4º Domingo de Páscoa (ano B)
1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 4, 8-12
2ª leitura: 1ª Carta de S. João, 3, 1-2
Evangelho: S. João, 10, 11-18
Porque se empenhou em nos pode salvar «a cem
por cento»; porque era tão perfeitamente «Filho de Deus», que nos
pôde revelar que devemos lidar com Ele como filhos com um pai;
porque se atreveu a dar a vida como exemplo de luta pela nossa
dignidade; porque lhe foi dado o poder de vencer a morte e de nos
fazer companheiros da vida.
Nesta linha de ideias, S. Pedro deu o tom e S.
João foi atrás. A partir de agora, começaria uma nova história sobre
o que é que a gente anda cá a fazer.
Há quem diga que o mistério de Deus é o
mistério do sofrimento e da morte – mas estas coisas só acontecem
justamente porque há vida. Com o exemplo de Cristo, podemos admirar
como é possível viver tão profundamente o mistério de Deus, que não
se tem medo da vida.
De certa maneira, como que somos “apanhados
pela vida”. Temos, porém, o poder de contar a nossa história e
contar a dos outros (especialmente dos que não têm possibilidades
para contar). Contamos para nós, contamos para os outros. E também
contamos para Deus e a história dele connosco. De certa maneira,
existimos na medida em que somos «contadores» e «contados». Cada um
de nós é uma história na «bíblia» da vida.
Ao falar de si, Jesus gostava de contar
histórias de pastores. Hoje em dia, contaria histórias de
empresários – e andou por lá perto, ao falar de proprietários
chamando trabalhadores e organizando grandes festas, e que muitas
vezes vêem os créditos mal parados.
Na tradição religiosa dos Judeus, a imagem de
pastor aplica-se frequentemente a Deus e ao rei messiânico ou ainda
aos altos responsáveis político-religiosos de Israel. Uma profissão
bem árdua, apenas suportável com muito “amor à camisola”. Hoje em
dia, nem no desporto este amor é sincero: troca-se de clube,
compram-se árbitros, jogam-se interesses… e perde-se a camisola.
Também muitos pastores não têm verdadeiro amor
nem às ovelhas nem sequer ao cajado. Interessa-lhes sobretudo tirar
proveito do cajado, não hesitando, se for rentável para eles, em
matar as ovelhas à cajadada.
Graças a Deus – justamente a esse Deus como
Jesus no-lo apresenta – há também muita gente que se sente
inteiramente paga por gastar a vida («dar a vida») a descobrir novos
pastos e mais seguros. Porque «dar a vida» não é entregar-se à
morte, como um suicídio mais ou menos lento: é, isso sim, não ser
avarento da vida, colhendo a alegria e o prazer de ajudar os outros
a viver melhor. Como o ininterrupto passa-vida de pais a filhos.
Merece ser notado, neste texto do evangelho,
como o pastor procura assegurar alimento sem esquecer a liberdade de
movimentação. Tem um conhecimento “personalizado” das ovelhas – no
vocabulário bíblico, «conhecer» tem a densidade de uma ligação
profunda com a outra pessoa, podendo até significar a mais íntima
relação amorosa.
Nos dias de hoje, Jesus Cristo até que podia
apresentar-se como banqueiro. Um banqueiro com discernimento para o
negócio, mas que está sobretudo empenhado em partilhar esse
discernimento com toda a gente. Aceita qualquer depósito, mas
converte as taxas em capital para o bem dos depositantes. Não foge
quando chega a hora de investir pelos que precisam.
Indiscutivelmente, o melhor banqueiro. E quando empresários ou
políticos invejosos, descontentes por não poderem juntar acima do
que é justo, ameaçam de morte, ele não recua. Aliás, já industriou
os clientes para saberem passar por cima da crise.
Atitudes como esta são frequentemente vistas
com desdém. Compreende-se: para lutar pelo que vale mais a pena é
preciso ser uma pessoa de coragem. Coragem, por exemplo, para
implementar uma eficiente organização social: cada vez mais nos
damos conta de que os talentos de cada qual não são “investidos no
melhor banco”. Há sempre falta de médicos capazes de «dar a vida»
pela saúde de todos; de varredores de rua a «dar a vida» pela
higiene e beleza das paisagens urbanas e rurais; de professores a
«darem a vida» para que os alunos tenham melhor vida; de
construtores a «dar a vida» pela segurança e harmonia das
empreitadas; de políticos a «dar a vida» pela verdade e pelo bem
comum (sobretudo pelo bem das “ovelhas” que não pertencem ao
“rebanho” deles…). E a lista não acaba.
Só estes é que não são mercenários.
Mercenário define-se como aquele que trabalha
por interesse, a troco de dinheiro, e cedo começou a designar o que
é movido apenas “por dinheiro”, mesmo na mais nobre das actividades.
Falamos mal dos mercenários porque temos
inveja de não fazer tanto dinheiro como eles?
Ou porque sabemos que «dar a vida» é de facto
o melhor “investimento” numa vida que dá gosto viver?
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