Liturgia Pagã

 

Cuidado com o fogo!

Domingo de Pentecostes (ano B)

1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 2, 1-11

2ª leitura: 1ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, 12, 3-7.12-13

Evangelho: S. João, 20, 19-23.

 

Fogo e vento sempre foram símbolos do poder do espírito de Deus. O «sopro» ou «espírito» de Deus, revelado em Jesus Cristo, só é claramente reconhecido depois de Jesus viver na alegria de Deus (como vimos na festa da «Ascensão»). É o mesmo «sopro» (em hebraico ruah e em grego pneuma) da criação do mundo e da criação do Homem. É o vento e a respiração. Ambos estão ligados à morte e à vida, mas particularmente à força vital.

 Os discípulos de Jesus tanto se deixaram entusiasmar pela experiência de um «mundo novo», que desataram a falar em público sem peias, com um poder extraordinário de comunicação e de percepção do essencial. Meteram tanto fogo na actuação, que os poderes instituídos se incomodaram: foram reduzidos ao silêncio, não faltando perseguições cruéis. Queimaram-se e bem.

Os Actos dos Apóstolos dão o colorido das «línguas de fogo» e do «dom das línguas»: simbolizando que a nova mensagem é facilmente inteligível, se a queremos escutar, e promove a união e o apreço dos seres humanos entre si. É interessante contrastar com o desentendimento provocado pela vaidade e ambição dos construtores da Torre de «Babel» («confusão», em hebraico), como conta a lenda do Livro do Génesis (11, 1-9).

Era a festa do Pentecostes (o «quinquagésimo dia» depois da Páscoa, ou seja, o dia seguinte a 7 vezes 7 dias). Para os cristãos, esta festa significa o início da aventura da humanidade na construção do «reino de Deus» e no anúncio da «boa nova». As barreiras étnicas e linguísticas são cada vez mais vencidas. Disso são exemplo os primeiros missionários da Idade Média, que se tornaram protagonistas do desenvolvimento da cultura local; ou os primeiros missionários portugueses na América do Sul, no Japão e na China, que trabalharam para comunicar o mais perfeitamente possível com esses povos, inserindo-se na cultura deles e defendendo os direitos humanos com a força do «sopro de Deus».

Cabe a cada homem desejar ou não o espírito de Deus; e quem quer que o aceite recebe-o à maneira da sua personalidade, como ser livre que é, e só assim poderá fazer render ao máximo os talentos de que é dotado. Nesta concepção de «espírito santo», assentam as várias confissões religiosas de raiz cristã. É difícil para o Homem conciliar diversidade e unidade. Mas em Deus une-se a riqueza de todos os contrários, na feliz expressão do grande humanista Nicolau de Cusa (s. XV).

 Hoje, lembramos que uma pequena comunidade se dispôs a aprofundar um plano sobre o que é o que vale mais a pena para os homens, «em sociedade» com o Deus da união, da verdade, da cooperação, da sabedoria. O aprofundamento do projecto, porém, e a discussão dos processos de acção exigem que assiduamente essa comunidade se reúna e se mostre receptiva ao espírito da Sabedoria – o que implica o «grupo perfeito», no qual se partilham e fundamentam as opiniões mais diversas das pessoas mais diversas. Quem só se ouve a si próprio ou, pior ainda, quem se julga o único depositário do «espírito santo», é um daqueles que não sabe ter cuidado com o fogo: tanto o pode deixar morrer como o pode deixar descontrolado ao sabor de ventos tempestuosos.

Na vida, tudo toma a forma de um projecto: a família, a organização do trabalho, da educação, da política… Se queremos «ser perfeitos como Deus» (Mateus, 5, 48), temos que ser também criativos no esforço de procurar o bem e de o promover em toda a terra.

25-05-2015


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