material, e ela nunca se vendeu pelo interesse,
pondo invariavelmente na sua velha história os sentimentos e as
ideias acima das conveniências materiais. Vai ganhar também em
luzimento, em progresso, em civilização».
(1)
Em primeiro lugar, o Bispo
representa para os católicos o próprio Cristo; cuja missão de
santificação, de governo e de magistério continua no meio da grei
que lhe foi confiado; congrega e sintetiza em si a unidade dum
povo na sua ânsia de espiritual aperfeiçoamento, de tal modo que –
como disse Inácio de Antioquia – onde está o Bispo aí deve
estar a multidão dos crentes».
(2) Uma Diocese, porque une as
almas à volta duma solicitude mais forte e mais íntima,
necessariamente é um centro, a dinamizar e a movimentar toda uma
região, trazendo benefícios espirituais num constante renovamento
de vida cristã.
Mas a existência dum Bispado
constitui ainda, para qualquer atento e insuspeito observador, uma
causa de prosperidade material, intelectual e moral: se há uma
Diocese, necessariamente hão-de existir Seminários e outras obras
de cultura, de formação e de apostolado; se há uma Cúria
organizada, encontra-se aí um ponto de convergência.
Aveiro é, pois, sede duma Diocese
– circunscrição eclesiástica com certa autonomia religiosa dentro
da Igreja Católica; por tal motivo, Aveiro define-se também como
cidade episcopal, porque aí reside um Bispo que orienta a
evangelização e pastoralmente governa os membros do Povo de Deus
espalhados por esta faixa marinha e lagunar, sob a celeste
protecção da Princesa Santa Joana.
I – CRIAÇÃO DA DIOCESE DE AVEIRO
Decorria o ano de 1758. A 13 de
Dezembro, ao tornar-se público o respectivo processo,
comunicava-se oficialmente ao país ter sido D. José I vítima dum
atentado na noite de 3 para 4 de Setembro; entre os implicados,
encontrava-se o Duque de Aveiro, D. José de Mascarenhas,
Grão-Mestre da Caso Real. Em face dessa versão, urdida em segredo
durante meses, a população aveirense verberou indignadamente o
«horroroso e sacrílego insulto»;
(3) revoltando-se também contra o
donatário da vila, pediu que ficasse sob a tutela imediata de el-Rei.
CLEMENTE XIV
O Papa que criou a diocese de Aveiro. (Retrato dum quadro
existente no Museu de Aveiro e que pertenceu ao antigo Paço
Episcopal)
O Monarca mostrou-se sensível e
agradecido e procurou, desde logo, valorizar a vila, coadjuvado
eficazmente pelo Marquês de Pombal. A 25 de Julho de 1759,
subscrevia o documento que a elevava a cidade, com «todos os
privilégios e liberdades de que devem gozar e gozam as outras
cidades deste reino, concorrendo com elas em todos os actos
públicos e usando os cidadãos da mesma cidade de todas as
distinções e preeminências de que usam as de todas as outras
cidades». (4) A 19 de Setembro de 1760, D. José I assinava uma
provisão pela qual ficavam «as vilas da comarca em correição
sujeitas ao corregedor da comarca desta cidade», ordenando-lhe
«que o provedor, que até então tinha sido de Esgueira, o ficasse
sendo de Aveiro». (5) O Governo mostrou ainda efectivo interesse
pela melhoria da barra e pela instalação de indústrias de vidro e
de seda, embora o índice populacional da nova cidade, nessa
segunda metade do século XVIII, continuasse a declinar.
(6)
Dentro deste plano de
engrandecimento de Aveiro torna-se fácil enquadrar o propósito de
el-Rei e de Carvalho e Melo em estabelecer aqui uma sede
/ 6 /
episcopal, tanto mais que a nova cidade era também um centro de
piedade à volta do túmulo e das cinzas da Princesa Santa Joana. A
28 de Setembro de 1773, D. José I dirigia ao Papa Clemente XIV uma
carta em que pedia a Sua Santidade a partilha da «disforme
extensão do Bispado de Coimbra», separando-se «a comarca de
Esgueira para nela constituir uma nova Diocese, a que sirva de
cabeça a cidade de Aveiro, constituindo a mesma comarca o
território da nova Diocese». (7)
Não podemos deixar de referir aqui
uma outra circunstância que porventura terá também influído no
ânimo do Marquês para o levar a tomar a resolução que nos ocupa.
Vítima do despotismo pombalino, o valoroso e heróico Bispo de
Coimbra, D. Miguel da Anunciação, encontrava-se desde há anos
encarcerado em condições desumanas. Foi precisamente nesta altura
que D. José I e Carvalho e Melo resolveram solicitar a divisão da
Diocese Conimbricense. Será descabido duvidar se se pretendia a
erecção do Bispado de Aveiro apenas para maior serviço de Deus e
bem das almas, acrescidos embora do intuito de engrandecer a
cidade, ou ainda para amesquinhar um Prelado destemido? Entra aqui
o dedo de Deus, conduzindo a história dos homens, mesmo
servindo-se de intenções menos puras, para fazer brotar as suas
obras admiráveis.
Após o respectivo processo em
ordem à possível criação papal do novo Bispado, o Sumo Pontífice,
pelo Breve Militantis Ecclesiae gubernacula, de 12 de Abril
de 1774, erigiu canonicamente a Diocese de Aveiro, nos termos e
segundo os limites em que lhe fora solicitado por el-Rei.
