Como todas as cidades e vilas de
Portugal possuem os seus brasões nos quais figuram os símbolos e
legendas daquilo que as enobrece, a primeira Câmara Municipal de S.
João da Madeira entendeu, e muito bem, criar o brasão do seu
concelho, incumbindo de tão delicada tarefa o grande sanjoanense Rev.
Dr. Serafim Leite, glória desta terra.
Perante a feliz e acertada concepção
do Brasão, «O Regional» de 1 de Janeiro de 1928 referiu-se àquele
insigne historiador, filho nato de S. João da Madeira, dizendo:
«Graças à sua comprovada ilustração,
a escolha que dele fizera a Câmara Municipal para o estudo do nosso
brasão de armas fora acertadíssima. Na sua elaboração o Rev. Dr.
Serafim Leite empenhara todo o seu talento, todo o carinho de
verdadeiro sanjoanense.
S. João da Madeira não conta nas
tradições do seu passado feitos gloriosos que lhe dêem um lugar de
destaque na história do povo lusitano, mas encerra uma alta virtude,
que é toda a sua honra, toda a sua nobreza, – é o seu espírito
laborioso, força impulsionadora de todo o seu progresso. Este
espírito laborioso, empreendedor e fecundo, característica primacial
do povo sanjoanense, o Rev. Dr. Serafim Leite tomou-o para no escudo
simbolizar como a virtude que mais tem distinguido e enobrecido S.
João da Madeira. É pelo espírito fecundo do trabalho que a nossa
terra, efectivamente, tem desenvolvido a sua indústria e a sua
agricultura erguendo-se ao nível das terras mais progressivas e
florescentes do país. Desta sorte, conquista por virtude própria o
lugar que lhe compete no concerto harmonioso dos povos que
contribuem pelo seu esforço para o fomento da riqueza nacional.»
A tradução, por palavras, das peças
que compõem o brasão – refere o mesmo jornal – é-nos dada, sóbrio e
concisamente, pelo seu ilustre autor:
«As armas de S. João da Madeira,
partidas em pala com chefe, representam o que era a nossa terra ao
conquistar os seus foros de vila: uma povoação industrial e
agrícola, animada pelo espírito fecundo do trabalho. Donde os três
elementos do escudo: Na pala direita a fábrica representa a
indústria; na pala esquerda a paveia de trigo, emblema da
agricultura; e no chefe, figura heráldica de primeira ordem,
sobressai a legenda LABOR, como encarnação flagrante do espírito
Sanjoanense. A distribuição dos metais e cores tem a significação
seguinte: a paveia de ouro em campo verde simboliza a riqueza e a
confiança; a fábrica vermelha em fundo de prata indica o ânimo
industrioso e empreendedor, fundado na lealdade; e a legenda LABOR,
em ouro sobre negro, manifesta o amor do trabalho até ao extremo
sacrifício.»
Não obstante, o Brasão não foi ainda
aprovado pela Secção Heráldica da Associação dos Arqueólogos;
todavia, ninguém pode negar, com conhecimento de causa, que ele não
seja, na expressão das suas peças, o legítimo símbolo do valor moral
e espiritual do povo desta terra que nele evidencia, com notável
exactidão, o que vale e o que é S. João da Madeira.
HINO DE S. JOÃO DA MADEIRA
Elaborado o Brasão, era mister que
S. João da Madeira tivesse também o seu Hino.
«O Regional» – o mesmo de 1 de
Janeiro de 1928 – ao ocupar-se publicamente do facto que encheu de
júbilo o povo desta terra, disse:
«Mas a nossa Câmara não se preocupou
só com o brasão de armas da nossa vila, onde graficamente estivessem
representadas as altas virtudes, a grandeza moral da nossa terra;
quis ainda, num impulso de elevado patriotismo que essas virtudes,
essa grandeza moral
/ 10 / fossem cantadas pelo nosso povo
num hino grandioso, cujos sons melodiosos imprimissem bem fundo na
sua alma o amor à sua terra, o amor ao trabalho, que tanto nos
engrandece e nobilita. E o hino fez-se. A música, obra de um
profissional competente, o insigne maestro Tomás de Lima, de Lisboa,
é um primor de melodia, dum sabor wagneriano, lembrando o hino
triunfal de Lohengrin. Ao ouvi-lo, acompanhado dos sons musicais,
cantado pela nossa mocidade esperançosa, todo o povo sanjoanense
sentirá emocionar-se-lhe a alma vibrando de santa alegria, ganhando
coragem para as lutas da vida, para as lutas do trabalho.»
Aludindo à letra do Hino, cujo autor
foi, também, o Rev.º Dr. Serafim Leite, o mesmo «Regional» disse:
«A letra do hino que O Regional
também hoje reproduz com a respectiva música é ainda, como não podia
deixar de ser, da autoria do nosso ilustre homenageado, Rev. Dr.
Serafim Leite que, para maior relevo das suas faculdades
intelectuais, alia aos dotes de um prosador elegante, os méritos de
um poeta distinto. Hino encantador, espelho das virtudes dum povo
laborioso e caritativo, nele se reflectem, num misto de sentimento e
energia, as aspirações da alma sanjoanense, as suas virtudes
características – actividade, amor pelas obras de beneficência,
instrução e a sua fé inabalável nos próprios destinos, pairando em
tudo e acima de tudo esse espírito do trabalho.»
