7º Domingo do tempo comum (ano A)
1ª leitura: Levítico, 19,1-2.17-18
2ª leitura: 1ª Carta de S. Paulo aos
Coríntios, 3,16-23
Evangelho: S. Mateus, 5,38-48
S. Mateus
continua a metralhar que os apoiantes de Jesus Cristo não se podem
tranquilizar com os legalismos tradicionais. O que diria Mateus aos
actuais milhões nascidos (com neurótico pesar de muitos deles) numa
civilização de matriz cristã? É que estamos mesmo a andar para trás:
se matarmos de uma maneira que não é prevista pela lei, já não é
mal; se nos dá jeito aplicar uma lei racionalmente disparatada ou
má, já nos achamos perfeitos… E sobretudo, mesmo que votemos contra
eles, adoramos os políticos que fazem tudo para que a gente não
tenha que pensar, como ovelhinhas descuidadas seguindo o seu pastor,
atentas apenas aos gravetos de erva que lhes fazem cócegas no
focinho… Se os pastores lhes batem, dão dois saltos e tudo esquecem
no regalo do novo montinho de pasto em que aterraram a jeito.
Há quem lhes
chame «santinhos», porque parecem não incomodar ninguém, embora
espalhem os vírus mais perniciosos contra o progresso da humanidade.
Até há quem os queira «santificar», porque parecem sempre dispostos
a apanhar mais paulada, sem com isso deixarem de pastar. E
baseiam-se no evangelho de hoje, como se lá estivesse escrito: não
resistas a quem te faz a vida negra.
Na realidade, a
expressão «não resistas» seria com maior exactidão substituída por
«não pagues na mesma moeda», não te deixes levar pela vingança, sê
prudente, considera a melhor maneira de enfrentar o mal (a 1ª
leitura diz que quem não corrige o próximo, procede mal). Quem
alinha com Jesus, alinha com o progresso real da pessoa humana, com
um modo mais elaborado de se defender e de promover, a nível pessoal
e social, comportamentos mais consentâneos com a nossa dignidade.
Estamos muito longe das ovelhinhas do 1º parágrafo.
O estilo semita
parece por vezes exagerado e provocativo, mas justamente para chamar
a atenção de coisas importantes. E nada mais importante do que o
célebre preceito (teoricamente aceite a nível universal): «amarás o
teu próximo como a ti mesmo». É um preceito optimista e na realidade
muito prático: parte do princípio que cada qual é suficientemente
inteligente para reconhecer o que é bom para ele; e que é impossível
um desencontro total entre pessoas que procuram a sério o próprio
bem; e que por isso basta pensar naquilo que desejamos a sério, para
ir ao encontro do que os outros desejam a sério…
Bem, convenhamos
que «é prático» mas não é assim tão fácil: porque temos que deixar
de ser ovelhinhas presas ao sabor do que lhes vem à boca. Os seres
humanos erguem a cabeça, e até por isso tropeçam e caem, mas já não
esquecem o céu para que olharam.
É isto «ser
santo»: na história das palavras e dos conceitos, significa saber-se
«separar», «dedicar-se» a um objectivo para além do que roça o nível
primário dos sentidos.
Na história do
fenómeno religioso, «santo» significa como Deus está «separado» de
tudo o que é defeituoso, de tudo o que é perecível. Porém, com os
seres humanos, Deus põe-se ao alcance de quem procura o que lhe faz
bem, de quem sabe ver como tudo nos pode elevar até à beleza e
imortalidade divinas.
Por isso, o «povo
de Deus» tinha que se «separar» das imperfeições das civilizações
envolventes; e através de actos de culto, mostrar publicamente a boa
vontade de se «separarem» cada vez mais de modos de vida
humanamente mais pobres.
Em Jesus, Deus é
revelado como Pai: com quem podemos falar, chorar, e contra quem
podemos gritar. Quanto mais lhe falarmos, mais forte se torna o elo
entre a nossa fragilidade e a «solidez» própria de Deus. Não é
apenas uma questão de psicologia: é preciso um corajoso acto pessoal
para não nos contentarmos com ser «santinhos»… |