Liturgia Pagã

 

Uma velha canção brasileira

13º Domingo do tempo comum (ano A)

1ª leitura: 2 Livro dos Reis, 4, 8-16

2ª leitura: Carta aos Romanos, 6, 3-4, 8-11

Evangelho: S. Mateus,10, 37-42

 

Cantava-se pelos finais dos anos 40 do séc. XX. Com a graça e espontaneidade do seu jeito e ritmo (e passe algum erro de memória), a letra dizia assim:

Nem tudo o que luz é oiro

Nem tudo o que balança cai.

E a moça que a gente conhece

Todo o dia a rezar na igreja

– Pode ser que ela seja uma santa

Mas também pode ser que não seja!

Sabedoria «que a gente conhece». Mas que também esquece, porque dá mais jeito guiar-se pelas aparências e sobretudo seguir «as modas para o sucesso». Se estes versos fossem mais lembrados, juntaríamos boa disposição ao exercício da prudência nas variadas situações da vida, como ao ajuizar sobre as outras pessoas, e particularmente quando é preciso escolher alguém…

Pois todas as leituras de hoje só dão razão a esta sátira deliciosa. Senão, vejamos:

O profeta Eliseu só foi aprovado como pessoa fidedigna depois de ser ajuizado ao longo de muita convivência (1ª leitura). Quanto a S. Paulo, não levou ele muitos anos a perseguir e depois a estudar se Jesus era mesmo para ser levado a sério? E o próprio Jesus, não se dava, por sua vez, a conviver com toda a espécie de gente, mas não se deixando levar pelas aparências, lendo no fundo do coração? E não apelava para que nos déssemos uns bons momentos para lhe podermos ler também no fundo do coração?

Se nos queremos conhecer verdadeiramente, temos que dar tempo para conviver, prestando atenção e aliando prudência com uma atitude de bom acolhimento portadora de esperança. Na diversidade de convivências é que se apuram os amigos.

Foi a atitude de S. Paulo ao longo do «convívio espiritual» com Jesus, não se esquecendo de conviver com os discípulos que «comeram e beberam» com o Mestre. Fez de Jesus Cristo o seu «líder», mas não o queria como um fantasma: repisava constantemente a morte de Jesus – último acto do convívio terreno connosco que também sofremos e morremos. Mas como tinha experiência de um Jesus Cristo vivo, aprofundou o sentido da existência humana, reavivando o símbolo da própria morte: descobriu nela a passagem para um nível de vida superior; e não esqueceu as pequenas mortes de cada dia, que penalizam o corpo e o espírito, mas ao mesmo tempo nos levam a olhar a vida com mais sabedoria, mais equilíbrio. E como ele próprio diz, vamos morrendo para os modos mais imperfeitos de viver. A vida balança muito… mas «nem tudo o que balança cai!»

O evangelho é a parte final das considerações de Mateus sobre o que é ser discípulo de Jesus Cristo: nada nos deve impedir de reconhecer a missão de Jesus – nem os amigos ou família mais chegada. Temos que saber conviver com todos, mas de tal maneira que todos sintam que devem e vale a pena empenharem-se num projecto de «viver feliz», que exige não poucas vezes passar acima de interesses meramente pessoais ou de associações que só sabem proteger-se a si próprias. Mateus já tinha a experiência de «grupinhos» dentro da comunidade cristã, e por isso lançou o alerta.

Jesus vincou a urgência de implementar este projecto – a que chamou do «reino de Deus» (os tempos actuais bem mostram como certos grupos de poder querem «reinação» só para eles!). Justamente, está em causa a convivência perfeita entre nós (onde o oiro não seja falso e onde o que balança não caia…), de tal modo que possamos sentir o próprio Deus passeando com agrado neste «jardim» ao nosso cuidado…

26-06-2011


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