Liturgia Pagã

 

Afinal, quem é que manda?

3º Domingo da Páscoa  (ano C)

1ª leitura: Actos, 5,27-32.40-41

2ª leitura: Apocalipse, 5,11-14

Evangelho: S. João, 21,1-19

 

Para S. Pedro, nem os sacerdotes do templo de Jerusalém nem (muito menos) os políticos (Actos, 5,17-42, donde vem a 1ª leitura).

E na leitura do evangelho, nem os pescadores são necessariamente os que sabem mais da pesca. É como se Jesus dissesse: – Então não pescaram nada? Mas olhem que eu estou a ver daqui um grande cardume! E os pescadores de responder: – Que coisa extraordinária! Como é que ele consegue ver melhor do que a gente?

Logo a seguir, S. Pedro sentiu bem a autoridade de Jesus Cristo consagrando-o para uma missão «extraordinária».

O bom senso humano, ou razão honesta, basta para compreender que ninguém sabe de tudo, e que o «ordinário» da vida se encontra envolto pelo «extraordinário» (como proclamam «todas as criaturas», num hino à vitória da vida – 2ª leitura). De tal maneira envolto, que o próprio «ordinário» só é bem saboreado se tem os condimentos do «extraordinário».

A força e o sucesso dos discípulos devem-se a terem sentido profundamente que Jesus revelava uma autoridade «extraordinária». «Obedecer» a esta autoridade é, de acordo com o significado etimológico, «prestar-lhe atenção». Dá-se assim a difícil mas fecunda união de razão e liberdade – permitindo-nos assentir, sem frustrações, ao que se evidencia como melhor opção.

A consciência da dimensão «extraordinária» da autoridade é sublinhada por Jesus, quando nos garante que Deus dá o «Espírito da sabedoria» a quem lho pedir (Lc. 11, 9-13) – mas só a alegria e bem-estar comum resultantes da nossa acção é que testemunham termos agido com Deus («Hino ao amor», 1Co. 13).

Jesus aceitou unir-se a Deus de um modo tão perfeito que O tratava familiarmente como «Pai»; e revelou, pelas palavras e sobretudo pela vida, o que significava «obedecer mais a Deus do que aos homens». Revolucionou o modo de olhar para a existência e o modo de «viver com Deus», solidificando a tranquilidade gestora dos conflitos, como é desejável numa família.

O evangelho inclui a tocante cena da confirmação da amizade de Pedro e Jesus, contrastando com as três negações de Pedro, no decorrer do processo contra o Mestre. E como é que este não ficaria com o coração derretido ao ver aquele duro pescador “mandão” atirar-se à água para mais depressa o poder abraçar?

De tal modo se tornou profunda essa amizade, que Pedro e os companheiros aguentaram com alegria as perseguições futuras. Descobriram que valia a pena pôr em primeiro lugar a autoridade de Deus, como foi revelada por Jesus Cristo.

Quando nos colocamos com Deus perante a vida, revoltamo-nos contra a caducidade desta vida, contra o sofrimento e a violência. Gritamos que somos mais do que «só isto» e que as situações mais negras apenas escondem o Amor e a Vida –  como o lembrou o Papa Francisco, na homilia da Vigília pascal.

É pela oração, que nos dispomos a partilhar da autoridade de Deus, que nos firma na alegria e no prazer de viver «apesar de tudo».

Com esta autoridade é que garantimos a liberdade. «Liberdade» e «Autoridade» contêm, nos seus radicais indo-europeus, a ideia nuclear de um ser vivo: «crescer» (leudh ) e «fazer crescer» ou «aumentar» (aug).

Não será acertado concluir que, ao colaborarmos livremente com a «autoridade verdadeira», somos sempre nós «quem manda»?

14-04-2013


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