A crise agrícola dos nossos dias
está prestes a atingir um tal grau de intensidade que, estamos
convencidos, virá a breve prazo produzir transformações profundas na
sua própria estruturação.
Com efeito, atendendo aos seus
elementos fundamentais – o capital-terra, e o trabalho-mão de obra –
aquela conclusão impõe-se categoricamente.
Acrescentaremos, os homens de todas
as hierarquias do pensamento e do trabalho reconhecem e afirmam essa
realidade repetidamente, todos estudam e alvitram soluções; é um
facto notório desde há largos anos, mas tudo permanece na mesma; as
circunstâncias em nada são modificadas e as realidades desta
actividade económica mantêm-se olimpicamente inalteráveis.
Parece que todos vivemos sob o signo
de uma lei fatal e catastrófica e que nos encontramos
irremediavelmente condenados a sermos perdidos na sua voragem, a não
ser que, mais cedo ou mais tarde, como consequência da tragédia e
desencadeado o processo revolucionário indispensável, possamos
respirar e possamos exclamar, em tom de alívio, na sabedoria inata
do povo, o adágio: há males que vêm por bem!
Mas detenhamo-nos um pouco na
apreciação das premissas que estão na base das nossas verificações.
Vamos abordar, aliás com ligeireza,
e nem o nosso propósito é outro, alguns aspectos do problema agrário
que é problema económico, eivado de manifestas consequências
sociais, e logo nos ocorre perguntar: como se patenteia o referido e
aos quatro ventos repetidamente proclamado estado de coisas, estado
de crise?
Tal pergunta não envolve de modo
algum um mínimo de dúvida sobre a sua existência.
Surge mais ao nosso espírito tão
somente como desejo de mais vincada e detalhadamente
chamar a nossa atenção para a
conjuntura da realidade.
A realidade palpável do manifesto
desequilíbrio entre os elementos do fenómeno económico em apreço
constitui-se numa situação inconveniente e incómoda de todos os seus
elementos intervenientes; tanto nos elementos naturais – o
capital-terra, como nos elementos da acção – o trabalho, com todas
as incidências humanas e são estas que contam fundamentalmente no
juízo dos homens.
Para o equilíbrio do fenómeno
económico, em cada momento, hão-de concorrer os vários factures em
si intervenientes e conducentes à produção de um juízo de valor em
que o homem se sinta tranquilo e satisfeito ao emiti-lo.
Esses factores são: o valor do
capital investido, o esforço-trabalho produzido, o fruto-rendimento
obtido, as necessidades satisfeitas, o preço, o custo, o valor –
conduzindo ao juízo do interessado, factor estritamente humano.
Quando, ponderados todos os
elementos ou factores intervenientes no fenómeno, o homem, ao emitir
o seu juízo de valor, não se sente tranquilo e satisfeito, nos seus
legítimos direitos, necessidades e desejos, reconhecendo e
encontrando entre eles estados de desequilíbrio, surge um estado de
crise.
Alguma vez o homem proferiu um juízo
de valor de plena satisfação, no campo das suas necessidades
económicas? – parece-nos lícito e oportuno perguntar.
A resposta, que não pode deixar de
ser negativa – as necessidades do homem multiplicam-se e sucedem-se
em cadeia – conduz-nos apressadamente à conclusão de que o estado de
crise é inelutável o permanente e se traduz num estado de ansiedade
por se obterem mais e melhores resultados, no desenvolvimento e
progressão dos fenómenos económicos.
Consequentemente há que aceitar como
uma realidade fundamental da vida e não como uma lei fatal e
catastrófica demolidora de todos os sentimentos humanos de acção e
reacção.
Tal estado de ansiedade humana, será
mesmo um factor estimulante de acção no sentido da satisfação das
nossas necessidades, será mesmo um ardente desejo de se procurar
conquistar mais e melhor, é um motor de arranque
/ 58 / que nos
lança para diante, lei natural e divina da vida.