(8)
Pertencia-lhe toda a comarca, correição ou provedoria de Esgueira
que, no século XVIII, agrupava 71 freguesias, com mais de 20000
fogos e com cerca de 75000 almas. Aveiro, «edificada numa
planície», que «se compõe de cerca de duas mil casas e é habitada
por sete mil fiéis», (9) ficou, pois, a ser também cidade
episcopal.
Para executar as Letras
Apostólicas foi escolhido pelo Papa o Cardeal Inocêncio Conti,
Pró-Núncio em Portugal, com poder de subdelegar. De facto,
presidiu à cerimónia o arcebispo Titular de Lacedemónia e
/ 7 /
Vigário Geral do Patriarcado de Lisboa, D. António Bonifácio
Coelho, amigo e servidor de Carvalho e Melo; o acto realizou-se em
Abril de 1775, na igreja da Misericórdia, que se viu elevada a
Catedral. (10)
II – D. ANTÓNIO FREIRE GAMEIRO DE SOUSA
Juntamente com a erecção do
Bispado, procedeu-se à nomeação, apresentação e confirmação do
primeiro Prelado de Aveiro. (11)
Depois da recusa de D. Frei
Lourenço de Santa Maria e Melo, natural de Avelãs de Cima
(Anadia), nessa ocasião Arcebispo-Bispo do Algarve – recusa pela
qual também foi arbitrariamente perseguido – o Marquês de Pombal
escolheu o Dr. António Freire Gameiro de Sousa, embora apenas
subdiácono. Lente da Faculdade de Direito na Universidade de
Coimbra, nascera em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1727 e fora
baptizado a 22 na igreja das Mercês. Confirmado Bispo de Aveiro a
18 de Abril de 1774 pelo referido Papa Clemente XIV, foi sagrado a
25 de Setembro; o acto da posse realizou-se, por procuração, no
mesmo dia da execução da Bula Militantis Ecclesiae gubernacula.
Mais tarde, a 1 de Julho de 1778, entraria solenemente na sua Sé.
D. ANTÓNIO FREIRE GAMEIRO DE SOUSA
Bispo de Aveiro.
(Retrato dum quadro existente no Museu de Aveiro
e que pertenceu ao antigo Paço Episcopal)
Uma vez prelado da nova Diocese,
procurou obviar às necessidades materiais do Recolhimento de S.
Bernardino, pois as religiosas capuchas viviam em grande e
confrangedora penúria; adoptou as Constituições e Pastorais da
Diocese de Coimbra; procurou favorecer a ida de sacerdotes
voluntários para as Missões de Angola, que se encontravam em
situação lastimosa após a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de
Pombal, promoveu a formação e a disciplina do clero, por meio de
reuniões com palestras ou conferências doutrinais e morais e
através de ordens e conselhos em documentos escritos ou em
processo oral, como sucedeu na visita pastoral em Eixo, a 24 de
Novembro de 1783; fundou um Seminário de educação e cultura
eclesiástica na Vista Alegre (Ílhavo), junto da capela de Nossa
Senhora da Penha de França; realizou visitas pastorais e fez
circular várias cartas para estimular o saneamento moral e a
reforma religiosa ou para prover ao governo da Diocese; melhorou e
adaptou para servir de Paço Episcopal o velho Palácio dos Tavares,
que lhe fora dado pelo Governo para aquele fim.
Situado no centro da cidade, entre
o canal da ria e o moderno edifício municipal da Repartição de
Finanças, «o Palácio dos Tavares – no dizer do Conselheiro José
Ferreira da Cunha e Sousa, nascido em 1813 – era uma reunião de
edifícios de diversas épocas, uns fazendo parte da muralha e
outros construídos sobre a ruína dela». Por cima da porta da
Ribeira, que se levantava em frente da ponte, ficava o jardim em
que «havia uma estátua de pedra, tosca, representando um homem
lutando com uma serpente». No seguimento daquele, para ocidente,
encontrava-se a sala envidraçada de que os Bispos fizeram o
gabinete de trabalho, a biblioteca e uma capela anexa, onde o
saudoso D. Manuel Pacheco de Resende iria «todas as noites fazer
oração». (12)
O Paço, que sofreu diversas
modificações posteriores, tinha – conforme o testemunho de Rangel
de Quadros – três pisos, boas entradas, óptimo salão de espera,
livraria magnífica, grandes salas, muitos quadros e duas capelas:
«uma destas era muito grande e tinha em pedra quadros de alto
relevo, representando as histórias de alguns santos»; a outra, que
foi privilegiada, guardava várias imagens de marfim, «algumas de
bastante merecimento». Para fazer ideia do tamanho da construção,
basta dizer que mais tarde «ali viviam os fâmulos, o Vigário
Geral, os professores do Seminário, outros clérigos e alguns
seminaristas; era ali a Câmara Eclesiástica, as aulas de Teologia
e de Preparatórios; finalmente, ali estava a arrecadação de
paramentos e alfaias da Sé». No seu recheio contavam-se «muitas e
óptimas colchas de damasco da Índia, boas loiças, cristais e
mobília». (13)
Segundo o registo de óbito, D.
