2º Domingo do advento (ano C)
1ª leitura: Livro do profeta Baruc, 5, 1-9
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Filipenses, 1, 4-11
Evangelho: S. Lucas, 3, 1-6
É
impressionante a imagem dos altos montes a serem abatidos e os vales
profundos terraplanados por acção de Deus. É nestes termos que Baruc,
secretário do profeta Jeremias durante a deportação dos Judeus em
Babilónia, no séc. VI antes de Cristo, nos apresenta os cativos
«regressando como filhos de reis» (1ª leitura), como que na alegria
e segurança de uma gloriosa «passadeira vermelha». (Nas civilizações
antigas, imagens como estas simbolizavam o regresso triunfante do
rei). Através desta «materialização» da acção salvadora de Deus,
como um chefe de família todo poderoso, traduz o reconhecimento da
sua presença na nossa história, como aquele que dá o sentido
profundo das tristezas e alegrias.
Mas o evangelho traz uma diferença significativa: somos nós que
devemos meter mãos a esse trabalho ciclópico, para que a salvação se
vá tornando realidade. O próprio Jesus é salvador – mas foi
«operário da salvação».
Pertence a este trabalho de desbravamento e terraplanagem o
planeamento cuidadoso do melhor trajecto. E todos nós somos
necessários para a grande equipa de planeamento e execução. A 2ª
leitura lembra que a todos também é pedido o exercício da capacidade
de «discernimento», que nos permite distinguir o que é «mais
conveniente».
Para começar, todas as Igrejas cristãs precisam de fazer o
levantamento das próprias «tortuosidades», do presente mais do que
do passado, e assim terem autoridade para apontar as tortuosidades
da sociedade civil, particularmente os crimes de ordem económica e
política (que imperam sobre os vários tipos de guerra e de
perseguição).
E
ainda, dar nova vida à histórica função de «Igreja educadora»
(apesar dos erros de muitos «mestres» e da preguiça e mau
comportamento de muitos «alunos»).
Todo o mundo só ganharia se, para além de uma honesta e crítica
gestão das escolas cristãs, estas contribuíssem para estudos
alternativos da governação de um país, no qual a economia seja «a
casa» («oikos») em que a pessoa humana se sente à vontade para
descobrir os princípios directivos («nómos»/«nomia») da exploração
da sua imensa riqueza. Porque a religião está profundamente
intrincada com a política – ao contrário do que tantas vezes se diz
(com o perigo de ser uma desculpa para não contribuir para a
desejável mudança da sociedade). Aliás, a «doutrina social da
Igreja» continua a manifestar potencialidades de renovação e de
crítica não só das formas de acção mas dos próprios princípios.
Aumentou assim a esperança de viver desde já a nossa salvação.
(Uma nota, porém: não seria oportuno substituir «doutrina», termo de
conotações dogmáticas e de estagnação, por outro mais apelativo da
intervenção social – pelo menos qualquer coisa como «orientações
sociais»?).
Ao longo da bimilenária história da Igreja, surgiram vários
movimentos de pendor ascético, acautelando os projectistas dos novos
caminhos para o perigo de se distraírem do objectivo principal,
sobretudo com a tentação de olhar apenas para o prazer pessoal – na
riqueza, no poder, no sexo, na política, na religião…
A
própria vida de família e a vida de trabalho foram catalogados
depreciativamente como «cuidados do mundo», ganhando um significado
terrivelmente pessimista e negativo, por influência dessas correntes
ascéticas pouco equilibradas. Porém, o «mundo» continua a ser a
«tudo aquilo que era bom» como projecto de Deus (Génesis,1,3-25), e
é também o espaço-tempo onde o ser humano tem que escolher entre o
bem e o mal, sabendo que os defensores da justiça são frequentemente
perseguidos. Acontece que a confusão deste mundo é tanta que
chegamos a pensar nele só como terreiro do mal…
Por isso, ninguém devia cruzar os braços perante este grande
projecto de um mundo melhor, não esquecendo que «o trabalho do
menino é pouco mas quem o despreza é louco». «Think positive» – será
o lema das leituras de hoje. Com efeito, não se referem apenas à
colheita «no fim dos tempos», mas ao semear e recolher nesta vida.
Fazendo dos cuidados do mundo o caminho de Deus,
descobrimos neles a alegria de quem se esforça pela Justiça.
A
oração da liturgia de hoje pede a Deus «que os cuidados deste mundo
não sejam obstáculo para caminhar generosamente ao encontro de
Cristo». Porém, o resto da oração mais parece pedinchar «um
lugarzinho no céu». Com ligeiras alterações, podia ficar assim: «que
a sabedoria do Alto» nos ajude a tirar bom proveito dos «cuidados
deste mundo», sem nos afundarmos neles nem perdermos o sentido das
coisas, tecendo também com eles a grande «passadeira vermelha».
09-12-2012 |