Mas porque assim é, ou pelo menos
porque estamos convencidos que esta é a realidade da vida,
sentimo-nos no dever de estudar o fenómeno em algumas das suas
facetas mais evidentes e palpáveis, para determinarmos o modo e a
forma de o encaminharmos para soluções mais favoráveis ao homem.
Na agricultura o elemento primário –
fundamental – é a terra com todos os seus inerentes fenómenos
naturais.
Elementos secundários, embora também
essenciais, existem muitos outros, que nós podemos enquadrar no
âmbito da acção, trabalho do homem; no campo económico, têm em vista
procurara satisfação das necessidades próprias com o mínimo de
esforço na produção de bens para tal necessários.
É o conhecido princípio hedonista.
E é na apreciação do esforço
despendido na produção dos bens, na obtenção da produtividade, na
formação da riqueza, que o homem começa a emitir os seus juízos de
valor a respeito do fenómeno económico.
Reconhecido o resultado desfavorável
– é este que agora nos preocupa – do esforço humano, há que
determinar as suas causas, as razões do baixo rendimento do
trabalho, da produtividade do binómio terra-acção humana.
Todo o trabalho se produz em cada
momento sobre determinada coisa e em determinado lugar.
Importa analisar cada um destes
factores para verificarmos em relação ao momento, se este é oportuno
ou inoportuno; em relação à coisa, se esta é naturalmente favorável
ou desfavorável; em relação ao lugar, se este é adequado ou
inadequado ao conveniente processo económico.
Deixando para outra altura,
admitindo que o possamos vir a fazer, o estudo respeitante ao modo
como o trabalho é, admitindo que o homem escolheu perfeitamente o
momento e o lugar de realizar o fenómeno, a sua actividade económica
com vista à conveniente produção de bens para a satisfação das suas
necessidades, vamos tão somente encarar restringindo a nossa
observação dos problemas inerentes à «coisa» sobre que vai incidir a
acção do homem: o capital-terra – elemento primário e fundamental da
agricultura.
Primeiro que tudo impõe ao homem a
necessidade indispensável de conhecer a natureza da terra que vai
trabalhar: para escolher a cultura adequada, para escolher a época
conveniente de a fazer, para determinar as ferramentas apropriadas,
enfim, um sem número de problemas que o homem deve equacionar antes
de «pôr mãos à obra».
De igual modo se lhe impõe a
necessidade de conhecer e considerar a dimensão da terra, para
dosear o trabalho a utilizar. Este será tanto mais proveitoso quanto
mais harmonioso for o binómio – terra-trabalho. A dimensão de um e
de outro devem corresponder inteiramente. Desta realidade resultará
de fácil compreensão que os valores do binómio historicamente têm
sido variáveis mas sempre correspondentes para um equilíbrio, tanto
quanto possível, na produção da riqueza. Tal equilíbrio pretendido é
sempre mais possível na correlação directa das dimensões da
conjuntura económica. À medida que esta se desenvolve, mais fácil e
evidente pode ser o desequilíbrio dos elementos.
Temos, pois, como indispensável a um
favorável fenómeno económico agrícola que o elemento-terra se
encontre dimensionado em termos propícios a um frutuoso trabalho a
executar, condição base de uma útil rentabilidade do esforço humano.
E neste momento afigura-se-nos de
novo legítimo perguntar: existe esse conveniente dimensionamento na
agricultura portuguesa?
A resposta negativa é do
conhecimento de todos.
Esse conveniente dimensionamento não
existe por excesso e por defeito.
Os números que vamos referir,
colhidos ao acaso nas diferentes regiões do país, são
verdadeiramente elucidativos para perfeita apreciação do
dimensionamento da propriedade rústica e demasiadamente claros para
que alguém procure justificar, seriamente, a dispensabilidade de se
considerar realidade tão
/ 59 /
evidente e de tão magna incidência no fenómeno do problema agrário
da produção.