António Freire Gameiro de Sousa foi acometido, a 18 de Outubro de
1799, por «uma moléstia tal que não deu lugar a ser capitulada
pelos médicos», ainda que parecesse ter
/ 8 / princípio imediato
numa constipação. No dia 20, pela tarde, recebeu o Sacramento da
Penitência; «e, tendo determinado receber o Santíssimo Sacramento
da Comunhão no dia seguinte de manhã, sucedeu que na dita tarde
lhe carregou a moléstia com grande força, de sorte que somente
pôde receber o Sacramento da Extrema-Unção». Faleceu nesse dia,
pelas 19:45 horas, nesta cidade de Aveiro. Os seus restos mortais,
encerrados num «caixão forrado de veludo preto e guarnecido de
galão de ouro fino», depositaram-se numa «sepultura rasa que se
abriu de novo no presbitério da capela-mor da [...] igreja
Catedral», no lado sul. (14) Uma lápide armoriada lembra no local
o primeiro Bispo de Aveiro. (15)
III – D. ANTÓNIO JOSÉ CORDEIRO
Ocupou seguidamente a Sé D.
António José Cordeiro, que nasceu em Coimbra em Abril de 1750,
sendo baptizado na igreja de S. Pedro a 14 de Maio do mesmo ano.
Na altura da sua elevação ao Episcopado era professor efectivo na
velha Universidade Conimbricense. Dele se diz ter sido, no
desempenho desse cargo, um «homem muito escrupuloso e executor
exacto da Lei; nunca faltava à aula [...]; tinha muito saber, e
das suas prelecções tirava-se muita utilidade».
(16)
Apresentado a 20 de Dezembro de
1800 pelo Príncipe Regente D. João, Pio VII confirmou-o a 20 de
Julho de 1801; depois do acto da posse por procuração a 23 de
Outubro, foi sagrado a 8 de Novembro e fez a entrada solene a 1 de
Janeiro de 1802.
|
Lápide comemorativa dos dois
primeiros bispos de Aveiro, na Igreja da Misericórdia. |
Figura erudita, máscula, enérgica
e disciplinadora, procurou reprimir abusos, confirmou a legislação
diocesana anterior, prosseguiu intensivamente as visitas
pastorais, preocupou-se com a dignidade do culto divino, olhou a
sério pelo Seminário que restabeleceu em Requeixo e depois
transferiu para o Paço Episcopal onde, por sua conta, sustentava
discípulos e mestres.
A 15 de Novembro de 1806,
escrevendo aos párocos, ao clero e ao povo, dava conta do
esfriamento do «espírito de piedade e de religião», da «relaxação
dos costumes» e da «libertinagem», e concluía por dizer que «o
meio das missões é o mais útil» para «o fervor da religião e a
reforma dos costumes e dos abusos, que de quando em quando se
introduzem entre os fiéis». Por esse motivo, comunicava
oficialmente que resolvera convidar missionários franciscanos do
Varatojo com o fim de pregarem uma missão, «começando-a nesta
cidade e continuando-a em outras igrejas».
|
É de admirar a fecunda actividade
deste prelado, parecendo estar presente a tudo, para o bem do seu
povo e do seu clero, na esperança de remediar, aconselhando e
prescrevendo. Era preciso, concreto e pormenorizado nas ordens,
sempre levado pelo ideal superior da melhor orientação.
Notável e exaustiva é a célebre
pastoral de 24 de Março de 1802, da qual dizia D. Manuel Correia
de Bastos Pina ter sido, durante muitos anos, a fonte de
inspiração de alguns dos mais ilustres Prelados Portugueses;
(17)
constitui um documento primoroso pelos conceitos de doutrinação
moral e cristã no ambiente da época, frente aos erros do tempo, e
traduz o valor intelectual, teológico e religioso do autor.
D. António José Cordeiro
manifestou-se ainda como um grande defensor de Aveiro e de
Portugal, durante o período das invasões francesas. Após as
primeiras hesitações ou atitudes de prudência, no breve tempo em
que o país esteve sob a ditadura de Junot, o nosso Bispo
aparece-nos como uma encarnação do patriota e do aveirense, amigo
da verdadeira liberdade nacional.
Vitoriosa a revolta nortenha,
formou-se no Porto, a 19 de Junho de 1808, a Junta Provisional
do Supremo Governo do Reino, presidida pelo respectivo
Prelado. A 22, o Bispo de Aveiro dava conhecimento dos factos e
mandava que se dessem os costumados sinais de regozijo: te-deum,
toques festivos de sinos e luminárias nas igrejas e nas casas.
Mas, sendo necessário agir, as ordens do Prelado sucediam-se: –
pediu a colaboração
/ 9 / monetária para a resistência, instigou o
povo contra os injustos opressores, rogou a união dos legítimos
portugueses, mandou aos eclesiásticos que pegassem em armas para
lutarem pela religião e pela pátria, secundando assim a guerrilha
de Manuel Velho que, entre Coimbra e Porto, molestava o
estrangeiro.
Durante estes dias, constituiu-se
em Aveiro uma Junta Provisional, semelhante à do Porto e dela
dependente. Foi a 7 de Julho que, no Paço Episcopal, sob o maior
segredo, se reuniram diversas individualidades do exército, da
nobreza e do clero que estabeleceram aquela Junta sob a
presidência do Prelado e planearam a fortificação e a defesa da
zona. (18) Até ao fim das invasões, D. António não foi apenas o
chefe espiritual do povo, mas também o responsável pela luta
contra o invasor; os documentos que assinou e expediu bem
demonstraram a actividade de um dos grandes homens de Aveiro. Pela
sua formação religiosa e pela sua piedade extraordinária, ele via
que, se o Senhor não guardasse a cidade, em vão vigiaria a
sentinela, e instantemente solicitava que se pedisse em preces
públicas e particulares a ajuda divina, pela intercessão de Santa
Joana, «a quem já em princípio da nossa consternação havíamos
tomado por medianeira para com o Pai de Misericórdias» – escrevia
o Prelado a 5 de Agosto de 1808.
