2010.11.14 -
A ÁRVORE DE ZAQUEU
Nosso Senhor
Jesus Cristo Rei do Universo (ano C)
1ª leitura: 2º
livro de Samuel, 5, 1-3
2ª leitura: Carta
de S. Paulo aos Colossenses, 1, 12-20
Evangelho: S.
Lucas, 23, 35-43
Nunca foi
destronado… porque nunca teve trono algum! E para quem o queria
seguir, disse claramente: «o filho do homem» não tem onde reclinar a
cabeça» (Mateus, 8,20). Coroa, sim, mas de espinhos, e até essa por
desprezo e brincadeira maldosa. Só o letreiro da cruz
(ironicamente?) referia o título de «Rei dos Judeus» (evangelho) – o
que, aliás, provocou uma acesa indignação por parte dos «príncipes
da Igreja» desse povo (evangelho de S. João).
Outra ironia:
foram também os «príncipes da Igreja», mas desta vez da própria
Igreja que se diz seguidora de Jesus, quem «escolheu a coroa»
própria de reinos e luxos esplendorosos, com a desculpa de imitar na
terra «o reino dos céus» (Mas quem disse que o céu consiste no luxo
e exibição de poder?) Pena é que, ao longo dos séculos, muita gente
e até cristãos preferiu perder a cara para se gabar da coroa.
Só o «ano
litúrgico A» (o primeiro de um ciclo ternário) apresenta Jesus
Cristo como o grande Rei e Juiz, no seu trono glorioso, a condenar
eternamente aqueles que não se preocuparam com o bem comum ou não
ajudaram quem precisava de ajuda; e a premiar os que dedicaram a
vida a fazer o bem, convidando-os a participar da eterna alegria do
seu reino (S. Mateus, 25, 31-46). No relato de S. Lucas, nota-se
mais o sangue nas palavras de testemunho e até a promessa de entrada
no «reino de Deus» dá-se entre dois crucificados.
Ele é Rei «a
sério», precisamente porque nada tem a ver com os reis das nações
(por muito «a sério» que sejam): apresenta-se como um rei sem trono,
sem súbditos, sem soldados, sem jogadas políticas, sem corpo
diplomático...
Segundo o
evangelista S. João, Jesus respondeu a Pilatos: «Eu sou rei! Para
isso nasci e vim ao mundo, para dar testemunho da Verdade».
Interessante
associação entre rei e verdade. «Rei» e «reger» (como «regra,
erigir, surgir…) provêm da mesma raiz indo-europeia «reg», cuja
ideia geral (igualmente dela derivada) é «dirigir» na «direcção»
«correcta». «Reger» é primordialmente um acto religioso: o «rei»
liga-se àquilo que está bem, sabe que a raiz da autoridade é divina.
No reino de Deus, não há servos e muito menos escravos. E justamente
por isso, a grande característica da pertença a esse reino é saber
servir os outros.
Na 2ª leitura, S.
Paulo reflecte a cultura do tempo, que via todos os poderes visíveis
e invisíveis e todas as forças celestes sujeitas a Deus e
colaborando no governo do universo. Numa linguagem solene, refere a
absoluta realeza de Deus, da qual a realeza ou qualquer outra
manifestação de autoridade humana é apenas uma sombra ou prenúncio.
Apesar de tudo,
pelos milénios fora, milhões de mulheres e homens se deixam
surpreender por esse Jesus, que só é Rei depois da sua morte. Porque
é preciso passar pelo sofrimento total para ter a autoridade de
falar sobre a alegria total. Como disse Jesus aos desolados
Discípulos de Emaús: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito
para crerem em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o
Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» (S.
Lucas, 24, 25-27).
O mistério
central do Cristianismo é a revelação de Deus no comum e frágil ser
humano que era Jesus. Não é o mistério de um rei ou de um reino: já
se poderá dizer que é o mistério da subversão dos variadíssimos
reinos que nós construímos sem respeitar a «dignidade real» de cada
ser humano. É a revelação optimista de que o universo não está
abandonado a si próprio: muitas vezes escondida nele, mas presente
em todo ele, está a «correcta direcção».
«Cara ou coroa?» Jesus escolheu e deu a cara. |