O Distrito de Aveiro, no que diga
respeito a danças e cantares, distingue-se sobremaneira dos
demais, dada a diversidade das zonas que abrange.
Senão vejamos.
A norte do Concelho de Castelo de
Paiva – reduto duriense, onde a chula não dá, às claras, por tal
nome e, antes, surge em pormenores (remates ou mesmo figuras!) – a
canção, a par do bailado, em beleza e pureza, não tem rival.
Mais ao sul e a poente, outra
região se nos depara: a das antigas Terras da Feira, a que
pertence Arouca e, ainda, a Vila da Feira, Oliveira de Azeméis e
todo o Vale de Cambra. Mas duas outras áreas nos merecem, também,
estudo: a do Litoral, que, em Ovar, tem o seu expoente
coreográfico máximo e a dos Campos de Coimbra, de que o concelho
de Águeda é alto estandarte.
O mar dança e a serra canta...
Todavia, o diálogo mantido por
ambos, através de romarias, tais como a da Senhora da Saúde, em
Coimbra, a 15 de Agosto de cada ano, foi dando a uns o que faltava
a outros. Assim, diremos que, aos serranos, os vareiros ensinaram
o vira, a que os da montanha chamam «Valseado» e, aos da planície,
os da serra foram mostrando as suas «Cantas», reservando, para si,
os «Cramóis» – cantares a três vozes – aprendidos na escola que,
durante séculos, regeram as monjas da Rainha Dona Mafalda, do
Mosteiro de Arouca...
Feita semelhante destrinça, fácil
será, depois, vermos quais as danças dominantes em Paiva, nas
Terras da Feira, no Litoral e em Águeda (ou, por outra: nos Campos
de Coimbra)...
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Vira de Cruz de
Moldes – Arouca |
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Em Paiva, todos os bailados
(incluindo os de roda!) são resultantes da Chula duriense.
No Litoral, a dança é o Vira que
usa mil nomes: Vira Vareiro, Real Caninha, Vira Flor, Vira de
Trempes, Vira Corrido, Tirana, Vira Pescador, Ensarilhado...
E há, ali, além, dele, uma dança
para a estrada, moda de ir para a festa, rusga que, tanto em Ovar
como em Esmoriz, é conhecido pelo título de «Mansidão»...
Nas terras da Feira, ao lado do
Corre-Corre e da Rabela, de Moldes (no Concelho de Arouca) do
Verdegar e da Pastorinha,
/ 22 / de
Paços de Brandão (no Concelho de Vila da Feira) do Malhão, dançado
no lugar de S. Pedro de Nabais, da freguesia de Escariz (no
Concelho de Arouca) do Senhor da Pedra, comum a todas estas
freguesias, e da Cana (ou Caninha) Verde de Oito, de Moldes (no
Concelho de Arouca) há três Viras, a saber:
O «Valseado» (a que já nos
referimos), o Vira de Cruz (por vezes chamado «Vira de Quatro») e
a Tirana.
Muito afeiçoado pelo Povo, este
último, dançado como o dançam, actualmente, em Cidacos (no
Concelho de Oliveira de Azeméis) é, ao lado do Vira de Cruz de
Vila Verde (no Distrito de Braga), o mais brilhante vira
português, depois da Góta do Alto-Minho.
Mas atravessemos o Vouga...
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Logo, quer no estilo dos
passos, quer na toada dos cantares, encontraremos os frutos do
casamento feliz entre a Feira e a campina coimbrã e o da
serrania beiroa com o vale de Águeda.
Das Terras da Feira recebeu
Águeda o Vira de Quatro, da Beira, mil danças de roda e, de
Coimbra, esse famoso Malhão, dança mandada cuja melodia, na
voz de Armindo dos Santos, já deu a volta ao continente
português...
– Em Águeda, haverá folclore?
– perguntou-me um dia alguém. – Sim. As danças de roda –
respondi.
As rodas! – eis a feição
principal a autêntica dança bairradina. |
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Cancioneiro de
Águeda |
Por mais que se esfolhem arquivos
os quais, entre nós, nunca foram outros senão testemunhos de
pessoas de idade, nada encontraremos em desabono de tal afirmação.
E poderemos atribuir importância menor a tal facto se, naqueles
bailados, em que a melodia e a letra desempenham papel de relevo,
o povo se espelha tal qual é?
Estamos,
evidentemente, longe da complicação coreográfica do Alto-Minho,
pois, de braço dado com a música, a dança aguedense vive mais do
canto e das atitudes do que dos passos.
Em Águeda, o alfabeto artístico
principia pela cantiga. O resto virá em seguida, naturalmente,
limitando-se ao bater de palmas e à corrida. Toda via, mesmo
assim, as rodas oferecem grande variedade. E embora junto à Fonte
do Botaréu (essa fonte a que António Nobre se refere no seu livro
«SÓ»!) faltem Gótas e Fandangos, não admira que as modas de roda,
lá, surjam frescas, espontâneas como água, capaz de encher os
cântaros de toda a gente. E nada é mais poético (nem mais exacto!)
do que o espectáculo dos homens espadaúdos que, docilmente, vão
dando as mãos às raparigas, em volta das fogueiras, pelo S. Pedro,
e cantam:
/ 25 /
Enquanto o rio sozinho,
Vai correndo para o mar,
Fica a triste lavadeira
Sempre a lavar, a lavar.
As lavadeiras à noite
No meio do areal
Para fazer cabeceira
Tiram o seu avental.
Até aqui, o bailado resume-se a um
vagarosíssimo passeio. Mas vem, logo, o estribilho, quando as
mulheres, primeiro, e os homens, em seguida, batem palmas, indo ao
centro:
Bate lavadeira
Lavadeira, bate!
Que as nossas cantigas
Não têm remate!
Nessa altura, o coro, repetido à
laia de desafio, uma vez por elas, outra, por eles, dá-nos a medida
do vigor de que também são capazes aqueles que ainda há pouco se
deixavam embalar pela doçura do próprio timbre...
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Vira valseado de
Moldes – Arouca |
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Todavia, de todas as danças de roda
que, na mocidade, nos foi possível aprender, a do «ABRACINHO» será,
talvez, a mais representativa. De começo lenta, vai-se acelerando,
até findar, vertiginosamente.
Na Bairrada, a dança resulta da
canção. Em Águeda, dança-se muito, só porque muito se canta.
Em Águeda?
Sim. Na Águeda da minha infância,
Águeda das novenas ao Gravanço, Águeda que ia de barco ao S. Geraldo
e a pé às almas de Areosa, Águeda da minha saudade! Águeda das
danças de roda...
Eis, a traços nítidos, a panorâmica
da coreografia do Distrito de Aveiro. Ficamos, no entanto, à espera
de que, de ano para ano, outros grupos etnográficos se evidenciem,
correspondendo ao apelo de Anto!
– «Que é dos Pintores do meu País
estranho?
Onde estão eles que não vêm
pintar?».
Para já, à margem dos ranchos
oficializados (Grupo Folclórico da Casa do Povo de Castelo de Paiva,
Conjunto Etnográfico de Moldes, Rancho de Merujal, Rancho de S.
Pedro e Nabais, Rancho de Fajões, «Como Elas Cantam em Paços de
Brandão», Grupo Folclórico de Cidacos – em Oliveira de Azeméis –,
Rancho Folclórico de Ovar – dos lugares da Marinha e do Torrão de
Lameiro – e Cancioneiro de Águeda) distinguiremos dois que,
sinceramente, aplaudimos: o da Ribeira de Ovar e o de S. Tiago de
Riba de Ul...
Porto, Dezembro de 1965. |