Terminada a primeira invasão
napoleónica, dá-se inesperadamente a segunda nos princípios de
1809. Entrando por Chaves, Soult, a 29 de Março, chegava ao Porto,
que logo capitulou. Em Aveiro, aos primeiros rumores da guerra, o
povo armou-se; assumiu a orientação o Prelado, que mandou executar
o plano de defesa do ano transacto. Quando, porém, chegou a triste
nova do Porto, verificou-se a debanda geral; D. António, todavia,
manteve-se firme e pôs à disposição da campanha as sobras da
resistência anterior. Os aveirenses não foram então dos menos
aguerridos no combate; somando-se à divisão do coronel inglês
Trant no início de Abril, guarneceram a margem sul do Vouga, de
tal forma que o inimigo não transpôs o rio; a 10 de Maio, uma
parte atravessava o Vouga para o norte, surpreendendo o intruso em
Albergaria-a-Nova, enquanto outra, indo pela ria, desembarcava em
Ovar à retaguarda da ala direita francesa e acossava o invasor,
que se pressentia já na derrota.
(19)
Mas em Junho de 1810, surgiu de
novo o espectro da luta armada; a 30 desse mês, o Bispo de Aveiro
escrevia aos párocos, clero e fiéis e solicitava que se fizessem
preces em favor da causa portuguesa e que o povo colaborasse com
eficácia na defesa geral. Embora com extrema dificuldade, Massena
e as suas hostes foram avançando no centro do país. Entre nós,
como noutras povoações, deu-se ordem de abandono total dos
habitantes, incluindo as religiosas de clausura; a cidade
refugiou-se nas areias de São Jacinto e da Gafanha e nas ilhas da
ria, estando em Setembro completamente deserta. Assim, o inimigo
só poderia atingir parte da população de Ovar, com acesso arenoso
e difícil. Contudo, marchando os franceses para o sul após a
derrota do Buçaco, Aveiro respirou e os seus habitantes começaram
a regressar. (20)
Ainda outra vez, diante da
permanência do estrangeiro em território nacional, D. António
exortava, a 28 de Fevereiro de 1811, a santidade de vida, para que
Deus afastasse os castigos iminentes, e recomendava a piedade,
especialmente a devoção mariana do terço do Rosário aos domingos e
dias santos, tanto nas igrejas como nas capelas.
O invasor seria finalmente
destroçado em Março de 1811, continuando-se na sua perseguição
durante os meses seguintes, mesmo através da Espanha e da França.
A 18 de Abril, o Bispo de Aveiro anunciava o feliz acontecimento,
possuído de intensa satisfação; por isso, prescrevia o canto do
te-deum em todas as igrejas, em acção de graças pela libertação de
Portugal e pela vitória sobre os «bárbaros inimigos sem religião,
sem fé e sem moralidade».
Por esta extraordinária acção de
defensor da cidade e da religião, o nosso segundo Prelado bem se
pode considerar o maior aveirense do primeiro quartel de
oitocentos. Pena é que o esquecimento tenha caído sobre ele, não
havendo por aí qualquer busto ou nome toponímico a lembrar a sua
personalidade.
«D. António José Cordeiro [...],
achando-se molesto de uma diabetes e parecendo melhorar, lhe
sobreveio uma apoplexia, a qual deu lugar a receber todos os
Sacramentos no dia 16, e no dia 17 de Julho deste corrente ano de
1813 faleceu pelas nove horas e meia da manhã» – assim se lê no
assento de óbito, que continua: – «Tanto que faleceu, fizeram
sinal os sinos de todas as igrejas desta cidade na forma do
costume. Não foi embalsamado, por não permitir a corrupção que
logo mostrou ter o corpo». Terminadas as cerimónias fúnebres, «foi
o corpo metido num caixão forrado de veludo preto com galões de
oiro fino, e este caixão se meteu em outro de madeira tosca, sendo
desta forma sepultado, no [...] dia 18, no lado da Epístola no
presbitério da capela-mor da Catedral».
(21)
Na mesma lápide brasonada onde se
recorda o primeiro Bispo de Aveiro, lembra-se também a sepultura
deste intrépido Prelado, cuja extrema caridade ainda acudiu
eficazmente aos necessitados, na distribuição de géneros
alimentares e de remédios. (22)
IV – D. MANUEL PACHECO DE RESENDE
Foi também o Príncipe Regente D.
João que, a 17 de Dezembro de 1813, nomeou Bispo de Aveiro o Padre
/ 10 / Dr. Manuel Pacheco de Resende; nascido em Coimbra em 1750 e
baptizado na igreja de S. Bartolomeu a 25 de Abril, era lente da
Universidade onde, por vezes, havia sido seu vice-reitor.
Após um inquérito sobre o estado
da Diocese a que a Santa Sé procedeu, o Papa Pio VII, a 4 de
Setembro de 1815, confirmou a decisão régia e proveu Aveiro na
pessoa do referido D. Manuel Pacheco de Resende, cuja ciência,
dignidade, honradez, ponderação, circunspecção e outras virtudes
desde há muito nele se tinham tornado notáveis.
(23) Sagrado a 19
de Novembro desse ano, entrou no governo do Bispado por procuração
no dia 28 seguinte e chegou a Aveiro nos princípios de Maio de
1816.
