2010.10.24 -
A ÁRVORE DE ZAQUEU
30º Domingo do tempo comum (ano
C)
1ª leitura: Livro de Ben-Sirá,
35, 12-18.
2ª leitura: 2ª Carta de S. Paulo
a Timóteo, 4, 6-8, 16-18
Evangelho: S. Lucas, 18, 9-14
Às vezes, até parece que Deus
abana a corda para nos fazer cair – esse mesmo Pai a quem Jesus nos
ensinou a pedir que não nos deixasse cair em tentação.
Ao longo dos séculos, muita gente
e célebres pensadores puseram a hipótese de que a existência humana,
com toda esta mistura de céu e terra, não passa de uma brincadeira
de mau gosto, como se não fôssemos mais do que uns bonecos animados
durante o que chamamos vida, no fim de contas à mercê de uma força
cósmica totalmente alheia às preocupações dos míseros seres por ela
produzidos, e cuja inteligência parece apenas servir para engrossar
um negro ponto de interrogação sobre o por quê e para quê de tudo
isto.
Estes míseros seres, porém, têm
dado inequívocas provas, desde tempos imemoriais, de coragem para as
mais arrojadas experiências e especulações, e de que sabem procurar
o que há de bem, o que pode ser melhor, e o que é a justiça.
Com muitas voltas e reviravoltas,
a humanidade tem vindo a aprofundar a experiência de Deus, nas mais
diversas civilizações e pelos mais variados tipos de pensadores.
Mesmo com a imagem de um Deus que
sacode a corda em que temos de atravessar o circo, descobrimos nele
o artista que nos quer treinar devidamente e dá uma «chance» à nossa
dignidade: pois deixaríamos de ser os «desventurados filhos dum big
bang» – para sermos os sábios que se debruçam sobre o significado e
implicações da própria hipótese científica tão espantosamente por
nós elaborada.
O próprio Deus acorda as nossas
capacidades, lembrando-nos de como falar e até gritar com ele,
sobretudo no difícil equilíbrio na corda bamba (tanto sacudida pelas
nossas falhas como pelas «partidinhas» de Deus…). No Pai-nosso
repetimos, por outras palavras, que reconhecemos que Deus é a
inabalável fidelidade, para quem cada ser humano tem a sua própria
arte de se equilibrar no caminho para a justiça. Assim aconteceu com
o publicano (um «mísero» cobrador de impostos) do evangelho: «desceu
justificado para sua casa», porque, reconhecendo o risco da queda,
agarrou-se mais à «corda bamba». Para Jesus, a oração do fariseu não
podia ser aceite, pois reflectia a escolha do caminho da arrogância
e desmedida autoconfiança, como quem não quer cair na conta de que
está a provocar uma queda fatal.
Será uma questão de procurar o
«passo justo» na corda bamba. É a preocupação da 1ª leitura, é a
experiência da 2ª leitura, é a «historinha» com que Jesus nos põe
num encontro «ao vivo» entre nós e o próprio Deus.
O erro do fariseu foi querer
«cair em graça» de Deus, sem ser suficientemente «engraçado». Pois,
na conversa com Deus, é bom sentir alegria pelas coisas boas que
temos e pelo bem que fazemos. Não é verdade que precisamos de sentir
o nosso valor, para nos animarmos a continuar com determinação na
corda bamba? Não podemos é desprezar os passos mais vacilantes dos
outros nem querer mal ao sucesso dos outros.
A consciência de que todos valem
muito, apesar dos trambolhões, é a verdadeira humildade. Por isso,
Deus escuta quem é «humilde». A palavra «humilde» deriva de «humus»,
a terra, o solo que pisamos. O humilde será aquele que tem «os pés
na terra», no mau e no bom sentido: o que não é (ou não quer ser)
capaz de levantar voo... ou aquele que tem os olhos bem abertos para
ver onde põe os pés, onde se agarrar, para onde poderá dirigir os
seus passos. Ser humilde é ter consciência da nossa situação no
universo, sem cair nem na resignação nem na presunção; nem na
ganância nem no alheamento. O pior de tudo seria, para nos sentirmos
os melhores, levar os outros a escorregar na corda bamba.
Neste «circo» da vida, Deus bate
palmas ao esforço por espalhar alegria. E a grande resposta de Deus
aos «pobres e oprimidos» são as acções, tantas vezes heróicas, de
mulheres e homens em todos os tempos.
E todos nós temos passos infelizes e horas más. De acordo com a mensagem
de Jesus, vista globalmente, o que importa é apresentarmo-nos a Deus
como somos. Parece pouco? Que respondam aqueles «humildes» que levam
a sério a aventura na corda bamba. |