21º Domingo do Tempo Comum (ano A)
1ª leitura: Livro de Isaías, 22, 19-23
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Romanos, 11, 33-36
Evangelho: S. Mateus, 16, 13-20
A 1ª leitura, não se vê bem porquê (será porque fala do polémico
«poder das chaves»?), salta as passagens de uma bem viva descrição e
condenação do tão velho nepotismo. O profeta ameaça o administrador
corrupto e diz que o poder, simbolizado nas chaves, lhe será tirado
e passado a uma pessoa de verdadeira competência – isto é, honesta.
Mas esta também acabou por ser corrompida pelo poder, e Isaías
falou-lhe com a liberdade de Deus, essa liberdade que os bem
instalados não gostam de ouvir e que tudo farão por calar,
supliciando e até crucificando quem defende a verdade. O texto da 1ª
leitura continua assim: «Penduram-se nele todos os nobres da casa de
seu pai, filhos e netos, tal como se penduram num prego os
utensílios de cozinha, desde os copos aos jarros». Porém… «o prego
fixado em lugar firme cederá, a carga que dele pendia soltar-se-á,
cairá e será feita em pedaços» (Isaías, 22, 24-25).
Proteger os que nos são mais chegados não é mal nenhum: é mesmo um
dever. Na medida em que os animais que somos têm a característica de
humanos, descobrimos os novos desafios e dimensões do que é
«proteger». Por comodismo e por interesse egoísta, é que não nos
queremos responsabilizar por favorecer uma sociedade em que cada
qual seja protegido para ser o melhor que pode e não para ser
guindado só por virtude dos mais diversos estilos de apadrinhamento.
Amar e proteger podem ser objecto de falsificação.
Ao longo do Antigo Testamento, lemos queixas pungentes quanto ao
aparente sucesso das pessoas que buscam o poder sem se preocupar com
o bem comum e oprimindo até quem luta pela justiça. A justiça é
fruto do amor «que quer o bem de todos».
Há quem acuse S. Pedro de se «armar» com fanfarronices do estilo
«ainda que todos te abandonem, eu nunca te abandonarei» – e até
depois da ressurreição, não foi muito corajoso na defesa da
liberdade dos cristãos relativamente aos rígidos costumes do
judaísmo (Actos, 10, 9-48 e carta de S. Paulo aos Gálatas, 2,
11-14). Mas Jesus conhecia Pedro: deu-lhe um louvor por dar atenção
ao espírito de Deus e por revelar vontade sincera de querer agir em
conformidade. E como que a mostrar que não favorecia Pedro mas sim
confiava e exigia rectidão, condena-o por falta de visão (Mateus,
16, 22-23) – logo a seguir a ter-lhe dado «as chaves» da liderança
na luta pelo «reino de Deus».
Não o rejeitou, porque sabia que ele era capaz de procurar a
justiça. De maneira semelhante, não condenou «a mãe dos filhos de
Zebedeu», quando esta lhe veio pedir que desse aos seus filhos os
lugares mais importantes no «reino de Deus», à imagem de uma corte
terrena. Jesus, porém, limitou-se a vaticinar que, de facto,
tomariam parte na sua aventura… mas o lugar junto de Deus dependeria
da apreciação das suas obras (Mateus, 20, 20-28).
Jesus não fundou um clube nem um partido nem uma ordem. Quando os
discípulos mais chegados se indignaram contra outras pessoas que
espalhavam a boa nova, embora sem pertencerem ao grupo, Jesus
interveio: se fazem o bem, são nossos amigos (Lucas, 9, 49-50).
Noutros lugares, afirmou que o seu verdadeiro parentesco era com
quem faz a vontade do Pai (Mateus, 12, 46-50).
Mais tarde, S. Paulo viria a condenar os que se vangloriavam de ser
ou do grupo de Pedro, ou de Apolo, ou do próprio Paulo. Estavam
todos errados! A única atitude válida é que sigam a verdade de
Cristo (1ª carta aos Coríntios, 1, 10-16).
S. Paulo teve que lutar contra muitas divisões e jogos de
influência. Sabia ser frontal mas também ser diplomata. Sabia que os
caminhos de Deus não são como os nossos caminhos, e tinha uma fé e
esperança inabaláveis no plano de Deus. Por isso, na 2ª leitura,
deixa-nos um dos seus inspirados poemas dedicado à sabedoria divina.
«Deus escreve direito por linhas tortas». Mas Deus também nos deu
esse dom. As mais belas paisagens só se apreciam por «caminhos
tortos». Haverá paisagem mais bela do que a vida? Há noites, abismos
e tempestades – mas é reconfortante ver como Jesus termina o convite
a Pedro: os poderes do mal nunca levarão a melhor. |