D. MANUEL PACHECO DE RESENDE, Bispo
de Aveiro.
(Reprodução da aguarela do mestre de pintura da Fábrica da Vista
Alegres, Victor-François Rousseau
feita na ocasião do falecimento do Prelado. Quadro existente no
palácio da Vista Alegre)
No primeiro documento dirigido ao
clero e aos fiéis, depois de aludir à sua elevação ao Episcopado,
por dom de Deus, e de agradecer o acolhimento cristão e civil» com
que fora recebido, confirmava toda a legislação diocesana anterior
e reservava a si o uso da grave pena da excomunhão.
Sucederam-se diversas circulares,
umas dirigidas aos sacerdotes, outras ao povo cristão. Conhecedor
das necessidades da grei através das visitas pastorais, D. Manuel
Pacheco de Resende tomou a iniciativa de promover uma grande
missão religiosa na Diocese; a 23 de Dezembro de 1818, anunciava o
acontecimento «com uma alegria verdadeiramente cristã» e exortava
«a que recebessem bem os missionários» que – dizia «procurámos com
desvelo», e que os ouvissem com sentimentos de piedade e de
submissão religiosa.
Preocupando-se com o Seminário,
pensou em transferir as suas aulas para o desabitado Recolhimento
de S. Bernardino: não o conseguiu, contudo, por falta de meios
para fazer face às acomodações necessárias. Todavia, para a igreja
do velho edifício transferiu a Sé a 15 de Agosto de 1830, depois
de algumas obras de beneficiação e de adaptação.
Foi ainda durante o seu
pontificado, a 11 de Outubro de 1835, que as quatro freguesias da
cidade – São Miguel, Espírito Santo, Apresentação e Vera Cruz – se
viram reduzidas a duas: a da Glória, a sul, e a de Vera Cruz, a
norte; o nosso Bispo, a 13, conformava-se com esta resolução.
Entre as igrejas desaparecidas do
panorama de Aveiro, merece referência especial a de São Miguel, o
mais antigo monumento da cidade, que se erguia onde hoje se
desenvolve a Praça da República e que, nos fins do referido ano de
1835, foi sacrificada pelo camartelo demolidor. No dizer de
Marques Gomes, o templo de S. Miguel «era um desses monumentos
venerandos que, cobertos pelo pó dos séculos, servem para mostrar
à posteridade o objecto da religião pura e crente das primeiras
épocas do Cristianismo [...]: era a testemunha ocular dos feitos
homéricos dos antigos aveirenses, como o depósito sagrado das suas
cinzas venerandas». (24)
Efectuada a nova divisão
paroquial, o Governador Civil José Joaquim Lopes de Lima, a pedido
de certos políticos influentes, sentenciou a demolição do vetusto
templo, não fosse o seu nome lembrar perpetuamente o do Rei
proscrito. (25) Em Novembro de 1835, poucos dias após a extinção
da freguesia, iniciavam-se as obras. «Se os habitantes de Aveiro,
em geral, se mostraram contrários à redução das freguesias, muito
mais se mostraram contrários à demolição da matriz, e com
especialidade os paroquianos. Isto bem [...] o provou
/ 11 / o
facto de não haver aqui operários que facilmente se prontificassem
aos trabalhos que reputavam um vandalismo. Conduzidos da Barra os
presos que ali estavam cumprindo sentença de condenados a
trabalhos públicos, foram esses os que demoliram a igreja de S.
Miguel! Quando já a obra de demolição estava quase concluída,
espalhou-se a notícia de que o Governo, censurando o alvará de 11
de Outubro, mandara conservar o templo. Essa resolução de nada
serviu, porque então já não restavam do templo senão algumas
paredes na altura de poucos palmos. É possível que tal ordem
houvesse chegado tarde ou tivesse sido abafada, para se evitarem
questões e para se satisfazerem compromissos pessoais e
políticos». (26)
Com o alastramento das ideias da
Revolução Francesa e no rescaldo das invasões napoleónicas,
pairava por esse país além um certo desagrado social e político.
Em Londres, publicavam-se mesmo dois jornais portugueses, que
incitavam à revolta contra o Governo legítimo. Entre nós, foi
preponderante e decisiva a acção da loja maçónica dos Santos
Mártires. (27)
Os acontecimentos precipitavam-se,
a partir de 1820. Em Agosto desse ano, uma revolução vitoriosa
nomeava, no Porto, a Junta Provisória do Governo Supremo do
Reino, a que Aveiro aderiu; em Setembro, criava-se em Lisboa a
Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que assumiu
o poder em nome do Rei, ainda ausente no Brasil. A 9 de Março de
1821, as Bases da nova Constituição eram aprovadas e promulgadas
pelas Cortes; a Constituição, discutida ao longo de mais de um
ano, teve o assentimento régio a 1 de Outubro de 1822. Em Aveiro,
foi jurada a 3 de Novembro. (28)
Tendo-se traçado, numa mudança
brusca, uma linha diferente à maneira de ser portuguesa, surgiu
uma época de intranquilidade, que se generalizou pelo país; foi um
«tempo de tanta consternação, de tantas e tão grandes violências»
– assim o definiu D. Manuel Pacheco de Resende em documento de 18
de Maio de 1824.