Dispensam-nos de outras
considerações, as realidades implícitas na relação área do concelho
– número de artigos das matrizes prediais rústicas de cada
autarquia, (referidos quanto a estes em números aproximados, aquelas
são exactas) área média por concelho dos artigos das matrizes
prediais rústicas em m2.
|
|
Área
em Km2 |
Art.ºs da
matrícula
rústica |
Área média
dos art.ºs
das matrizes
em m2 |
Mirandela
Vale de Cambra
Sever do Vouga
Mealhada
Ansião
Constância
Chamusca
Coruche
Lourinhã
Arruda dos Vinhos
Vila Velha de Ródão
Odemira
S. Brás de Alportel |
674
148
131,52
119
170
76,4
780
1093
146
77
361
1 727,3
139,6 |
69 800
96 300
56 900
75 000
70 000
1 554
4 810
3 720
28 250
6 120
23 250
9 176
16 215 |
9 641
1 537
2 311
1 587
2 428
49 163
162 161
293 818
5 169
12 511
15 514
188 242
8 609 |
|
|
|
Expostos os números aos olhos dos
nossos leitores que por certo não deixarão de se encontrar admirados
com tão desigual relatividade entre a superfície dos concelhos e os
números médios das propriedades rústicas (e nós acrescentaremos
ainda que em alguns dos referidos concelhos é corrente
encontrarem-se artigos da matriz predial rústica com área inferior a
uma dezena de metros quadrados) ressalta logo à nossa vista uma
panorâmica do dimensionamento da agricultura no continente.
Vemos pois que o território nacional
europeu, no ponto de vista da actividade agrícola, se encontra
repartido em zonas dimensionais inteiramente distintas e
consequentemente fácil é de admitir que produzam incidências
económicas bem diferentes e fundamentais.
No juízo de valor que emitamos sobre
a significado dos números apresentados não podemos também deixar de
considerar a natureza e a aptidão do solo.
Se este é propício ou desfavorável
às culturais arbóreas, cereaIíferas, pascigo, horticultura,
florestação, etc., etc. A natureza arenosa, argilosa, xistosa ou
rochosa tem decisiva influência na exploração da terra como é de
todos sabido e, por outro lado, a abundância ou carência de água é
factor primordial que não pode ser esquecido na apreciação que
fizermos.
Temos, portanto, na nossa mente,
diante de nossos olhos interiores, uma panorâmica suficientemente
desenvolvida para que nos possamos arriscar a emitir, com
fundamentos reais e sérios, um juízo de apreço sobre a conjuntura
agrícola.
Encontramos, pois, na agricultura de
Trás-os-Montes um dimensionamento médio que se aproxima dos 10000 m2
por artigo da matriz. O mesmo se verifica no extremo oposto do país,
na província do Algarve.
Com diferenças que rondam os 50%
para mais e para menos se exprimem as regiões da Beira-Baixa (Vila
Velha de Ródão) e as do lado oposto, da Estremadura (Lourinhã).
Antes de mais anotaremos já que
naquela província de Trás-os-Montes predomina a cultura dos cereais
e na do Algarve as culturas hortícolas e frutícolas.
Na Beira-Baixa a florestação é
senhora e na Estremadura a vinha é a riqueza maior.
A grandeza do rio Tejo parece que
muito influenciou no dimensionamento da agricultura as suas
vizinhanças. E é natural que assim suceda.
O Tejo, sob o ponto de vista
orográfico e hidrográfico, é verdadeiramente uma linha divisória de
duas regiões distintas.
Ao norte, e com pequenas excepções
correspondentes às bacias de alguns rios, nas proximidades da foz,
predomina uma orografia montanhosa, serrana, alcantilada e por vezes
agreste. É aqui que se encontram os pontos mais altos do País.
Ao sul do Tejo a planura perde-se
fugindo na imensidão do horizonte que se divisa dos pequenos montes
que a salpicam avaramente.
Por outro lado, enquanto que a
hidrografia encontra do Tejo para norte os seus maiores expoentes,
para sul a abundância de água só
/ 60 / poderá
vir a resultar do grande e dispendioso esforço humano, como aquele
que ali, no presente, se processa e se conta por milhões.
