16º Domingo do Tempo Comum (ano A)
1ª leitura: Livro da Sabedoria, 12, 13. 16-19
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Romanos, 8, 26-27
Evangelho: S. Mateus, 13, 24-43
Podia-se ter inspirado na liturgia deste domingo, a peça assim
intitulada do insigne dramaturgo espanhol Calderón de la Barca
(1600-1681). Nela teatralizou o comportamento, ora ingénuo, ora
honesto, ora ainda retorcido e no fundo inconsciente, das figuras
mais típicas da humanidade, contra o pano de fundo da verdade e
justiça de Deus.
«O justo deve ser amigo dos homens», diz o Livro da Sabedoria (é o
último livro do Antigo Testamento, escrito entre 100 a 30 anos antes
de Cristo, num grego de qualidade, provavelmente no grande centro
cultural de Alexandria, no Egipto). O autor, desconhecido, reage
profundamente à descrença em Deus, por muito amigo que seja
apresentado. No tempo do autor, muitos judeus cultos abandonaram a
fé. Já então, havia quem visse no progresso dos conhecimentos
científicos, filosóficos e esotéricos, motivo de desprezo pela
questão religiosa. Os problemas de base são os de hoje: Esta vida
terá algum sentido? Não é evidente que nascemos do acaso e
caminhamos para a morte? Como poderemos falar de Deus, falar de uma
«justiça perfeita»? Como poderemos confiar num Deus que permite o
sucesso de gente iníqua a par da perseguição e sofrimento daqueles
que procuram o bem? (Os dois primeiros capítulos do Livro da
Sabedoria são magnífico exemplo do dramatismo da condição humana).
Não é raro o sentimento de que este mundo mais não é do que um campo
de ervas daninhas. A sabedoria da cultura judaica reconhece que
«todo o ser humano é inconstante» e facilmente traiçoeiro (ver por
exemplo o salmo 12: «Salvai-nos, Senhor, pois cada vez há menos
justos»…). É um sentimento comum às piores ondas de pessimismo. E no
entanto, bem sabemos que não somos só nós a ser bons… E que não
faltam exemplares de cultura sadia.
A parábola do evangelho testemunha a sabedoria de Jesus, reflectindo
o olhar sereno de Deus – demasiado calmo, a nosso gosto, que
desejaríamos «castiguem-se os maus – já!» Bem queriam os «bons»
trabalhadores arrancar a erva má; mas o senhor do campo – que era
mesmo «bom» e sábio – deu ordem para que se deixasse cada pé crescer
segundo a tendência própria: na altura da ceifa, é que seria fácil
distinguir o bom do mau. O juízo verdadeiro e final só cabe a Deus.
É caso para dizer: – Que paciência, meu Deus!
Mas Jesus não esperou pela «outra vida» para atacar os que não
procediam correctamente. Uma que outra vez, terá mesmo escolhido
atitudes de alguma violência. Porém, avisa que nos compete «crescer»
o melhor possível, pesem as moléstias a nosso lado e em nós mesmos.
Por outro lado, a indulgência é eficaz enquanto manifesta a
sabedoria e autoridade divinas – aqueles que não têm o poder
verdadeiro é que são impacientes e abusam da força
(Sabedoria,12,17). Porque é a autoridade perfeita, Deus ama
absolutamente, sem limites nem parcialidade nos seus juízos; até
«àqueles habitantes da terra» cruéis e assassinos, dá-lhes tempo
para despertar do erro – pois «não deixam de ser homens», com a
dignidade e fraqueza próprias. Jesus revela ainda, e com o exemplo
da vida, que Deus nos ensina a ser amigos dos homens e a nunca
desesperar de um mundo de justiça.
O desejo desta Sabedoria aparece nas breves linhas da 2ª leitura.
Porém, «ser amigo dos homens» é lutar por uma educação autêntica,
que desenvolva o juízo crítico de cada qual e o torne capaz de
apontar o dedo às ervas daninhas. Só assim se pode criar uma
consciência de ética global (profundamente defendida pelo distinto
teólogo humanista Hans Küng), que evite a confusão entre o mal e o
bem; e que os Governos deixem de ser corrompidos pelos grandes
grupos económicos; e que um chefe corrupto deixe de ser lisonjeado,
só porque é rico e poderoso – pelo contrário, que seja publicamente
desacreditado e justamente punido.
As outras duas parábolas sobre o «reino de Deus» – o pequeno grão de
mostarda ou o fermento silencioso – corroboram a aparente estagnação
ou até retrocesso do desenvolvimento do bem e justiça neste mundo,
mas que na realidade esconde um germinar e crescimento constantes,
só abafados se a boa semente não luta contra a invasão destruidora.
Até grandes pensadores e homens de acção sofreram momentos de
desilusão. Alguns acabaram os dias na tristeza, como foi o caso do
filósofo Max Horkheimer (1895-1973), especializado na crítica
social: desiludido com a dialéctica marxista, também não encontrou
no cristianismo (particularmente na igreja católica) o testemunho da
«revolução» espiritual de Jesus, que implicava maior respeito pela
pessoa e portanto uma sociedade interessada pela Justiça e não
moldada pelos interesses e ideologias das classes dirigentes.
Precisamos de gente que distinga as ervas daninhas do trigo genuíno,
não colaborando com projectos desumanos.
Porém, uma visão do mundo sábia, com arte e prudência eficientes, só
é possível se estamos dispostos a aprender, na verdade e
simplicidade, com o «Senhor do campo». |