O auge do desassossego
verificou-se sobretudo desde 1828, com movimentos absolutistas por
um lado, e levantamentos liberais por outro. Na circular de 15 de
Dezembro desse ano, o Prelado aveirense ordenava aos párocos que
explicassem ao povo «os seus principais ofícios para com Deus e
para com seu augusto Rei» e afirmava significativamente: – A
Divina Providência restituiu a Portugal «aquele que tanto
desejávamos e era a nossa esperança, o Senhor D. Miguel I, para
continuar a sucessão legítima do trono português e pôr limites à
impiedade que tanto adiantava seus passos contra a Religião santa
que professamos e contra a Monarquia».
Todavia, a guerra armada
terminaria na derrota de D. Miguel, a 26 de Maio de 1834, com a
Convenção de Évora-Monte. Depois veio a extinção das Ordens
Religiosas por D. Pedro IV; D. Manuel Pacheco de Resende
presenciou impotente e com angústia o encerramento forçado dos
conventos masculinos, deles expulsos os frades aí residentes, e
viu condenados a desaparecerem, mais cedo ou mais tarde, os
mosteiros femininos. Ao mesmo tempo, vivia-se na iminência
aflitiva do cisma religioso, com a nomeação ilegítima de alguns
Governadores de Bispados, feita pelo Rei liberal à medida que as
suas tropas iam dominando o país, apesar de os respectivos
prelados estarem vivos e serem canonicamente capazes de exercer as
funções eclesiásticas.
Dias difíceis foram esses para o
terceiro Bispo de Aveiro, no meio duma luta fratricida e duma
desorientação geral. No desempenho do seu múnus, por vezes
procurou aquietar os ânimos, «como ministro da paz, como vosso
pastor» – lê-se numa das suas circulares.
D. Manuel Pacheco de Resende,
velho de 86 anos, a 8 de Junho de 1836 ainda era nomeado pelo
Governo Arcebispo de Braga, dignidade em que não chegou a ser
confirmado, tanto por causa das circunstâncias anormais em que se
encontravam as relações com a Santa Sé, como por ter tido somente
poucos meses de vida. «Próximo à sua morte, estando em seu
perfeito juízo e na presença dos presbíteros, seus familiares,
disse que concedia a todos os sacerdotes do seu Bispado a
faculdade de se conservarem naquele exercício das suas Ordens, que
então tinham, por espaço de seis anos».
(29) O previdente Antístite pretendeu assim obstar a males que adivinhava, oriundos
do cisma religioso, já corrente no país.
Confortado com os Sacramentos da
Santa Igreja, faleceu no Paço Episcopal a 17 de Fevereiro de 1837,
pelas 18:45 horas. No funeral seguiram-se as suas últimas
recomendações; não houve «ornato algum de armação fúnebre no Paço
e menos na Sé. Paramentado de Pontifical, foi o cadáver colocado
num «caixão forrado de durante preto com galões falsos, brancos e
amarelos». No dia 18, na máxima simplicidade, oito pobres
conduziram o féretro para a Catedral, com o acompanhamento do
pároco da freguesia da Glória, Padre António Dias Ladeira de
Castro, do sacristão e de mais seis sacerdotes. Depois do despacho
real de 20 de Fevereiro, teve o corpo sepultura na igreja da Sé
(S. Bernardino), em frente do altar de Nossa Senhora das Dores, de
quem era muito devoto – o que se realizou a 26 seguinte.
(30) A 21
de Janeiro de 1966, os seus restos mortais foram trasladados para
o jazigo da Diocese, no cemitério central de Aveiro.
Foi muito chorada por todos a
morte deste «venerando e santo Prelado que fora no seu tempo um
dos primeiros ornamentos do Episcopado»,
(31) deste «varão
verdadeiramente apostólico, cujas preciosas virtudes e
/ 12 / acrisolada caridade não podem recordar-se, sem que espontânea e
naturalmente a cabeça se nos curve em homenagem de sincero
respeito». (32) Nesse período de grande agitação política,
tornou-se credor, por muitos títulos, da gratidão da gente
aveirense. Como escreveu Homem Cristo, «era homem das mais preclaras virtudes; durante o predomínio dos miguelistas, deu aos
constitucionais perseguidos todo o seu auxílio, e, durante o
predomínio dos constitucionais, fez o mesmo aos miguelistas. Dava
aos pobres, a quem acudia nas suas aflições, todo o dinheiro que
possuía». (33) Pessoa completa, «às virtudes cristãs unia as
virtudes cívicas; debaixo dos olhos desconfiados de um Governo
suspeitoso, mandava o pão quotidiano aos que o Governo martirizava
nas prisões; [...] procurava, através de todas as dificuldades, de
todas as resistências de pérfidos subalternos, quebrar, de modo
possível, o maior rigor aos mandatos tirânicos».
(34) Todavia, por
ironia das coisas, o Prelado, superior em caridade, «sobre cujas
cãs sagradas caiu também um pouco de opróbio e de perseguição»(35), seria acusado e pronunciado por liberal pelo corregedor
Alexandre Duarte Carrilho Marques, valendo-lhe a alçada do Porto,
que o despronunciou. (36)
Não é, pois, sem fundamento que o
terceiro Bispo continua vivo na memória de Aveiro. Segundo Rangel
de Quadros, «ele foi sábio e justo; compreendeu os deveres do
Episcopado; foi verdadeiro apóstolo das doutrinas de Cristo: não
era um Bispo grande, mas era um grande Bispo, porque foi grande
pela sua abnegação e caridade, morrendo pobre para acudir aos
pobres». (37)
V – DECADÊNCIA, EXTINÇÃO E RESTAURAÇÃO DA DIOCESE DE AVEIRO
Após o falecimento de D. Manuel
Pacheco de Resende, iniciava-se para a Diocese de Aveiro uma época
de declínio, que culminaria na sua supressão em 1882.
