28º Domingo do tempo
comum (ano C)
1ª leitura: 2º livro
dos Reis, 5, 14-17
2ª leitura: 2ª Carta
de S. Paulo a Timóteo, 2, 8-13
Evangelho: S. Lucas,
17, 11-19
Palavras de boa
convivência terão enferrujado por serem vistas como «tiques» da
«elite dos bem educados»? Ou como sinal de quem continua preso a
maneiras antigas de pensar e de interagir? E será que alguém se
rebaixa por dizer «muito obrigado», «bem haja», «se faz favor»…?
Porém,
quem não gosta de ouvir estas palavras? Seja ao pedir ou ao ceder
passagem, seja ao reconhecer a simpatia de um serviço ou ao prestar
atenção… Palavras plenamente substituíveis por um sorriso ou olhar.
E que não excluem ninguém: quem apanha o lixo ou zela pela nossa
segurança, por vezes em condições bem duras… e olhando as crianças
com especial cuidado.
O típico português «bem haja» aponta para o desejo de
que, através do gesto amigo, frutifique a semente do bem.
«Muito
obrigado» é mais corrente, mas pode ser dito com um sentido de
despeito, desilusão, ou mesmo de certa raiva por alguma coisa que
nos foi feita e acaba por ferir.
Com
Deus, é frequente querer usar este «obrigado». Na Sagrada Escritura,
bem lemos esse amargor – no livro de Job, nos salmos… Parece que
Deus só se lembra de nós para fazer sofrer. Vá-se lá entender! Por
muito que a Bíblia afirme que «os caminhos de Deus são misteriosos»
e que a sabedoria popular lembre que Ele «escreve direito por linhas
tortas» ou que «dá o frio conforme a roupa»…
Porém,
as fundamentadas invectivas de Job contra Deus não o fizeram
esquecer do sentido positivo do «obrigado», aprendendo a
encontrar-se com Deus em todas as contingências da vida.
Com
efeito, «obrigado» significa estar «ligado» (ob+ligare) a
alguém, pela experiência de algo de bom que esse alguém nos
proporcionou. Mais força tem a palavra «religião», que significa
estar «ligado» (re+ligare) de maneira muito especial. Dizer
«obrigado» a Deus pode ser assim um profundo acto religioso.
O
general sírio e os dez leprosos das leituras de hoje tinham a
experiência da dor acompanhada da exclusão social. Na primeira
leitura, o general pagão é curado da lepra; no evangelho, dez
leprosos são curados. Muito teimou o general pagão para que o
profeta Eliseu aceitasse um presente como sinal do «muito obrigado»!
Eliseu, porém, lembrou ser mais sábio um «bem haja» para os dois e
para todos os vindouros – e construíram um local de homenagem ao
encontro com o Bem.
Jesus
não resistiu ao pedido dos dez leprosos – sofrimento agravado pela
expulsão da vida comunitária (embora imposta por razões de higiene,
favorecia o sentimento popular de desprezo).
É
notório o fraquinho de Jesus por estrangeiros, prostitutas, pobres,
doentes... Serão «marginais» por culpa própria ou não, mas ninguém
se pode colocar no pedestal dos «justos». Quando cada um souber
falar com cada qual, esquecendo os pedestais de vanidades,
desenferrujando as palavras e atitudes que unem os seres humanos, é
então que se geram condições para eficazes medidas de justiça.
Todavia, só o leproso samaritano (um povo também desprezado) é que
veio agradecer. E como Jesus gostou de o ver!
É
verdade que Jesus adverte contra aqueles que praticam o bem para
serem enaltecidos, ou, pior, para formarem um séquito de dependentes
– recebem, quando muito, a recompensa própria de quem tem vistas
curtas (Mateus,6,1-6). Outra coisa é receber incentivos para bem
agir.
O mais provável é que
os dez leprosos tenham espalhado a «boa nova» e cumprido a lei
(apresentar-se aos sacerdotes para que estes comprovassem a cura e
realizassem os rituais de acção de graças). Mas nove contentaram-se
com o cumprimento da lei. Só o samaritano soube ver para além do
que lhe aconteceu e reconhecer em Jesus alguém com quem se pode e é
bom falar. Ao vir ter com Jesus, juntou as suas forças no louvor do
Bem, tão necessário quanto a condenação do mal. Realizou assim um
autêntico acto litúrgico, como a nossa «eu-caristia» (encontro de
«acção de graças» em união com Jesus Cristo) pela qual afirmamos o
sentido religioso do «obrigado» e o compromisso por um mundo de
Justiça.
Jesus não curou todos os leprosos do seu país: mas deu-nos a
entender e a sentir que «o reino de Deus já está entre nós»
(evangelho), se aprendemos a sabedoria de ir curando à nossa volta.
Devagarinho, com sábia e sincera gentileza, desenferrujamos as
palavras e atitudes de bem-querer – como activos fertilizantes da
«boa nova».
13-10-2013 |