É, pois, nesta região à roda do Tejo
ou nas suas vizinhanças mais longínquas, que o dimensionamento da
propriedade agrícola, no Portugal europeu, é grande em relação às
demais zonas.
Propriedades de dezenas ou centenas
de hectares são correntes.
E o que se passa nas outras regiões
ainda não citadas e que são abrangidas por toda a corda do Minho ao
Lis e numa largura de mais de metade do País, marcado de Norte a
Sul, onde a densidade demográfica atinge as expressões mais
elevadas?
Os números do nosso quadro atrás
patenteado respondem por si, tal o minguado da dimensão agrícola.
Quem sabe se aqui há tanta gente por
não poder morrer, já que não terá onde cair morta?
Esta pequena graça não deixará de
ter o seu cabimento.
Por tudo isto, façamos ainda algumas
considerações que se nos afiguram decorrentes na apreciação do
fenómeno económico agrário.
É ponto assente e aceite que o
dimensionamento da empresa, seja industrial, comercial ou agrícola,
e só esta agora nos interessa, tem incidências fundamentais na sua
rentabilidade.
Sendo assim, importa tornar o
dimensionamento da empresa agrícola compatível com uma justa
rentabilidade, semelhante à que se verifica nas empresas de outra
natureza.
Desde que se aceite como
indiscutível a conclusão posta, há portanto, que procurar o caminho,
o modo, a forma de a realizar.
É, sem dúvida, este, um novo
problema e muito grave.
E é muito grave porque sobre si já
não incidem e predominam somente factores de ordem económica, mas
muitos outros de outra espécie, desde os sociais aos sentimentais.
Estes últimos afiguram-se-nos os
piores!
O dimensionamento da terra,
significando unidade económica agrária, quer dizer dimensão da
unidade de produção, propriedade agrícola, economicamente rentável.
E então o nosso juízo, perante as
realidades apontadas, poderá dirigir-se no sentido de que, em
algumas regiões, o dimensionamento da agricultura estará certo,
noutras será elevado e noutras insuficiente.
Posto de lado o primeiro, diremos em
relação ao segundo que a medianização da actividade agrícola e as
novas condições de exploração que o homem se esforça por criar
conduzirão a um equilíbrio homem-terra aceitável.
E em relação ao último?
Deverão estabelecer-se regimes de
co-propriedade ou de associação de exploração, voluntária ou
forçadamente?
Ou deverá forçar-se a formação de
propriedade individual de dimensão rentável, se não for realizada
voluntariamente pelos interessados?
Isto é: deveremos seguir na direcção
de um cooperativismo voluntário ou forçado ou o caminho do
emparcelamento voluntário ou obrigatório será a única solução que
levará a soluções económicas rentáveis?
Nós diremos que enquanto não se
modificar a mentalidade dos nossos homens do campo importa ter
presente estas realidades:
O homem da terra, no seu juízo
egoísta e simplista, sabe sempre melhor do que o seu vizinho
cultivar a sua horta, a sua courela, a época da sementeira, a época
das podas, dos tratamentos e adubações e até das colheitas.
Só por isto se levanta de madrugada,
apanha torreiras de sol, fica encharcado em chuva e vai às romarias
para pagar promessas.
Os técnicos para ele são ainda uns
senhores que trata com acanhamento e cerimoniosamente.
Por outro lado, o sentimento
individualista da propriedade e até, no presente, sentimento
inalienável, virtuoso e patriótico do nosso povo, do nosso homem da
terra. É garantia das suas obrigações.
Na forma colectiva de exploração da
terra, seja ela qual for, alguns daqueles sentimentos e,
acrescentaremos, virtudes se perdem, com toda a certeza.
Para onde irá e para que servirá a
iniciativa privada prevista na nossa Constituição Política?
O fenómeno económico agrícola do
Portugal europeu tem muito que meditar. |