Liturgia Pagã

 

À procura de tempo e de espaço

Dedicação da Basílica de Latrão

1ª leitura: Ezequiel, 47, 1-2.8-9.12.

2ª leitura: 1ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, 3, 9c-11.16-17.

Evangelho: S. João, 2, 13-22.

 

Nos modernos aviões, poupa-se no tempo de viagem e no espaço para cada passageiro. O que nos leva a querer sair desse espaço detestável no menor tempo possível… Também há quem disponha de ricas moradias num terreno fabuloso, onde haja espaço e tempo para tudo o que mais desejamos… mas que não tem tempo para gozar esse espaço! Como há quem tenha palácios assim e os ofereça a quem não pode fazer negócio à moda dos «grandes do mundo»:

Constantino (o tal que, no séc. IV, apoiou sua mulher Santa Helena na «invenção da Santa Cruz», festejada a 14 de Setembro) poderia pensar que, ao «dar a Deus» o melhor dos seus palácios em Roma, transformava o espaço humano num espaço divino. (O Palácio Laterano, construído pelo imperador Marco Aurélio no ano 161, sofreu várias alterações e foi doado ao Bispo de Roma, tornando-se o palácio papal até cerca do séc.XIV; a igreja anexa foi a primeira a ser publicamente consagrada, ganhando o prestígio de «igreja mãe»). Para ele, como para muitos antes e depois dele, era fundamental a ligação perfeita entre o maior imperador da terra e o único «Imperador do Universo».

Mas tem muito que se lhe diga, «dar a Deus» uma rica e espaçosa «moradia»…

Com efeito, cerca de 1000 anos antes de Cristo, o rei David queria construir um templo ao Senhor. Acontece que a Deus não agradava um templo edificado por um rei violento. Caberia a obra a seu filho Salomão, «um homem pacífico», a quem Deus prometeu: «ele edificará uma casa ao meu nome, será para mim um filho e Eu serei para ele um pai» (1 Crónicas,22,10). Ficou célebre a sabedoria de Salomão e sabiamente assim falou (2 Crónicas,2,4-5): «O templo que vou construir deve ser grande, pois o nosso Deus é maior que todos os deuses. Mas quem será capaz de lhe construir uma casa digna dele, se o céu e os céus dos céus não o podem conter?» A magnífica oração que lhe foi atribuída, na festa da inauguração do templo (1 Reis, 8, 22-53), reflecte vivamente a necessidade de um tempo e espaço especial não para Deus mas para todos aqueles que precisem ou queiram sentir com mais intensidade o abraço amigo de Deus. («Tempo» e «templo» derivam do mesmo radical «tem» cujo sentido é cortar, dividir – delimitar um espaço e um tempo para uma finalidade específica).

Quem diria que o templo de Salomão seria destruído mais de 400 anos antes de Cristo e o novo templo arrasado no ano 70 da nossa era! A consciência de que até os objectos mais sagrados são perecíveis está presente ao longo da Bíblia e sentidamente manifesta por Jesus (Lucas,19,41-44), ao chorar sobre Jerusalém e o seu templo. E na conversa com a samaritana (João,4,19-24), esclarece: «Deus é espírito; por isso, os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade». O templo físico é falso se nos faz esquecer que só em nós é que se dá o verdadeiro encontro com Deus – ideia já expressa no Livro de Isaías (66, 1-2). Na verdade, para quê frequentar Basílicas, seja ela a de Latrão, se não somos cristãos nos negócios, na política, na escola, na família…? Não se trata de trazer o templo «cá para fora» como quem põe «os olhos no céu». A «conversa» com Deus num ambiente descontraído é a modos da conversa com um amigo que tem o dom do conselho: dá-nos força para fazer bem o que nos compete fazer.

Por isso, precisamos do «conforto» do Templo – e de tempo para lá estar. Como precisamos das horas de descanso e convívio ao fim do dia, no fim-de-semana, em ambiente familiar. Como os namorados precisam de um cantinho especial – e de todo o tempo…

Austero, simples ou sumptuoso (reflectindo os diferentes modos de conceber o «sagrado»), o Templo tem que ser acolhedor. Onde nos encontramos com nós próprios e descobrimos o prazer de olhar e contribuir para o que é belo na vida.

09-11-2014


  Página anterior Página inicial Página seguinte