O ATITA, de fato de treino, entrou no
"Grin's", levantou o braço direito, deu um berro de saudação, os
clientes, desprevenidos, assustaram-se e, depois de galhofar, chegou-se
a mim.
— Então, quantos tipos já salvaste hoje?
— Perguntei-lhe.
Ele aí pôs a euforia de lado e, com o ar
mais sério deste mundo, respondeu-me:
— Hoje não salvei ninguém mas, ao longo
da minha vida, já salvei trinta vidas.
— Ena pá! A continuares assim ainda
chegas a Ministro da Natação! — comentei a sorrir. — Já agora... Ainda
te lembras do primeiro salvamento que fizeste?
— Oh, yes!
— Então conta lá.
— Tinha eu à volta dos 17 anos.
Lembro-me muito bem que estava na Barra e ao almoço ia comer a sopa a
casa do Sr. António Ramires, que mora no Alboi, mas nessa altura tinha
(e tem hoje) uma casa na Barra. Comia lá a sopa porque os meus pais eram
pobres. Claro que havia sempre qualquer coisita para comer, mas a sopa
era a tranca da barriga e eu estava a crescer...
— E cresceste muito bem! — Interrompi,
com ar gozão, medindo-o dos pés à cabeça.
— Um dia, —- prosseguiu — "o Sr. António
Ramires, sabendo que eu andava a treinar para a travessia do DOURO,
pediu-me para eu levar o filho mais velho, o Tó, para o ensinar a nadar.
E levei-o, prá "Biarritz" (Costa Nova). O Tó tinha 7 anos e gostava da
água. Ensinei-lhe as primeiras braçadas e depois disse para ele se
sentar na areia, a brincar, pois eu ia fazer o meu treino. Atirei-me à
água, liguei o "turbo" e quando já estava bem distanciado da margem
senti qualquer coisa de sobrenatural que me chamava... ATITA... ATITA...
alguém está em perigo!
Parei de nadar e instintivamente olhei
para o areal. Não vi o Tó! Olhei para a margem e então vi nitidamente o
corpo ser arrastado pela corrente. A mesma voz oculta que me chamou
ordenou-me que eu fosse salvar a vida do rapaz. Nadei contra a corrente
com tal velocidade e a força que o S. Gonçalinho me deu que consegui
agarrar-lhe o braço salvando-o duma morte certa.
— Ah, grande ATITA! — desabafei
empolgado com o relato do campeão.
— E tu já viste com que cara eu chegava
depois a casa do Sr. António Ramires e lhe dizia que o filho tinha
morrido afogado?
O ATITA, ainda com uma lágrima
traiçoeira nos olhos, recordava o seu primeiro salvamento. O Tó, hoje o
Eng.º Ramires Ferreira, nem lhe passa pela cabeça que o ATITA, com a
força que o S. Gonçalinho lhe deu, foi o seu salvador, num dia em que
foi atraído pelo encanto da Ria.
A. Carlos Souto |