34º Domingo do tempo comum (ano B)
1ª leitura: Livro do profeta Daniel, 7, 13-14
2ª leitura: Livro do Apocalipse, 1, 5-8
Evangelho: S. João, 18, 33-37
A Solenidade de Jesus Cristo Rei nasceu num
ambiente de grande instabilidade política e ideológica. Foi
instituída em 1925 pelo Papa Pio XI, que em 1937 condenou o regime
totalitário de Hitler e Mussolini, como incompatível com a liberdade
e supremacia do «Reino de Cristo». Estabeleceu vários acordos
políticos, que garantiram a independência do poder civil e
neutralidade do Vaticano, com o objectivo de melhor cuidar da defesa
da integridade da pessoa humana e lutar contra a pobreza e contra os
inimigos da «paz verdadeira».
Também as leituras foram escritas num clima de
perseguição e instabilidade: a perseguição aos Judeus que motivou «a
guerra dos Macabeus» (167-160 a.C) e as grandes perseguições de Nero
até Domiciano, passando pela destruição do Templo por Vespasiano, no
ano 70 (2ª leitura e evangelho).
Hoje em dia, não são tanto questões religiosas
que fomentam perseguições: são lutas de poder, de vingança, de
inveja e resultam todas elas de uma profunda falta de educação
religiosa ou, por outras palavras de infantilismo cultural – vírus
altamente contagioso, sobretudo quando é espalhado por quem está
altamente colocado nas esferas políticas e religiosas (e não há
nenhuma religião sem telhados de vidro). Por isso se espera que os
«ministros» (=«servidores», etimologicamente!) das Igrejas sejam
exemplo da autoridade própria de quem defende a íntegra salvação de
cada pessoa (e não só dos seus «fiéis», ou só de uma classe social
ou mesmo só de um povo). Uma religião séria tem que ser sinal de
contradição perante o egoísmo, corrupção e injustiça dos grupos
detentores de poder político e económico.
Infelizmente, a grande importância e poder
terreno da «Igreja de Roma» (o mais prestigioso centro do
cristianismo) tornou-a muitas vezes uma «pedra de tropeço»
(«escândalo») e não um grito e exemplo contra a corrupção. Por outro
lado, o poder político sempre teve muito interesse em se servir da
religião para unificação política e domínio das consciências. Assim
pensou Constantino, o 1º imperador cristão (324-337). De facto,
facilitou a unificação do império e a formação da «cristandade»
(conjunto dos países e povos cristãos, que moldaram, a partir do
séc. V, os princípios sociais e políticos geradores da Europa como
unidade cultural). Porém muitos Papas, Bispos e teólogos não
resistiram à tentação da riqueza e do poder, acabando por fomentar a
vaidade, a adulação, o servilismo e mesmo perseguições e guerras.
A 1ª leitura evoca a misteriosa figura de um
ser com aparência humana, chamado por Deus a presidir à orientação
perfeita do universo. Cabe à 2ª leitura reconhecer Jesus como a
grande testemunha de Deus, o cumpridor fiel das exigências dessa
orientação, independente (não «acima» nem «abaixo», porque de outro
nível) de toda a soberania terrena. Estamos convidados ao verdadeiro
culto que nos liga a Deus (a que aludia Jesus ao falar com a
samaritana, na linha dos antigos profetas) – e que é «viver a
sério», tirando partido do trabalho e do lazer para multiplicar a
alegria e a justiça, garantindo um proveito autêntico para a
Humanidade.
Finalmente, o evangelista refere que Jesus se
afirmou «rei» – mas estranho rei: não joga como os políticos «cá de
baixo» porque é rei a sério. Longe das vulgares formas exteriores do
poder, Jesus fala de um «reino» assente nas formas interiores da
autoridade.
Esta interioridade só é atingível por quem dá
tempo à meditação e ao juízo crítico, independente de imposições
políticas ou religiosas. Precisamos de uma Igreja que não procure «o
culto da personalidade» dos seus «líderes», como se nunca se
enganassem e acima de toda a suspeita; não descansando sequer sobre
«o culto da imagem» da própria Igreja no seu todo, como se fosse a
única «reserva» da verdade. Uma Igreja rica de interioridade não só
não tem medo desta crítica como a favorece – caso contrário perde
credibilidade e não pode responder às inquietações do «mundo».
É
esta a verdadeira «guerra» dos mundos. As guerras comuns geram mais
guerra e violência. Mas o reino de que fala Jesus não sustenta as
guerras deste mundo, porque a sua força é a da verdade (evangelho),
incansavelmente procurada por todas as culturas e gerações, como uma
confrontação dirigida a cada ser humano para que escolha sem
fingimento a Paz .
25-11-2012 |