Por decreto de 26 de Fevereiro de
1840, o Governo ainda nomeou e apresentou como Prelado o Dr.
António de Santo Ilídio da Fonseca e Silva que, não esperando a
confirmação pontifícia, entrou na posse do Bispado a 18 de
Outubro. De facto, o Bispo Eleito nunca obteria a ratificação do
Sumo Pontífice, prejudicada pelo depoimento prévio que a
Nunciatura enviou em 1841 à Santa Sé. Sendo embora monge
beneditino, levava «uma vida péssima e foi sempre tido na opinião
pública como um sectário e de costumes corruptos»; encontrava-se
já em Aveiro, «onde está governando intrusamente e praticando
actos escandalosos» – informava o documento, que termina por
afirmar: – «Seria um Bispo péssimo, sem boa opinião nem fama».
(38)
D. JOÃO EVANGELISTA DE LIMA VIDAL
Arcebispo-Bispo de Aveiro.
Como a questão se arrastasse com
detrimento para a disciplina eclesiástica e para o bem da Igreja,
a Santa Sé, pelo Breve Cum Episcopatus, de 1 de Abril de
1845, nomeou o Arcebispo de Braga também Administrador Apostólico
de Aveiro. O governo da Diocese passou, por isso, a ser da
responsabilidade de D. Pedro Paulo de Figueiredo da Cunha e Melo,
depois – a partir de 1856 – de D. José Joaquim de Azevedo e Moura
e, finalmente – desde 1876 – de D. João Crisóstomo de Amorim
Pessoa. Todavia, os Arcebispos de Braga foram sucessivamente
designando para Aveiro Vigários Gerais ou Governadores do Bispado
que, uns mais outros menos, sustentaram com zelo, santidade e
prudência o fio espiritual da Diocese.
Durante estes anos, porém,
apressou-se o enfraquecimento do Bispado, que se via sem Prelado
residente em Aveiro. Contudo, em 1857 e em 1860, ainda se
efectuaram reformas no Seminário, cujas aulas, em 1864, se
transferiram para os anexos da Sé. Também, a 15 de Abril de 1868,
o Vigário Geral Dr. José Joaquim de Carvalho e Góis, escrevendo
aos párocos, ao clero e aos fiéis, anunciava a intenção de
realizar a visita pastoral a todas as paróquias e conventos,
durante o verão seguinte; foi então que, cansado desse trabalho,
adoeceu na Carregosa, vindo a falecer em Aveiro no dia 24 de
Outubro de 1869, apenas com 38 anos de idade.
Apesar de todos os esforços,
acelerava-se o processo da extinção da Diocese, enquadrado num
plano dos Governos liberais em reduzir os Bispados do Continente.
Aveiro viu-se mesmo sem o seu Paço Episcopal, porque, tendo sido
ocupados dois pavimentos em 1847 pelas repartições oficiais do
Distrito, um incêndio o destruiu a 20 de Julho de 1864; «por
descuido dos empregados das mesmas repartições, foi devorado pelas
chamas juntamente com grande parte da mobília, quadros, roupas e
diferentes objectos de valor que lá existiam».
(39)
Para obstar àquele projecto, de
nada valeram tanto o pedido feito a D. Maria II, quando a Soberana
visitou a cidade em 1852 – embora ela prometesse nomear um Bispo
para Aveiro – como o requerimento que, em 1855, foi enviado ao
Governo e ao Rei D. Pedro V pela Câmara Municipal e por habitantes
de todas as paróquias da Diocese.
(40) Igual resultado negativo
teve a numerosa representação de 18 de Janeiro de 1881, dirigida a
D. Luís I, solicitando-lhe o favor de «não sancionar a lei de
supressão deste Bispado». (41)
Ao cabo de longas negociações, o
Papa Leão XIII viu-se finalmente forçado a subscrever a Bula
Gravissimum Christi Ecclesiarum regendi et gubernandi munus,
de 30 de Setembro de 1881, com que suprimia as Dioceses de Aveiro,
Castelo Branco, Elvas, Leiria e Pinhel. A execução das Letras
Apostólicas foi confiada ao Cardeal D. Américo Ferreira dos Santos
Silva, Bispo do Porto, que, a 4 de Setembro de 1882, assinou a
respectiva sentença. A cidade de Aveiro ficou enquadrada
/ 13 / na
Diocese de Coimbra e o rio Vouga tornou-se o limite geográfico
entre aquele Bispado e o do Porto, salvo excepções de lugares de
freguesia.
Conforme escreveu D. João
Evangelista de Lima Vidal, «a extinção da antiga Diocese de
Aveiro, mais provocada sem dúvida por inconfessados motivos de
ordem política do que propriamente por considerações ou
imperativos de ordem religiosa, mais imposta ou forçada portanto
do que sentida, [...] não causou no rebanho atingido o abalo e a
reacção que seriam talvez de supor. O golpe não doeu muito na
carne já um pouco insensibilizada ou amorfa da moribunda. Apenas
ficaram, aqui e acolá, como sucede ordinariamente em
circunstâncias idênticas, uns tantos ou quantos focos de
inconformidade e de resistência, à espera sempre da ocasião mais
própria para se pôr clamorosamente a questão».