O aparecimento do Brasão e do Hino,
por imperativo do concelho que nascia, foi festejado na imprensa
local com o natural e justo entusiasmo de quem bem soube interpretar
nessa hora de contentamento o sentir unânime dos sanjoanenses.
*
A música e a letra do Hino de S.
João da Madeira enchem de vibração amorosa e bairrista a alma do
povo desta terra. Sanjoanenses e sanjoanistas não esquecem, antes
procuram pôr em prática, o edificante sentido das suas estrofes,
enobrecendo assim com o seu esforço ingente e constante a terra que
amam e engrandecem. E assim é que se canta:
S. João é um povo que encerra
As virtudes bem-ditas do lar;
Crê em Deus, no Trabalho e na Terra,
Sabe amar e sofrer e cantar.
Este povo que é servido na sua vida
religiosa por um pároco, um coadjutor, dois capelães e outros
sacerdotes; que possui uma igreja matriz, três capelas públicas e
duas privativas, onde se celebram, aos domingos, doze missas; que
realiza anualmente diversas festividades religiosas – este povo diz
bem da sua crença em Deus expressa nas estrofes do seu Hino.
Povo activo até ao sacrifício,
dando-se ao trabalho com afinco que o dignifica, o seu Hino retrata
admiravelmente a sua vida intensa e laboriosa nesta quadra de sabor
heróico:
Ardoroso nas lutas da vida
O progresso constante mantém;
Fronte nobre – não foge da lida,
Braços rijos – não cede a ninguém.
É que as suas fábricas e oficinas,
sem falar nos estabelecimentos comerciais que estão a ser numerosos,
a crescer e a multiplicar-se, atestam a veracidade do valor
industrial da nossa terra, que produz muitos e variados artigos, a
saber: máquinas de costura, tubos de ferro galvanizado, fundição de
ferro, artefactos de borracha, chapéus de pêlo, de lã, de palha e de
pano, calçado de sola e de lona e borracha, corte e preparação de
pêlo para chapéus e lanifícios, colas e gelatinas, guarda-sóis,
bonés, boinas, velas de cera e de estearina, camisas, lápis e
canetas, colchões de arame, mobiliário de praias, campo e termas,
refrigerantes, vassouras, tecelagem, botões, serração de madeiras,
carpintarias mecânicas, serralharias, padarias, tipografias, urnas
funerárias, etc., etc.
O Hino é, ainda, grito vibrante de
amor pelo próximo, porquanto:
Arde em nós, bem no fundo, serena,
Como chama de amor que reluz,
A paixão pelo pobre que pena,
Sem lareira, sem pão e sem luz.
A generosidade dos sanjoanenses,
posta em evidência no seu Hino, tem na prática a confirmação dos
seus sentimentos humanos e caritativos pelo muito que se faz e pelo
muito que se dá.
A Comissão Municipal de Assistência,
com o auxílio da população, acabou com a mendicidade nas ruas. O
Património dos Pobres está a avolumar-se com a construção de casas
para os que estão necessitados delas. Os bairros da Misericórdia e
de José António das Neves, também para pobres, são uma realidade. As
cantinas escolares lembram perpetuamente os seus beneméritos
fundadores. A Creche Albino Dias Fontes Garcia, pletórica de
crianças, é uma das mais belas instituições desta terra. A
Corporação dos Bombeiros vai crescendo em eficiência de material e
de homens. A Conferência de S. Vicente de Paulo e a
/ 11 /
Pia União exercem a sua acção a flux. E a coroar tudo isto, a Santa
Casa da Misericórdia, com as suas dependências assistenciais – o
hospital (extremamente insuficiente para uma terra como S. João da
Madeira), o abrigo infantil e o asilo de velhos. Uma difusão, ampla
e variada, do amor cristão e caritativo nas mais belas formas do
sentir do povo sanjoanense para com os seus irmãos carecidos de
auxílios.
Mas...
...mas nem só trabalho, nem só
religião, nem só caridade. Também instrução e cultura, é do seu
Hino:
..................................
S. João
Sabe unir Caridade ao Trabalho,
Ao Trabalho enlaçar a Instrução.
Com efeito, as actividades culturais
e artísticas o confirmam. É o Colégio Castilho, dum grande alcance
não só para esta terra, como para a região. É a Escola Industrial,
que sendo de recente data, é já insuficiente para a frequência que
tem. É a Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo. São as escolas
primárias em seis edifícios, com 18 salas, e muitos professores em
desdobramento de ensino. É a banda de música, com mais de um século
de existência. É a Delegação da Pró-Arte, criada em 1956 para
proporcionar aos seus associados o recreio espiritual da música e do
canto.
*
Em face da comprovada e fecunda
actividade e do exemplo magnífico deste povo, que tem por divisa o
seu Brasão e por incentivo a letra do seu Hino, bem se pode dizer
dele
ditosa terra que tais filhos tem.
MARÇO DE 1960
Nota
– O crescente aumento populacional de S. João da Madeira torna
escasso tudo quanto se faz em matéria de assistência e de instrução.
Enumeram-se aqui as instituições de caridade e os estabelecimentos
de ensino, parecendo, à primeira vista, que já é bastante aquilo que
se possui. Assim seria se S. João da Madeira não estivesse numa
evolução constante, vendo a sua população a crescer e os seus
problemas a surgirem e a precisarem de ser resolvidos por força da
sua expansão. |