Assim começam as Horas de Penélope. Numa
alegoria ao que resta por ler. E por sentir. Ao longo da miríade de
sentimentos-poema que enchem o livro.
As
palavras, que lhe foram dadas no seu estado bruto, natural, granítico,
assumem a forma lapidada de um significado especial, pessoal, íntimo,
onde o fenómeno natural se casa com os sentimentos mais profundos, numa
cópula pacífica que elimina a razão. E então, sim, vemos com nitidez
como as palavras se tornaram dela, da autora.
A
poesia reside nas coisas, nos actos, nos gestos, e o poeta é apenas um
observador privilegiado, cujos olhos da alma vêem para além da realidade
imanente —
ou a poesia é a deformação das mesmas coisas, dos mesmos actos, dos
mesmos gestos, esculpida pelo cinzel sensível dos poetas?
Isto é, para colocar
o pensamento de um modo mais simples, o poeta vê ou cria? Não é fácil
responder. E é curioso notar que, em As Horas de Penélope, Ângela
Leite intenta dar-nos uma resposta. Caindo, ela própria, na contradição,
quando, no belo poema «A Natureza das coisas», constrói a destruição da
sua própria afirmação.
Um mistério. A arte.
Também a arte que inunda As Horas de Penélope e que,
deliciosamente, é trazida até nós.
A. Magalhães Pinto |