(42)
O Cardeal Patriarca de Lisboa, D.
António Mendes Belo, que havia comunicado oficialmente, a 20 de
Setembro de 1882, a extinção da Diocese – de que era então Vigário
Geral – incitaria os amigos de Aveiro a prosseguirem nas suas
diligências para a consecução do restabelecimento da Sé entre nós.
Havia começado uma reacção salutar numa nova consciência cristã.
Após porfiados esforços, trabalhos
sem conta, enormes sacrifícios, generosas dedicações, em que se
destacou D. João Evangelista de Lima Vidal – a voz mais autorizada
junto da Santa Sé no clamor da súplica dos católicos – Aveiro
tornar-se-ia, passados cinquenta e seis anos, pela Bula Omnium
Ecclesiarum do Papa Pio XI, de 24 de Agosto de 1938, executada
a 11 de Dezembro seguinte, uma renovada cidade episcopal,
cabeça da Diocese renascida, «para o robustecimento da fé e
progresso da religião». (43)
O sonho traduz-se já hoje
concretamente em tantas e tantas esplendorosas iniciativas para o
bem espiritual e moral das gentes da Beira-Ria, desde a Bairrada à
Branca, desde o Atlântico ao Arestal. As «belas espeças», nutridas
por Pio XII, foram-se transformando em «consoladoras realidades»;
(44) a restauração do Bispado foi o início duma vida nova que logo
se abriu em fulgor sobre a nossa terra, na reconstrução das coisas
e das almas.
____________________________
NOTAS:
(1) – O Povo de Aveiro
(jornal), n.º 304, de 11-6-1933, pg. 1.
(2) – Carta aos Esmirnenses,
VIII, 2.
(3) – Processo judicial, citado na
História de Portugal (Edição Monumental de Barcelos), Vol.
VI. 1934, pg. 218. No Livro de Registos da Câmara Municipal de
Aveiro encontra-se o seguinte: «Registo do auto de suspensão
feita aos magistrados e oficiais da justiça postos nesta vila de
Aveiro pelo Duque» – fI. 301, v.; e «Certidão do conhecimento dado
à Câmara de Aveiro do atentado contra el-rei e termo de obediência
ao dito rei» – fI. 302 v. Aquele é de 28 de Dezembro de 1758 e
este de 13 de Janeiro de 1759. (Cf. Arquivo do Distrito de
Aveiro (revista). Vol. XXXIII, 1967, pg. 202 – índice
publicado por Rocha Madahil).
(4) – Arquivo do Distrito de
Aveiro cit., Vol. I, 1935, pg. 25.
(5) – Livro de Registo do
Câmara Municipal de Aveiro, fI. 307 (cf. Arquivo do
Distrito de Aveiro cit., Vol. XXXIII, 1967. pg. 203 – Índice
publicado por Rocha Madahil); e Américo Costa Diccionario
Chorographico de Portugal Continental e Insular, Vol. lI,
Azurara, 1930, pg. 1088. Foi escolhida a data indicada na primeira
fonte.
(6) – Eduardo Cerqueira, O
Milenário de Aveiro e o Bicentenário da sua elevação a cidade
– no Arquivo do Distrito de Aveiro cit.. Vol. XXV, 1959, pg.
252.
(7) – Arquivo Secreto do Vaticano,
Processo Consistorial n.º 166, ano de 1774, fI. 41, v. 42;
Collecção dos Negocios de Roma, III, Lisboa, 1874, pgs.
272-273.
(8) – Arquivo Secreto do Vaticano,
Idem, fls. 38-40, v.; Collecção cit.. pgs. 315-318:
Fortunato de Almeida, História da Igreja de Portugal, Tomo
III, Parte lI, Coimbra, 1915, pgs. 477-487.
(9) – Arquivo Secreto do Vaticano,
idem, tis. 35-35, v.
(10) – João Gonçalves Gaspar, A
Diocese de Aveiro, 1964, pgs. 37-48.
(11) – A nomeação, por concessão
pontifícia vigente, era feita pelo Rei; a apresentação consistia
em indicar ao Papa o escolhido; e a confirmação era a ratificação
final da Santa Sé.
(12) – Cons. José Ferreira da
Cunha e Sousa, Memória de Aveiro no Século XIX. (II) – no
Arquivo do Distrito de Aveiro cit., Vol. VI, 1940. pgs.
195-200. A referida estátua encontra-se desde 1911, no Museu de
Aveiro (Cf. Rocha Madahil. Considerações acerca de uma estátua
– no Arquivo cit., Vol. XVII, 1951, pg. 106).
(13) – Rangel de Quadros, O
Episcopado e o Governo de Portugal, Estarreja, 1884, pgs.
88-89.
(14) – Arquivo da Universidade de
Coimbra. Livro de Óbitos das freguesias de S. Miguel e da
Glória, que começa a 20-9-1787, fls. 49 e 82-83. A Catedral era a
igreja da Misericórdia, como lá se referiu.
(15) – João Gonçalves Gaspar, A
Diocese de Aveiro, cit.. pgs. 48-64.
(16) – Memórias de Francisco
Manuel Trigoso de Aragão Morato, revista e coordenadas de
Ernesto de Campos de Andrade, Coimbra, 1933, pgs. 28-29.
(17) – Cit. por João Evangelista
de Lima Vidal, em manuscrito inédito (Cf. João G. Gaspar, A
Diocese de Aveiro cit., pg. 72). / 14 /